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Acórdão TR Lisboa de 2006-12-12

8142/2006-7

TribunalTribunal da Relação de Lisboa
Processo8142/2006-7
RelatorPimentel Marcos
DescritoresContrato-promessa, Partilha, Execução Específica, Inventário, Património
Nº do DocumentoRL
Data do Acordão2006-12-12
VotaçãoUnanimidade
Meio ProcessualAPELAÇÃO
DecisãoConcedido Provimento

Sumário

I- É válido o contrato-promessa de partilha e a estipulação da possibilidade de execução específica II- No entanto, atenta a imperatividade da regra constante do artigo 1730.º/1 do Código Civil, o contrato-promessa não pode conduzir a uma partilha em que os cônjuges deixem de participar por metade no activo e no passivo da comunhão. III- Face a uma partilha acordada com indicação de bens e respectivos valores, cabe ao cônjuge, que considere que tal partilha não respeita a aludida regra, o ónus de provar (artigo 342.º do Código Civil) que ela não foi observada no contrato-promessa estipulado. IV- Provando-se que existem bens comuns que não integram o rol dos bens comuns referidos no contrato-promessa e que o valor dos bens indicados não corresponde ao seu valor real, daí não decorre a inobservância da referida regra constante do artigo 1730.º/1 do Código Civil a impor a nulidade do contrato-promessa (artigos 285.º, 286.º, 294.º, 410.º e 1730.º/1 todos do Código Civil), não existindo obstáculo legal a uma partilha parcial que, no caso, foi requerida em inventário. (SC)


Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa Maria […] propôs a presente acção com processo ordinário Contra o ex-cônjuge António […] Pedindo a execução específica do contrato promessa de partilhas por eles celebrado em 26/4/2000, no qual acordaram que, tendo em vista o requerido divórcio, e sob a condição de o mesmo ser decretado, os bens comuns do casal são os aí relacionados, prometendo e obrigando-se reciprocamente a proceder à partilha e consequente adjudicação dos bens nos termos aí previstos e estabelecidos. O réu contestou invocando, no essencial, a nulidade do contrato promessa, por violação do disposto no artigo 1730º, nº 1 do CC. Foi proferido despacho saneador, com selecção da matéria de facto, por decisão que não mereceu reclamação das partes. Finda a produção da prova foram fixados os factos provados e os não provados. Finalmente foi proferida a competente sentença julgando-se a acção improcedente por não provada e absolvendo-se o R. do pedido de reconhecimento do direito à execução específica do contrato promessa de partilha, na medida em que se julgou nulo este contrato por violação da norma imperativa do artigo 1730º do CC. Dela recorreu a autora, formulando as seguintes conclusões: 1.   O douto aresto recorrido violou caso julgado material, art.°s 671.° e seg.s e 497.° e seg.s do CPC, ao determinar que "o acto de partilha visa precisamente estabelecer o destino de todos os bens que compõem a comunhão que, pelo divórcio, se dissolveu" e que existindo "bens que não estão relacionados na promessa de partilha (…) a partilha prometida jamais garantiria que os cônjuges participariam em metade no activo e no passivo da comunhão", um vez que vai contra douta decisão proferida aos 09.11.2001 nos autos de Inventário para Separação de Meações que correm os seus termos […], e em que são partes os aqui A. e R., decisão a qual, em resposta à arguição da nulidade do contrato-promessa sub judice por "dele não constarem todos os bens do casal, nomeadamente os saldos das contas bancárias", decidira e julgara que "cessadas as relações patrimoniais, constitui-se na esfera juridico-patrimonial de cada cônjuge o direito de proceder à partilha do património comum - mas não essa obrigação. Aos cônjuges é lícito permanecer na indivisão e, por maioria de razão, é-lhes permitido proceder à partilha meramente parcial dois bens do casal ou obrigarem-se a proceder, nesses termos, à partilha". 2. Numa e noutra acção as partes são as mesmas (os aqui A. e R.), numa e noutra o efeito jurídico pretendido é o mesmo (a declaração de nulidade do contrato-promessa sub judice) e numa e noutra o facto jurídico de que se pretende proceda tal efeito é o mesmo (a nulidade do contrato-promessa devido ao facto de o mesmo não incluir todos os bens do casal). É, assim, inadmissível uma segunda decisão sobre esse mesmo ponto de direito, já decidido e com cuja decisão as partes já se conformaram. 3. Assim, entendendo-se ou não que a decisão que pôs termo ao incidente de oposição ao inventário, nos autos que correm no Tribunal de Família e Menores de Lisboa se enquadra no conceito de "sentença", constante do art.° 671.° CPC, certo é que tal decisão sempre integrará o conceito de "decisão contraditória [com aquela ora recorrida] sobre a mesma pretensão" constante do art.° 675.° do mesmo Código, decisão essa que nunca poderá ser revogada pela ora recorrida no âmbito do único processo onde esta poderá produzir efeitos, a saber: no inventário para partilha dos bens comuns do A. e R., onde, não sendo ordenada a execução específica da partilha prometida outorgar por estes, sempre terá de ser decidida essa partilha. 4.     Outrossim, seria imposta ao Tribunal de Família e Menores de Lisboa, que é o único com competência para a partilha dos bens comuns de A. e R., a obrigação de aplicar um aresto que revoga a interpretação que fez, com plena legitimidade, e com precedência temporal, do Direito aplicável, imposição essa que não derivaria de qualquer subordinação hierárquica que este mantenha com o Tribunal a quo e que, por tal, seria tão abstrusa quanto ilegal à luz dos princípios mais elementares da organização judicial portuguesa. 5. Termos em que, sendo a excepção de caso julgado de conhecimento oficioso (art.°s 494.° alínea i) e 495.° CPC), e bem sabendo o Tribunal a quo, da existência dos autos de Inventário supra identificados (vd. n.° 9 da matéria de fato provada), este não poderia ter proferido decisão que incidisse sobre um ponto de direito que já havia sido cabalmente decidido e julgado, em sentido contrário, naqueles autos. 6. Ademais, ao decidir nos termos referidos na anterior conclusão 1, o douto aresto recorrido violou a lei substantiva. Com efeito, os cônjuges não ficam obrigados a fazer cessar a sua comunhão de bens quando cessam as relações patrimoniais entre ambos mantidas. O que a lei, no art.° 1689.° do Código Civil prevê, não é um dever mas um direito a fazer cessar esse património comum, dividindo-o de modo igualitário. Logo, se assiste aos cônjuges o direito de, não promovendo o acordo ou o inventário, permanecerem na indivisão total de bens, por maioria de razão lhes é lícito proceder à partilha parcial do seu património, dividindo, somente, alguns dos bens que o constituem. 7. Inexiste norma legal que estipule que "o acto de partilha visa precisamente estabelecer o destino de todos os bens que compõem a comunhão que, pelo divórcio, se dissolveu". 8. Tão pouco a unicidade ou multiplicidade de actos de partilha releva para o cumprimento da regra da divisão do património comum do casal em partes iguais; com efeito, de modo algum uma partilha parcial implica, por si, qualquer desequilíbrio na determinação das meações. Por tal, viola a lei entendimento segundo o qual um contrato-promessa de partilha que não inclua a totalidade dos bens comuns do casal "não [possa] respeitar o art.° 1730.° do Código Civil"; 9. Não foi provado que a existência de dinheiros comuns do casal não discriminados no contrato-promessa sub judice "evidentemente põe em causa o equilíbrio das prestações patrimoniais a que as partes tinham chegado ao celebrarem o contrato"; com efeito, o R. nunca alegou que desconhecia, na data do contrato, a existência e paradeiro desses dinheiros e que não os teve em consideração na determinação das prestações patrimoniais. 10. Termos em que, não tendo sido provado "que foi violada a regra da divisão do património comum do casal em partes iguais", nem que qualquer vício ou limitação da vontade afectasse os contraentes, a declaração, pelo aresto recorrido, da nulidade do contrato-promessa sub judice, constitui uma violação dos princípios da liberdade contratual, art.° 405.° n.° 1 do Código Civil e pacta sunt servanda, art.° 406.° do mesmo diploma, e das regras do ónus da prova, art.° 342.° 11. Tendo já transitado em julgado as partilhas, efectuadas nos autos de Inventário acima identificados, de todos os bens móveis e dinheiros do património comum de A. e R. que não foram discriminados no contrato-promessa sub judice, a decisão de declarar nulo tal contrato, com fundamento na não inclusão daqueles bens no mesmo, faz tábua rasa do referido contrato em razão de uma nulidade cujas consequências já nem se poderão traduzir nos bens que, pretensamente, "a justificam" mas, somente, naqueles cuja afectação foi, inequivocamente, objecto de acordo das partes, e que as partes têm administrado, desde a outorga daquele, concretizando uma irrazoável preterição da estabilidade e segurança das situações jurídicas e da boa-fé das partes sem qualquer benefício discernível. 12. Acresce à conclusão anterior, que a preterição das legítimas expectativas dos contratantes de boa-fé ali referida resulta de nulidade arguida pelo R., o qual, agindo de má-fé, pretende tirar proveito ilegítimo dessa arguição; com efeito, o R., não só renega a palavra dada naquele contrato-promessa, no qual declarou "que se obriga livre e conscientemente à prometida partilha nos termos previsto na anterior cláusula Quinta por os mesmos serem justos e equilibrados, promete assim e obriga-se a nada mais reclamar ou exigir seja com que fundamento for", como o faz sem sequer alegar que desconhecia os dinheiros e bens móveis existentes no património comum de A. e R. e não discriminados, expressamente, no contrato-promessa, e nos quais funda a nulidade do contrato, antes dando conta de ter agido, ao outorgá-lo, "com má-fé e com evidente reserva mental", 13. Má-fé que o R. manteve em juízo, mentindo grosseiramente quanto à composição do seu quinhão, e alegando que "não tinha qualquer valor real", quando "fez-se prova do facto contrário", termos em que o R. sempre estaria impedido, ao abrigo do art.° 334.° do Código Civil, nomeadamente, dos corolários do princípio da boa-fé denominados venire contra factum proprium e exceptio doli, de arguir a nulidade do contrato-promessa sub judice e de aproveitar-se da mesma para eximir-se à execução específica desse contrato, na qual expressamente assentiu. E termina dizendo que deve ser revogada a decisão recorrida e substituída em conformidade com as conclusões formuladas. Não foram feitas contra-alegações. Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir. Em 1ª instância foram dados como provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos: 1) Por sentença de 18/10/200, transitada em julgado no dia 30 do mesmo mês e ano, proferida no proc. […] do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, instaurado por A. e R. em 9/3/2000, foi decretado o divórcio, por mútuo consentimento, dissolvendo o casamento celebrado entre A. e R. em 14/6/1986, conforme certidão de fls. 15 que aqui se dá por integralmente reproduzida - (Al. A) dos factos assentes ); 2) A. e R. encontravam-se separados de facto desde 13/12/1999 - (Al. B) dos factos assentes ); 3) Por contrato intitulado "Contrato Promessa de Partilha" celebrado em 26/4/2000, A. e R. acordaram « tendo em vista o pretendido divórcio, e sob a condição do mesmo vir a ser decretado, desde já acordam que os bens comuns do casal são os relacionados no artigo seguinte, prometendo e obrigando-se reciprocamente a proceder à partilha e consequente adjudicação nos bens nos termos infra previstos e estabelecidos » - ( Cláusula 3ª ), cfr. doc. de fls. 8 a 10, que aqui se dá por integralmente reproduzido - (Al. C) dos factos assentes ); 4) Nos termos da Cláusula 4ª do contrato referido em 3): «Identificação dos bens que integram o património comum de ambos os outorgantes: 4.1) – Activo a) Casa de morada de família – constituída na fracção autónoma designada pela letra "F" do prédio urbano constituído em propriedade horizontal descrito na 2ª Conservatória de Registo Predial da Amadora […] prédio este sito na […] Amadora, fracção aquela correspondente ao 1° andar, letra "C" do mesmo prédio, a que atribuem o valor patrimonial de Esc.: 3.817.104$00; b) Recheio da casa de morada de família, a que atribuem o valor de Esc.: 125.000$00; c) Veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca Opel Corsa, matrícula […], a que atribuem o valor de 750.000$00; d) Uma quota no valor nominal de Esc.: 195.000$00 no capital social da sociedade E.[…] Lda, com sede […] matriculada na CRC de Lisboa sob o n.° 5256, com o capital social de esc.: 400.000$00, a que atribuem o valor de Esc.: 195.000$00; e) Quota ideal de 50% na nua-propriedade do prédio urbano registado na Conservatória do Registo Predial […] a que atribuem o valor patrimonial de Esc.: 5.540$00; f) Quota ideal de 50% na nua-propriedade do prédio urbano registado na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras […] g) Esc.: 2.440.026$00, correspondente à parte sobejante da indemnização recebida pela primeira outorgante a título de compensação pela cessação do respectivo contrato de trabalho; 4.2) – Passivo a) Dívida de Esc.: 6.945.543$00 à Caixa Económica Montepio Geral, em razão do empréstimo contraído para a aquisição da casa de morada de família, garantida por hipoteca sobre esta […]  - ( Al. D) dos factos assentes ); 5) Da Cláusula 5ª: « A prometida partilha e consequente adjudicação de bens será efectuada nos termos seguintes: 5.1) — A meação da primeira outorgante será preenchida com os bens discriminados nas verbas 4.1 a); 4.1 b); 4.1 c); 4.1 e) 4.1 f); 4.1 g). A primeira outorgante assume o passivo discriminado na verba n.° 4.2 a): 5.2) — A meação do segundo outorgante será preenchida com os bens discriminados na verba 4.1 d) » - (Al. E) dos factos assentes ); 6) Da Cláusula 6ª: « Os outorgantes que declaram e reconhecem que se obrigam livre e conscientemente à prometida partilha nos termos previstos na anterior cláusula Quinta por os mesmos serem justos e equilibrados, prometem assim e obrigam-se a nada mais reclamarem ou exigirem, reciprocamente, seja com que fundamento for » - (Al. F) dos factos assentes ); 7) Da cláusula 7ª: « A escritura pública da partilha será celebrada logo que decretado o divórcio, podendo qualquer dos outorgantes proceder à marcação do dia, hora e Cartório Notarial, para esse efeito, mediante comunicação à outra parte com a antecedência mínima de 10 dias úteis » - (Al. G) dos factos assentes ); 8) E da Cláusula 8ª: « Os outorgantes acordam expressamente que o incumprimento do presente contrato promessa por qualquer deles faculta ao outro o recurso à execução específica prevista no artigo 830° do Código Civil» - (Al. H) dos factos assentes ); 9) Por apenso ao processo identificado em 1) correm os termos uns autos de inventário para separação de meações em que é requerente o ora R. - (Al. I) dos factos assentes ); 10) O R. recusou-se a celebrar o contrato de partilha prometido - (Al. J) dos factos assentes ); 11) Por escritura pública outorgada em 23/6/1994, P.[…] e T.[…] declararam vender à A. e ao R., que declararam aceitar a venda, pelo preço de 8.400.000$00, a fracção autónoma designada pela letra "F", identificada em 4), no ponto 4.1 al. a), e C.[…] , na qualidade de procurador, em nome e em representação da Caixa Económica Montepio Geral, declarou emprestar à A. e R., que se confessaram devedores, a quantia de 7.500.000$00, a reembolsar em 30 prestações mensais, cfr. certidão de fls 37 a 53 que aqui se dá por integralmente reproduzida - (Al. L) dos factos assentes ); 12) Para além dos bens referidos em 4), integravam o património comum do casal da A. e R., à data de 9/3/2000, os bens constantes do doc. de fls 55 a 56, que aqui se dá por integralmente reproduzido - (Al. M) dos factos assentes); 13) No período de 13/12/1999 a 9/3/2000, a A. retirou as seguintes quantias da conta comum n.° […] do Banco […]: a) Para a conta 38320002472.7 do Banco Santander – agência de Carnaxide, a quantia de 4.978.673$00; b) Para o […], a quantia de 10.000.000$00; e c) Pelos cheques 53274099 e 532740976, as quantias de 500.000$00 e 68.000$00 - (Al. N) dos factos assentes ); 14) Para além dos bens referidos em 4), integravam o património comum da A. e do R., à data de 9/3/2000, os seguintes saldos bancários: - 172.119$00 no Banco […] S.A., em conta aberta no nome dos dois (A. e R. ), onde o casal recebia os seus vencimentos; - 67.944$00 no […], em conta aberta em nome dos dois (A. e R. ), onde o casal fazia depósitos para liquidação das prestações do empréstimo contraído para aquisição da habitação do casal; -          3.424.068$00, correspondente a 1/3 do valor total de 10.272.204$00 depositado no […], sendo que naquele mencionado 1/3 se inclui o valor de 2.440.026$00 relativo à indemnização recebida pela A. a título de compensação pela cessação do seu contrato de trabalho a que se reporta a alínea g) do ponto 4.1) "activo" da cláusula 4" do contrato promessa dos autos (cfr. fls 9 verso) e o restante resultava de dinheiro comum do casal depositado na conta em nome dos dois ( A. e R. ), aberta no Banco Santander e que é mencionada em 13) - ( Resposta ao 1° da base instrutória); 15) Todos os restantes bens referidos em 4), ponto 4.1 al.s a), b), c), e), f) e g) valiam mais de 30.000.000$00 - ( Resposta ao 3° da base instrutória ); 16) Os bens referidos em 12 não foram discriminados no contrato promessa de partilha pois já haviam sido partilhados entre A. e R., sendo que na sua quase totalidade foram retirados da casa de morada de família pelo R., com o consentimento da A. - ( Resposta ao 4° da base instrutória ); 17) Para que o empréstimo referido em 11 fosse concedido, e as respectivas condições mantidas, A. e R. tiveram de subscrever duas apólices de seguro nas condições exigidas pela mutuante: um seguro de vida e um seguro que cobre os riscos de incêndio da fracção adquirida - ( Resposta ao 5° da base instrutória ); 18) As prestações mensais para amortização do empréstimo após 9/3/2000 eram no valor de 46.906$00, em 23 de Março de 2000, e no mês imediatamente anterior à propositura da acção, no valor de 42.715$00 ( € 213,06 ); o prémio anual do seguro vida era de 24.195$00 em 1/7/2000 e em 1/7/2001 foi no valor de 25.711$00; o prémio anual do seguro relativo à casa era no valor de 14.906$00 em 30/5/2000 e passou para 14.600$00 em 29/5/2001 - ( Resposta ao 6° da base instrutória );. 19) A título de equipamento vendido e serviços prestados, a E.[…] Lda, facturou e recebeu do Estado Maior do Exército, nos anos de 1999 e 2000, a quantia total de 59.758.318$22, correspondente a € 298.073,23 - ( Resposta ao 7° da base instrutória ). O DIREITO. I Como vimos, a autora pretende a execução específica do contrato promessa de partilhas, pedindo que seja proferida sentença que, substituindo a manifestação de vontade do faltoso (o R), produza os efeitos do contrato prometido, nos termos do artigo 830º, nº 1 do CC. E, na verdade, entre as partes foi celebrado o aludido contrato promessa, tendo sido acordado expressamente que o incumprimento do mesmo por qualquer delas permitiria à outra o recurso à sua execução específica nos termos daquela disposição legal. O que está essencialmente em causa é saber se o contrato promessa é nulo por violação do artigo 1730º do CC, ou seja, por violação da “regra da metade”. É que sendo válido, parece nada obstar à procedência da acção. Relativamente à eventual nulidade do contrato por violação do nº 1 do artigo 1730º foi referido na douta sentença: «Se existem bens que não estão relacionados na promessa de partilha e que são susceptíveis de violar o equilíbrio das atribuições patrimoniais que iriam compor o quinhão de cada parte, nomeadamente porque a A. se apropriou desses bens, é evidente que a partilha prometida não respeita à universalidade de bens que compunha a comunhão patrimonial do casal. Assim sendo, a escritura prometida realizar não poderia pôr termo definitivo à comunhão dos bens do casal, como deveria ser seu propósito. Logo, não se pode ordenar o cumprimento de contrato promessa que está viciado à partida quanto ao resultado que deveria atingir. Em função do contrato promessa dos autos e da consideração da existência de bens que não foram partilhados, nem foram considerados no contrato promessa, só poderemos concluir que a partilha prometida jamais garantiria que os cônjuges participariam em metade no activo e no passivo da comunhão e, nessa medida, a execução específica violaria a regra imperativa do Art. 1730° n.° 1 do C.C.. Esse vício repercute-se directamente na obrigação assumida pelas partes de realizarem o contrato prometido nos termos convencionados, torna a promessa nula (art. 1730° do C.C. ) e, consequentemente, nulo o contrato promessa (art. 294° do C.C. )». Entretanto, discute-se mesmo se o contrato promessa de partilhas celebrado entre cônjuges na pendência da acção de divórcio é nulo por atentar contra a imutabilidade das convenções antenupciais ou do regime de bens legalmente fixados, nos termos do nº 1 do artigo 1714º do CC. No acórdão do STJ de 26.05.1993 foi decidido (1): É nula a promessa de partilha dos bens do casal celebrada na pendência da acção de divórcio, atenta a imutabilidade das convenções ante-nupciais. Pelo contrário, foi decidido no acórdão da Relação de Coimbra de 28.11.1995: I - Antes da dissolução do casamento, não é válida a partilha dos bens comuns. II – Porém, estando os cônjuges separados de facto e perspectivando o divórcio, é válida a promessa de partilha de bens comuns, uma vez que, em tal hipótese, se não verifica a ratio legis do artigo 1741º do CC de proteger interesses de terceiros e de cada um dos cônjuges contra o ascendente conseguido pelo outro. Este acórdão foi publicado e comentado por Guilherme de Oliveira na RLJ Ano 129, pag. 274 e s.s. Este professor defende que o simples contrato-promessa de partilha é válido. Pode ler-se a pags. 281: “Ao celebrarem um contrato promessa de partilha dos bens comuns, os cônjuges nem alteram as regras que valem acerca da propriedade dos bens, dentro do seu casamento, nem modificam as normas aplicáveis à comunhão (contra o artigo 1714, nº 1); e também não modificam o estatuto de qualquer bem concreto (contra o artigo 1714º, nº 2). Aquele negócio tem apenas como efeito a promessa de imputar os bens comuns concretos, que o casal tem à data do acordo, na meação da cada cônjuge. Depois de realizado o contrato promessa todos os bens comuns do casal continuam bens comuns do casal; e todos os bens próprios de cada cônjuge continuam como dantes. Nenhuma das massas patrimoniais do casal se modifica”. Vejamos. Estabelece o nº 1 do artigo 1714º: fora dos casos previstos na lei, não é permitido alterar, depois da celebração do casamento, nem as convenções antenupciais nem os regimes de bens legalmente fixados. Está em causa o princípio da imutabilidade das convenções antenupciais e do regime de bens do casamento resultante da lei. Este princípio proíbe todas as modificações dos regimes de bens do casamento, quer os convencionados quer os resultantes dos regimes supletivos legais. Como ficou provado, A. e R. foram casados entre si, sob o regime de comunhão geral de bens. No entanto vieram a divorciar-se por mútuo consentimento. E na pendência dessa acção de divórcio celebraram o referido acordo, no qual discriminaram bens comuns do casal e a forma de composição da meação de cada um deles nesses bens, para efeitos de partilha após o divórcio. Entre os bens comuns do casal encontrava-se a fracção autónoma que constituía a casa de morada de família, o recheio dessa casa, um veículo automóvel e uma quota duma sociedade. Sucintamente, foi acordado que a meação do R. era composta apenas pela quota daquela sociedade, ficando os restantes bens para a A., a qual assumiria o passivo relativo a um empréstimo hipotecário contraído pelo casal para a aquisição da casa de morada de família. Como se sabe, a partilha efectuada na pendência do casamento não é legalmente admissível, uma vez que os cônjuges não podem fazer cessar a comunhão de bens por mero acordo. É necessário que o casamento se dissolva ou se extinga por qualquer das formas tipificadas na lei (art. 1688° do C.C.), ou ocorra previamente um processo de separação judicial de bens (art.s 1767° e s.s. do mesmo diploma legal). Por isso, A. e R. estabeleceram entre si o referido contrato promessa de partilha na pendência da acção de divórcio, o qual apenas produziria efeitos depois de este ser decretado. Discute-se se é legalmente permitido aos cônjuges celebrarem contratos promessa de partilhas na constância do casamento, mas com vista à obtenção do divórcio. A questão suscita-se, porque o actual Código Civil, na esteira do que já vinha estabelecido no Código de Seabra, consagrou o princípio da imutabilidade das convenções antenupciais. O princípio da imutabilidade dos regimes de bens do casamento fundava-se em 3 razões fundamentais: 1. Na necessidade de se afastar o risco de um dos cônjuges se aproveitar do ascendente psicológico eventualmente adquirido sobre o outro para obter uma alteração do regime de bens que lhe fosse mais favorável; 2. Evitar que as convenções antenupciais, que tantas vezes correspondem a pactos de família, se pudessem alterar, após a celebração do casamento, por simples decisão de ambos os cônjuges; 3. A necessidade de salvaguardar os interesses de terceiros, cujas expectativas na manutenção do regime convencionado ou fixado por lei também poderiam ser defraudadas, caso o mesmo pudesse ser alterado livremente (Antunes Varela in "Direito da Família", 1982, pag.  357). Mas foi essencialmente com o argumento do receio do eventual aproveitamento ascendente psicológico de um dos cônjuges sobre o outro para obter o divórcio que nasceu a corrente doutrinal e jurisprudencial que considera nulos os acordos de partilha de bens comuns do casal feitos na pendência do casamento, mas na expectativa da obtenção do divórcio, por os considerar uma violação ao referido princípio da imutabilidade do regime de bens do casamento (art. 1714° do C.C.). De facto, entendem os defensores desta teoria que não se conseguirá ultrapassar a desconfiança natural sobre a liberdade dos cônjuges para contratarem um com o outro nessas condições ( ver entre outros: ac. S.T.J. de 18/2/1988 in BMJ n.° 374, pag. 474 e Ac. S.T.J. de 27/4/1989 in BMJ n.° 386, pag. 468 ). E, por isso, se afirma no acórdão do STJ de 26.05.93 citado que, embora o contrato promessa seja subscrito livremente por ambos os cônjuges, isso significa subverter-se “um contrato promessa que, por contender com o princípio da imutabilidade do seu regime de bens, não pode deixar de se haver como nulo”. Entretanto, esse argumento foi rebatido, como dissemos, por Guilherme de Oliveira, dizendo que o contrato promessa de partilha subordinado à condição suspensiva da procedência de um divórcio é valido porque não faz terminar as relações patrimoniais entre os cônjuges antes de a lei o permitir nem faz alterar o regime de bens do casamento. Por outro lado, diz-se, a circunstância de a declaração negociai ficar definitivamente vinculada, nomeadamente por força da possibilidade de um dos cônjuges poder exigir a execução específica do contrato promessa ao abrigo do art. 830° do C.C., não obstará à sua validade, desde que seja observada a regra geral da divisão dos bens comuns em partes iguais, pois, doutro modo, o contrato seria nulo, por violação da norma imperativa do art. 1730° do C.C. (este sentido podem ver-se, por exemplo: ac. S.T.J. 8/10/1998, proc. n.° 99Al21, relator Martins da Costa, ac. S.T.J. de 29/5/2001, proc. n.° 01A3693, relator Fernandes de Magalhães e ac. S.T.J. de 5/5/2005, proc. n.° 03B2003, relator Lucas Coelho, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf; ac. R.L. de 19/10/1992, proc. n.° 005976, relator Silva Paixão, in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf; ac. R.P. de 25/6/2002, proc. n.° 0220163, relator Cândido de Lemos, in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf e ac. R.C. de 19/10/1999, proc. n.° 1882/99, relator Coelho de Matos, in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf ) (2). No acórdão do STJ de 05.05.2005 acima referido foi afirmado que é jurisprudência largamente dominante naquele Tribunal a que defende a validade destes contratos. E na verdade, os bens comuns do casal continuam comum e os bens próprios de cada um dos cônjuges mantém-se nessa situação. E a partilha apenas será feita se e depois de ser decretado o divórcio. Com o contrato promessa nenhum deles perde qualquer direito, nem vê diminuída sua meação nos bens comuns. A alteração da situação jurídica dos bens só tem lugar depois de cessadas as relações patrimoniais entre os cônjuges. Por sua vez, os credores comuns mantêm os seus direitos sobre o património comum dos cônjuges. A simples promessa deixa incólume o princípio da imutabilidade. O contrato promessa consiste na convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato (artº 410º do CC). E cria a obrigação de contratar, isto é, a obrigação de emitir uma declaração de vontade correspondente ao contrato prometido. Trata-se de uma obrigação de facto positivo. Com o contrato promessa, os cônjuges obrigam-se efectivamente a proceder à partilha duma certa forma. Todavia, esta só será feita após o divórcio. Ora, o artigo 1714º apenas tem aplicação quando houver alteração do regime de bens do casamento ou uma modificação da titularidade de um bem concreto, o que não sucede com a simples celebração do contrato promessa de partilhas. É certo que o contrato promessa impõe às partes a celebração do contrato prometido, ou seja, neste caso, a formalização da partilha nos termos acordados. Dele resulta a prestação de facto positivo: a obrigação de, no futuro, proceder à partilha nos termos acordados. E se tivermos em consideração que se pode convencionar a execução específica nos termos do artigo 830º do CC a questão torna-se ainda mais delicada. E daí a afirmação feita no referido acórdão de 26.05.93: uma partilha feita nestas condições não é uma partilha feita livremente, mas uma partilha feita de harmonia com uma vontade vinculada, no sentido de declarada numa altura em que os outorgantes não eram livres de se manifestar nos termos seguidos e, portanto, valiosamente”. A verdade é que, em princípio, os acordos são feitos de livre vontade. E, por via de regra, nenhuma razão haverá para os considerar nulos. A questão coloca-se, obviamente, naqueles casos em que o contrato não foi feito livremente ou o foi com intuitos fraudulentos, sobretudo quando se convenciona a sua execução específica. Mas nestes casos terão os interessados os meios legais ao seu dispor tal como acontece em relação à generalidade dos contratos (artºs. 240º e s.s. do CC). O regime geral do dolo e da coacção para obtenção da declaração negocial satisfariam plenamente os interesses das partes e os justificados receios sobre a falta de liberdade dos cônjuges ao contratarem nessas condições, tendo em vista a obtenção do divórcio, como bem se refere na douta sentença. Em síntese: é válido o contrato-promessa de partilha dos bens comuns do casal celebrado pelos cônjuges na pendência da acção de divórcio para produzir os seus efeitos depois da dissolução do casamento, sendo, como tal, susceptível de execução específica, nos termos e para os efeitos do n. 1, do artº 830º do C. Civil. II Mas também é o mesmo autor (Guilherme Oliveira) que diz que o contrato promessa já não é válido se servir para projectar uma partilha de tal modo que um dos cônjuges venha a receber um valor maior do que o outro, o que sucederia, por exemplo, quando se prometesse uma divisão do património comum em partes desiguais (3). Tal contrato-promessa seria nulo por força do preceituado no artigo 1730º, nº 1, do CC, nos termos do qual “os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido diverso”. Este artigo impõe a regra da metade quanto à participação dos cônjuges no património comum. Dada a natureza imperativa desta regra – através da qual o legislador pretende evitar uma partilha desigual, obtida através de um ascendente psicológico de um sobre o outro – é nulo o contrato promessa de partilha através do qual um cônjuge se obriga a partilhar o património comum do casal, recebendo menos de metade do valor do outro. Assim, nos termos desta disposição legal, relativamente aos bens integrados na comunhão, sejam eles quais forem, os cônjuges não poderão desviar-se da regra da metade (isto é, da divisão em partes iguais). E quando nele se refere que os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão tem-se especialmente em vista fixar a quota-parte a que cada um deles terá direito no momento da dissolução e partilha do património comum. É que o património comum pertence em bloco a ambos (4). E isto porque ao impor a regra da metade a ambos os cônjuges, o legislador terá certamente querido evitar que um deles tentasse obter do outro um acordo injusto no sentido de uma partilha desigual, usando um ascendente psicológico sobre este. Na sentença recorrida aderiu-se a esta solução por se ter entendido ser esta corrente doutrinal e jurisprudencial a que melhor corresponde à correcta interpretação da lei, à melhor ponderação dos interesses, à satisfação das necessidades práticas dos cidadãos e à salvaguarda dos interesses públicos e da segurança jurídica que estão em causa. Por isso, nela foi dito: “a circunstância da declaração negocial ficar definitivamente vinculada, nomeadamente por força da possibilidade de um dos cônjuges poder exigir a execução específica ao abrigo do art. 830° do C.C., não tem obstado à mesma conclusão, desde que seja observada a regra geral da divisão em partes iguais, pois doutro modo o contrato será nulo, por violação da norma imperativa do Art. 1730° do C.C. (neste sentido: ac. S.T.J. 8/10/1998, proc. n.° 99Al21, relator Martins da Costa, Ac. S.T.J. de 29/5/2001, proc. n.° 01A3693, relator Fernandes de Magalhães e Ac. S.T.J. de 5/5/2005, proc. n.° 03B2003, relator Lucas Coelho, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf; Ac. R.L. de 19/10/1992, proc. n.° 005976, relator Silva Paixão, in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf; Ac. R.P. de 25/6/2002, proc. n.° 0220163, relator Cândido de Lemos, in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf e Ac. R.C. de 19/10/1999, proc. n.° 1882/99, relator Coelho de Matos, in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf ). E ainda: analisado objectivamente o contrato verificamos que os bens a adjudicar à A. somam o valor de 7.140.543$00 (4.1) - Activo: a) 3.817.104$00 + b) 125.000$00 + c) 750.000$00 + e) 5.540$00 + f) 2.873$00 + g) 2440.026$00 – fls 9 a 9 verso ). No entanto, a mesma assume integralmente um passivo de 6.945.543$00 ( 4.2) - Passivo – fls 9 verso ). Pelo que, por força desse contrato, o "saldo positivo" do seu direito à meação no património comum teria o valor de 195.000$00 ( 7.140.543$00 – 6.945.543$00 ). Por sua vez, o quinhão do R. ficava preenchido apenas pelo valor da quota da sociedade E.[…] Lda, precisamente no valor de 195.000$00 (4.1) – Activo al. d), fls 9 ). Assim, objectivamente, em face do contrato promessa em si mesmo considerado, foi observada a regra da meação ou divisão em partes iguais». Entretanto, o contrato foi considerado nulo por dele não constarem todos os bens comuns do casal. E assim se concluiu na douta sentença: «Em função do contrato promessa dos autos e da consideração da existência de bens que não foram partilhados, nem foram considerados no contrato promessa, só poderemos concluir que a partilha prometida jamais garantiria que os cônjuges participariam em metade no activo e no passivo da comunhão e, nessa medida, a execução específica violaria a regra imperativa do art. 1730° n.° 1 do C.C. Esse vício repercute-se directamente na obrigação assumida pelas partes de realizarem o contrato prometido nos termos convencionados, torna a promessa nula (art. 1730° do C.C. ) e, consequentemente, nulo o contrato promessa ( Art. 294° do C.C.)». Portanto, o contrato promessa foi considerado nulo com este segundo fundamento (artº 1730º), mas não com o primeiro (artº 1714º). Ora, efectivamente, os “acordos desiguais” é que suscitam o receio de que o divórcio tenha sido conseguido com base nessa promessa, sem a qual, um dos cônjuges não o teria aceite. Nada custa a admitir (antes pelo contrário) que um dos cônjuges apenas aceite o divórcio a troco de vantagens de ordem patrimonial. E que o outro apenas aceda a tal acordo por uma pressão psicológica sobre ele exercida. As vantagens resultantes de uma promessa de partilha que não respeite aquela regra proporcional poderão significar “uma contrapartida económica, ainda que disfarçada em convenção sobre a partilha, para o exercício do direito ao divórcio”. Nesta conformidade, se o contrato promessa de partilha dos bens comuns não respeitar a regara da metade, o cônjuge prejudicado pode invocar a sua nulidade, com base no artigo 1730º. Então competirá a este alegar e provar que no contrato promessa não foi respeitada a regra da proporcionalidade, assim lhe reservando uma quota inferior a metade. O réu invoca a nulidade do contrato promessa precisamente com este fundamento (E APENAS COM ESTE), dizendo, em síntese que: - em conformidade com esse contrato, a autora ficaria com todos os bens, relacionados e não relacionados, uma vez que a quota da sociedade não tem qualquer valor; - não foram relacionados todos os bens pertencentes ao casal, nomeadamente, os saldo existentes nas contas bancárias; - entre 13.12.1999 (data da separação de facto) a 09.03.2000 (data da propositura da acção de divórcio) a autora levantou várias quantias de contas conjuntas; - os valores atribuídos aos bens não têm qualquer correspondência com a realidade; - se a partilha fosse feitas nos termos do contrato, o réu estaria a prescindir a favor da autora de valores superiores a 30.000 contos. - se a partilha fosse feita nos termos do artigo 5º do contrato, isso traduzir-se-ia numa doação feita à autora da meação pertencente ao réu. A ser assim não haveria qualquer dúvida de que o contrato promessa não respeitaria a regra da metade e, portanto, seria nulo. Todavia, perante os factos provados e que constam do contrato promessa (e admitindo que só estes existiam na património comum do casal) não se pode dizer que foi violada a regra da metade. É que, além do mais, desconhece-se qual o valor da quota da sociedade que caberia ao ora réu. E não se conhecendo esse valor não é possível dizer-se se um dos cônjuges receberia mais do que o outro. E competia ao R fazer a prova de não ter siso respeitada a regra da metade. Para o efeito deveria ter alegado e provado que os bens que caberiam à mulher teriam um valor superior aos que a ele caberiam, atribuindo-se a esses bens um valor objectivo. Mas, como consta da sentença, os bens que seriam adjudicados à A. tinham um valor superior a 30.000.000$00 e os valores dos bens indicados no contrato promessa eram irrisórios. Há assim uma grande desproporção entre o valor real dos bens e o que consta do contrato promessa. Nada nos garante, pois, que a regra da metade foi respeitada. Tal só seria possível se aos bens tivesse sido atribuído um valor real. Então saberíamos se o património comum seria ou não dividido em partes iguais. Todavia, parece dever concluir-se como na sentença: apesar disso, tal não quer dizer necessariamente que foi violada a regra da divisão do património comum do casal em parte iguais. Mas isto só é assim tendo-se apenas em consideração os bens constantes do contrato promessa. É que, perante os factos dados como provados em relação a estes bens, não é possível concluir-se que os mesmos não foram distribuídos equitativamente por ambos, como se disse. Mas também não está demonstrado que tivesse sido respeitada a regra da metade. Já vimos quais os factos invocados pelo réu no sentido da nulidade do contrato por não ter sido observada a regra da metade. E apenas foi apurado que os valores atribuídos aos bens não têm correspondência com a realidade e que os bens referidos em 4, 4.1, al. A), b) c) e), f) e g) valiam mais de 30.000 contos. Pelo contrário, ficou provado que a título de equipamento vendido e serviços prestados, a Ergosete – Material e Equipamento de Escritório, Lda, facturou e recebeu do Estado Maior do Exército, nos anos de 1999 e 2000, a quantia total de 59.758.318$22, correspondente a € 298.073,23. E o réu havia alegado que esta quota não tinha qualquer valor. Portanto, não parece ter-se demonstrado que o valor dos bens atribuído à ora autora fosse superior ao valor da quota que seria adjudicada ao ora réu. Mas já nos parece que não se pode concordar, pelo menos totalmente, com a sentença quando nela se afirma: «efectivamente, se os valores que constam do contrato promessa são irrisórios, é porque ambas as partes assim quiseram que assim fosse, tendo plena consciência desse facto. Por outro lado, porque o acordo foi alcançado, supostamente por corresponder à vontade das partes no momento em que o contrato foi assinado, temos que pressupor que ele deveria corresponder a um equilíbrio das prestações patrimoniais de cada parte, em função da valoração económica que cada uma tinha delas». É que, em teoria, o contrato promessa, tal como está, poderia justamente servir para violar a regra da metade. E, se bem atentarmos na quantidade e qualidade dos bens que caberiam à autora, até será de admitir que não seria respeitada tal regra. A verdade é que, como dissemos, relativamente aos bens constantes do contrato promessa não se apurou se a divisão, tal como está prevista, respeitaria a regra da metade, uma vez que não se apurou qual o valor da quota e muito menos que esta não tinha qualquer valor, ao contrário do alegado pelo réu. E não nos parece que, perante estas dúvidas, se possa afirmar que à autora caberiam bens de valor superior ao que caberia ao réu. É que, em teoria, a quota poderá ter um valor muito elevado, o que não foi apurado. Vale então a regra do ónus da prova, a qual impendia sobre o réu. E, como se disse, “objectivamente, em face do contrato promessa em si mesmo considerado, foi observada a regra da meação ou divisão em partes iguais”. É que atendendo-se apenas ao que consta do contrato, o "saldo positivo" do direito da autora à meação no património comum teria o valor de 195.000$00 (7.140.543$00 – 6.945.543$00). Por sua vez, o quinhão do R. ficaria preenchido pelo valor da quota da sociedade, ou seja, também 195.000$00. Há que ter em consideração que não ficaram provados dois factos importantes para a tese defendida pelo réu: que o valor da quota da sociedade não tinha qualquer valor; que o contrato promessa de partilhas foi subscrito apenas para efeitos de processo de inventário, não tendo havido qualquer intenção de lhe atribuir qualquer valor real. III Entretanto, o R. invoca ainda que a regra da metade não foi respeitada, por existirem bens comuns do casal que não ficaram a constar do contrato promessa, nomeadamente saldos bancários, de que a autora se teria apropriado, e ainda outros bens móveis. E de facto ficou provado que, para além dos bens referidos no contrato promessa, integravam também o património comum do casal os bens móveis melhor descritos de fls 55 a 56. Por outro lado, também ficou provado que a A., na pendência do casamento, retirou quantias da conta comum do casal, no Banco Santander, nos valores de 4.978.673$00, 10.000.000$00, 500.000$00 e 68.000$00. Provado ficou ainda que também integravam o património comum da A. e do R. 172.119$00 depositados no Banco […] S.A.; 67.944$00 depositados no […]; e 3.424.068$00, correspondente a 1/3 do valor total de 10.272.204$00 depositado no […], no qual se incluía o valor de 2.440.026$00 relativo à indemnização recebida pela A. a título de compensação pela cessação do seu contrato de trabalho a que se reporta a alínea g) do ponto 4.1) "activo" da cláusula 4ª do contrato promessa dos autos, sendo o restante dinheiro comum do casal depositado na conta em nome dos dois. Com base nestes factos foi assim fundamentada a decisão recorrida: «Há assim um conjunto de "dinheiros", que faziam parte do património comum do casal, dos quais a A. se apropriou, entre a data da separação de facto do casal e a data da celebração do contrato promessa de partilha, que não constavam deste contrato, e cuja existência, evidentemente, põe em causa o equilíbrio das prestações patrimoniais a que as partes tinham chegado ao celebrarem o contrato de fls. 8 a 10. Essa situação compromete a possibilidade de execução específica do contrato promessa, porque a substituição da declaração negocial do faltoso levaria à outorga de escritura da partilha em termos que não poderiam respeitar o art. 1730° do C.C.. De facto, o art. 830° n. ° 1 do C.C. estabelece que se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida. No caso dos autos, o que foi prometido celebrar foi a partilha dos bens comuns do casal, que é o acto adequado a pôr termo à universalidade de direito que constitui a comunhão de bens do casal. Ora, a comunhão de bens é composta por todo o acervo de bens e direitos de natureza patrimonial que se encontravam afectos ao gozo comum do casal. O acto de partilha visa precisamente estabelecer o destino de todos os bens que compõem a comunhão que, pelo divórcio, se dissolveu. Ora, porque nos encontramos perante a partilha duma universalidade de direitos e bens, é fundamental que se definam com vigor todos os bens que compõem a comunhão que se pretende partilhar, sendo também impreterível discriminar o passivo, fazendo-se intervir no acordo de partilha os credores, que são igualmente interessados ( Vide, por ex: art. 1352° e SS. do C.P.C. no inventário judicial). Portanto, a partilha deve ser formaliza, por regra, em acto único, com vista a se estabelecerem os necessários actos de compensação, entre activo e passivo (art. 1689° do C.C.). Se existem bens que não estão relacionados na promessa de partilha e que são susceptíveis de violar o equilíbrio das atribuições patrimoniais que iriam compor o quinhão de cada parte, nomeadamente porque a A. se apropriou desses bens, é evidente que a partilha prometida não respeita à universalidade de bens que compunha a comunhão patrimonial do casal. Assim sendo, a escritura prometida realizar não poderia por termo definitivo à comunhão dos bens do casal, como deveria ser seu propósito. Logo, não se pode ordenar o cumprimento de contrato promessa que está viciado à partida quanto ao resultado que deveria atingir. Em função do contrato promessa dos autos e da consideração da existência de bens que não foram partilhados, nem foram considerados no contrato promessa, só poderemos concluir que a partilha prometida jamais garantiria que os cônjuges participariam em metade no activo e no passivo da comunhão e, nessa medida, a execução específica violaria a regra imperativa do art. 1730° n. ° 1 do C.C.. Esse vício repercute-se directamente na obrigação assumida pelas partes de realizarem o contrato prometido nos termos convencionados, toma a promessa nula (art. 1730° do C.C.) e, consequentemente, nulo o contrato promessa (art. 294° do C.C. ». E daí o presente recurso. Mas esta questão será apreciada no capítulo VI. IV No dizer da própria apelante, e como consta das conclusões, baseia-se o presente recurso em três aspectos: a) Violação do caso julgado material; b) Violação da lei substantiva (regime do contrato promessa de partilha); c) Violação da lei substantiva (princípios do aproveitamento dos actos de boa fé) Vejamos. Por apenso à aludida acção de divórcio correu termos um inventário para separação de meações entre as mesmas partes. Nesse inventário, a Maria […], ora autora, deduziu oposição com o fundamento de que os interessados haviam acordado efectuar a partilha dos bens comuns do casal em conformidade com o contrato promessa outorgado em 26.04.2000 e agora em causa nesta acção. O requerente do inventário, ora réu, respondeu dizendo que o contrato promessa apenas tinha sido subscrito para efeitos do processo de divórcio, não lhe tendo sido atribuído qualquer outro valor, pois, a fazer-se a partilha em conformidade com o que consta desse contrato, isso constituiria uma verdadeira doação feita pelo ex-marido à ex-mulher, uma vez que esta ficaria com todos os bens relacionados, ficando aquele apenas com uma quota numa sociedade, sem qualquer valor. Na decisão proferida no inventário sobre essa questão foi referido serem aí as questões incidentais a decidir as seguintes: a) Se devia declarar-se cessado o inventário; b) Se a requerente devia ser absolvida da instância. E tudo isto apenas com fundamento na existência deste contrato promessa de partilhas. É que estava então em causa averiguar se o inventário devia ou não prosseguir em virtude da invocação deste contrato. E, em princípio, bem se justificaria que o inventário não prosseguisse, pois, existindo um acordo sobre o modo como iria ser feita a partilha, desnecessário seria a instauração do inventário para partilha dos mesmos bens. Igualmente foi referido naquela decisão que se discutia a validade do contrato promessa de partilha celebrado na constância do matrimónio. Portanto, também se discutiu aí a questão que nos ocupa no presente recurso. E aí foi entendido que a simples celebração do contrato promessa não importava qualquer alteração do regime de bens do casamento, pois a promessa conjugal de partilha deixaria incólume o princípio da imutabilidade. E também que o único limite à validade do contrato promessa seria o representado pelo princípio estruturante da participação dos cônjuges no património comum: a regra da metade estabelecida no artigo 1730, nº 1 do CC. E, por isso, foi considerado que é nulo um contrato promessa de partilhas através do qual um cônjuge se vincula a partilhar o património comum recebendo menos de metade do valor. Mas consta do mesmo despacho o seguinte: o requerente opôs à requerida a invalidade do contrato promessa com fundamento na violação do princípio da imutabilidade e no facto de a partilha nele prometida não haver abrangido todo o património comum. Portanto, o requerido no inventário e réu nesta acção, arguiu a invalidade do contrato promessa com estes dois fundamentos: 1. Violação do princípio da imutabilidade das convenções antenupciais. 2. Por a partilha não abranger todo o património comum do casal. Quanto ao primeiro fundamento, e pelas razões referidas, decidiu-se que o mesmo não se verificava, sendo portanto válido o contrato promessa. E o mesmo foi decidido em relação ao segundo daqueles fundamentos. Decidiu-se assim, por um lado, que o contrato promessa não era nulo e, por outro, que não procedia o argumento de que a partilha prometida não abrangia a totalidade do património comum do casal. Mas também foi dito que a celebração do contrato promessa não constitui obstáculo ao inventário judicial, dado que não lhe retira razão de ser. É que, mesmo que tivesse sido pedida a execução específica do contrato, nem assim deveria julgar-se procedente a oposição, pois o que se colocaria seria uma questão de prejudicialidade de tal acção relativamente ao inventário. Neste apenas estava em causa saber se, face à existência do contrato promessa, devia o mesmo prosseguir. E foi decidido que o inventário devia prosseguir, não obstante a validade do contrato promessa de partilhas. E, por isso, foi julgada improcedente a oposição deduzida pela ora autora/apelante. V Posteriormente, a interessada Maria […], ora ré, requereu a suspensão da instância no inventário, precisamente com fundamento na presente acção, isto é, em virtude de ter sido celebrado o contrato promessa e de se estar aqui a pedir a sua execução específica. Estaria em causa a eventual suspensão da instância com fundamento nesta acção, a qual seria prejudicial em relação ao inventário. Assim, naquele primeiro requerimento foi deduzida oposição ao inventário pelas razões referidas. Neste segundo é apenas pedida a sua suspensão. Mas em ambos os casos com o mesmo fundamento: a existência do contrato promessa de partilhas. No despacho aí proferido foi referido que a procedência desta acção, em relação aos bens a que alude o contrato promessa, destrói a razão de ser do inventário: “a decisão daquela causa faz desaparecer o fundamento ou a razão de ser do processo de inventário. O inventário em vez de prosseguir quanto a tais bens extingue-se. Neste contexto, o inventário assume nitidamente a feição de causa subordinada e aquela acção o carácter de causa prejudicial: considera-se razoável a suspensão da causa subordinada”. E na verdade, julgando-se procedente a acção para execução específica do contrato promessa, o inventário perderia a sua razão de ser em relação a esses bens. No entanto, constatou-se que no contrato promessa (e portanto nesta acção - que é a prejudicial -) não estavam incluídos todos os bens comuns do casal, nomeadamente os depósitos bancários. Com estes fundamentos foi declarada a suspensão do inventário, mas apenas em relação aos bens compreendidos nesta acção, prosseguindo quanto aos restantes. A causa prejudicial não abrangia todos os bens cuja partilha se discutia no inventário e daí a suspensão parcial. Entretanto, consta da certidão junta aos autos de fls. 315 a 319 que o processo de inventário prosseguiu seus termos em relação aos bens não referidos no contrato promessa. E nesse mesmo processo foi elaborado o mapa da partilha, tendo sido posto em reclamação por despacho de 15.07.2003. E diz-se também nesse despacho que os interessados acordaram “quanto aos bens que haveriam de figurar no inventário” Assim sendo, o inventário prosseguiu para partilha dos bens comuns do casal não constantes do contrato promessa, o que significa que apenas falta partilhar os bens a que estes autos se reportam.  Com base nestas duas decisões proferidas no inventário e na decisão proferida na sentença recorrida, a apelante arguiu a excepção de caso julgado, como consta das conclusões 1 a 5. No entanto, como veremos no capítulo VI, será julgada procedente a apelação, no essencial pelas razões constantes das conclusões 6 a 10, pelo que ficará prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas neste recurso. VI Portanto, a grande questão a decidir nesta acção é precisamente saber se o contrato promessa é válido ou se, pelas razões referidas na douta sentença deve ser declarado nulo. Diz a apelante que ao decidir nos termos referidos, o douto aresto recorrido violou a lei substantiva. Com efeito, diz ela, os cônjuges não ficam obrigados a fazer cessar a sua comunhão de bens quando cessam as relações patrimoniais entre ambos mantidas; o que o art.° 1689. ° do Código Civil prevê não é um dever mas um direito a fazer cessar esse património comum, dividindo-o de modo igualitário; logo, se assiste aos cônjuges o direito de permanecerem na indivisão total de bens, por maioria de razão lhes é lícito proceder à partilha parcial do seu património, dividindo, somente, alguns dos bens que o constituem. E diz ainda que não existe norma legal que estipule que "o acto de partilha visa precisamente estabelecer o destino de todos os bens que compõem a comunhão que, pelo divórcio, se dissolveu". Pelo que, conclui a apelante, não tendo sido provado "que foi violada a regra da divisão do património comum do casal em partes iguais", a decisão recorrida constitui uma violação dos princípios da liberdade contratual. Parece-nos que tem razão a recorrente. Nesta acção está em causa saber se deve proceder-se à execução específica do contrato promessa de partilhas dos bens comuns do dissolvido casal. Há assim que apreciar e decidir se deve ser proferida decisão no sentido de ser ordenada a execução específica do contrato promessa celebrado na constância do matrimónio: sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso. Estabelece o artigo 1788º do CC que o divórcio dissolve o casamento e tem juridicamente os mesmos efeitos da dissolução por morte…O divórcio é, pois, equiparado, em princípio, à dissolução do casamento por morte dos cônjuges. De resto, estabelece o artigo 1688º que “as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução…do casamento”. A dissolução consiste efectivamente na extinção da relação matrimonial, com as consequências que daí decorrem. E “cessadas as relações patrimoniais ente os cônjuges, estes…recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum...”(artº 1689º). Então, poderão os ex-cônjuges proceder à partilha dos bens comuns. E esta será feita extrajudicialmente (desde que haja acordo nesse sentido) ou através de inventário (artºs. 2101ºe 2102º do CC e 1404º do CPC) Esta acção foi julgada improcedente porque se entendeu que o contrato promessa era nulo, pelas razões referidas. Daí que o R tenha sido absolvido do pedido de reconhecimento do direito à execução específica do contrato nos termos do artigo 830º do CC Mas nada impediria que as partes procedessem à partilha dos bens a que se refere o contrato promessa caso esta acção fosse julgada improcedente. Aliás, em relação aos outros bens já foi feita a partilha em partes iguais, e por acordo, pelo que apenas faltará proceder-se à divisão dos bens a que se refere o contrato promessa. Para que se possa averiguar se é observada a regra da metade parece ser necessário que aos bens a adjudicar a cada um dos cônjuges seja atribuído um valor real e que do contrato promessa constem todos os bens comuns. É que só conhecendo-se a totalidade dos bens comuns se pode averiguar se foi observada essa regra. Se, por hipótese, o dissolvido casal for proprietário de dois prédios urbanos, tendo um deles o valor comercial de 100 e outro o valor comercial de 20, mas se, formalmente, a ambos for atribuído o valor de 50, parece óbvio que foi violada grosseiramente tal regra. Mas, em princípio, já nada obstaria à validade do contrato promessa se aos prédios fosse atribuído valor diferente, mas, de facto, o valor real de ambos fosse o mesmo. E foi precisamente porque se considerou que a regra da metade não foi observada que se decidiu pela improcedência da acção, com fundamento na nulidade do contrato promessa. Todavia, como se disse, não foi feita prova de que foi violada a aludida regra. E o que aqui se pretende averiguar é se foi violada e não se foi observada. Antes da dissolução do casamento (ou antes de ser decretada a separação judicial de pessoas e bens) não podem os cônjuges dispor da sua meação nos bens comuns, tal como não lhes é permitido pedir a partilha dos mesmos bens. “Os bens comuns constituem uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação, a lei concede certo grau de autonomia, e que pertence aos dois cônjuges, mas em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são, os dois, titulares de um único direito sobre ela” (5). E a comunhão de bens é composta por todo o acervo de bens e direitos de natureza patrimonial que se encontram afectos ao gozo comum do casal. Deste modo, pareceria dever concluir-se como na douta sentença recorrida no sentido de que  “existindo bens que não estão relacionados na promessa de partilha (…) a partilha prometida jamais garantiria que os cônjuges participariam em metade no activo e no passivo da comunhão”. Mas o que importa averiguar é se, no caso sub judice, não foi respeitada a regra da metade. E tal prova não foi feita. Ora, cessadas as relações patrimoniais, cada um dos ex-cônjuges tem o direito de exigir a partilha dos bens comuns. Mas têm também o direito de permanecer na indivisão. E, por maioria de razão, poderão proceder à partilha parcial, salvo sempre melhor opinião em sentido contrário. E se nada obsta a que se proceda à partilha parcial, não vemos qualquer razão para que o contrato promessa seja considerado nulo apenas porque nele não foram incluídos todos os bens comuns e não lhes foi atribuído o valor real. Ao réu, que invocou a nulidade do contrato, competia fazer a prova dos respectivos factos (artº 342º nº 2 do CC). Ora, a simples circunstância de não constarem do contrato promessa todos os bens comuns e de aos (bens) dele constantes não ter sido atribuído valor real, não significa necessariamente que tenha sido violada a regra da metade. Nesta conformidade procedem as conclusões 6 a 10. Entretanto convirá fazer mais duas observações. Como consta da certidão junta pelo réu com a contestação (fls. 30), requerente e requerida no inventário acordaram na avaliação da quota social e dos bens imóveis relacionados. E disseram também as partes interessadas que o acordo estabelecido quanto à avaliação da quota social e dos bens imóveis não prejudicava o direito de cada interessado a requerer, nos meios judiciais comuns, a execução específica do contrato promessa de partilhas. A verdade é que em relação a estes factos parece nada mais ter sido feito, além da instauração desta acção. Nomeadamente nada consta em relação ao valor da quota. Por outro lado, como vimos, já se procedeu à partilha dos bens (com excepção dos que constam do contrato promessa). E foi referido no respectivo despacho que o inventário apenas prosseguiu “quanto às contas bancárias”. Deste modo mal se compreenderia que fosse julgado nulo o contrato promessa com o fundamento de que não constavam dele todos os bens a partilhar. Nesta conformidade deve proceder a apelação. VII Face ao decido em VI ficam prejudicadas as questões a que se referem as conclusões 11 a 13. Tendo em atenção o preceituado no nº 1 do artigo 830º do CC nada obsta à execução específica do contrato promessa de partilhas. Nas partilhas são identificados os bens e adjudicados os respectivos quinhões aos interessados. Do contrato promessa constam os bens (cláusula 4º) e o modo como se deveria proceder à partilha (cláusula 5ª). Por isso, neste acórdão decidir-se nessa conformidade, ou seja, serão adjudicados a cada um dos interessados os bens pela forma acordada. Os bens a partilhar são os referidos no número 4 dos factos provados. A forma como deve ser feita a partilha e adjudicação é a que consta do nº 5. ** Por todo o exposto acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência, adjudicamos à interessada Maria […] os seguintes bens: - Fracção autónoma designada pela letra "F" do prédio urbano constituído em propriedade horizontal descrito na Conservatória de Registo Predial da Amadora fracção aquela correspondente ao 1° andar […] a que foi atribuído o valor patrimonial de Esc.: 3.817.104$00; - Recheio da casa de morada de família, a que foi atribuído o valor de Esc.: 125.000$00; - Veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca Opel Corsa, matrícula […] a que foi atribuído o valor de 750.000$00; - Quota ideal de 50% na nua-propriedade do prédio urbano registado na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras […] a que foi atribuído o valor patrimonial de Esc.: 5.540$00; - Quota ideal de 50% na nua-propriedade do prédio urbano registado na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras […] que foi atribuído o valor patrimonial de Esc.: 2.873$00; - Esc.: 2.440.026$00, correspondente à parte sobejante da indemnização recebida pela primeira outorgante a título de compensação pela cessação do respectivo contrato de trabalho; E vai a mesma condenada no pagamento do passivo: dívida de Esc.: 6.945.543$00 à Caixa […] , em razão do empréstimo contraído para a aquisição da casa de morada de família, garantida por hipoteca sobre esta, outorgado pela escritura pública de 23 de Junho de 1994, lavrado no 27° Cartório Notarial de Lisboa ….».   A meação do R, António […]  será preenchida com uma quota no valor nominal de Esc.: 195.000$00 no capital social da sociedade E.[…] Lda, com o capital social de esc.: 400.000$00, a que foi atribuído o valor de Esc.: 195.000$00, que se lhe adjudica; Custas pelo apelado.   Lisboa, 12.12.2006. Pimentel Marcos Abrantes Geraldes Maria do Rosário Morgado ___________________________ 1.-CJ (stj) Ano 1º, tomo II, pag. 134 2.-Estas citações foram feitas na douta sentença. 3.-Em nota explica que se deve tratar de uma desigualdade objectiva, avaliada com os meios correntes e que se refira, em rigor, ao momento da partilha. 4.-Pires de Lima e A. Varela em anotação ao artigo 1730º 5.-Pereira Coelho, in “Curso de Direito da Família” (1981), pag.466

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