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Acórdão TR Lisboa de 2023-02-22

3278/19.2T9AMD.L1-5

TribunalTribunal da Relação de Lisboa
Processo3278/19.2T9AMD.L1-5
RelatorAnabela Cardoso
DescritoresRectificação de Sentença, Notificação
Nº do DocumentoRL
Data do Acordão2023-02-22
VotaçãoUnanimidade
Meio ProcessualRECURSO PENAL
DecisãoImprocedente

Sumário

Verificando-se um lapso de escrita na sentença, após a sua leitura, que justificou a sua rectificação, nos termos do art. 380º do CPP, um novo depósito e a notificação aos mandatários, não se impõe a sua notificação ao arguido, exactamente por dela já ter sido notificado (artigo 113.º, n.º 10, do CPP) e por não estarmos perante uma nova decisão, designadamente sobre o seu mérito, por tal não ser legalmente permitido.


Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. No Processo Comum, com julgamento, com intervenção do Tribunal Singular, nº 3278/19.2T9AMD, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Criminal da Amadora, foi julgado o arguido, A, tendo, após a realização do julgamento, em 26 de Maio de 2022, sido proferida a seguinte decisão: "A. Pelo exposto, julga-se a pronúncia e a acusação particular parcialmente procedentes por parcialmente provadas e, em consequência, decide-se: a) Absolver o arguido A da prática de um crime de dano, p. e p. pelo art.º 212.º, n.º 1, do CP, b) Condenar o arguido A: 1. Pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo art.º 212.º, n.º 1, do CP, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), no quantitativo global de €440 (quatrocentos e quarenta euros), 2. Pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo art.º 212.º, n.º 1, do CP, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), no quantitativo global de €440 (quatrocentos e quarenta euros), 3. Pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo art.º 212.º, n.º 1, do CP, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), no quantitativo global de €440 (quatrocentos e quarenta euros), 4. Pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1, 151.º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 131.º do CP, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), no quantitativo global de €385 (trezentos e oitenta e cinco euros) 5. Pela prática de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, do CP, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), no quantitativo global de €440 (quatrocentos e quarenta euros) 6. Pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143.º, n.º 1 do CP, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), no quantitativo global de €440 (quatrocentos e quarenta euros) 7. Pela prática de um crime de difamação, p. e p. pelo art.º 180.º do CP, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), no quantitativo global de €330 (trezentos e trinta dias) 8. Na pena única em 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz a multa global de €1650 (mil seiscentos e cinquenta euros). 9. Nas custas do processo com 2 UC de taxa de justiça (artigo 513.º, nº 1, do CPP e artigo 8.º do RCP). B. Mais se julga o pedido de indemnização civil apresentado por Lúcia Gonçalves de Castro Santos parcialmente procedente por parcialmente provado e, em consequência, decide-se condenar o demandado A a pagar-lhe: a) a quantia de 196,80€ (cento e noventa e seis euros e oitenta cêntimos), a título de danos patrimoniais. b) a quantia de €800 (oitocentos euros) como compensação pelos danos não patrimoniais por si sofridos, absolvendo-o do demais peticionado. Às quantias agora estabelecidas acrescem juros de mora desde a condenação e não desde a citação, à taxa legal supletiva (cfr. Acórdão de fixação de Jurisprudência n.º 4/2002, de 09-05-2002). C. Mais se julga o pedido de indemnização civil apresentado por António Arnaldo Félix Cabral parcialmente procedente por parcialmente provado e, em consequência, decide-se condenar o demandado A a pagar-lhe a quantia de 200€ (duzentos euros) como compensação pelos danos não patrimoniais por si sofridos, absolvendo-o do demais peticionado. À quantia agora estabelecida acrescem juros de mora desde a condenação e não desde a citação, à taxa legal supletiva (cfr Acórdão de fixação de Jurisprudência n.º 4/2002, de 09-05-2002, Condena-se demandantes e demandado nas custas do processo, na medida do decaimento e sem prejuízo do benefício do apoio judiciário a que haja lugar (artigo 523.º do CPP e 527.º do CPC). Notifique. Envie boletins. Esta é a primeira condenação do arguido, em pena não privativa da liberdade, sendo possível fazer um juízo de prognose favorável no sentido da não reiteração da sua conduta. Pelo exposto, ordena-se a não transcrição da presente condenação nos certificados de registo criminal para efeitos laborais (artigo 13.º, da Lei 37/2015).". * Nesse mesmo dia, após a leitura da sentença e do seu depósito, foi a mesma objecto de correcção por parte do tribunal “a quo”, para passar a incluir uma frase na epígrafe dos factos provados da acusação particular, suprimido, por lapso, na inserção do texto da sentença, no sistema Citius, tendo, para o efeito, sido proferido o seguinte despacho: “Compulsados os autos, constamos que a sentença, inserida no citius e já depositada, contém um lapso. Ao colar a sentença na folha de conclusão, e ao reformatar o texto, suprimimos, sem que de tal nos tenhamos apercebido, a seguinte frase sob a epígrafe dos factos provados da acusação particular: “1. No dia 14.06.19, o assistente confrontou o arguido sobre as chaves, perguntando-lhe por elas, ao que este respondeu “Pergunta à cabra da tua mulher”.” Em ordem à melhor compreensão do processado, passar-se-á a introduzir novamente a sentença proferida, ordenando-se a notificação dos Ilustres Mandatários e a realização de novo depósito.” * 2. Não se conformando com o teor da sentença, proferida nos autos, em 30.05.2022, veio o arguido dela interpor recurso. * 3. Por despacho proferido em 16.09.2022, foi decidido: “Do recurso interposto pelo arguido: A sentença foi proferida, lida oralmente e depositada no passado dia 26 de Maio de 2022. É de 30 dias o prazo para recorrer contado a partir de tal data (artigo 411.º, n.º 1 b) do CPP e 279.º b), do CC). O último dia do prazo terminou no dia 25 de Junho, sábado, transferindo-se para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, 27 de Junho, segunda-feira (103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 1 do CPP e 138.º do CPC). Pode o arguido praticar os actos nos três dias úteis subsequentes, dias 28, 29 e 30 de Junho, nos termos do disposto no artigo 107.º A do CPP e 145.º do CPP. O arguido apresentou o recurso no dia 30 de Junho, mas não procedeu ao pagamento da respectiva multa. Pelo exposto, notifique o arguido nos termos e para os efeitos do artigo 145.º, n.º 3, do CPC.” * 4.  Nessa sequência veio o arguido apresentar o seguinte requerimento: “B, mandatário de A, arguido nos autos em tópico, notificado do despacho de V. Exa. de 16.09.2022 (ref.ª 139336348) vem expor e requerer o seguinte: 1. O arguido e o seu mandatário estiveram presentes no acto da leitura da sentença, designado para o dia 26.05.2022. 2. Porém, após a leitura da sentença, foi a mesma objecto de correcção por V. Exa., para passar a incluir um facto à matéria provada que sustentou a decisão condenatória atinente. 3. Não se tratou de um mero lapso ou erro de escrita. 4. A correcção inseriu-se no âmbito do n.º 1, a) do art.º 380.º do CPP, na medida em que se deveu à circunstância de não ter sido integralmente observado o disposto no art.º 374.º, pois faltava enumerar um facto que o tribunal considerou provado, integrando-se por isso na apreciação do mérito da causa. 5. Como a sentença inicialmente depositada não correspondia à que resultou após a sua correcção, ordenou V. Exa. a notificação às partes do teor do despacho de correção e outra vez da sentença, com o facto em falta já incorporado na matéria dada como provada. 6. A sentença foi de novo depositada. 7. Sucede que o prazo de recurso não conta do novo depósito da corrigida sentença, na medida em que a mesma só posteriormente foi notificada ao mandatário do arguido. 8. E o signatário, mandatário do arguido, só foi notificado da nova sentença no dia 30.05.2022, o que aliás se presume. 9. Daí que o prazo de recurso só devesse iniciar-se após a notificação de tal nova decisão e não do depósito feito anteriormente. 10. Mas o arguido (como só agora se reparou), nem sequer foi notificado da nova sentença, sendo certo que, como sujeito processual afectado pela decisão, teria que ter um conhecimento integral da mesma e o tempo suficiente para reagir à mesma. 11. Ora, nos termos conjugados dos art.ºs 113.º, n.º 10 e 119.º, c) do CPP, a falta de notificação da sentença ao arguido constitui uma nulidade insanável, o que expressamente se argui, determinando que se cumpra o acto omitido, reiniciando-se a contagem de prazo para a interposição de recurso. 12. Acresce que estamos perante uma grosseira violação da lei fundamental, devendo julgar-se inconstitucional o art.º 411.º, n.º 1, b) do CPP, se interpretado como faz o tribunal, ou seja, dispensando a notificação da sentença corrigida ao arguido e, além disso, contando o prazo a partir do depósito da corrigida sentença e não da sua notificação posterior, por violação dos art.ºs. 20.º, n.º 1, 32.º, n.º 1 e 7 da CRepP (na esteira do Ac. do TC n.º 87/2003). Ademais 13. Ainda que não se estivesse perante uma nulidade e perante uma violação da lei fundamental, a contagem do prazo para a interposição de recurso só poderia ter início no dia 30.05.2022, isto é, após a notificação da decisão, e findaria no dia 29.06.2022. 14. Tendo o recurso sido apresentado no dia 30.06.2022, isto é, no primeiro dia após o termo do prazo, seria quando muito devida uma multa, mas a correspondente à prevista na alínea a) do art.º 107.º-A do CPP (e não à alínea c)), ou seja, uma multa de 0,5 UC, acrescida de 25% desse valor, e não a que figura na guia enviada. Nestes termos, requer a V. Exa. se digne conhecer a nulidade insanável invocada e ordene a notificação ao arguido da sentença corrigida, reiniciando-se o prazo para interposição de recurso. Mais requer que seja dado sem efeito a guia emitida.” * 5. Por despacho proferido em 29.09.2022, foi decidido: “Requerimento que antecede: A sentença rectificada corresponde à sentença lida oralmente e que considerou provado o facto em referência, conforme de forma evidente resulta da motivação da mesma [1] e também da apreciação jurídica efectuada [2]. O arguido esteve presente na sessão tomando conhecimento da sentença, tendo sido dela notificada. Tratou-se efectivamente de um lapso de escrita, que justificou a rectificação, um novo depósito e a notificação aos mandatários, não se impondo a notificação do arguido, exactamente por já ter sido notificado (artigo 113.º, n.º 10, do CPP).  No que concerne ao pagamento da pena de multa processual. Assiste razão ao arguido na alegação de que o prazo para recorrer deve contar a partir da data da notificação do novo depósito. A notificação supra referida foi expedida em 26 de Maio de 2022, sendo possível constatar pelo sistema citius, que foi lida no dia 27.05.22, às 11h14m14s. Sem prescindir, a notificação electrónica considera-se feita no terceiro dia após a expedição, transferindo-se para o dia útil seguinte, caso não o seja (artigo 113.º, n.º 12, do CPP). Pelo exposto, considera-se o Ilustre Mandatário notificado no da 30 de Maio, segunda-feira. O prazo de 30 dias para recorrer conta-se a partir de tal data, terminando a 29 de Junho. Apresentando o recurso no dia 30 de Junho, é devida multa processual nos termos do disposto no art.º 145.º do CPC. Notifique.”                                        * 6. Não se conformando com o teor deste despacho, proferido em 29.09.2022, dele recorreu o arguido. As conclusões da motivação de recurso são as seguintes: “1. O que está em causa nos presentes autos consiste em saber se uma sentença que depois de lida em audiência de julgamento e na presença do arguido, e imediatamente depositada, mas que foi objecto de correcção posterior sem ser no âmbito da audiência e de novo depositada, carece ou não de ser notificada ao arguido. 2. O tribunal decidiu negativamente e é dessa decisão que se recorre. 3. O arguido e o seu mandatário estiveram presentes no acto da leitura da sentença, a qual foi imediatamente depositada. 4. Porém, após a leitura da sentença e do seu depósito, foi a mesma objecto de correcção por parte do tribunal “a quo”, para passar a incluir um facto à matéria provada que sustentou a decisão condenatória atinente, inserindo-se no âmbito do n.º 1, a) do art.º 380.º do CPP, na medida em que se deveu à circunstância de não ter sido integralmente observado o disposto no art.º 374.º, pois faltava enumerar um  facto que o tribunal considerou provado, integrando-se por isso na apreciação do mérito da causa. 5. Não correspondendo a sentença inicialmente depositada à que resultou após a sua correcção, ordenou o tribunal “a quo” a notificação às partes do teor do despacho de correção e outra vez da sentença, com o facto em falta já incorporado na matéria dada como provada. 6. Sucede que, não tendo sido notificada ao arguido, devendo sê-lo, a sentença de novo depositada, o prazo de recurso não inicia enquanto a notificação não for feita ao arguido, não bastando a notificação da sentença corrigida e de novo depositada ao seu mandatário. 7. O arguido, enquanto sujeito processual afectado pela decisão, teria que ter um conhecimento integral da mesma e o tempo suficiente para reagir à mesma, sendo que, nos termos conjugados dos art.ºs 113.º, n.º 10 e 119.º, c) do CPP, a falta de notificação da sentença ao arguido constitui uma nulidade insanável. 8. O arguido invocou expressamente tal nulidade, o que deveria determinar o cumprimento do acto omitido, iniciando-se a contagem de prazo para a interposição de recurso somente a partir desse momento. 9. Sucede que o tribunal “a quo” entendeu que não havia que proceder à notificação da sentença corrigida ao arguido, alegando que o facto não mencionado na sentença primitiva havia sido referido durante a leitura. 10. Ora, afigura-se-nos que estamos perante uma violação da lei fundamental, devendo julgar-se inconstitucional o art.º 411.º, n.º 1, b) do CPP, se interpretado como faz o tribunal “a quo”, ou seja, dispensando a notificação da sentença corrigida, objecto de novo depósito, ao arguido, por violação dos art.ºs 20.º, n.º 1, 32.º, n.º 1 e 7 da CRepP (na esteira do Ac. do TC n.º 87/2003). “ * 7. Admitido este recurso, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, ao mesmo respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público, junto do Tribunal da 1ª instância, sustentado que lhe seja negado provimento e que se mantenha a decisão recorrida. Formulou as seguintes conclusões: “1. Nos presentes autos, mais precisamente na sequência da análise efectuada a todos os elementos probatórios existentes nos autos e produzidos em sede de audiência de julgamento, o Tribunal a quo na diligência de leitura de sentença que ocorreu no dia 26.05.2022, conforme é seu apanágio,  no cumprimento do legalmente estipulado, procedeu à leitura da sentença, sendo que, para o efeito, entre o mais, enumerou todos os factos dados como assentes, bem como todos os factos dados como não provados, a motivação, de facto e de direito que esteve na génese da decisão, cumprindo na integra o disposto no art.º 374.º do Código Penal, tendo sido, efectuada um exame exaustivo e explicativo das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, culminado por informar o arguido que, pelos motivos anteriormente referenciados, o condenava pela prática, como autor material e na forma consumada, de: “…1. Pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo art.º 212.º, n.º 1, do CP, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), no quantitativo global de €440 (quatrocentos e quarenta euros), 2. Pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo art.º 212.º, n.º 1, do CP, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), no quantitativo global de €440 (quatrocentos e quarenta euros), 3. Pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo art.º 212.º, n.º 1, do CP, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), no quantitativo global de €440 (quatrocentos e quarenta euros), 4. Pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1, 151.º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 131.º do CP, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), no quantitativo global de €385 (trezentos e oitenta e cinco euros) 5. Pela prática de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, do CP, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), no quantitativo global de €440 (quatrocentos e quarenta euros) 6. Pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143.º, n.º 1 do CP, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), no quantitativo global de €440 (quatrocentos e quarenta euros) 7. Pela prática de um crime de difamação, p. e p. pelo art.º 180.º do CP, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), no quantitativo global de €330 (trezentos e trinta dias) 8. na pena única em 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz a multa global de €1650(mil seiscentos e cinquenta euros). 9. Nas custas do processo com 2 UC de taxa de justiça (artigo 513.º, nº1, do CPP e artigo 8.º do RCP) …”. 2. Na supramencionada data, ou seja, no dia 26.05.2022, após a leitura da sentença nos termos referidos, foi a mesma depositada através da ref.ª 137771366, no entanto, nessa mesma data, através da ref.ª 137812474, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo depositou outra sentença com a seguinte indicação prévia: “…. Compulsados os autos, constamos que a sentença, inserida no Citius e já depositada, contém um lapso. Ao colar a sentença na folha de conclusão, e ao reformatar o texto, suprimimos, sem que de tal nos tenhamos apercebido, a seguinte frase sob a epígrafe dos factos provados da acusação particular: “1. No dia 14.06.19, o assistente confrontou o arguido sobre as chaves, perguntando-lhe por elas, ao que este respondeu “Pergunta à cabra da tua mulher”.” Em ordem à melhor compreensão do processado, passar-se-á a introduzir novamente a sentença proferida, ordenando-se a notificação dos Ilustres Mandatários e a realização de novo depósito…” seguindo-lhe, de seguida, o texto da sentença proferida, devidamente corrigida, nos termos que em foi proferida na diligência de leitura de sentença. 3. Não obstante, e apesar de todo o teor da sentença proferida, entre o mais, que tinha sido dado como provado o ponto 1 do despacho de acusação particular, ter sido comunicada ao arguido e ao seu defensor na diligência de leitura da sentença, que ocorreu em 26.05.2022, no cumprimento do despacho proferido e registo através da ref.ª 137812474, o defensor do arguido foi notificado de todo o teor desta decisão, vide ref.ª 137814281. 4. Na sequência do recurso interposto em 30.06.2022 não ter sido aceite, por extemporâneo, em virtude de não ter sido efectuado o pagamento da multa processual, nos termos do art.º 107.º A, al. b) do Código Processo Penal, por requerimento datado de 27.09.2022, junto através da ref.ª 21836280, o defensor do arguido solicitou que este fosse notificado do teor da sentença depositada através da ref.ª137812474, alegando, para o efeito, que, por esta ter substituído a que havia sido depositada através da ref.ª 137771366, a mesma deveria ser notificada ao arguido, sendo que, ao não fazê-lo o Tribunal a quo tinha cometido uma nulidade insanável, nos termos conjugados dos art.ºs 113.º, n.º 10 e 119.º, c) do Código Processo Penal. 5. Na sequência de indeferimento do referido requerimento, o arguido interpôs recurso, alegando que não teve conhecimento da sentença proferida nos presentes autos, e por conseguinte, que tinha sido cometida uma nulidade insanável nos termos do art.º 119.º, al. c) do Código Processo Penal. 6. O Ministério Público discorda totalmente com os argumentos e as alegações efectuadas pelo arguido, uma vez que este e o seu defensor tiveram um conhecimento directo, aprofundado e motivado de todo o teor da sentença proferida nos presentes autos, na qual se insere, obrigatoriamente, o ponto 1 do despacho de acusação particular, uma vez que a mesma foi-lhe lida e explicada na diligência de leitura que ocorreu no dia 26.05.2022, na qual o mesmo esteve presente, vide ref.ª 137771395. 7. Ao invés do alegado o Tribunal a quo não procedeu a qualquer alteração daquilo que foi proferido na diligência de leitura de sentença, apenas e tão-só, verificou-se um lapso de escrita na formatação do texto aquando da sua inserção no sistema informático, circunstância que motivou que na sentença depositada primeiramente, não fosse efectuada referencia ao ponto 1 dos factos dados como provados do despacho de acusação particular. 8. Nestes termos e tendo em consideração o anteriormente expendido, consideramos que o Tribunal a quo comunicou, directa e oralmente, ao arguido a plenitude e totalidade da sentença proferida, entre o mais, todos os factos dados como provados e os todos factos dados como não provados, a motivação que esteve na génese da decisão proferida, o enquadramento jurídico dos comportamentos ilícitos executados, e por fim, a condenação do mesmo, razão pela qual, consideramos que não ocorreu qualquer nulidade. Em suma, a decisão recorrida não merece censura, devendo manter-se nos seus precisos termos.” * 8. Neste Tribunal da Relação de Lisboa, o Exmº. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido de o recurso interposto pelo recorrente ser julgado procedente, determinando-se, em conformidade, a revogação da decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra, que determine, também, a notificação do arguido. Alegou, em suma, para o efeito: “(…). No essencial, o Recorrente A sustenta que a decisão recorrida deve ser revogada e, consequentemente, determinar-se a notificação da sentença corrigida também ao Recorrente. 3. Analisados os fundamentos do recurso, da decisão recorrida e da resposta do Digno Magistrado do Ministério Público junto da 1.ª Instância, a nosso ver, e sempre com o salvo e devido muito respeito por opinião diversa, nos termos da conjugação do disposto nos artigos 380.°, n.° 1, al. b) e 110.°, n.° 10, do Código de Processo Penal, a sentença corrigida, a qual passa a configurar uma nova sentença, deve ser também notificada ao Arguido, sob pena de ocorrer a nulidade insanável prevista no art.º 119, al. c), do Código de Processo Penal. Assim, no caso em apreço, e não tendo sido notificada a sentença corrigida também ao Arguido, verifica-se a referida nulidade insanável. (…).” * 9. Cumpridos os vistos, foi realizada a competente conferência. * 10. O objecto do recurso, interposto, pelo arguido, do despacho proferido em 29.09.20022, tal como ressalta das conclusões da respectiva motivação, versa a apreciação da seguinte questão: - Saber se estamos perante uma nulidade insanável, nos termos conjugados dos art.ºs 113.º, n.º 10 e 119.º, c) do Código Processo Penal, por se ter, alegadamente, verificado a falta de notificação da sentença ao arguido. * 11. Apreciando:  Nos termos do preceituado no art.º 113º nº 10 do CPP, “as notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respetivo defensor ou advogado, ressalvando-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à contestação, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado, sendo que, neste caso, o prazo para a prática de ato processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efetuada em último lugar.” Observados os autos, verificamos que a sentença proferida e lida nos autos foi comunicada ao arguido e ao seu defensor, em 26.05.2022, conforme decorre da respectiva acta de audiência de julgamento (leitura), onde os mesmos estiveram presentes e, nessa mesma data, depositada. Sucede que, nessa mesma data, a Mmª Juiz a quo constatou que a sentença que havia proferido continha um lapso, já que, na inserção no Citius, ao colar a sentença na folha de conclusão e ao reformatar o texto, suprimiu, sem que de tal se tenha apercebido, a seguinte frase sob a epígrafe dos factos provados da acusação particular: “1. No dia 14.06.19, o assistente confrontou o arguido sobre as chaves, perguntando-lhe por elas, ao que este respondeu “Pergunta à cabra da tua mulher”.”, termos em que procedeu à sua correção nos termos do art.º 380º nº 1 al. a) do CPP, com a inserção no citius do referido texto, ordenou-se novo depósito e a notificação dos Ilustres Mandatários. O art.º 380º do CPP, permite que, oficiosamente ou a requerimento, se proceda à correcção da sentença ao estipular: “1 - O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando: a) Fora dos casos previstos no artigo anterior, não tiver sido observado ou não tiver sido integralmente observado o disposto no artigo 374.º; b) A sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial. 2 - Se já tiver subido recurso da sentença, a correcção é feita, quando possível, pelo tribunal competente para conhecer do recurso. 3 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável aos restantes actos decisórios previstos no artigo 97.º.” Proceder à correcção ou rectificação de irregularidades da sentença, nos termos do citado preceito legal, não significa que estamos perante uma nova decisão, designadamente sobre o seu mérito, por tal não ser legalmente permitido. No caso, o texto da sentença depositada, após se proceder à sua correção, consubstancia aquilo que foi lido e explicado ao arguido e ao seu defensor na diligência de leitura de sentença, conforme, de forma evidente, resulta da motivação da mesma e também da apreciação jurídica efectuada, tal como mencionado no despacho recorrido. O tribunal a quo não procedeu a qualquer alteração daquilo que foi proferido na diligência de leitura de sentença, ao invés, e conforme ali é referenciado e resulta de todo o teor da sentença proferida, o que se verificou foi um lapso na formatação do texto, aquando da sua inserção no sistema informático, Citius, circunstância que motivou que, na sentença depositada primeiramente, não fosse efectuada referência ao ponto 1 dos factos dados como provados do despacho de acusação particular. Do que se trata, efectivamente, tal como considerou o despacho recorrido, é de um lapso de escrita, que justificou a rectificação, um novo depósito e a notificação aos mandatários, não se impondo a notificação do arguido, exactamente por já ter sido notificado (artigo 113.º, n.º 10, do CPP). Saliente-se que tal ocorrência não impediu que o teor da sentença proferida tivesse sido comunicado ao arguido e ao seu Mandatário, que, aliás, da mesma interpuseram recurso. Com efeito, o arguido só veio considerar que não tinha sido notificado da sentença proferida nos autos depois de intentar recurso da mesma e de ter sido notificado para o pagamento da multa processual, a que se refere o art.º 145.º do CPC, por aquele ter sido apresentado no primeiro dia útil após o termo do prazo legalmente previsto para recorrer. Invoca, ainda, o recorrente que estamos perante uma violação da lei fundamental, devendo julgar-se inconstitucional o art.º 411.º, n.º 1, b) do CPP, se interpretado, como faz o tribunal “a quo”, ou seja, dispensando a notificação da sentença corrigida, objecto de novo depósito, ao arguido, por violação dos art.ºs 20.º, n.º 1, 32.º, n.º 1 e 7 da CRP (na esteira do Ac. do TC n.º 87/2003). O referido Ac do TC nº 87/2003, julgou inconstitucional, por violação do disposto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 20º e do nº 1 do artigo 32º da Constituição da República, a norma constante do nº1 do artigo 411º do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual o prazo para interpor recurso da sentença proferida em conferência, ao abrigo do disposto na alínea a), do nº 4 do artigo 419º do mesmo diploma legal, deve ser contado a partir do momento do seu depósito na secretaria e não da respectiva notificação, quando nem ao arguido, nem ao seu defensor, foi dado prévio conhecimento desse acto judicial. Pelo já exposto supra, facilmente se verifica que tal circunstancialismo não é o da situação em apreço, por não estar aqui em causa que o prazo para recorrer se deverá contar a partir da data da notificação do novo depósito, tal como o entendeu o despacho recorrido, que aqui, nessa parte, se reproduz: “(…). Assiste razão ao arguido na alegação de que o prazo para recorrer deve contar a partir da data da notificação do novo depósito. A notificação supra referida foi expedida em 26 de Maio de 2022, sendo possível constatar pelo sistema Citius, que foi lida no dia 27.05.22, às 11h14m14s. Sem prescindir, a notificação electrónica considera-se feita no terceiro dia após a expedição, transferindo-se para o dia útil seguinte, caso não o seja (artigo 113.º, n.º 12, do CPP). Pelo exposto, considera-se o Ilustre Mandatário notificado no da 30 de Maio, segunda-feira. O prazo de 30 dias para recorrer conta-se a partir de tal data, terminando a 29 de Junho. Apresentando o recurso no dia 30 de Junho, é devida multa processual nos termos do disposto no art.º 145.º do CPC…”. O que sucedeu é que o arguido não efectuou o pagamento da multa processual devida, nos termos do disposto no art.º 145.º do CPC, optando, ao invés, por recorrer do despacho aqui em causa, proferido em 29.09.2022, que indeferiu a notificação do arguido da sentença, por considerar que o mesmo já dela havia tomado conhecimento pessoal, na diligência de leitura de sentença, em 26.05.2022. Resta, assim concluir que, por o arguido e o seu Ilustre Mandatário Judicial terem tido conhecimento de todo o teor da sentença, não ocorreu qualquer nulidade, nomeadamente a prevista no art.º 119.º, al. c) do C.P.P, ou qualquer inconstitucionalidade, por violação dos art.ºs 20º nº 1, 32º nº 1 e 7 da CRP, improcedendo, por isso, o recurso. * - Decisão: Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes Desembargadores, neste Tribunal da Relação de Lisboa, em negar provimento ao recurso interposto, pelo arguido, A, confirmando-se o despacho recorrido, proferido em 29 de Setembro de 2022. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCS. (Elaborado em suporte informático e integralmente revisto) Lisboa, 22 de Fevereiro de 2023 Anabela Simões Cardoso Jorge Antunes Sandra Oliveira Pinto _______________________________________________________ [1] O assistente confirmou igualmente a expressão “cabra” constante da acusação particular. Aliás, o arguido admitiu que nessa ocasião quando o assistente lhe perguntou pelas chaves, lhe disse para perguntar à mulher, numa expressão em tudo idêntica à relatada por este, com excepção do vocábulo cabra. Tal veio reforçar o crédito que as suas declarações já haviam merecido.  [2] Revertendo ao caso dos autos, temos que o arguido dirigindo-se ao assistente e reportando-se à ofendida apodou-a de “cabra”. É sobejamente conhecido o carácter pejorativo de tal vocábulo, quando dirigido a uma pessoa, e sobretudo, a uma mulher. O que o arguido igualmente conhecia. Ao apodar a assistente de tal modo, o arguido sabia que estava a pôr publicamente, tanto mais que os factos ocorreram na via pública, à entrada do prédio onde ambos residiam, a sua honra e consideração. E era esse exactamente o seu propósito (artigo 14.º, n.º 1, do CP). O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente e, por isso mesmo, é passível de um juízo de censura. Não se verificam quaisquer causas de exclusão da ilicitude.

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