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Acórdão TR Lisboa de 2011-02-01

987/10.5YRLSB-1

TribunalTribunal da Relação de Lisboa
Processo987/10.5YRLSB-1
RelatorAnabela Calafate
DescritoresRevisão de Sentença Estrangeira, Acção de Divórcio, Partilha dos Bens do Casal, Bem Imóvel, Tribunais Portugueses, Competência
Nº do DocumentoRL
Data do Acordão2011-02-01
VotaçãoUnanimidade
Meio ProcessualREVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
DecisãoProcedente

Sumário

I – A partilha de bens imóveis situados em Portugal feita por tribunal estrangeiro em acção de divórcio não é da competência exclusiva dos tribunais portugueses, pois, esta acção não pode ser qualificada como acção relativa a direitos reais, por não estar em causa qualquer litígio sobre esses direitos. II – A partilha do património comum do casal numa acção de divórcio não tem por finalidade determinar quem é o titular do direito de propriedade ou outro direito real sobre imóveis e assegurar a respectiva titularidade. III – Assim, inexiste reserva de jurisdição dos tribunais portugueses em acção de divórcio perante tribunal estrangeiro. (JAP)


Texto Integral

Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I – Relatório A, residente em ….. Washington DC, Estados Unidos da América, veio requerer contra B, residente em Rua …, …., …., nos termos dos art. 1094º e seguintes do Código de Processo Civil, a revisão e confirmação da sentença que decretou o divórcio entre ambos proferida pelo Tribunal Superior do Distrito de Columbia nos Estados Unidos da América em 13 de Janeiro de 2010 e registada definitivamente, porque transitada em julgado, em 25 de Março de 2010. Alega em síntese que celebrou casamento com a requerida em 31 de Agosto de 1982, registado em Portugal e que a sentença foi proferida na sequência de um pedido de divórcio apresentado anteriormente à data de 13 de Janeiro de 2010. Conclui dizendo que estão reunidos todos os requisitos para que seja revista a referida sentença estrangeira e consequentemente para a sua confirmação com a necessárias e legais consequências e nomeadamente em sede de registo civil, decretando em Portugal o divórcio entre as partes. * A requerida B foi citada e deduziu oposição, invocando, em síntese: - a sentença que o requerente pretende ver confirmada não se limitou a decretar o divórcio pois igualmente homologou um acordo datado de 23 de Novembro de 2009, acordo este que foi obtido sob coacção da requerida; - no referido acordo, que o requerente nem se digna juntar aos autos, foi partilhado património que constitui bem comum do casal e do qual faz parte um imóvel sito em território português; - é da competência exclusiva dos tribunais portugueses preparar e julgar as acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre bens imóveis sitos em território português (art. 65º A al a) do CPC); - é manifesto que o requerente não limita o seu pedido aos efeitos civis da sentença que decretou o divórcio, pretendendo antes a confirmação da sentença na sua máxima extensão; - não poderá a sentença que decretou o divórcio ser confirmada na sua máxima extensão, como pretende o requerente, nomeadamente no que respeita à homologação daquele acordo datado de 23 de Novembro de 2009; - a certidão da sentença não está legalizada nos termos do art. 540º do CPC e nos termos da Convenção de Haia de 5 de Outubro de 1961 relativa à supressão da exigência de legalização dos actos públicos estrangeiros pelo que não se configura como um documento autêntico, não fazendo prova plena dos factos que refere, razão pela qual se impugna (art. 369º a 371º do Código Civil); - sem uma correcta legalização do documento, subsistem dúvidas sobre a autenticidade do documento, razão pela qual a confirmação deve ser recusada; - na acção que correu termos no Tribunal Superior do Distrito de Columbia a causa de pedir é a violação do dever de coabitação entre o requerente e a requerida; - ora, encontra-se a correr na 1ª secção do Juízo de Família e Menores de … – Comarca d……, o processo de divórcio litigioso com o nº …./......., em que são sujeitos o requerente e a requerida, instaurado em 19 de Março de 2010 e sendo a causa de pedir igualmente a violação do dever de coabitação entre ambos, tendo sido citado o requerido; - sendo manifesto a repetição da causa por litispendência, por haver identidade de pedidos, de causa de pedir e de pedido, pelo que deve ser negada a confirmação da sentença; - não foram assegurados os direitos de defesa da requerida no âmbito da acção que correu termos no Tribunal Superior do Distrito de Columbia e do qual resultou a sentença cuja confirmação é pedida pelo requerente, pois devido à sua precária situação económica não pôde ser devidamente aconselhada nem representada em juízo por mandatário forense, pelo que ao abrigo do art. 8º da Convenção de Haia sobre o Reconhecimento de Divórcios e Separação de Pessoas deve ser recusado o reconhecimento. * O requerente respondeu invocando, em resumo: - apenas está em causa o estatuto pessoal das partes, em momento nenhum da petição inicial ou da sentença do tribunal estrangeiro se referem questões patrimoniais; - o pedido formulado pelo requerente limita-se aos efeitos civis resultantes da confirmação do divórcio não se pretendendo nesta acção mais do que aquilo que a sentença decretou em sede de estatuto pessoal; - mas ainda que estivesse em causa um acordo de natureza patrimonial essa matéria não é da exclusiva competência dos tribunais portugueses; - todavia é falso que a requerida tenha celebrado o acordo sob coacção e que o mesmo tenha partilhado os bens comuns do casal; - nenhuma dúvida existe de que o documento trazido aos autos é uma certidão da sentença estrangeira, em concreto do Tribunal Superior do Distrito de Columbia e se dúvidas existissem é a própria requerida que confirma que tal sentença foi proferida - não procede a excepção de litispendência pois a acção que corre termos no Tribunal de Família de … foi apresentada à distribuição em Março de 2010, isto é, posteriormente à data em que transitou em julgado a sentença estrangeira; - além disso inexiste litispendência: a) quando a causa de pedir numa acção seja o mútuo consentimento e da outra a violação culposa de deveres conjugais; b) a causa de pedir de uma acção seja uma determinada violação de um dever conjugal e a da outra uma violação de um dever conjugal diferente; - é falso que não tenham sido assegurados os direitos da requerida no Tribunal Superior do Distrito de Columbia, Estados Unidos da América. * Foi dado cumprimento ao disposto no art. 1099º nº 1 do CPC. O Ministério Público alegou neste termos: - não oferece dúvidas a autenticidade do documento que contém a decisão a rever e a inteligibilidade – formal e real do decidido (art. 1096º al a) do CPC) - por outro lado, e na linha do estabelecido pelo art. 1101º ib, provado não vem e do autos não decorre que falte algum dos requisitos dos demandados nas alíneas b) a e) do referido preceito - ainda, é certo não violar o decidido princípios da ordem pública portuguesa - por fim, temos que a revisão não é de mérito - em conclusão: não existe obstáculo legal à confirmação e revisão pretendidas da decisão, pelo que se deverá atender a pretensão * A requerida alegou, tendo formulado as seguintes conclusões: 1. A sentença cuja confirmação o requerente pretende, homologa um acordo, acordo este que tem relevantes consequências em sede patrimonial e que faz parte incorporante da referida sentença (ut. ponto B da parte decisória da sentença doc. n.º 1 junto com a petição inicial). 2. Nada no pedido formulado pelo Requerente leva a que se entenda que este apenas pretende a confirmação da sentença para efeitos civis. 3. Aliás, a utilização do advérbio de modo “nomeadamente” conduz mesmo a que se entenda que este não pretende que a confirmação da sentença se limite aos referidos efeitos civis. 4. O Requerente não junta o acordo homologado pela sentença em apreço e que da mesma faz parte incorporante. 5. Sem a junção aos autos do referido acordo não é possível ter conhecimento da real extensão da sentença, cuja confirmação é pretensão do Requerente, de modo a verificar se a mesma ou o acordo por si homologado contem disposições incompatíveis com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português. 6. Acresce que a tradução da certidão de sentença junta aos autos não se encontra legalizada nos termos do art. 540.º do Código Processo Civil, conforme o legislador exige para atribuir força probatória a documentos exarados por autoridades públicas estrangeiras, como é o caso da sentença junto aos autos. 6. Para mais, tal sentença não se encontra legalizada, nos termos impostos pela Convenção de Haia de 5 de Outubro de 1961 relativa à supressão da exigência da legalização dos actos públicos estrangeiros. 7. Não se encontrando a sentença cuja confirmação o Requerente pretende devidamente legalizada, não configura tal documento um documento autêntico, pelo que deverá ser negada sua confirmação. 8. A sentença, cuja confirmação o Requerente pretende, abrange a partilha dos bens que o Requerente e a Requerida adquiriram durante a constância do matrimónio e dos quais faz parte um imóvel sito em território nacional adquirido pela Requerida. 10. Sendo da exclusiva competência dos tribunais portugueses a decisão de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre bens imóveis sitos em território nacional (art. 65°-A, al. a) do Código Processo Civil). 11. Acresce ainda que se encontra a correr na lª Secção do Juízo de Família e Menores de … - Comarca d…… - processo de divórcio litigioso, sob o processo n.º …/...5T2SNT, acção de divórcio litigioso contra o Requerente. 12. Entre a acção que se encontra a correr na Comarca d……… e a acção que correu termos no Tribunal Superior do Distrito de Columbia, nos Estados Unidos da América há identidade de sujeitos, de causa de pedir e de pedido. 13. Verificando-se identidade de sujeitos, de causa de pedir e de pedido, é manifesta a repetição da causa. 14. Para mais, a Requerida, no âmbito da acção que correu termos no Tribunal Superior do Distrito de Columbia, Estados Unidos da América, e da qual resultou a sentença cuja confirmação é pretensão do Requerente não viu assegurados os seus direitos de defesa. 15. Efectivamente, o acesso ao Direito e aos Tribunais configura um direito fundamental, encontrando-se constitucionalmente consagrado (cfr art. 20º nº 1 da Constituição da República Portuguesa). 16. A Requerida, encontrando-se na dependência económica do requerente, não teve meios para assegurar a sua correcta e cabal defesa nos Estados Unidos da América. 17. Deverá pois, também por este fundamento, ser recusada a confirmação da sentença. * O requerente também alegou reiterando o argumentos já invocados na sua resposta à contestação da requerida e concluiu pela procedência do pedido de confirmação da sentença estrangeira. Juntou certidão em que é certificado pela Chanceler da Secção Consular da Embaixada de Portugal em Washington: «Primeiro: Que as fotocópias apensas a esta certidão foram extraídas nesta Secção Consular, da cópia certificada do documento original que me foi apresentada, que conferi e devolvi ao apresentante. Segundo: Que ocupa quatro folhas de uma face que levam aposto o selo branco desta Secção Consular e vão por mim rubricadas. Terceiro: Que o original diz respeito à Sentença de Divórcio de A, emitida pelo Tribunal Superior de Família do Distrito de Columbia, aos 13/07/2010. * Notificada da junção deste documento veio dizer a requerida: - o documento junto pelo requerente é uma cópia de um documento escrito em língua inglesa, cópia essa certificada pela Secção Consular da Embaixada de Portugal em Washington; - o documento de onde consta a sentença junto aos autos pelo requerente com a douta petição inicial é composto de três folhas, sendo que o documento ora junto aos autos é composto por quatro folhas; - por não haver correspondência entre o número de folhas da certidão junta aos autos e da cópia certificada, é manifesta a falta de força probatória dos referidos documentos, razão pela qual se impugna o mesmo; - para mais, tal documento está redigido em língua inglesa; - ora, “nos actos judiciais usar-se-á a língua portuguesa” (art. 139º nº 1 do Código de Processo Civil); - com a junção aos autos do referido documento, vem o requerente solicitar que esse Venerando Tribunal confirme um acto que consta de um documento escrito noutra língua que não a portuguesa, o que, salvo melhor opinião, não possível; - por último, é manifesto que o documento ora junto aos autos não se encontra, tal como o anterior, legalizado nos termos que o legislador prescreve no artigo 540º do Código de Processo Civil, nem com a Apostilha da Convenção de Haia de 5 de Outubro de 1961, razão pela qual não faz prova dos factos nele vertidos, pelo que também por esta razão se impugna. * Colhidos os vistos, cumpre decidir. II – Questões a decidir - se há dúvidas sobre a autenticidade do documento de que consta a sentença a rever - se ocorre a excepção de litispendência - se o requerente pretende a revisão e confirmação de um acordo homologado na sentença estrangeira de partilha do património comum do casal do qual fazem parte imóveis sitos em Portugal - se esse acordo versa sobre matéria de competência exclusiva dos tribunais portugueses nos termos do art. 65º A al a) do CPC, - se esse acordo foi obtido sob coação - se a requerida não viu garantidos os seus direitos no âmbito do processo em que foi proferida a sentença estrangeira * III – Fundamentação A) De harmonia com o nº 1 do art. 1094º do CPC «Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro ou por árbitros no estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada.» Por sua vez, o art. 1096º do CPC estabelece: «Para que a sentença seja confirmada é necessário: a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão; b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida; c) Que provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses; d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal português, excepto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição; e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do país de origem, e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes; f) Que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado português.». * B) Sustenta a requerida que o documento de onde consta a sentença estrangeira não está devidamente legalizado subsistindo dúvidas sobre a sua autenticidade. O art. 365º do Código Civil determina: «1. Os documentos autênticos ou particulares passados em país estrangeiro, na conformidade da respectiva lei, fazem prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal. 2. Se o documento não estiver legalizado, nos termos da lei processual, e houver dúvidas acerca da sua autenticidade ou da autenticidade do reconhecimento, pode ser exigida a sua legalização.». Nos termos do nº 1 do art. 540º do CPC «Os documentos autênticos passados em país estrangeiro, na conformidade da lei desse país, consideram-se legalizados desde que a assinatura do funcionário público esteja reconhecida por agente diplomático ou consular português no Estado respectivo e a assinatura deste agente esteja autenticada com o selo branco consular respectivo.». No domínio da Convenção de Haia de 5 de Outubro de 1961 a legalização do documento faz-se através da aposição duma apostilha pela entidade pública que o Estado de origem para o efeito tenha designado. Em anotação ao art. 365º do Código Civil explicam Pires de Lima e Antunes Varela: «A obrigatoriedade da legalização dos documentos passados em país estrangeiro, na conformidade da lei desse país, foi, em princípio, abolida. Os tribunais, como quaisquer repartições públicas, devem, pois, atribuir a esses documentos todo o seu valor probatório, independentemente de legalização. Esta, porém, pode tornar-se obrigatória, se vierem a suscitar-se dúvidas acerca da sua autenticidade ou da autenticidade do reconhecimento.» (cfr Código Civil anotado, vol, I, 4ª ed, pág. 324 e no mesmo sentido, Ac do STJ de 25/10/1974 – BMJ 240º-199 citado também no Ac do STJ de 8/5/2003 – Proc. 03B1123 – in www.dgsi.pt). Também a este respeito escrevem José Lebre de Freitas, A. Montalvão e Rui Pinto: «A legalização não é indispensável para que o documento passado em país estrangeiro faça prova em Portugal. O art. 365º do CC confere a tal documento, seja autêntico seja particular, desde que elaborado em conformidade com a lex loci, a mesma força probatória que têm os documentos da mesma natureza elaborados em Portugal; e só se houver fundadas dúvidas acerca da sua autenticidade, ou da autenticidade do reconhecimento, é que pode ser exigida a sua legalização nos termos do art. 540º).» (in Código de Processo Civil anotado, Vol 2º, 2ª ed, pág. 474). No caso concreto, a requerida reconhece que o documento junto aos autos com a petição inicial, de fls. 6 a 12 , contém a sentença – a fls. 10 a 12 - que foi proferida pelo Tribunal Superior do Distrito de Columbia, Estados Unidos da América. Além disso, as fls. 10 a 12 estão autenticadas com selo branco onde são visíveis os caracteres «Superior Court District of Columbia» e nesse selo consta também um carimbo com os dizeres «A True Copy Test: Clerk, Superior Court of The District of Columbia», lendo-se ainda, imediatamente abaixo os dizeres: «TIME WITHIN WICH TO PLF APPEAL HAS EXPIRED». Por outro lado, no documento de fls. 124 a 132 a Secção Consular da Embaixada de Portugal em Washington certificou o seguinte: «Primeiro: Que as fotocópias apensas a esta certidão foram extraídas nesta Secção Consular, da cópia certificada do documento original que me foi apresentada, que conferi e devolvi ao apresentante. Segundo: Que ocupa quatro folhas de uma face que levam aposto o selo branco desta Secção Consular e vão por mim rubricadas. Terceiro: Que o original diz respeito à Sentença de Divórcio de A e B, emitida pelo Tribunal Superior de Família do Distrito de Columbia, aos 13/07/2010.». É certo que a fls. 6 do documento junto com a petição inicial se refere que a cópia certificada da sentença está exarada em três folhas, nestes termos: «Certifico ser esta uma tradução fiel e correcta, efectuada nesta Chancelaria da Secção Consular da Embaixada de Portugal em Washington, da cópia certificada da Sentença de Divórcio Absoluto, em anexo na língua inglesa, referente a A e B, emitida pelo Tribunal Superior do Districto de Columbia, Estados Unidos da América, exarada em três folhas de uma face com as quais está conforme». Porém, como facilmente se verifica pela comparação entre os escritos de fls. 10 a 12 e de fls. 130 a 132, o seu teor é exactamente o mesmo, tratando-se ambos da cópia certificada da sentença proferida em 13 de Janeiro de 2010 pelo Superior Court Of The District of Columbia, Family Court, Domestic Relations Branch e em que são requerente e requerida, respectivamente, A e B. Quanto aos escritos de fls. 125 e 129, que não estão traduzidos, não foram juntos com a petição inicial. O teor de fls. 125 é igual ao de fls. 129 e aí se lê, entre o mais: «Court of the District Of Columbia Family Court Domestic Relations (…) Joint waiver of appeal of divorce order/judgement Plaintiff and Defendant each state that: 1. I have received the Divorce Order/Judgement that will be entered in this case. 2. I understand that either party has the right to appeal the Divorce Order/Judgement for up 30 days after the order entered on the court docket. 3. I understand that the divorce is not considered final until this time to appeal has expired unless we both agree to waive our right to appeal. Knowing this, both parties sign below to show that we give up our right do appeal. Respectfully Submited» Nesses escritos consta a assinatura do ora requerente A imediatamente acima dos dizeres «Plaintiff’s Signature» e a assinatura da ora requerida imediatamente acima dos dizeres «Defendant’s Signature». Na parte superior direita desses escritos está aposto um carimbo com os dizeres: «Family Court Entered on Docket JAN 13 2010 (…)». Está também aposto no escrito de fls. 129 um selo branco onde são visíveis os caracteres «Superior Court District of Columbia» e nesse selo consta também um carimbo com os dizeres «A True Copy Test: 7/13/10 Family Court Clerk, Superior Court of The District of Columbia». Como se disse, não está junta tradução de fls. 125 e 129. Invoca a requerida o art. 139º do CPC para sustentar a obrigatoriedade da tradução desses escritos. Porém, este normativo reporta-se à língua a empregar nos actos judiciais. Portanto, o artigo a considerar não é esse mas sim o 140º do CPC, que prevê: «1 – Quando se ofereçam documentos escritos em língua estrangeira que careça de tradução, o juiz oficiosamente ou a requerimento de alguma das partes, ordena que o apresentante a junte. 2 – Surgindo dúvidas fundadas sobre a idoneidade da tradução, o juiz ordenará que o apresentante junte tradução feita por notário ou autenticada por funcionário diplomático ou consular do Estado respectivo; na impossibilidade de obter a tradução ou não sendo a determinação cumprida no prazo fixado, pode o juiz determinar que o documento seja traduzido por perito designado pelo tribunal.». Como em anotação a este artigo explicam José Lebre de Freitas, A. Montalvão e Rui Pinto: «As peças do processo são escritas em língua portuguesa. Mas tal não impede a junção de documentos pré-constituídos redigidos em língua estrangeira. Já assim era no CPC de 1939, que, diversamente do de 1876, não exigia que o documento nessas condições fosse oferecido acompanhado da tradução para a língua portuguesa: quando a tradução não acompanhasse o documento, o juiz podia ordenar, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, que o apresentante a juntasse, o que ficava ao seu prudente arbítrio, visto que a língua do documento podia ser de tal modo familiar às partes e ao tribunal que a tradução fosse dispensável (Alberto dos Reis, Comentário, cit II, p. 41) (in Código de Processo Civil anotado, Vol 1º, 2ª ed, pág. 256). Ora, da leitura de fls. 125 e 129 apreende-se facilmente que esses escritos não contém a sentença que decretou o divórcio, mas sim e apenas uma declaração assinada pelo requerente e pela requerida renunciando ao direito de recorrerem da sentença, sendo certo que resulta evidente dos autos que a requerida percebe a língua inglesa. Portanto, o teor dos escritos de fls. 125 e 129, onde aliás consta a assinatura da requerida, pode ser atendido nos presentes autos sem necessidade de tradução, tanto mais que em nada contende com o teor da sentença que decretou o divórcio. Perante o que se expôs, não há dúvidas sobre a autenticidade do documento onde consta a sentença a rever e por isso, não se mostra necessário que se proceda à sua legalização nos termos da lei processual através do reconhecimento da assinatura do funcionário do referido Tribunal Superior estrangeiro que emitiu a certidão ou através da apostilha prevista na Convenção de Haia de 5 de Outubro de 1961. * C) Passemos agora a fixar os factos, a fim de serem apreciadas as demais questões suscitadas. Com base nos documentos juntos aos autos, está provado: 1 - O requerente A e a requerida B contraíram casamento um com o outro no dia 31 de Agosto de 1982 no Distrito de Columbia, Estados Unidos da América. 2 - O casamento encontra-se registado em Portugal através do registo nº …do ano de 19.. da Conservatória d……. 3 - Por sentença proferida pelo Tribunal Superior do Distrito de Columbia, Washington, D.C., Estados Unidos da América, datada de 13 de Janeiro de 2010, foi dissolvido por divórcio o casamento entre o requerente e a requerida. 4 - Não foi interposto recurso dessa sentença. 5 - Essa sentença foi registada definitivamente em 25 de Março de 2010. 5 - Consta nessa sentença, além do mais: «No dia 12 de Janeiro de 2010, foi esta acção apresentada em audiência após a petição aqui arquivada e com as partes, conforme a lei, devidamente citadas a comparecer perante o Tribunal, o qual perante a produção de provas apresentadas, fez a seguinte: (…) 4. Que desde 31 de Dezembro de 2005 que as partes têm vivido separadas e longe uma da outra sem coabitação e sem interrupção; e 5. Que nem pensão ou direitos de propriedade deverão ser adjudicados entre as partes, já que as partes deram entrada a um Acordo de Separação datado de 23 de Novembro de 2009; 6. Que não existe uma possibilidade razoável de uma reconciliação deste casamento. Conclusão de Direito Com base na referida Avaliação das Provas, o Tribunal conclui como matéria de direito que: Este Tribunal tem jurisdição sobre as partes e sobre a matéria deste assunto. Que o Requerente, A tem direito a uma sentença de Divórcio Absoluto da Requerida, B, fundada no facto que as partes têm vivido separadas e longe uma da outra sem interrupção nem coabitação por um período de mais de um (1) ano imediatamente anterior ao início desta acção. As partes resolveram todos os assuntos relativos à propriedade conjugal, e o seu acordo está contido em certo acordo escrito datado de 23 de Novembro de 2009, que deverá ser incorporado mas não fundido nesta Sentença, de modo a que continue a existir e seja cumprido como um contrato separado entre as partes. Sentença Por conseguinte, é pelo Tribunal ao 13º dia de Janeiro de 2010 Ordenado, Adjudicado e Decretado que: A. Ao Requerente, A, seja e por este meio é concedido um Divórcio Absoluto da Requerida, B, com o fundamento de separação sem interrupção nem coabitação por um (1) ano imediatamente anterior ao início desta acção, Estipulando, Contudo, que esta Sentença deverá tornar-se efectiva para a dissolução dos laços de Casamento trinta (30) dias a seguir ao registo deste decreto ou sentença, a não ser que qualquer das partes requeira a suspensão da execução da sentença junto do Tribunal Superior de Distrito de Columbia ou no Tribunal de Recurso do Distrito de Columbia. Se o requerimento para a suspensão for negado, a sentença passará a definitiva após a entrada do despacho judicial negando a suspensão. Se as partes derem entrada a uma declaração conjunta de renúncia ao direito, a sentença tornar-se-á efectiva para a dissolução dos laços de casamento assim que ambos sentença e declaração conjunta de renúncia ao direito tenham sido registados. B. Que o Acordo entre as partes datado de 23 de Novembro de 2009, e aqui registado como anexo, seja e por este meio é incorporado, mas não fundido, nesta Sentença de Divórcio.» 6. Em 13 de Janeiro de 2010 foi registada no Tribunal Superior do Distrito de Columbia, Washington D.C., Estados Unidos da América, a declaração de renúncia ao direito de recorrer assinada pelo requerente em 12 de Janeiro de 2010 e assinada pela requerida em 13 de Janeiro de 2010. 7. Encontra-se pendente na comarca d……, …. – Juízo de Família e Menores – … Secção, acção de divórcio instaurada por B contra A, tendo a petição inicial dado entrada em juízo em 19 de Março de 2010. * D) Da excepção de litispendência De harmonia com o art. 1096º al d) do CPC para que a sentença estrangeira seja confirmada é necessário que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal português, excepto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição. Com interesse para a análise desta questão, se bem que a propósito da excepção do caso julgado, lê-se no Ac do STJ de 3/7/2008 (Proc. 0B81733 – in www.dgsi.pt): «Diz-nos Lima Pinheiro (…) que “há uma contradição insanável entre a previsão contida no art. 1096º al d) e o disposto no art. 771º al g), conjugado com o art. 1100º, nº 1, ambos do CPC. Perante a presente alínea, não obsta ao reconhecimento a existência de um caso julgado português, quando o tribunal estrangeiro foi o primeiro a ser demandado. Ora, da al. g) do art. 771º, conjugada com o art. 1100º, nº 1, resulta que constitui fundamento de impugnação do pedido de confirmação a existência de caso julgado formado anteriormente na ordem jurídica portuguesa.”. Como resolver, então esta situação. É claro que não nos podemos socorrer da nova redacção dada ao art 771º do CPC pelo DL 302/2007, de 24 de Agosto, que pôs termo a essa contradição, certo que ainda não estava em vigor à data da propositura desta acção. A jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores e a doutrina dominante apontam no mesmo sentido, ou seja, deve prevalecer o disposto na al. d) do art. 1096º do CPC e, por conseguinte, conceder-se a revisão e confirmação da sentença proferida por um tribunal estrangeiro, se demandado antes do tribunal português, apesar do caso julgado que se possa ter formado relativamente à decisão deste. Como ensina Alberto dos Reis (Processos Especiais, Vol II, pág. 169), deve ser negada a confirmação, quando, perante tribunal português, está a correr ou já foi decidida acção idêntica à julgada pela sentença cuja revisão se pede, salvo se, antes de a acção ser proposta em Portugal, já havia sido intentada perante o tribunal estrangeiro. (…) Como a acção foi proposta primeiro na Suíça e, só depois disso foi afecta a tribunal português, neste caso, o tribunal suíço preveniu a jurisdição. Sendo assim, o facto de a mesma acção estar pendente em tribunal português ou já estar decidida por sentença de tribunal português transitada em julgado, não obsta a que a sentença suíça seja confirmada. Só assim não seria se a acção tivesse sido proposta, em primeiro lugar, em Portugal.». Também no Ac da RP de 21/9/2010 (Proc. 179/08.3YRCBR – in www.dgsi.pt) se refere: «Para se apurar se o tribunal estrangeiro preveniu a jurisdição, temos de equacionar as datas de introdução dos feitos em juízo, os processos de divórcio.». Partilhamos do entendimento preconizado na jurisprudência e doutrina citadas, pelo que à sua luz cumpre analisar o caso dos autos. Na data em que a petição inicial da acção de divórcio deu entrada em no Juízo de Família e Menores de Sintra ainda não tinha transitado em julgado a sentença proferida pelo Tribunal Superior de Columbia, pois o mesmo só se deu em 25 de Março de 2010. No entanto, esse tribunal estrangeiro já havia prevenido a jurisdição pois a acção foi proposta primeiro naquele. Assim, a pendência da acção no tribunal português não pode obstar à confirmação da sentença proferida pelo Tribunal Superior do Distrito de Columbia, improcedendo necessariamente a excepção de litispendência. * E) Invoca ainda a requerida que na presente acção o requerente pretende a confirmação de um acordo homologado na sentença estrangeira que procede à partilha do património comum do casal do qual fazem parte imóveis sitos em Portugal e que esse acordo versa sobre matéria de competência exclusiva dos tribunais portugueses nos termos do art. 65º A al a) do CPC, além de que foi obtido sob coação. Porém, da leitura da petição inicial e da resposta à oposição é manifesto que o requerente apenas pede a confirmação da sentença que decretou o divórcio. Além disso, nem sequer está junto aos autos qualquer acordo sobre partilha dos bens comuns do casal. Por outro lado, a sentença estrangeira não homologou qualquer acordo sobre partilha dos bens comuns pois apenas ordenou que fosse registado como anexo, considerando-o um contrato separado, um acordo que foi celebrado entre as partes, nestes termos: «As partes resolveram todos os assuntos relativos à propriedade conjugal, e o seu acordo está contido em certo acordo escrito datado de 23 de Novembro de 2009, que deverá ser incorporado mas não fundido nesta Sentença, de modo a que continue a existir e seja cumprido como um contrato separado entre as partes» e «Que o Acordo entre as partes datado de 23 de Novembro de 2009, e aqui registado como anexo, seja e por este meio é incorporado, mas não fundido, nesta Sentença de Divórcio». Sempre se dirá, todavia que a partilha de bens imóveis situados em Portugal feita em tribunal estrangeiro em acção de divórcio não é da competência exclusiva dos tribunais portugueses pois esta acção não pode ser qualificada como uma acção relativa a direitos reais por não estar em causa qualquer litígio sobre esses direitos. Isto é, a partilha dos bens do património comum do casal numa acção de divórcio não tem por finalidade determinar quem é o titular do direito de propriedade ou de outro direito real sobre bens imóveis e assegurar a respectiva titularidade. Assim, inexiste reserva de jurisdição dos tribunais portugueses para a partilha de bens imóveis sitos em território português em acção de divórcio perante tribunal estrangeiro (neste sentido, cfr Ac do STJ de 13/1/2005 – Proc. 04B3808, Ac da RL de 8/3/2007 – Proc. 9936/2006-6, Ac da RL de 24/5/2007 – Proc. 5499/2006-6 e Ac da RC de 3/3/2009 – Proc. 237/07.1YRCBR, todos disponíveis em www.dgsi.pt). Quanto à questão da alegada obtenção do acordo de partilha de bens por coacção, está manifestamente prejudicada a sua apreciação pois como se disse não se mostra que tenha sido homologado na sentença estrangeira qualquer acordo nesse sentido nem que tenha sido pedida a sua revisão e confirmação nesta acção. Mas sempre se dirá que nenhum elemento dos autos permite extrair a conclusão de que a requerida sofreu coacção no âmbito da acção que correu no tribunal estrangeiro ou no âmbito da celebração do aludido acordo. * E) Alega ainda a requerida que não viu garantidos os seus direitos no âmbito do processo em que foi proferida a sentença estrangeira. De harmonia com o art. 1096º al e) do CPC, para que a sentença seja confirmada é necessário que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do país de origem, e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes. Resulta dos documentos juntos aos autos que a requerida foi regularmente citada para a acção que correu termos no Tribunal Superior do Distrito de Columbia e que teve intervenção nesses autos, tendo até assinado a declaração de renúncia ao direito de recorrer da sentença. Acresce que nenhum meio probatório foi oferecido pela requerida para provar que não lhe foi permitido exercer o contraditório e intervir no processo em condições de igualdade com o requerente, nem dos autos resulta que esses direitos não foram observados. Portanto, também improcede este fundamento de oposição à confirmação da sentença estrangeira. * F) Por quanto se expôs, conclui-se que não se suscitam dúvidas sobre a autenticidade do documento de que consta a decisão a rever nem quanto à inteligência desta; além disso, a decisão foi proferida por tribunal estrangeiro que segundo a legislação do país em causa é competente e não versa sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses (cfr art. 65º A do CPC “a contrariu”); acresce que não consta do processo qualquer elemento de onde se possa retirar a existência de uma situação de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal português; mais resulta do documento que foram observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes. Por último, a sentença não contém decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado português. Estão assim verificados todos os pressupostos necessários para que a referida sentença possa ter eficácia em Portugal. * III – Decisão Pelo exposto, julga-se procedente esta acção e em consequência confirma-se a sentença proferida em 13 de Janeiro de 2010 pelo Tribunal Superior do Distrito de Columbia, Estados Unidos da América, e transitada em julgado em 25 de Março de 2010, que decretou o divórcio entre o requerente A e a requerida B. Custas pela requerida. Valor processual da causa (art. 315º nº 1 do CPC): 30.000,01 €. * Após trânsito em julgado proceda à comunicação prevista no art. 78º nº 1 do Código do Registo Civil. Lisboa, 1 de Fevereiro de 2011 Anabela Calafate António Santos Folque de Magalhães

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