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Acórdão TR Porto de 2012-10-30

787/06.7TBMAI.P1

TribunalTribunal da Relação do Porto
Processo787/06.7TBMAI.P1
Nº ConvencionalJTRP000
RelatorMárcia Portela
DescritoresAcção de Investigação de Paternidade, Causa de Pedir, Prova, Prazo, Inconstitucionalidade, Abuso de Direito, Litigância de Má Fé
Nº do DocumentoRP20121030787/06.7TBMAI.P1
Data do Acordão2012-10-30
VotaçãoUnanimidade
Privacidade1
Meio ProcessualAPELAÇÃO.
DecisãoRevogada em Parte.
Indicações Eventuais2ª SECÇÃO.
Área Temática.

Sumário

I- A inconstitucionalidade do prazo de dois anos a contar da maioridade ou emancipação previsto no n.° 1 do artigo 1817.° CC foi declarada, com força obrigatória e geral pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 23/2006, Paulo Mota Pinto. II- Não obstante o disposto no artigo 282.°, n.°1, CRP, estabelecer que o efeito da declaração de inconstitucionalidade de uma norma com força obrigatória e geral é a repristinação da norma que ela tenha revogado, face às questões de ordem constitucional que suscitava a repristinação da norma revogada, a jurisprudência dos tribunais superiores considerou que deixava de haver prazo para a instauração da acção de investigação da paternidade. III- O Tribunal Constitucional, através de acórdão do Plenário n.° 401/2011, Cura Mariano, ao abrigo do disposto no artigo 79.° D da Lei 28/82, decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.° 1, do Código Civil, na redacção da Lei n.° 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.°, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante. IV- Tratando-se de acórdão do Plenário, com intervenção de todos os juízes, portanto, em que a questão foi amplamente debatida, tendo sido ponderados os diversos argumentos, com a profundidade habitual deste Tribunal, pelo seu especial valor, esta decisão deve ser acatada até que seja apresentada razão que justifique a sua revisão. V- O Tribunal Constitucional, novamente em Plenário, através do acórdão n.° 24/2012, Cunha Barbosa, decidiu julgar inconstitucional a norma constante do artigo 3.° da Lei 14/2009, de l de Abril, na medida em que manda aplicar aos processos pendentes à data da entrada em vigor, o prazo previsto na nova redacção do artigo 1817.°, n.° 1, CC, aplicável por força do artigo 1873.° do mesmo Código. VI- A causa de pedir nas acções de reconhecimento de paternidade é o facto naturalístico da procriação biológica, perspectivado como facto natural dotado de relevância jurídica. VII- A procriação biológica pode ser demonstrada de forma, directa, através dos exames hematológicos ou outros métodos cientificamente comprovados a que alude o artigo 1801.° CC, ou de forma indirecta através do recurso das presunções legais estabelecidas no artigo 1871.° CC, ou de presunções naturais ou judiciais, apelando às regras de experiência comum, quando, à falta de exames de sangue ou de presunções legais, impende sobre o autor o ónus de alegar e provar o trato sexual entre o investigado e sua mãe, no período legal da concepção, e que tais relações foram exclusivas por parte da mãe. VIII- Os testes de ADN propiciam elevado grau de segurança na determinação da paternidade, segurança muitíssimo superior à que está associada à tradicional prova testemunhal, que permitiu estabelecer muitos vínculos de paternidade. IX- Embora a prova pericial, tal como a testemunhal, esteja sujeita à livre apreciação (artigo 389.° CC), o julgador, dado o seu carácter eminentemente técnico, apenas poderá afastar o seu resultado em situações muito específicas, designadamente se o laboratório não utilizou as técnicas recomendadas pelas boas práticas internacionais. X-. Mal se compreenderia, com efeito, que face a uma prova tão concludente, como um exame pericial em que a probabilidade de o apelante ser pai do pai dos apelados ascende a 99,987%, que corresponde a paternidade praticamente provada, a acção improcedesse. XI- O único elemento concreto que resulta dos autos é o simples decurso do tempo, que, por si só, é insuficiente para ancorar uma situação de abuso do direito. Falta um comportamento claro, inequívoco, dos apelados susceptível de criar no apelante a confiança de que o direito de investigação da paternidade não seria exercido, por forma a que o seu exercício possa ser considerado atentatório da boa fé. XII- A conduta da parte para efeito de litigando de má fé tem de ser apreciada globalmente: se é grave ter negado um facto pessoal (relacionamento sexual com a avó dos investigantes), n3o se pode ignorar que se sujeitou ao teste de ADN, possibilitando o estabelecimento do vínculo da paternidade. XIII- Por outro lado, não se pode ignorar que se trata de pessoa com 85 anos de idade, que se vê a braços com uma questão delicada perante os seus familiares — uma investigação de paternidade. XIV- Numa moldura de 0,5 a 5UC, afigura-se ponderada a fixação da multa por litigância de má fé em 2, 5 UC.


Texto Integral

Apelação 787/06.7TBMAI.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório B….., casada, residente na Rua …., n.º …, …., Maia, e C…., casado, residente na Rua …., n.º …, …., Póvoa de Varzim, intentaram acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra D.…, casado, residente na Rua …., …., …, Maia, pedindo que: — seja declarado e reconhecido que D…. é pai biológico de E….., ordenando-se o correspondente averbamento no respectivo registo de nascimento do seu falecido filho, bem como nos registos de nascimento dos AA., neles passando a figurar o R. como seu avô paterno; — seja declarado que o R. se furtou culposamente ao dever legal de perfilhar E…., com o que violou o direito deste a ser perfilhado, constituindo--se na obrigação de indemnizar, bem como aos seus descendentes, aqui AA., em termos e montantes a fixar em execução de sentença; — não seja aplicado, in casu, por inconstitucionalidade, o n.º 5 do artigo 1817.º CC, na parte em que estabelece um prazo de caducidade. Alegram para tanto, e em síntese, que: — No dia 4 de Outubro de 1947, na freguesia de …, concelho da Maia, nasceu E….., pai dos AA.; — O seu nascimento foi registado na C. R. Civil da Maia, constando F…. como sua mãe, não tendo havido investigação oficiosa da paternidade por parte do Mistério Público; — No início de 1946, na Trofa, o R. conheceu a F….., tendo-se estabelecido entre ambos uma grande empatia, em resultado da qual começaram a sair e a ser vistos juntos em público; — No seguimento desse relacionamento, a F….. teve com o R. por várias vezes relações sexuais de cópula completa, uma das quais foi fecunda, de cuja gravidez veio a nascer E…..; — No período compreendido entre 7 de Dezembro de 1946 e 6 de Abril de 1947, F…. manteve, única e exclusivamente, relações sexuais com o R.; — Ao longo do período da gravidez o R. e a F...... mantiveram o seu relacionamento, encontrando-se por diversas vezes; — Em meados de 1949, o R. e F...... desentenderam-se, diminuindo, consequentemente, a frequência dos encontros; — Posteriormente a essa data o R. conhece G….., com quem contraiu matrimónio no dia 21 de Outubro de 1950; — A partir dessa data, e devido a alteração na sua vida pessoal e familiar, o R. foi forçado a diminuir os contactos pessoais que mantinha com F...... e seu filho, dado que a sua mulher desconhecia a relação que mantivera com a F......; — Porém, nunca o R. deixou de prestar o seu auxílio, nomeadamente a nível económico, enviando sempre que podia uma quantia em dinheiro para as despesas relativas a alimentação, vestuário e educação de seu filho; — O falecido E…. viveu sempre com a sua mãe, na Rua …., n.º …, …., Castelo da Maia, morada em que o R. visitava, habitualmente, a F...... e o seu filho, entregando-lhes dinheiro, víveres, brinquedos e livros; — Tendo o R. acompanhado ainda toda a educação de E…., chegando mesmo a dedicar algum do seu tempo ao acompanhamento dos seus afazeres escolares; — O falecido E…. e H….. convidaram pessoalmente o R. para o casamento, tendo-se, para o efeito, deslocado ao local de trabalho do R., sito na Rua ….s, n.º …, na Maia; — Contudo, tal convite não pode ser aceite dado que E….. não era conhecido nem reconhecido como filho pela família do R.; — Entre 1972 e 1996, o R. decidiu, na condição de pai, ajudar financeiramente seu filho E….., pagando-lhe, reiteradamente, uma quantia mensal, inicialmente no valor de Esc. 50.000$00, a qual foi sendo actualizada anualmente, de forma em 1996 tal quantia havia ascendido ao valor de Esc. 350.000$00 mensais; — Não obstante não ter sido possível comparecer ao casamento de seu filho, o R. demonstrou interesse em conhecer a esposa do seu filho, tendo agendado com ele e com a Sra. D. H…. um encontro, no qual, pela primeira vez, H…., conheceu o R.; — Tendo este, uma vez mais, se disponibilizado a ajudá-los no que quer que fosse; — Tal ajuda ficou sujeita à condição de não ser do conhecimento da sua família, mais propriamente, da sua esposa e filhos desta; — Tendo concordado que qualquer contacto deveria ser feito para o local de trabalho do R., sito na Rua …, n.º …, na Maia, por volta das 13:45, dado que nesse horário ninguém se encontrava na drogaria; — Sendo também a esta hora que o R. ligava à mãe dos AA. para. combinarem os seus encontros, que normalmente se realizavam nas feiras da Senhora do Hora e de Custóias, com o propósito de se inteirar das novidades e de entregar, mensalmente, as já aludidas ajudas financeiras; — Em 1974, E….. emigrou para França, onde permaneceu até 1995; — Este facto não impediu o R. de se encontrar com H......, nem de continuar a efectuar as entregas monetárias que permitiram dar algum conforto à família do seu filho; — Nem tão pouco que se informasse acerca de E...... e dos seus netos, disponibilizando-se sempre para os ajudar; — Sempre que havia despesas extraordinárias, H...... (Mãe dos AA.), contactava telefonicamente o R., nunca este negando a ajuda financeira pedida pela mãe dos seus netos; — Em meados de 1997, H......, num dos contactos telefónicos que nunca deixara de manter com o R., foi surpreendida por um outro filho do mesmo; — Tendo sido por este informada de que conhecia toda a história; — E de que não iria permitir que seu pai continuasse periodicamente a efectuar as entregas monetárias; — Em resultado de tal facto os contactos quer telefónicos quer pessoais diminuíram de frequência, sem que o R., efectivamente, tivesse deixado de prestar o seu auxílio económico aos AA.; — Na altura da morte de E….., era o R. quem lhe pagava as rendas da casa e ajudava com as suas despesas; — E mesmo após o seu falecimento, o R. manifestava preocupação com os AA. mediante contactos telefónicos com a mãe daqueles, muito embora cada vez mais escassos; — A partir de 2005, os contactos do R. com os AA. ou com a sua mãe deixaram de existir, e as tentativas efectuadas por estes da manter contacto com o avô não lograram qualquer resultado. Contestou o R., excepcionando a caducidade do direito dos AA. em accionar o R., pelo decurso dos prazos a que alude o artigo 1817.º, n.ºs. 4 e/ou 5, CC., Civil, e deduzindo impugnação. Afirmou ainda ter estado ausente do Continente desde 1944.04.02 até finais de Julho de 1946, a prestar serviço militar em Luanda, Angola, razão pela qual não era possível que no início de 1946, na Trofa, tivesse conhecido F....... E que não teve relações de amizade e/ou sexuais com a dita F......, nem nunca prestou qualquer auxílio económico à F......, ao E….., e muito menos aos AA.. Replicaram os AA., pugnando pela improcedência da excepção. Foi proferido despacho de aperfeiçoamento abrigo do disposto no artigo 508.º, n.º 3, CPC, convidando os AA. a aperfeiçoar a petição inicial, no sentido de concretizarem factos que permitam preencher o requisito “reputação como filho pelo público” constante do artigo 1871.º, n.º 1, alínea a), CC. Os AA. apresentaram articulado que foi impugnado pelo R.. Foi proferido despacho saneador que relegou para final o conhecimento da excepção de prescrição, tendo-se procedido à selecção dos factos relevantes. Procedeu-se à instrução do processo, tendo sido proferido despacho de indeferimento do pedido de depoimento de parte do R., formulado pelos AA., do qual agravaram, apresentando as seguintes conclusões: «- Por despacho datado de 07.01.2008, os Recorrentes foram notificados da decisão do Mmº Juíz no sentido de indeferir o depoimento de parte do Réu dada a natureza indisponível do objecto da presente e o intuito da prova por depoimento de parte (confissão). - Não se conformando com o despacho proferido, os Recorrentes agravaram da decisão proferida porquanto: - Os recorrentes interpuseram a presente acção, estruturando-a com dupla: causa de pedir – a posse de estado e a presunção resultante do facto da sua avó haver mantido com o recorrente relações sexuais de cópula completa período legal de concepção do pai daqueles, por um lado e na relação biológica pura, por outro. - Se, por forma a dar provimento à sua pretensão, os recorridos alegaram factos reais que, caso não sejam ilididas, podem levar à procedência do pedido efectuado, os meios de prova admissíveis são os comuns, - No que toca à alegação da relação biológica pura (as chamadas acções de “bica aberta”) esta acção pode, tão somente, ser realizada por recurso a meios científicos; - Em sede de depoimento de parte do recorrido, na matéria constante nos quesitos 1.° a 45.º da Base instrutória, - Ou seja, quanto aos factos pessoais relativos ao relacionamento que está na origem da presente acção e que podem determinar a procedência das presunções. - O requerido foi indeferido pelo que os Recorrente agravaram do despacho proferido, uma vez que, não se tratando de confissão de direitos indisponíveis, outrossim, repete-se, de factos pessoais que apenas são conhecimento dos autores do relacionamento em questão (o ora requerido) tal depoimento deverá ser admitido. Com efeito - Se é de todo indiscutível que o depoimento de parte só pode ser exigido de quem tenha capacidade judiciária e apenas pode versar sobre factos pessoais que o depoente tenha conhecimento, - A alínea b) do artigo 354.° do CC dispõe serem insusceptíveis de confissão os direitos indisponíveis, - No entanto, este conflito substantivo-adjectivo da lei deverá ser solucionado ouvindo-se o pretenso pai numa acção de paternidade através do depoimento de parte não por forma a obter dele a confissão, mas apenas para contribuir para o esclarecimento da verdade material . Pelo que o despacho proferido deverá ser, nesta consonância, substituído por outro em que se admita o depoimento de parte do recorrido. Assim, revogando-se a decisão recorrida, farão V. Ex.as inteira e sã JUSTIÇA!» Contra-alegou o agravado, pugnando pela manutenção do decidido. Foi proferido despacho sustentação. Através do requerimento electrónico de 2009.06.15, o R. requereu a aplicação aos presentes autos da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, em virtude de a mesma se aplicar aos processos pendentes, nos termos do seu artigo 3.º. Opuseram-se os RR., alegando, em síntese, que o direito a conhecer a paternidade inscreve-se no direito de personalidade, configurando um direito inviolável e imprescritível. Foi decidido relegar a apreciação dessa questão para a decisão final, por se tratar de uma questão de direito, cuja resolução não é pacífica na nossa jurisprudência. Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, — Declarou que D….. é pai de E…., e condenou o R. a reconhecê-lo. — Determinou a rectificação dos registos de nascimento de E...... e dos Autores, com o averbamento aos mesmos das respectivas paternidade e avoenga paterna; — Recusou a aplicação do disposto no artigo 1817.º CC, designadamente dos seus nºs. 4 e 5 (na redacção anterior), ou n.º 3 (na redacção actual) por violação das disposições conjugadas dos artigos 16.º, n.º 1, 26.º, n.º 1 e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa; — Condenou o R. na multa de 7 UC e indemnização à parte contrária por litigância de má fé. Inconformado, recorreu o R., apresentando as seguintes conclusões: «I- Não são inconstitucionais as normas do artº 1817 do C.C. na sua redacção anterior e o nº3 na redacção actual, da Lei 14/009 de 1/4 quando prevêm um prazo de 10 anos para a propositura da acção de investigação, da maioridade ou emancipação do investigante. II - De facto, tanto o pai dos AA. como eles próprios tiveram muitos anos para intentar a acção de investigação de paternidade. III - O Pai dos AA. teve, após a maioridade mais 30 anos, pois faleceu com 55 anos. IV - E os próprios AA. tiveram mais 3 anos após o óbito dele. V - E a Lei 14/2009 de 1/4 até alargou o prazo de 2 para 10 anos após a maioridade para se investigar a paternidade, sendo certo que os AA. têm mais de 30 anos cada um. VI - Na sociedade moderna já não tem qualquer relevância saber quem são os seus ascendentes pois a própria dinâmica e alterações legislativas entretanto havidas, esbateram e diluíram todos os conceitos de família e o desejo de saber a quem chamar pai e mãe. VII - Como são os filhos criados com os pais do mesmo sexo, a descendência obtida através de “barrigas de aluguer”, procriação medicamente assistida, recurso a bancos de esperma, fertilização “in vitro” que dispensa e dilui o conceito de pai ou até de mãe e, acima de tudo, deixa de haver relação sexual de cópula completa. VIII - Como se consegue saber se o pai teve relações sexuais com a mãe durante o período legal de concepção ? IX - Ou então tem de se prever que para ser pai ou mãe não é preciso ter relações sexuais. X - Sendo hoje irrelevante que no registo de nascimento esteja inscrito o nome do pai ou da mãe. XI - Os filhos abandonados pelos pais e que são criados por outro não têm na idade adulta qualquer interesse em conhecer os pais biológicos, antes os desdenham. XII - Deve dar-se por relevante o facto do pretenso filho até falecer com 58 anos e nunca ter pensado em conhecer o pai e nunca intentou qualquer acção. XIII - E o interesse dos AA., pretensos netos, só aparece por o R. ser pessoa conhecida com património. XIV - Se o interesse genuíno dos AA. é só o de conhecer a sua descendência, então que abdiquem de qualquer direito sucessório de carácter patrimonial. XV - Sendo o interesse dos AA. meramente económico, o seu direito não é imprescritível e está sujeito aos prazos dilatados do artº 1817. XVI - É condenável e não deve merecer tutela jurídica, quando um filho vive 58 anos sem pedir qualquer investigação e, passados 3 anos sobre a sua morte são os netos que o vem fazer contra um pretenso avô com mais de 85 anos de idade. XVII - O exame de ADN, por si só, não é relevante e prova única, tendo de ser complementado Com outras provas, pois os conhecimentos médicos alteram todos os dias e aquela prova não é totalmente fiável. XVIII - Se há a hipótese dum irmão do R. ter tido relações com a mesma e pretensa avó paterna e, o resulto do ADN seria idêntico, esse facto deveria ter sido explorado para se encontrar a verdade material. XIX - Não pode dar-se como provado num quesito que houve ralação sexual de cópula completa, só baseado no relatório pericial de ADN. XX - E não se pode responder em tal quesito que essa relação foi em data indeterminada, sob pena do R. não poder contradizer tal facto. XXI - É um facto conclusivo dar como provado que uma relação sexual “foi fecunda”. XXII - O que tudo determina que a resposta a tal quesito seja alterada para não provado. XXIII - Se no Parecer emitido por um respeitado técnico é colocado em causa as conclusões do relatório por causa da existência dum irmão que também poderá ter tido relações sexuais com a pretensa avó, esse facto, ao abrigo do dever da descoberta da verdade deveria ter sido apreciado pelo M.º Juiz ao abrigo do artº 265 nº 3 do C.P.C., tal como o fez para a prova testemunhal. XXIV - Aliás, no próprio relatório do INML na pág. 2 não parte do princípio que não há possíveis familiares do R. masculinos ou femininos, na qualidade de pretensos progenitores alternativos do E….. XXV - A verdade é que há e, como facto novo e superveniente, ao não ser apreciada, anula toda a prova pericial que se quer obter com o exame do INML, pois todo ele e baseado em pressuposto que se não verifica. XXVI - O que anula toda a prova nomeadamente a resposta positiva quesitos 1 a 6. XXVII - Não se pode dar como provado o quesito 14º quando não há uma única testemunha que tenha prestado depoimento sobre esse quesito, pelo que a sua resposta tem de ser alterada para NÃO PROVADO. XXVIII - E mesmo a que depusesse indirectamente, como foi o caso da testemunha I…… e J….., é irrelevante a sua razão de ciência, quando dizem que sabem isso porque lhe foi dito pelo pretenso filho E….. XXIX - Nada resulta do seu depoimento gravado que tenha tido conhecimento de outros factos, que não os contados pelo falecido E….. XXX - Não litiga de má o investigado em processo de averiguação de paternidade que não se recusa a afazer o exame pericial de ADN e, nesse aspecto, colabora com a justiça, pondo-se à disposição do Tribunal, para o exame que este considera a prova rainha e fiável na acção. XXXI - O facto de não conseguir provar os factos que alega, não tipifica por si só litigância de má fé, pois, é uma acção que não admite confissão e, se não tivesse contestado, sempre havia julgamento. XXXII - Se não há má fé, muito menos há fundamento para qualquer indemnização à contraparte. Termos em que, ao abrigo do disposto no artº 712 nº1 al. a), b) e c) do C.P.C., alterando-se as respostas aos quesitos 1 a 6 e 14º para Não Provado, deve a acção ser totalmente julgada improcedente por não provada por erro de interpretação e aplicação do disposto nos artigos 1817 do C.C. que não ofende qualquer preceito Constitucional, 1847, 1871 nº1 todos do C.C. e artigos 265 e 456 ambos do C.P.C., e o Réu Apelante absolvido de todos os pedidos, com o que se fará a sempre esperada JUSTIÇA». Contra-alegaram os AA., assim concluindo: «1. O princípio da segurança jurídica não merece uma protecção com a extensão que, de forma tímida, o Tribunal Constitucional lhe atribuiu no Acórdão 401/2011. 2. A perda de capacidade sucessória dos descendentes não voluntariamente reconhecidos por inacção durante o prazo legal viola o princípio da igualdade – art. 13º da CRP, uma vez que os descendentes voluntariamente reconhecidos, para sofrerem tal penalização, carecem de uma declaração de indignidade ou de um acto de deserdação. 3. Ao permitir, na prática, e de forma perfeitamente legal, a continuidade da discriminação entre filhos legítimos e ilegítimos, os prazos previstos no art. 1817º são inconstitucionais por violação do princípio da igualdade, pois ninguém pode ser discriminado pela lei em função da sua condição social. 4. O R. ajudou o seu filho E...... nas despesas de alimentação, vestuário e educação, pelo que qualquer investigação de paternidade por si iniciada colocaria em risco esta ajuda. 5. Assim, o R. conseguiu evitar a competente acção judicial apenas e só pela sua influência económica, pelo que a invocação do prazo de caducidade representa um abuso de direito (art. 334º do Código Civil). 6. Os interesses patrimoniais dos A. não são menos legítimos do que os interesses dos restantes herdeiros. 7. Os exames de ADN apenas completam o que foi afirmado pelos A. na sua petição inicial e que resultou da audiência. 8. O relatório pericial responde às questões que A. e R. colocaram na altura pertinente, não fazendo sentido formular mais questões apenas porque o relatório foi desfavorável ao R. 9. A existência de um irmão do R., a qual, de resto, nem resulta provada nos autos, não é um facto superveniente. 10. Do princípio da aquisição processual (art. 515º CPC) decorre que a resposta a um determinado quesito pode não ter por base o depoimento de testemunhas concretamente indicadas a esse quesito, se à matéria do mesmo, ainda que incidentalmente, responderam convincentemente em audiência – veja-se Ac.S.T.J. 22/11/90, Actualidade Jurídica, 13/11 ou Ac.S.T.J. 28/5/09, in dgsi.pt, pº nº 115/1997.S.1, e ainda, Ac. deste Tribunal da Relação relativo ao proc. 239/07.8TBVLC.P1, in dgsi.pt. 11. Nem sempre o depoimento indirecto, produzido por uma testemunha se deve considerar inócuo para o apuramento do facto, em particular quando o que se ouviu dizer partiu das próprias partes e numa ocasião em que não era previsível a emergência de qualquer litígio entre elas – cfr. Relação de Lisboa (Ac. relativo ao proc. 152/09.4TBPDL.L1-7). 12. É irrelevante a data em que ocorreu a cópula, uma vez que existem elementos de prova nos autos suficientes para concluir pela existência da relação de paternidade, sendo certo que não se percebe como poderia o R. provar que em determinado dia no final dos anos 40 estava noutro lado. Tanto quanto se sabe, até podia ter estado noutro lado, mas ainda assim com a avó dos A. 13. O teor da contestação do R. é um exemplo clássico de litigância de má-fé, uma vez que os factos ali relatados são notoriamente mentira, não sendo defensável dizer-se que o R. apenas não logrou fazer prova de que “não conhecia o pai dos A. nem a Avó” – a sua conduta é bem mais grave, e passou por denegrir a imagem dos A. 14. As manobras dilatórias do R. são também susceptíveis de serem consideradas litigância de má-fé». 2. Fundamentos de facto A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos: 1. No Livro de assentos de nascimento da Conservatória do Registo Civil da Maia, encontra-se registado sob o nº 946 o nascimento de E......, ocorrido a 4 de Outubro de 1947, na freguesia de …. (Santa Maria), concelho da Maia, sendo omisso quanto à identidade do pai e constando como mãe F...... – alínea A) Factos Assentes. 2. B…. é filha de E...... e de H…. – alínea B) Factos Assentes. 3. C…. é filho de E...... e de H…. – alínea C) Factos Assentes. 4. O R. D…. casou com G…. em 21 de Outubro de 1950 – alínea D) Factos Assentes. 5. E...... casou com H…. em 20 de Fevereiro de 1972 – alínea E) Factos Assentes. 6. Por sentença de 28 de Março de 1996 foi dissolvido por divórcio o casamento contraído por E...... e H…. – alínea F) Factos Assentes. 7. E…. faleceu no dia 11 de Março de 2003 – alínea G) Factos Assentes. 8. Os AA. enviaram, em 20 de Junho de 2005, duas cartas ao R., sendo uma delas para o seu local de trabalho a qual foi recebida e assinada a 22/06/2005 – alínea H) Factos Assentes. 9. Em data e local não concretamente apurados, o R. conheceu F......, tendo havido entre ambos pelo menos uma relação sexual de cópula completa, que foi fecunda, de cuja gravidez veio a nascer E...... – Resp. quesitos 1.º a 6º. 10. O R. chegou a enviar dinheiro para ajuda das despesas do E...... relativas a alimentação, vestuário e educação – Resp. quesito 14º. 11. O E...... emigrou para França, em data não concretamente apurada, tendo ali permanecido vários anos – Resp. quesito 29º. 12. O R. esteve ausente do Continente, desde 1944 até 1946, a prestar serviço militar em Angola – Resp. quesito 46º. 13. Após regressar de Angola, esteve a trabalhar, durante cerca de 2/3 anos, numa drogaria no Castelo da Maia – Resp. quesito 47º. 14. Após o que veio a montar o seu próprio negócio de drogaria na ….., hoje cidade da Maia – Resp. quesito 48º. 3. Do mérito do recurso O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684.º, n.º 3, e 690.º, n.ºs 1 e 3, CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigos 660.º, n.º 2, in fine, e 684.º, n.º 4, CPC), consubstancia-se nas seguintes questões: — (não) conhecimento do agravo: artigo 710.º CPC na versão anterior ao Decreto--Lei 303/2007, de 24 de Agosto; — caducidade do direito de investigar a paternidade: — inconstitucionalidade do prazo previsto no artigo 1817.º, n.º 1, ex vi artigo 1873.º, CC; — (in)constitucionalidade do prazo de 10 anos instituído pela Lei 14/2009; — inconstitucionalidade da norma que manda aplicar o novo prazo de 10 anos às acções pendentes — artigo 3.º da Lei 14/2009, de 1 de Abril, que manda aplicar a nova redacção aos processos pendentes; — impugnação da matéria de facto (artigos 1.º a 6.º e 14.ºda base instrutória); — abuso do direito; — condenação do R. como litigante de má fé 3.1. Do (não) conhecimento do agravo: artigo 710.º CPC na versão anterior ao Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto Nos termos do artigo 710.º, n.º 1, CPC, na versão anterior ao Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto, a apelação e os agravos que com ela tenham subido são julgados pela ordem da sua interposição; mas os agravos interpostos pelo apelado que interessem à decisão da causa só são apreciados se a sentença não for confirmada. É o caso dos autos, porquanto são agravantes os apelados (vencedores). Estava em causa o indeferimento do depoimento de parte do R. investigado. A confirmação da sentença, como adiante se verá, impede o conhecimento do agravo. 3.2. Da caducidade do direito de investigar a paternidade A sentença, na sequência da invocação do apelado, equacionou a inconstitucionalidade dos n.ºs 4 e 5 do artigo 1817.º, CC (cessação da posse de estado), quando, na verdade, a sentença foi julgada procedente com fundamento na procriação biológica, sendo aplicável o disposto no n.º 1, que estabelecia o prazo de dois anos após a maioridade ou emancipação para investigação da caducidade. Nessa medida, o prazo que está em causa é o do n.º 1 do artigo 1817.º CC, e não o dos n.ºs 4 e 5. 3.2.1. Da inconstitucionalidade do prazo previsto no artigo 1817.º, n.º 1, ex vi artigo 1873.º, CC A inconstitucionalidade do prazo prazo de dois anos a contar da maioridade ou emancipação previsto no n.º 1 do artigo 1817.º CC foi declarada, com força obrigatória e geral pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 23/2006, Paulo Mota Pinto. A consequência da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória e geral consta do artigo 282.º, n.º 1, CRP: o efeito da declaração de inconstitucionalidade de uma norma com força obrigatória e geral é a repristinação da norma que ela tenha revogado. No entanto, face às questões de ordem constitucional que suscitava a repristinação da norma revogada, como nos dá conta o acórdão do STJ, de 2011.11.15, Martins de Sousa, www.dgsi.pt.jstj, proc. 49/07.2TBRSD.P1.S1, a jurisprudência dos tribunais superiores, designadamente o STJ, se inclinou no sentido de que a acção de investigação de paternidade é imprescritível, não sendo aplicável o prazo de prescrição ordinária, como tem sido entendimento dos Tribunais superiores, em especial o STJ. A título meramente exemplificativo refira-se os acórdão do STJ, de: — 2012.09.20, Serra Batista, www.dgsi.pt.jstj, proc. 1847/08.5TVLSB-A.L1.S1; — 2012.05.24, Granja da Fonseca, www.dgsi.pt.jstj, proc. 37/07.9TBVNG.P1.S1; — 2009.07.07, Oliveira Rocha, www.dgsi.pt.jstj, proc. 1124/05.3TBLGS.S1; — 2008.07.03, Pires da Rosa, www.dgsi.pt.jstj, proc. 07B3451; — 2008.04.17, Fonseca Ramos, proc. 08A474; — 2007.10.23, Mário Cruz, www.dgsi.pt.jstj, proc. 07A2736; — 2007.01.31, Borges Soeiro, www.dgsi.pt.jstj, proc. 06A4303; — 2006.12.14, Alves Velho, www.dgsi.pt.jstj, proc.06A2489. 3.2.2. Da (in)constitucionalidade do prazo de 10 anos instituído pela Lei 14/2009, de 1 de Abril Entretanto, na pendência da acção, foi publicada a Lei 14/2009, de 1 de Abril, que estabeleceu novos prazos para a investigação de paternidade: dez anos posteriores à maioridade ou emancipação (n.º 1), três anos a contar de diversas situações enunciadas nos n.ºs 2 e 3. O apelado requereu a aplicação da nova redacção do artigo 1817.º CC decorrente da redacção introduzida por esta Lei, o que foi recusado pela sentença recorrida, com fundamento na sua inconstitucionalidade por considerar o direito à investigação de paternidade imprescritível. Na óptica da sentença, louvando-se na jurisprudência do STJ, qualquer prazo de caducidade, seja ela qual for, configura uma restrição desproporcionada do direito fundamental do conhecimento da ascendência biológica, direito pessoalíssimo e imprescritível. O Tribunal Constitucional esteve dividido nesta matéria até à prolação ao acórdão do Plenário n.º 401/2011, Cura Mariano, nos termos do artigo 79.º D da Lei 28/82, que por uma maioria de 7 contra 5, decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando--se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante. Trata-se de um acórdão do Plenário, com intervenção de todos os juízes, portanto, em que a questão foi amplamente debatida, tendo sido ponderados os diversos argumentos, com a profundidade habitual deste Tribunal. Nessa medida, pelo seu especial valor, esta decisão deve ser acatada até que seja apresentada razão que justifique a sua revisão. Aliás, posteriores decisões deste Tribunal acerca desta questão foram decididas em conformidade com este acórdão, como sucedeu, por exemplo, nos acórdãos 446/2011, Carlos Pamplona de Oliveira, de 476/2011, Ana Maria Guerra Martins, e 545/2001, Maria Lúcia Amaral, acórdãos que contaram com o voto de Conselheiros outrora vencidos. Por todo o exposto, e sem necessidade de maiores considerandos, não padece de inconstitucionalidade a norma do artigo 1817.º, n.º 1, CC, na redacção da Lei 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que estabelece um prazo de dez anos para a propositura da acção de investigação de paternidade, contado da maioridade ou da emancipação do investigante. 3.2.3. Da inconstitucionalidade da norma que manda aplicar o novo prazo de 10 anos às acções pendentes — artigo 3.º da Lei 14/2009, de 1 de Abril, que manda aplicar a nova redacção aos processos pendentes No entanto, o Tribunal Constitucional, novamente em Plenário, através do acórdão n.º 24/2012, Cunha Barbosa, decidiu julgar inconstitucional a norma constante do artigo 3.º da Lei 14/2009, de 1 de Abril, na medida em que manda aplicar aos processos pendentes à data da entrada em vigor, o prazo previsto na nova redacção do artigo 1817.º, n.º 1, CC, aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código. Pelas razões enunciadas em 3.2.2., não se vislumbra fundamento válido para afastar a doutrina deste acórdão, que deve ser acatada pela comunidade jurídica, atento o seu especial valor, dispensando outro tipo de considerações. Nessa conformidade, e ainda que por razões diversas das da sentença recorrida, improcede o segmento do recurso relativo à caducidade. Não se valorou a argumentação do apelante relativamente à problemática de o interesse dos apelados ser de carácter exclusivamente patrimonial e, consequentemente, prescritível, por a lei não estabelecer como requisito da investigação de paternidade a ausência de interesses económicos e por não afastar, como sucede noutras legislações, os direitos de natureza sucessória. Face aos sucessivos acórdãos do tribunal Constitucional, tornam-se despiciendos quaisquer considerações complementares acerca da problemática do direito à identidade e ao conhecimento da ascendência biológica devidamente abordada na sentença recorrida. 3.3. Da impugnação da matéria de facto (artigos 1.º a 6.º e 14.º da base instrutória) Tendo sido dado cumprimento aos ónus previstos no artigo 690.º A CPC, importa proceder à reapreciação da matéria de facto. É o seguinte o teor dos artigos 1.º a 6.º da base instrutória: 1.º No início de 1946, na Trofa, o R. conheceu F......? 2.° Tendo-se estabelecido entre ambos uma grande empatia? 3.º Em resultado da qual começaram a sair e a ser vistos juntos em público? 4.º O seguimento desse relacionamento, a F...... teve com o R. por várias vezes relações sexuais de cópula completa? 5.º Uma das quais foi fecunda? 6.º Desta gravidez que veio a nascer E......? Resposta conjunta aos artigos 1.º a 6.º da base instrutória: Provado apenas que, em data e local não concretamente apurados, o R. conheceu F......, tendo havido entre ambos pelo menos uma relação sexual de cópula completa, que foi fecunda, de cuja gravidez veio a nascer E....... (…) 14.º Mas nunca o R. deixou de prestar o seu auxílio, nomeadamente a nível económico, enviando sempre que podia uma quantia em dinheiro para as despesas relativas a alimentação, vestuário e educação de seu filho? Resposta: Provado apenas que o R. chegou a enviar dinheiro para ajuda das despesas do E...... relativas a alimentação, vestuário e educação. Foi a seguinte a fundamentação da 1.ª instância: «A convicção do Tribunal (Artº 655º, nº 1, do C.P.Civil) assentou na ponderação conjunta da prova a seguir indicada e no uso das regras da experiência e da normalidade dos comportamentos humanos, sem prejuízo, evidentemente, da consideração das regras legais sobre o ónus da prova. Assim, relevamos especialmente: 1. O teor do relatório da perícia de investigação biológica, levada a cabo pelo INML-Delegação do Norte - Serviço de Genética e Biologia Forense, constante de fls. 239/243, datada de 30/01/2009, que conclui por um valor percentual de probabilidade de paternidade de 99,987%, correspondente a “Paternidade [de D….. relativamente a E......] praticamente provada” a qual, conjugada com a demais prova (testemunhal, a que adiante aludiremos), foi decisiva na formulação do nosso juízo, não só pela mais-valia técnica inerente à mesma (cfr. Artº 388º do Código Civil), mas também pelo facto de ter sido levada a cabo por especialistas (in casu, em número de três) isentos, imparciais e idóneos, aos quais o Tribunal recorreu, alheios às normais e compreensíveis “emoções” que a discussão da lide sempre acarreta. Perícia essa que, salvo o devido respeito, não pode ser minimamente abalada pelo parecer que o Réu juntou aos autos (o que lhe era permitido fazer, face ao estatuído no Artº 525º do C.P.Civil) através do seu requerimento electrónico de 15/06/2010, elaborado pela sociedade “K…., Lda.”, subscrito pela Prof. L…., datado de 17/’05/2010, e que tem subjacente um (pretenso) facto novo, ou seja, que o Réu tinha um irmão mais velho, já falecido (o que está provado através da certidão também junta através daquele requerimento electrónico), e que “segundo testemunhas também mantinha relações sexuais com a mãe do pretenso filho E….”, o que jamais foi aventado, indiciado e, muito menos, comprovado nos autos. 2. O conjunto dos depoimentos das seguintes testemunhas inquiridas em audiência, que se encontram gravados, que genericamente depuseram de forma aparentemente isenta, sincera e credível, procurando colaborar com o Tribunal na descoberta da verdade, dos quais sintetizamos os seguintes aspectos: 2.1. I….., que foi companheira do pai dos Autores (o falecido E......) desde 1998 até ao seu decesso. E que de relevante aduziu que o conheceu após ele ter regressado de França, que este lhe dizia que o Réu lhe dava dinheiro, de dois em dois meses, em quantitativos que não soube precisar, e que ia buscar esse dinheiro a um tal João, pessoa da confiança de ambos. 2.2. J….., cujo marido trabalhou em França com o falecido E….., que referiu que um certo dia o Sr. E…. trouxe-os à drogaria e indicou-lhes que o pai dele era o Réu. E que o seu marido, quando emigrou para França, ganhava Esc. 5.000$00 mensais (o que demonstra bem o exagero e a inverosimilhança do depoimento da testemunha H….., quando referiu que recebia do Réu Esc. 50.000$00/mês, e na parte final Esc. 300.000$00/mês...). Disse, ainda, que às vezes era o seu cunhado, M….. que ia buscar o dinheiro ao Réu, o que lhe foi dito pelo referido M….. (que de certeza “também comia...”). E sublinhou que a H…. esteve a morar em França com o marido e os filhos durante muitos anos, mas que posteriormente ela veio de vez e o falecido E….. ficou lá. Esclarecendo, finalmente, que conhece a casa da H…., e que esta não tem casa no Mindelo. 2.3. N….., sogra da Autora, que conheceu o pai dos Autores antes de ele ter falecido, e que referiu que este dizia que o Sr. D…. era o seu pai, que tinha uma drogaria na Maia. E que sabe que o Sr. M…. ia buscar dinheiro ao Sr. D…., de acordo com conversas que presenciava na casa da nora. 2.4. O….., filho do Réu, que de relevante afirmou ter o seu pai estado a cumprir o serviço militar em Angola, de 1944 a 1946. E que um dia, no Verão de 1995, no final da tarde, uma senhora com uma miúda abordou o e perguntou pelo Sr. D…., tentando invadir a casa do pai, ficando então a saber que ela queria falar com o seu pai. E que posteriormente falou com o seu pai acerca desse assunto, ao que o pai lhe referiu que havia uma senhora, tendo depois o assunto sido falado no seio familiar, sendo que, quando esta acção foi instaurada, tiveram uma conversa mais profunda, tendo o seu pai referido que “pode ser, pode não ser...”. 3. H….., mãe dos Autores, que se revelou demasiado interessada, incoerente, inconsistente e inverosímil, tendo sido infirmada em aspectos decisivos pela demais prova testemunhal produzida, nomeadamente pelo depoimento da testemunha J…... 4. Mostraram-se inócuos os depoimentos das testemunhas P……, Q….., R….. e S….., que nada de relevante e de consistente sabiam acerca de matéria a que foram indicados. 5. Em reforço da nossa convicção, também lançamos mão de presunção judicial ou material (Artºs. 349º e 351º do Código Civil) quanto ao facto de termos concluído que entre o Réu e a F...... existiu pelo menos uma relação sexual de cópula completa, que foi fecunda, porquanto a demais factualidade, de acordo com as regras da experiência comum, permite inferi-lo. 6. No que tange aos quesitos que mereceram resposta negativa e/ou restritiva tal ficou a dever-se, por um lado, à circunstância de não se ter produzida prova cabal a esse respeito e, por outro lado, de se ter feito prova da sua não conformidade com a realidade». Antes de mais, recorde-se que, nas palavras de Lopes do Rego, O Ónus da Prova nas Acções de Investigação de Paternidade: Prova Directa e Indirecta do Vínculo da Filiação, em Comemorações dos 35 Anos do Código Civil, Coimbra Editora, vol. I, pág. 781, «a causa de pedir nas acções de reconhecimento de paternidade é o facto naturalístico da procriação biológica, perspectivado como facto natural dotado de relevância jurídica.» A procriação biológica pode ser demonstrada de forma directa, através dos exames hematológicos ou outros métodos cientificamente comprovados a que alude o artigo 1801.º CC, ou de forma indirecta através do recurso das presunções legais estabelecidas no artigo 1871.º CC, ou de presunções naturais ou judiciais, apelando às regras de experiência comum, quando, à falta de exames de sangue ou de presunções legais, impende sobre o autor o ónus de alegar e provar o trato sexual entre o investigado e sua mãe, no período legal da concepção, e que tais relações foram exclusivas por parte da mãe. O presente recurso move-se no âmbito da prova directa através dos testes de paternidade. Feito este parêntesis, comecemos pelos artigos 1.º a 6.º da base instrutória que mereceram resposta conjunta. Os artigos 1.º a 3.º contêm matéria irrelevante para a apreciação do recurso. Não se vislumbra qualquer interesse sobre a data em que o apelante e a mãe dos apelados se conheceram, se houve ou não empatia entre eles, e se eram ou não vistos em público. O que releva verdadeiramente é a existência de relações sexuais entre eles, e se desse relacionamento nasceu o pai dos apelados. Questiona o apelante a «ditadura» da fiabilidade da impressão genética argumentando que, com o avanço do conhecimento, o que é verdade num determinando momento deixa de o ser no momento seguinte. O esforço em desvalorizar os testes de ADN está necessariamente votado ao insucesso. O grande avanço da ciência médica e da genética permitem alcançar resultados altamente fiáveis, não sendo expectável uma reviravolta que desacredite os testes de paternidade. O que sucederá é que a margem de erro ou indefinição será cada vez mais desprezível. A circunstância de o teste em causa não propiciar uma certeza absoluta não lhe tira credibilidade ou utilidade. Não se exige — não se pode exigir — uma certeza absoluta na prova. Como explicam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, pg. 419 e ss., «A demonstração da realidade a que tende a prova não é uma operação lógica, visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente), como é, por exemplo, o desenvolvimento de um teorema nas ciências matemáticas. Nem essa demonstração se opera as mais das vezes, à semelhança do que sucede comas análises médicas ou os exames efectuados nos laboratórios das ciências naturais, através da observação directa ou da reconstituição dos factos com fim de facultar ao julgador a percepção dos seus resultados. (…) A demonstração da realidade de factos desta natureza com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta, sob pena de o Direito falhar clamorosamente na sua função essencial de instrumento de paz social e de realização da justiça entre os homens. A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto». (não sublinhado no original). Na mesma linha, Alberto dos Reis, op. cit., pg. 246, após hierarquizar a prova, baseada no grau de eficácia, em prova suficiente, prova prima facie e simples justificação, escreve: «A prova suficiente conduz a um juízo de certeza; não de certeza lógica, absoluta, material, na maior parte dos casos, mas de certeza bastante para as necessidades práticas da vida, de certeza chamada histórico-empírica. Quer dizer, o que se forma sobre a base da prova suficiente é, normalmente, um juízo de probabilidade, mas de probabilidade elevada a grau tão elevado, que é quanto basta para as exigências razoáveis de segurança social.» Ou, nas palavras de Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à luz do Código Revisto, Coimbra Editora, pg. 160-1, «O âmbito do princípio da livre apreciação da prova, não é exigível que a convicção do julgador sobre a validade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma absoluta certeza, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança (…)» A este propósito, — acórdão do STJ, de 2005.03.15, Ferreira Girão, www.dgsi.pt.jstj, proc. 04B4798; — acórdão do STJ, de 2004.06.15, Ponce Leão, www.dgsi.pt.jstj, proc. 04A1974; — acórdão da Relação do Porto, de 2002.07.01, Cunha Barbosa, www.dgsi.pt.jtrp, proc. 0250516; — acórdão da Relação do Porto, de 2005.05.12, Pinto de Almeida, www.dgsi.pt.jtrp, proc. 0531201. Os testes de ADN propiciam elevado grau de segurança na determinação da paternidade, segurança muitíssimo superior à que está associada à tradicional prova testemunhal, que permitiu estabelecer muitos vínculos de paternidade. E, embora a prova pericial, tal como a testemunhal, esteja sujeita à livre apreciação (artigo 389.º CC), o julgador, dado o seu carácter eminentemente técnico, apenas poderá afastar o seu resultado em situações muito específicas. Por exemplo, e citando Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, Coimbra Editora, vol. II, Direito da Filiação, tomo I, Estabelecimento da Filiação, Adopção, pg. 48, « o laboratório não usou o número de marcadores recomendado pelas boas práticas internacionais, que são objecto e imposição regulamentar em alguns países; ou se, com o auxílio outro perito, o tribunal se convence de que o exame foi realizado com material biológico degradado, ou com material biológico susceptível de ter sido misturado com o de outra pessoa no momento da colheita, como pode acontecer na colheita em fetos. Nos casos típicos, em que nada se pode assinalar de anormal, é difícil que o tribunal se afaste das conclusões dos peritos, tal é a credibilidade dos laboratórios nacionais e o potencial técnico dos procedimentos, quer para a exclusão de um vínculo quer para a sua afirmação». Assim, no estado actual da ciência, o exame de ADN constitui a forma mais fiável de estabelecimento do vínculo biológico. A este propósito, refira-se os seguintes acórdãos do STJ: — 2010.02.02, Hélder Roque, www.dgsi.pt.jstj, proc. 684/07.0TBCBR. C1; — 2003.05.06, Alves Velho, www.dgsi.pt.jstj, proc. 03A008; — 91.10.29, Cura Mariano, www.dgsi.pt.jstj, proc. 080864; — Da Relação do Porto, de 2006.04.27, Deolinda Varão, www.dgsi.pt.jtrp, proc. 0631059; — Da Relação de Coimbra, de — 2004.03.30, Rui Barreiros, www.dgsi.pt.jtrc, proc. 215/04; —2006.02.07, Távora Vitor, www.dgsi.pt.jtrc, proc. 4028/05. O apelante, além de ter questionando o teste de ADN do ponto de vista científico, critica ainda a sentença por alegadamente ter ignorado que, a ter existido um irmão do apelante que pudesse ter tido relações sexuais com a avó dos apelados, o resultado seria idêntico. Juntou, para demonstração da sua teste, um parecer elaborado por um laboratório privado, K…., Ld.ª, relativamente à perícia efectuada nos autos. Esse parecer, realçando que a perícia dos autos foi realizada com todo o rigor, cientificidade e segundo as legis artis para este tipo de perícia, considera que ela deixa de ser válida do ponto de vista médico-legal por não ter contemplado a hipótese de o apelante não ser pai biológico de E...... mas estar proximamente aparentado com aquele. Entende, por isso, que tal facto deveria ter sido valorado pelo Mm.º Juiz a quo, levando a uma resposta negativa dos artigos 1.º a 6.º da base instrutória. Ora, a questão da existência de um irmão do apelante que tenha tido relações sexuais com a mãe dos apelados no período legal da concepção não foi introduzido nos autos no momento próprio — a contestação —, sendo óbvio que não se trata de facto superveniente. A verdade é que esta questão apenas é introduzida na sequência da notificação do relatório pericial, onde se assinalava que a interpretação e valorização dos resultados se tinha baseado nos seguintes factos: — Não foram colocadas em causa as relações de paternidade biológica entre E...... e seus dois filhos, C….. e B….., nem de fraternidade germana destes dois últimos entre si; — Não foram indigitados quaisquer possíveis familiares masculinos ou femininos directos de D…… na qualidade de pretensos progenitores alternativos de E....... O exame foi efectuado com base na realidade que tinha sido trazida aos autos e merece toda a credibilidade. E, por essa razão, foi fundamental para a resposta aos artigos 1.º a 6.º da base instrutória, como resulta da fundamentação supra transcrita. São três as questões que o apelante suscita: — não se pode dar como provado que houve relação sexual de cópula completa só com base no relatório pericial do ADN; — não se pode dizer que foi em data indeterminada sob pena de o R. não poder contradizer tal facto; — é conclusivo dizer-se que a relação sexual foi fecunda. É o seguinte o teor da resposta em causa: — Em data e local não concretamente apurados, o R. conheceu F......, tendo havido entre ambos pelo menos uma relação sexual de cópula completa, que foi fecunda, de cuja gravidez veio a nascer E....... A circunstância de não se ter provado a data em que houve a relação sexual fecundante em nada afecta a convicção acerca do vínculo de paternidade estabelecido pela sentença recorrida. Em primeiro lugar, num relacionamento sexual que não se resuma a uma única relação não é possível determinar a data exacta da concepção. Daí que normalmente se questione se o investigado manteve relacionamento sexual com a mãe do investigante nos primeiros 120 dias dos 300 que antecedem o nascimento, por se tratar, em termos científicos, do período em que a concepção terá de ter necessariamente de ter ocorrido, partindo-se do pressuposto científico de que normalmente as gravidezes mais curtas são de 120 dias e as mais longas de 300, sendo os casos de gravidezes mais curtas ou mais longas residuais (cfr. artigo 1798.º CC e Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, op. cit., pg. 26). Ora, os factos em apreço ocorreram há cerca de 60 anos tomando por referência a data da propositura da acção, num período compreendido entre 7 de Dezembro de 1946 e 6 de Abril de 1947. Esta foi desta alegação de que o apelado teve oportunidade de se defender, estando implícito na resposta que a data indeterminada se situa neste intervalo temporal. A circunstância de se ter afirmado na resposta que a relação foi fecunda não tem o alcance que o apelado lhe pretende emprestar. Com efeito, apesar do cunho conclusivo desta expressão, a verdade é que está igualmente afirmado que dessa relação resultou uma gravidez de que nasceu E....... Mais que conclusiva, será redundante, sem qualquer consequência a nível da validade da resposta, pois ainda que se considerasse a mesma não escrita por aplicação analógica do artigo 646.º, n.º 4, CPC, a resposta continuaria a ser suficiente para estabelecer o vínculo de paternidade relativamente ao apelante, nunca se justificando a alteração da resposta aos artigos 1.º a 6.º da base instrutória para «não provado». Tratando-se o acto sexual de um acto de natureza íntima nas situações normais, naturalmente não são presenciados por terceiros, pelo que, na ausência de prova pericial, há que recorrer às presunções judiciais. Havendo prova pericial a prova fica facilitada, pois, não havendo recurso a técnicas de procriação assistida, inexistentes há 60 anos, a gravidez terá necessariamente resultado do chamado «método natural». Se a relação foi de cópula completa ou incompleta é irrelevante, pois o que importa é que tenha sido fecunda, tenha dado origem a uma gravidez. O que importa é que tenha havido relacionamento sexual entre o apelante e a mãe dos apelados e que desse relacionamento sexual tenha nascido E....... Existe inclusivamente jurisprudência que admite que, face à evolução da ciência e ao desenvolvimento dos testes de ADN é possível perguntar directamente o vínculo biológico, nestes termos: Fulano é pai de Sicrano? Conforme referem Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, op. cit., pg. 220, é possível perguntar se «o réu é o progenitor do filho» e provar tal facto por meios periciais, Acrescentando que «Admito como provável, no entanto, que os tribunais tendam progressivamente a modificar o seu modo de julgar, no sentido de decretar a paternidade, cada vez mais, com base apenas nas provas científicas — o que se tornará mais nítido quando a coabitação não estiver bem provada, ou quando for duvidosa a sua localização dentro do período legal da concepção. Já se encontram, na jurisprudência portuguesa, acórdãos que perfilham esta última orientação, que atribui um valor último e decisivo aos exames laboratoriais». Veja-se, a este propósito, — acórdão da Relação do Porto, de 2011.10.24, Soares de Oliveira, www.dgsi.pt.jtrp, proc. 4811/10.0TBMTS-B.P1; — acórdão da Relação de Lisboa, de 2003.02.11, Maria do Rosário Morgado, www.dgsi.pt.jtrl, proc. 9456/2002. No acórdão do STJ, de 98.04.16, BMJ 476.º/433, lê-se: «Os tribunais devem procurar libertar-se, dentro das possibilidades legais, do «império» da prova testemunhal, devendo atribuir-se cada vez mais relevo às provas periciais, designadamente nas acções relativas à filiação, sobretudo quando, à competência e objectividade dos peritos, se associam meios técnicos progressivamente mais avançados, a conferir-lhes elevado grau de idoneidade e veracidade. Assim, a doutrina e a jurisprudência vêm admitindo a quesitação directa da paternidade, bem como a subvalorização da exceptio plurium, face a resultados seguros de exames periciais (...), daí que a circunstância de o exame hematológico concluir que as hipóteses de paternidade do réu atingem uma probabilidade de 99, 96%, constitua indicação segura no sentido da procedência da acção.» Não se compreenderia, com efeito, que face a uma prova tão concludente, como um exame pericial em que a probabilidade de o apelante ser pai do pai dos apelados ascende a 99,987%, que corresponde a paternidade praticamente provada, a acção improcedesse. Nesse sentido, refira-se o acórdão do STJ, de 2012.02.23, Bettencourt de Faria, www.dgsi.pt.jstj, proc. 994/06.2TBVFR.P1.S1. Face ao exposto, improcede a pretensão do apelante em alterar a resposta aos artigos 1.º a 6.º da base instrutória. Reivindica o apelante a resposta de «não provado» para o artigo 14.º da base instrutória com fundamento em que apenas foi indicada a esse facto a testemunha H…., mãe dos apelantes, cujo depoimento foi desvalorizado pelo Tribunal. Embora esta matéria integrasse a alegação relativa à posse de estado, sendo portanto irrelevante para a apreciação do recurso, sempre se dirá que não assiste razão ao apelante. Com efeito, várias testemunhas, apesar de não terem sido indicadas ao artigo 14.º da base instrutória, se pronunciaram sobre a problemática da entrega de dinheiro para ajuda das despesas de E......, designadamente G……, companheira deste, J……., N…... Do depoimento destas testemunhas resultou que o apelado enviava dinheiro a E......, não podendo o seu depoimento ser desconsiderado apenas por tal facto lhes ter sido contado pelo falecido E…... Recorde-se que nessa altura não se vislumbrava qualquer litígio relativo à investigação de paternidade: E...... faleceu com 58 anos sem ter intentado acção de investigação de paternidade contra o apelante. Sobre a validade do depoimento indirecto, veja-se o acórdão da Relação de Lisboa, de 2011.01.11, Luís Lameiras, www.dgsi.pt.jtrl, proc. 152/09.4TBPDL.L1, citado pelos apelados. Finalmente, a circunstância de as testemunhas que depuseram sobre essa matéria não terem sido indicadas ao respectivo artigo da base instrutória (artigo 14.º) é perfeitamente irrelevante, por força do princípio da aquisição processual, aflorado no artigo 515.º CPC, nos termos do qual o tribunal deve tomar em consideração todas as provas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto quando não seja feita por certo interessado. Se a parte pode beneficiar de prova produzida pela parte contrária, por maioria de razão poderá aproveitar a prova por si produzida, independentemente de a testemunha ter sido indicada a essa matéria ou não. A não indicação da testemunha a determinado facto não invalida o depoimento prestado, embora pudesse ter obstado à sua inquirição, se a questão tivesse sido oportunamente suscitada. Assim, mantém-se a resposta ao artigo 16.º da base instrutória. 3.4. Do abuso do direito Aflorou o apelante o abuso do direito na conclusão XVI, ao afirmar que é condenável e não deve merecer tutela jurídica, quando um filho vive 58 anos sem pedir qualquer investigação e, passados três anos sobre a sua morte são os netos que o vem fazer contra um pretenso avô com mais de 85 anos de idade. Tanto quanto se alcança do processo, o apelante considera que a motivação dos apelados é apenas de cariz patrimonial, pois estariam apenas interessados na herança que lhes pode caber por óbito do apelante. É o estafado argumento dos «caça fortunas». Dispõe o artigo 334.º CC que é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito. Relativamente a instituto do abuso do direito, remetemos para as considerações gerais do acórdão do STJ, de 2009.02.12, Paulo Sá, www.dgsi.pt.jstj, proc. 08A4090, que oferecem uma excelente síntese do instituto: «O abuso de direito (art. 334.º CC), como excepção peremptória inominada, que se traduz, segundo CASTANHEIRA NEVES (Questão de Facto e Questão de Direito, 1967, p. 528), “num problema metodológico-normativo de realização (ou de aplicação) concreta do direito…; o abuso é um modo de ser jurídico que se coloca no trajecto entre a norma e a solução concreta”. Ocorre esta figura jurídica quando o direito legítimo — e portanto razoável, em princípio — é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante, ou seja, longe do interesse social e por forma a exceder manifestamente os limites resultantes da boa fé, dos bons costumes ou do fim económico-social do direito, tornando-se, assim, escandalosa e intoleravelmente ofensiva do nosso comum sentimento de justiça, que repouse em bases éticas aceitáveis. O instituto do abuso do direito, bem como os princípios da boa-fé e da lealdade negocial, são meios de que, os tribunais, devem lançar mão para obtemperar a situações em que alguém, a coberto da invocação duma norma tuteladora dos seus direitos, ou do exercício da acção, o faz de uma maneira que — objectivamente — e atenta a especificidade do caso, conduz a um resultado que viola o sentimento de Justiça, prevalecente na comunidade, que, por isso, repudia tal procedimento, que apenas formalmente respeita o Direito, mas que, em concreto, o atraiçoa. Como se afirmou no acórdão deste Tribunal, de 10 de Outubro de 1991, in BMJ, n.º 412, p. 460: “Nos termos do artigo 334.º do Código Civil há abuso de direito e é portanto ilegítimo o seu exercício quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Agir de boa fé tanto no contexto deste artigo como no do artigo 762.º, n.º 2, é “agir com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contraparte, é ter uma conduta honesta e conscienciosa, uma linha de correcção e probidade a fim de não prejudicar os legítimos interesses da contraparte e não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar”. Os bons costumes entendem-se por seu turno como um “conjunto de regras de convivência que num dado ambiente e em certo momento as pessoas honestas e correctas aceitam comummente contrários a laivos ou conotações, imoralidade ou indecoro social”. Finalmente, o fim social ou económico do direito, no âmbito dos direitos de crédito – o conteúdo da obrigação desdobra-se no direito à prestação e no dever de prestar – consiste precisamente na satisfação do interesse do credor mediante a realização da prestação por banda do devedor (artigo 397.º do Código Civil)...”. O art. 334.º do Código Civil, acolhe uma concepção objectiva do abuso do direito, segundo a qual não é necessário que o titular do direito actue com consciência de que excede os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social do direito ou com «animus nocendi» do direito da contraparte, bastando pois que tais limites sejam e se mostrem ostensiva e objectivamente excedidos (PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição, p. 298, em anotação ao artigo em questão e ANTUNES VARELA, (Das Obrigações em Geral, 7ª edição, p. 536). Para MANUEL DE ANDRADE (Teoria Geral das Obrigações, p. 63) ocorre tal excesso se os direitos forem “exercidos em termos clamorosamente ofensivos da justiça”, o que VAZ SERRA (“Abuso do direito”, BMJ n.º 85, p. 253) apelida de “clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante”(cf. neste sentido, entre outros, os Acs. do STJ, de 7.1.93, in BMJ, n.º 423, p.539 e de 21.9.93, in CJSTJ, 1993, III, p.19). O abuso do direito — “como válvula de escape”, que deve ser, só deve funcionar em situações de emergência, para evitar violações clamorosas do direito. Deve, por isso, ser invocado com ponderação e equilíbrio, sem que constitua panaceia fácil para toda a situação de excessivo exercício; é que pode o respectivo excesso não ser manifesto e ilegítimo ou só se apresentar assim na aparência (cf. ac. do STJ, BMJ n.º 407, p. 557). O que leva os acima citados anotadores do Código a acrescentar que para determinar os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes há que atender de modo especial às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade». A circunstância de terem decorrido 60 anos sobre o nascimento de E...... não pode ser impeditivo de os apelados estabelecerem a sua avoenga paterna, no exercício pessoalíssimo do seu direito à identidade e conhecimento das raízes biológicas. Enquadrado o decurso do direito na problemática do tempo decorrido sem que tivesse sido intentada qualquer acção de investigação de paternidade, há que convocar uma modalidade de abuso do direito: a suppressio. Nas palavras de Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Almedina, I, Parte Geral, tomo I, pg. 206, «Há suppressio quando uma posição jurídica, não tendo sido exercida durante certo tempo, não mais possa sê-lo por, de outra forma, se atentar contra a boa fé; ocorreria, pois, uma supressão de certas faculdades jurídicas, pela conjugação do tempo com a boa fé». Continua, a pg. 208, identificando os quatro elementos da tutela da confiança: a situação de confiança; a justificação; o investimento de confiança; a imputação de confiança ao titular. O único elemento concreto que resulta dos autos é o simples decurso do tempo, que, por si só, é insuficiente para ancorar uma situação de abuso do direito. Falta um comportamento claro, inequívoco, dos apelados susceptível de criar no apelante a confiança de que o direito de investigação da paternidade não seria exercido, por forma a que o seu exercício possa ser considerado atentatório da boa fé. Como se refere no acórdão do STJ, de 2012.05.17, Oliveira Vasconcelos, www.dgsi.pt.jstj, proc. 1587/06.0TVPRT.P1.S1, «O autor tinha e tem o direito à sua identidade pessoal, constitucionalmente garantido no nº1 do artigo 26º da Constituição da República Portuguesa. Instaurou a presente acção com o fim de o ver preenchido, na faceta da paternidade. O exercício de tal direito, salvo as disposições relativas à caducidade, que eventualmente se considerem aplicáveis, não pode ser limitado por quaisquer outros factores, nomeadamente a morte do presumido pai ou benefícios económicos derivados do reconhecimento da paternidade. Sendo assim, temos que concluir que o autor, ao instaurar a presente acção, limitou-se a exercer um direito que a lei lhe concedia, sem qualquer dos excessos referidos no transcrito artigo 334º». Por outro lado, não resulta provado que a única motivação dos apelados tenha sido de cariz patrimonial, abstraindo-se da dificuldade da sindicância de tal propósito. Nem que o apelante disponha de meios de fortuna substancial. Acresce que não é legítimo, como pretende o apelante, que os apelados renunciem abdiquem de qualquer direito sucessório de carácter patrimonial (cfr. conclusão XIV). Relativamente ao abuso do direito, pronunciaram-se os seguintes acórdãos: — acórdão do STJ, de 2011.11.15, Martins de Sousa, www.dgsi.pt.jstj, proc. 49/07.2TBRSD.P1.S1; — acórdão do STJ, de 2010.03.11, Serra Batista, www.dgsi.pt.jstj, proc. 381/04.7TBPVZ.P1S1; — acórdão do STJ, de 2008.07.03, Pires da Rosa, www.dgsi.pt.jstj, proc. 07B3451. Também nesta vertente improcede o recurso. 3.5. Da condenação do R. como litigante de má fé A sentença recorrida, ponderando que o apelante faltou à verdade quando negou ter conhecido a mãe de E......, e ter tido com a mesma relações sexuais, e considerando a sua conduta de excepcional gravidade, condenou-o na multa de 7 UC por litigância de má fé e ainda indemnização, cuja liquidação relegou para momento posterior por falta de elementos. Insurge-se o apelante contra esta condenação alegando que se disponibilizou para fazer o teste de ADN, colaborando com o tribunal, e ainda que o facto de não ter conseguido provar os factos alegados não integra má fé. Nos termos do artigo 456.º, nº 1, C.P.C., tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir. O conceito de litigância de má fé encontra-se explicitado no n.º 2 do mesmo artigo: Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. As alíneas a) e b) contemplam a má fé material, enquanto as alíneas c) e d) consagram a má fé instrumental. A sentença recorrida enquadrou a conduta do apelante nas alíneas a) e b) do referido artigo, o que se afigura correcto. Com efeito, o apelante não foi condenado pelo decaimento na prova, mas sim porque, violando o dever que sobre si impendia de actuar com verdade, negou factos pessoais que não podia ignorar — o relacionamento com a mãe de E......, com o propósito de inviabilizar a pretensão dos apelantes de ver estabelecido o vínculo biológico, um direito inalienável. Trata-se de conduta claramente dolosa, intencional. Considerando a actuação do apelante de excepcional gravidade, a sentença recorrida fixou a indemnização em 7 UC, nos termos do artigo 27.º, n.ºs 1 e 2, do Regulamento das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei 34/2008, de 26 de Fevereiro, aplicável ex vi artigo 27.º, n.º 3, alínea c). Dispõe o artigo 27.º do Regulamento das Custas Judiciais, na versão originária [a redacção introduzida pelo Decreto-Lei 52/2011, de 13 de Abril foi introduzida em momento posterior à prolação da sentença] que: 1 - Sempre que na lei processual for prevista a condenação em multa ou penalidade de algumas das partes ou outros intervenientes sem que se indique o respectivo montante, este pode ser fixado numa quantia entre 0,5 UC e 5 UC. 2 - Nos casos excepcionalmente graves, salvo se for outra a disposição legal, a multa ou penalidade pode ascender a uma quantia máxima de 10 UC. 3 - O montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste. Afigura-se que sendo grave a actuação do apelante, não chega a atingir uma gravidade excepcional, por duas ordens de razões. A primeira foi que se submeteu ao teste de ADN que possibilitou a procedência da acção, atitude de colaboração que não pode ser ignorada, pois a conduta da parte para efeito de litigância de má fé tem de ser avaliada globalmente. Por outras palavras, embora tenha negado os factos, em momento posterior submeteu-se ao exame de ADN. A segunda é que se trata de pessoa com 85 anos de idade, que se vê a braços com uma questão delicada perante os seus familiares — uma investigação de paternidade. A moldura da multa é de 0,5 UC a 5 UC. Trata-se de uma moldura «generosa» quando aplicada à litigância de má fé (situação corrigida pelo Decreto-Lei 52/2011, de 13 de Abril, que autonomizou no n.º 3 do artigo 27.º do Regulamento das Custas Processuais a multa para a litigância de má fé, regressando aos parâmetros do artigo 102.º, alínea b) CCJ: um mínimo de 2UC e um máximo de 100), mas a opção do legislador tem de ser respeitada. À falta de elementos relativos à situação económica do agente e a repercussão da condenação no seu património, por um lado, e às atenuantes acima referidas, afigura-se adequado fixar a multa em 2,5 UC, correspondente ao meio da moldura da multa. O acórdão da Relação do Porto, de 2012.03.15, Deolinda Varão, www.dgsi.pt.jtrp, proc. 6584/09.TBVNG fixou em 4 UC a multa a um investigado que negou ter tido relacionamento sexual com a mãe do investigado e se recusou a submeter-se ao teste de ADN. Neste segmento o recurso procede parcialmente quanto ao montante da multa. 4. Decisão Termos em que, julgando a apelação parcialmente procedente, delibera-se: — não tomar conhecimento do objecto do agravo; — não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, CC, na redacção da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante. — julgar inconstitucional a norma constante do artigo 3.º da Lei 14/2009, de 1 de Abril, na medida em que manda aplicar aos processos pendentes à data da entrada em vigor, o prazo previsto na nova redacção do artigo 1817.º, n.º 1, CC; — fixar a multa por litigância de má fé por parte do apelante em 2,5 UC; — no mais confirmar a decisão recorrida. Custas por apelante e apelados na proporção 9/10 e 1/10 respectivamente. Porto, 30 de Outubro de 2012 Márcia Portela Manuel Pinto dos Santos Francisco José Rodrigues Matos ____________________ Sumário 1. A inconstitucionalidade do prazo de dois anos a contar da maioridade ou emancipação previsto no n.º 1 do artigo 1817.º CC foi declarada, com força obrigatória e geral pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 23/2006, Paulo Mota Pinto. 2. Não obstante o disposto no artigo 282.º, n.º 1, CRP, estabelecer que o efeito da declaração de inconstitucionalidade de uma norma com força obrigatória e geral é a repristinação da norma que ela tenha revogado, face às questões de ordem constitucional que suscitava a repristinação da norma revogada, a jurisprudência dos tribunais superiores considerou que deixava de haver prazo para a instauração da acção de investigação da paternidade. 3. O Tribunal Constitucional, através de acórdão do Plenário n.º 401/2011, Cura Mariano, ao abrigo do disposto no artigo 79.º D da Lei 28/82, decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante. 4. Tratando-se de acórdão do Plenário, com intervenção de todos os juízes, portanto, em que a questão foi amplamente debatida, tendo sido ponderados os diversos argumentos, com a profundidade habitual deste Tribunal, pelo seu especial valor, esta decisão deve ser acatada até que seja apresentada razão que justifique a sua revisão. 5. O Tribunal Constitucional, novamente em Plenário, através do acórdão n.º 24/2012, Cunha Barbosa, decidiu julgar inconstitucional a norma constante do artigo 3.º da Lei 14/2009, de 1 de Abril, na medida em que manda aplicar aos processos pendentes à data da entrada em vigor, o prazo previsto na nova redacção do artigo 1817.º, n.º 1, CC, aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código. 6. A causa de pedir nas acções de reconhecimento de paternidade é o facto naturalístico da procriação biológica, perspectivado como facto natural dotado de relevância jurídica. 7. A procriação biológica pode ser demonstrada de forma directa, através dos exames hematológicos ou outros métodos cientificamente comprovados a que alude o artigo 1801.º CC, ou de forma indirecta através do recurso das presunções legais estabelecidas no artigo 1871.º CC, ou de presunções naturais ou judiciais, apelando às regras de experiência comum, quando, à falta de exames de sangue ou de presunções legais, impende sobre o autor o ónus de alegar e provar o trato sexual entre o investigado e sua mãe, no período legal da concepção, e que tais relações foram exclusivas por parte da mãe. 8. Os testes de ADN propiciam elevado grau de segurança na determinação da paternidade, segurança muitíssimo superior à que está associada à tradicional prova testemunhal, que permitiu estabelecer muitos vínculos de paternidade. 9. Embora a prova pericial, tal como a testemunhal, esteja sujeita à livre apreciação (artigo 389.º CC), o julgador, dado o seu carácter eminentemente técnico, apenas poderá afastar o seu resultado em situações muito específicas, designadamente se o laboratório não utilizou as técnicas recomendadas pelas boas práticas internacionais. 10. Mal se compreenderia, com efeito, que face a uma prova tão concludente, como um exame pericial em que a probabilidade de o apelante ser pai do pai dos apelados ascende a 99,987%, que corresponde a paternidade praticamente provada, a acção improcedesse. 11. O único elemento concreto que resulta dos autos é o simples decurso do tempo, que, por si só, é insuficiente para ancorar uma situação de abuso do direito. Falta um comportamento claro, inequívoco, dos apelados susceptível de criar no apelante a confiança de que o direito de investigação da paternidade não seria exercido, por forma a que o seu exercício possa ser considerado atentatório da boa fé. 12. A conduta da parte para efeito de litigância de má fé tem de ser apreciada globalmente: se é grave ter negado um facto pessoal (relacionamento sexual com a avó dos investigantes), não se pode ignorar que se sujeitou ao teste de ADN, possibilitando o estabelecimento do vínculo da paternidade. 13. Por outro lado, não se pode ignorar que se trata de pessoa com 85 anos de idade, que se vê a braços com uma questão delicada perante os seus familiares — uma investigação de paternidade. 14. Numa moldura de 0,5 a 5UC, afigura-se ponderada a fixação da multa por litigância de má fé em 2,5 UC.

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