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Acórdão TC de 2018-04-10

41/17

TribunalTribunal Constitucional
Acórdão187/18
Processo41/17
Formação2ª Secção
Secção2.ª Secção
EspécieRecurso
Data2018-04-10
RelatorCons. Fernando Vaz Ventura
Descritores

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional I. Relatório 1. A., B., ag e C., s.a., interpuseram o presente recurso do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) em 7 de dezembro de 2016, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70.º da Lei nº 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante LTC). 2. A presente lide iniciou-se com ação arbitral instaurada pelas ora recorrentes contra D. limited, tendente à condenação desta a abster-se de, em território português, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer medicamentos, cujas Autorizações de Introdução no Mercado (aim) haviam sido pedidas ao infarmed — Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP, sustentando que as demandantes são titulares de direitos de propriedade intelectual com aqueles incompatíveis. Por acórdão arbitral de 16 de fevereiro de 2015, foi declarada a caducidade do direito de ação arbitral, com fundamento em que o pedido de constituição do tribunal arbitral fora deduzido mais de 30 dias após os pedidos de aim terem sido publicados pelo infarmed, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro. Inconformadas, as demandantes recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 4 fevereiro de 2016, julgou o recurso procedente, revogou a decisão arbitral e determinou o prosseguimento dos autos no tribunal arbitral. Fundou-se o julgado na inconstitucionalidade da norma contida no nº 1 do artigo 3.º da Lei n.º 62/2011, em conjugação com o artigo 2.º da mesma Lei, quando interpretada no sentido de não permitir o titular do direito de propriedade industrial demandar o titular de aim para além do prazo de 30 dias. Desta decisão foi interposto recurso pela demandada D. limited para o STJ, que, através do acórdão recorrido, julgou procedente a revista, revogou o acórdão proferido pela relação e repristinou a decisão arbitral. No que releva para o presente recurso, entendeu o tribunal a quo que a norma contida no artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2011, que estatui o prazo de 30 dias para a iniciativa de recurso à justiça arbitral, não padece, como sustentado pelos ora recorrentes nas suas contra-alegações e havia considerado o Tribunal da Relação de Lisboa, de inconstitucionalidade. Em síntese, considerou-se os elementos disponibilizados pelo infarmed na sua página de internet como suficientes para a instauração da ação arbitral no prazo de trinta dias, devendo atender-se, em caso de algum défice de informação, à possibilidade de, no decurso do processo arbitral qualquer das partes poder modificar ou completar a petição ou a contestação, concluindo que «se encontra adequadamente salvaguardada a tutela jurisdicional efetiva do interessado que pretenda reivindicar o direito de propriedade industrial, dado dispor de condições reais e suficientes para o poder fazer valer, ao mesmo tempo que se garante a celeridade do procedimento de aprovação ou registo». 3. O requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade comporta a colocação da seguinte questão: «Pretende-se que este Tribunal Constitucional aprecie as seguintes inconstitucionalidades: - a inconstitucionalidade material da dimensão normativa resultante do artigo 3.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, conjugada com o artigo 2.º da mesma lei, de acordo com a interpretação feita pelo Tribunal a quo, segundo a qual o titular de direito de propriedade industrial não pode demandar o titular de Autorização de Introdução no Mercado ou o requerente de pedido de AIM, através da instauração da arbitragem necessária, para além do prazo de trinta dias, a contar da publicitação, através da página eletrónica do Infarmed, por violação do disposto no artigo 20.º, n.ºs 1 a 5 da Constituição da República Portuguesa» 4. Admitido o recurso e determinado neste Tribunal o seu prosseguimento, vieram as recorrentes apresentar alegações, de onde se extraíram as seguintes conclusões: «A. Os direitos de propriedade industrial, nomeadamente o direito de patente, estão ancorados na liberdade de criação cultural (artigo 42.º da Constituição) - esta concebida aliás como direito, liberdade e garantia - e no direito de propriedade (artigo 62.º da Constituição) sendo direitos de fundamentais constitucionalmente protegidos como direitos, liberdades e garantias. B. A Lei nº 62/2011, de 12 de dezembro, veio criar na ordem jurídica portuguesa um novo mecanismo de composição dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos. C. Nos termos do disposto no artigo 2.º, da Lei nº 62/2011, de 12 de dezembro, esses litígios relacionados com medicamentos de referência e medicamentos genéricos, independentemente de estarem em causa patentes de processo, de produto ou de utilização, ou de certificados complementares de proteção, passaram a ficar sujeitos a arbitragem necessária, institucionalizada ou não institucionalizada. D. Acrescenta o n.º 1 do artigo 3.º da mesma Lei, que o recurso à arbitragem pelo interessado que pretenda invocar o seu direito de propriedade industrial é feito no prazo de 30 dias a contar da publicitação pelo INFARMED, IP, na sua página eletrónica, dos pedidos de autorização, ou registo, de introdução no mercado de medicamentos genéricos. E. É certo que a imposição de um prazo de 30 dias para o exercício de um direito de duração de 20 anos deverá ter subjacentes razões de promoção de celeridade. Contudo, não se entende de que forma o recurso à ação arbitral necessária imposta pelo artigo 2.º após o decurso do prazo previsto no artigo 3.º n.º 1 contende com o alegado desígnio legislativo de rápida definição da viabilidade legal da introdução de genéricos no mercado que foi o objetivo que a Lei 62/2011 visa concretizar. F. Por muito que se afigure relevante a celeridade enquanto meio para alcançar uma mais rápida introdução de medicamentos genéricos no mercado, este interesse haverá que ceder quando o regime que pretenda concretizar esse desiderato encerra a desproteção, em termos de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, de um direito jusfundamental - cuja natureza será tratada abaixo em mais pormenor - para além do momento temporal fixado para o efeito pelo regime legal em causa. G. Aliás, o legislador optou por não expressar na Lei qualquer consequência para a não observância do prazo estabelecido para a propositura da ação arbitral, o que não favorece a posição daqueles que defendem estarmos perante um prazo de caducidade do direito de ação do titular dos direitos de propriedade industrial. H. Uma vez que não está prevista qualquer forma de notificação dos titulares dos direitos de propriedade industrial em causa que assevere o efetivo conhecimento do início daquele prazo, estamos perante uma especial onerosidade quanto ao modo do conhecimento do momento a partir do qual se inicia a contagem do referido prazo. I. Assim, o regime instituído pela Lei 62/2011 resulta, desde logo, na preclusão da tutela jurisdicional do direito de propriedade industrial quanto a eventuais violações decorrentes da comercialização de medicamentos genéricos que possam contender com o direito protegido pela patente. J. Ora, da mesma forma que a Lei 62/2011 impõe ao titular da patente celeridade na propositura da ação, ao remeter para o artigo 15.º-A do Estatuto do Medicamento, restringe drasticamente os elementos informativos que devem constar aos seguintes elementos, os quais são manifestamente insuficientes para caracterizar qualquer infração de patente para além das que protegem invenções que se reconduzam a uma substância ativa farmacêutica. K. Ou seja, com a publicitação de um pedido de AIM a que se reporta o artigo 32 da Lei nº 62/2011, não se encontra o titular de uma patente normalmente em condições de poder avaliar se existe a perspetiva de violação dos seus direitos e, consequentemente, qualquer litígio, ao menos potencial, que possa ser dirimido pela via arbitral. L E quando pudessem ter acesso aos produtos objeto do pedido de AIM, ou seja, quando eles fossem lançados no mercado, estaria já precludido o seu direito de ação. M. Com efeito, a previsão de um meio jurisdicional exclusivo de exercício do direito de patente contra violações desse direito, atuais ou previsíveis, que se inicia numa data em que o titular desse direito não tem conhecimento dos factos onde possa fundar a sua ação, caducando o correspondente direito de ação em data anterior àquela em que em que tais factos possam ter sido apreendidos pelo mesmo titular, não pode deixar de constituir uma denegação frontal de tutela jurisdicional a tais direitos. N. A interpretação desta disposição tem de ser feita pois cum grano salis, por forma a impedir que seja irremediavelmente ilegal ou mesmo inconstitucional. O. No caso destes autos, está-se perante uma patente (EP 1889608) que protege um invento que consiste basicamente numa certa formulação galénica de um medicamento que contém três substâncias ativas - a entacapona, a levodopa e a carbidopa - mas que não se reconduz especificamente a essas substâncias ativas. P. Entre a data da publicitação dos pedidos de AIM (12.12.2013 e 14.12.2013) e a data de instauração da ação arbitral (26.06.2014), as Recorrentes procuraram averiguar, junto da Recorrida e do Infarmed, das características do medicamento genérico e do método do seu processo de formulação que lhes permitisse concluir sobre se os mesmos violavam ou não as reivindicações da patente dos autos. Q. Só quando lhe foram fornecidas as Informações necessárias pelo Infarmed, puderam as Recorrentes formar uma convicção fundamentada de que a comercialização dos genéricos da ora Recorrida irá constituir uma violação do seu exclusivo derivado da patente dos autos e por isso formularam o pedido de que a Recorrida fosse condenada a não proceder a essa comercialização durante o período de vigência restante da patente em causa nestes autos, instaurando o processo arbitral nos termos do artigo 2.º da Lei 62/2011 antes de decorridos trinta dias sobre a data de emissão pelo Infarmed da certidão cima referida. R. Acresce que as matérias relacionadas com a análise da violação de patentes farmacêuticas por medicamentos de referência revestem uma especial complexidade técnica e científica que não se compadece com o prazo de 30 dias para instaurar a ação arbitral, previsto no artigo 3.º, n.º 1 da Lei 62/2011. S. Assim, é forçoso concluir-se pela insuficiência do prazo de 30 dias, previsto no artigo 3.º n.º 1 da Lei 62/2011, tendo em conta a escassez de informação na disponibilidade das Recorrentes no momento em que, nos termos da referida lei, devem recorrer à arbitragem necessária, bem como a complexidade da matéria em causa nos presentes autos. T. Acresce que, o défice de informação - essencial, refira-se, para determinar a violação da patente - não pode ser colmatado com a possibilidade de alterar a petição inicial prevista no artigo 33.º n.º 3 da LAV, uma vez que a aplicação deste artigo encontra-se condicionada i) pelo cumprimento dos prazos estipulados no artigo 3.º da Lei n.º 62/2011 de 12 de dezembro e ii) pode não ser admitida pelo próprio Tribunal em razão do atraso com que é formulada, sem que para este haja justificação bastante. U. O artigo 33.º, n.º 3 da LAV, não ressalva, assim, os casos em que o titular da patente não consegue obter a informação de que precisa para aferir a violação do seu direito dentro do decurso normal do processo arbitral criado pela Lei 62/2011 de 12 de dezembro e por isso não, pode ser considerado como garante da tutela jurisdicional efetiva do titular da patente. V. Em face da ocorrência de eventuais violações do direito de patente derivada de factos subsequentes ou da tomada de conhecimento dessa ocorrência que se verifique em momento posterior encontra-se vedada a tutela jurisdicional do direito afetado. W. E tal não conclusão não se encontra precludida, ao contrário do que parece defender o Tribunal a quo ao recorrer à ação declarativa de anulação de um direito de propriedade industrial prevista no artigo 35.º, n.º 1 do CPI como alegado meio de defesa adicional do interessado que pretenda reivindicar o direito de patente. A ação de anulação prevista no artigo 35.º, n.º 1 do CPI é interposta contra o titular do direito, e não tem como objeto a aferição da sua violação, mas sim da sua invalidade - não podendo como tal ser considerada como um meio jurisdicional adicional disponível ao titular da patente que pretenda reivindicar o direito de patente, além do regime arbitral necessário estabelecido na Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro. X. Por último, ao direito de propriedade como direito análogo aos direitos, liberdades e garantias aplica-se o princípio da reserva de lei restritiva, consagrado no artigo 18.º, n.º 2 da Constituição, ou seja, o princípio de que tais direitos só podem ser restringidos por lei e nos casos expressamente previstos na Constituição. Y. As limitações previstas para o direito de patente devem ser, elas próprias, limitadas na sua aplicação pelos subprincípios da proporcionalidade lato sensu da necessidade, da adequação e da proporcionalidade. Z. O legislador fixou um prazo de 20 anos a contar da data do pedido de patente como limite do monopólio conferido, a que subjaz o entendimento de que tal duração é a necessária para salvaguarda desse outro direito constitucionalmente protegido. AA. Ora, conforme explanado supra, na maioria dos casos, o titular de direito de patente não obtém, através da publicação feita pelo Infarmed, a informação necessária para que possa avaliar da existência de violação do seu direito, fundamento para a propositura de uma ação arbitral contra o requerente da AIM em causa - e in casu, atendendo à patente em causa", resulta manifesto que a informação disponibilizada pelo Infarmed na publicitação que fez, em 12.12.2013, de acordo com a Lei nº 62/201, não dava, nem legalmente podia dar, face às  restrições impostas por esse mesmo diploma, qualquer informação sobre as circunstâncias fácticas relevantes para aferição da violação ou não da patente, ou seja, tal publicitação não colocou as Recorrentes em posição de poder iniciar uma arbitragem com vista a invocar os seus direitos de exclusivo relativamente aos genéricos destes autos e nem sequer decidir sobre se haveria ou não de lançar mão a esse meio processual, uma vez que da mesma nada se podia concluir sobre a existência de ameaça de violação de tais direitos. BB. Nestas situações, o titular do direito de patente não tem conhecimento e, consequentemente, não está em condições de exercer o seu direito, dentro do prazo para a propositura da ação arbitral, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, da Lei 62/2011, por carência de factos caracterizadores da causa de pedir da ação que deveria intentar a partir da publicitação do pedido de AIM para o medicamento genérico. CC. Ora, o regime previsto na Lei 62/2011, tal como interpretado pelo Tribunal a quo, leva a uma total perversidade do legislador que, do mesmo passo que cria um regime arbitral exclusivo para o exercício dos direitos dos titulares de patentes, e ao mesmo tempo cria as condições para que o mesmo seja, na maioria dos casos, inviabilizado. DD. Recorrendo às palavras de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, "nos termos da Constituição, nunca essa ponderação poderá conduzir à aniquilação de qualquer direito fundamental". (realce das Recorrentes) EE. Assim, verificamos que o prazo previsto para a propositura da ação arbitral, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, da Lei 62/2011, segundo a interpretação do Tribunal a quo, levaria a uma restrição desproporcionada e excessiva, em relação aos fins obtidos, que não se coaduna com a natureza fundamental do direito de patente. FF. Nas palavras deste Tribunal "e a afetação do direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva decorrente da dimensão normativa retirada da conjugação do artigo 3.º, n.º 1 (e, bem assim, do artigo 9.º, n.º 3) com o artigo 2.º, todos da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro afigura-se tanto mais excessiva quanto se atenda à natureza dos direitos a tutelar - que se enquadram no âmbito de proteção dos artigos 42.º, n.ºs 1 e 2, e 62.º, n.º 1, da Constituição, beneficiando eles próprios do regime garantístico dos direitos, liberdades e garantias, ou dos que lhe são análogos, plasmado no artigo 18.º do Constituição." - Ac. 123/2015. GG. E principalmente - "Para mais, sendo o resultado do regime assim instituído a preclusão da tutela jurisdicional do direito em causa - quanto a eventuais violações decorrentes da comercialização de medicamentos genéricos que possam contender com o direito protegido pela patente relativa a medicamentos de referência - tal consubstanciaria a final a prevalência do direito de livre iniciativa económica privada (artigo 80.º, alínea c) da Constituição) sobre um direito desde logo ancorado na liberdade de criação cultural (artigo 42.º da Constituição) - esta concebida aliás como direito, liberdade e garantia - e no direito de propriedade (artigo 62.º da Constituição) em termos que o quadro normativo de proteção de direitos fundamentais constitucionalmente consagrado não consente." Ac. 123/2015. HH. Andou assim mal o tribunal recorrido ao ter aplicado o artigo 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, por ofensa de normas e princípios constitucionais, nomeadamente dos n.ºs 2 e 5 do artigo 20.º da CRP». 5. A recorrida contra-alegou, deixando, por seu turno, as seguintes conclusões: «1.º É manifesta a improcedência do presente recurso e da alegada inconstitucionalidade do artigo 3º, nº 1 da Lei nº 62/2011. 2.º O regime dos artigos 2.º e 3.º da Lei 62/2011 introduz um prazo de 30 dias para que as empresas possam invocar o seu direito de propriedade industrial e requerer a constituição de um tribunal arbitral para decidir sobre esse alegado direito. 3.ºAs razões subjacentes à fixação do referido prazo prenderam-se, como decorre da Exposição de Motivos, com a promoção da celeridade, pretendendo-se que, “(…) num curto prazo de tempo, profira uma decisão de mérito quanto à existência, ou não, de violação dos direitos de propriedade industrial. Instituiu-se, por isso, o recurso à arbitragem necessária para essa composição, solução já adotada, inclusive no âmbito dos conflitos atinentes aos direitos de autor. Ainda com o com o objetivo de promover a celeridade, estabelecem-se prazos para a instauração do processo e para a oposição, contados da publicitação pelo INFARMED, I.P., do pedido de autorização de introdução no mercado." (cfr. Exposição de Motivos já citada) 4.º O objetivo principal não foi, ao contrário do que parecem supor as Recorrentes, limitar os meios de defesa do alegado direito fundamental das empresas titulares de patentes de medicamentos. Pelo contrário, o objetivo foi colocar ao seu dispor um meio preventivo e adicional de defesa de tais direitos, expedito e célere, a que pudessem recorrer mesmo antes da emissão da AIM do medicamento genérico concorrente. 5.º No entanto, naturalmente, e porque não estão apenas em causa os direitos e interesses dos titulares de patentes de medicamentos mas também os direitos e interesses dos requerentes das AIMs de medicamentos genéricos - também eles constitucionalmente protegidos -, bem como o interesse da segurança jurídica, o legislador impôs aos primeiros um ónus temporal para o exercício desse direito. 6.º Assim, e como concluiu o Tribunal da Relação de Lisboa, de 30-09-2014, não pode deixar de entender-se que "(...) da conjugação de todos estes preceitos, podemos concluir que a não propositura da ação arbitral no prazo de 30 dias previsto artigo 3º nº 1 da Lei nº 62/2011 implica a caducidade do direito concreto de ação, e ainda que o processo aí estabelecido é leal e equitativo, e comporta prazo razoável, sendo eficaz e dissuasivo". 7.º Devendo, assim acolher-se o entendimento aqui defendido pelas Recorridas e o único que se pode extrair da norma do art.º 3, n.º 1 da Lei 62/2011, segundo o qual (i) o referido prazo se conta da data da publicitação do pedido de AIM no website do Infarmed e (ii) não está em causa o direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva porquanto não se trata de um prazo curto nem desproporcional. 8.º Em caso de não exercício do direito de ação no prazo previsto, opera a caducidade do direito em causa, sem prejuízo do recurso aos outros meios processuais legalmente ao dispor dos titulares das patentes. 9.º Ou seja, o nº 1 do artigo 3º da Lei n.º 62/2011 é muito claro, assim como todo o diploma em causa quanto à finalidade da instituição do regime de arbitragem: o legislador pretendeu instituir um mecanismo célere e expedito de defesa dos direitos de propriedade industrial das empresas que comercializam medicamentos de referência, a utilizar sempre e apenas e quando da publicitação de um pedido de AIM possa desde logo concluir-se pela violação dos referidos direitos. 10.º E, por tal razão, tal como entendeu o Tribunal Arbitral, o único facto relevante para a contagem do prazo e para o próprio exercício do direito de ação arbitral, é a publicitação do pedido de AIM no website do Infarmed. 11.º O único facto relevante para a contagem do prazo previsto no nº 1 do artigo 3º da Lei n.º 62/2011 e para o próprio exercício do direito de ação arbitral, é a publicitação do pedido de AIM no website do Infarmed. 12º. Na ausência de norma expressa nesse sentido, o prazo de caducidade em causa não pode ser objeto de suspensão ou interrupção com fundamento na apresentação, pelo titular da patente, de um pedido de informação ao Infarmed. 13.º O prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine (artigo 328.º do CC), sendo que, de acordo com o artigo 331º, n.º 1 do CC, "só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do ata a que a lei ou a convenção atribua efeito impeditivo". 14.º O entendimento ora expendido e sufragado na melhor jurisprudência, não colide com a Diretiva 2004/47/CE ou com o acordo TRIPS (cfr. Ac. RLx, de 30-09-2014), sendo o único que se pode extrair da norma do art.º 3, n.º 1 da Lei 62/2011, segundo o qual (i) o referido prazo se conta da data da publicitação do pedido de AIM no website do Infarmed e (ii) não está em causa o direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva porquanto não se trata de um prazo curto nem desproporcional. 15.º Só esta interpretação se coaduna com o elemento histórico, gramatical, sistemático e teleológico da norma do artigo 3.º, n.º 1 da Lei 62/2011. 16.º A interpretação no sentido de que o prazo de 30 dias apenas inicia a sua contagem quando o titular dos direitos de propriedade industrial esteja na posse de todos os elementos que lhe permitam concluir pela violação de tais direitos, como as Recorrentes defendem, configura uma interpretação corretiva da lei, a qual não é permitida no nosso ordenamento jurídico. 17.º O legislador pretendeu determinar, objetivamente e com precisão, o termo inicial do prazo, não sendo legalmente admissível, qualquer outra interpelação, em particular, a interpretação a que se arrogam as Recorrentes, a qual é manifestamente contra legem. 18.º Conforme refere a Ilustre Conselheira Maria dos Prazeres Beleza na sua declaração de voto aposta no acórdão recorrido: “(…) a interpretação que se adota no acórdão e que me parece correto, quanto à norma resultante do conjugação do n. 1 da art. 3 com o artigo 2.º da Lei n.º 62/2011 de 3 de dezembro, não colide com o julgamento de inconstitucionalidade proferido no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 123/2015, uma vez que se entende que a caducidade decorrente de não ter sido proposta o ação no prazo de 30 dias não preclude qualquer hipótese de posterior reação contra uma infração ou ameaça de infração do potente do titular do medicamento de referência, quer contra o titular de AIM ou requerente de AIM, quer contra terceiros." (cf. Declaração da Conselheira Maria dos Prazeres Beleza, no Acórdão do STJ, de 7 de dezembro de 2016) (realces nossos). 19.º Não pode, pois, deixar de concluir-se, como se concluiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30-09-2014, que: "Assim, considerando que o INFARMED dispõe do prazo de 210 dias para decidir sobre o pedido de AIM (artigo 23º nº 1 do DL nº 176/2006), a tutelo imposto pelo legislador é, em princípio, prévia à decisão sobre a AIM, pretendendo-se, pois, uma resolução antecipado dos litígios. Todavia, não se vê que daí resulte que tenham sido adotadas medidas legais restritivas desproporcionadas em relação aos fins que se pretendem obter. Nem se diga que, dessa forma, se impõe uma limitação à tutelo jurisdicional efetiva de um direito fundamental protegido, em violação do disposto no artigo 20º da CRP. Na verdade, como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, o direito de acesso aos tribunais não exclui nem o estabelecimento de prazos de caducidade, para levar as questões a tribunal, nem a obrigatoriedade de meios alternativos de resolução extra judicial. Desde que, acrescentam, relativamente aos prazos de caducidade, estes não sejam arbitrariamente curtos ou arbitrariamente desadequados, dificultando irrazoavelmente a respetiva ação. Ora, o prazo de 30 dias não é, seguramente, no caso concreto, arbitrariamente curto, tendo em conta as finalidades que se pretenderam prosseguir, e que se deixaram atrás expostas. Por outro lodo, também não é arbitrariamente desadequado, uma vez que não dificulta irrazoavelmente a propositura da ação, já que esta não se nos afigura revestir-se de especial complexidade, sendo tal tarefa perfeitamente passível de ser realizado no prazo legalmente previsto de 30 dias". 20.º A publicitação de AIMs no site INFARMED não obriga nem pode obrigar as empresas farmacêuticas titulares de patentes ou CCP de medicamentos de referência a instaurar uma ação. 21.º Mas, na ausência de um verdadeiro litígio ou um "litígio real", o tribunal arbitral não poderá limitar-se a ratificar ou a "afirmar" direitos de patente ou certificados complementares de proteção sobre medicamentos de referência. 22.º Incide, pois, sobre as empresas sujeitas à regulação do Infarmed a obrigação de consultar o site do Infarmed, obrigações essas, que já decorriam do nosso ordenamento jurídico, mesmo antes da aprovação da Lei n.º 62/2011; existe, de facto, um dever de diligência especial, nomeadamente quanto a eventuais avisos/alertas do Infarmed. 23.º A mera informação quanto à dosagem e às substâncias ativas de um determinado medicamento, permite avaliar se o medicamento genérico viola ou não a patente do medicamento de referência, precisamente pela informação relativa à dosagem e às substâncias ativas que o compõem, [cfr. artigos 15.º-A, do Estatuto do Medicamento e 51.º, nº 2 do CPI), o que é suficiente para a decisão sobre iniciar o processo arbitral no prazo de 30 dias referido, 24.º Por outro lado, inexiste na lei, seja na Lei nº 62/2011 seja em qualquer outro diploma, qualquer norma que atribua qualquer tipo de efeito ao exercício do direito à informação administrativa sobre o exercício do direito à ação arbitral no âmbito dos litígios regulados por aquela Lei nº 62/2011. 25.º Tal efeito apenas foi reconhecido pelo legislador no âmbito do direito ao recurso aos tribunais administrativos, na norma constante do artigo 60º, nº 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. 26.º Inexiste também qualquer norma idêntica em sede da arbitragem instituída pela Lei nº 62/2011, no âmbito da Lei da Arbitragem Voluntária ou de qualquer diploma que seja subsidiariamente aplicável às ações arbitrais, como a ação em causa nos presentes autos. 27.º Pelo que, o prazo de 30 dias para intentar a arbitragem começa a correr com a publicitação do pedido de AIM no site do Infarmed, não se revelando tal prazo curto e/ou desrazoável em face do direito à tutela jurisdicional efetiva. 28.º O entendimento sufragado pelo tribunal recorrido não põe em causa a tutela jurisdicional dos direitos de patente porquanto, tendo as Demandantes tido acesso à informação adicional de que necessitavam, em 30 de maio de 2014, podiam, para além do mais, alterar a petição inicial apresentada dentro do prazo, trazendo aos autos novos factos ou aduzindo novos argumentos decorrentes da informação que entretanto viesse a ser (como foi) prestada pelo Infarmed. 29.º Note-se, aliás, que, o início da arbitragem não coincide com a apresentação da ação arbitral, sendo momentos totalmente distintos que podem ocorrer com meses de intervalo, dando assim oportunidade para uma maior ponderação dos argumentos a utilizar pelo demandante na ação. 30.º Por outro lado, a própria tramitação do processo arbitral permite assegurar uma tutela efetiva dos direitos do titular da patente, mesmo admitindo que este carece de informação adicional relativamente àquela que é publicitada no website do Infarmed, entre o envio da carta para efeitos de início da arbitragem e apresentação dos articulados das partes, decorre, em regra, um período de tempo considerável, o que permite à Demandada obter mais informação e, eventualmente, equacionar se, efetivamente, existe um verdadeiro interesse em agir da sua parte. 31.º Para além da possibilidade de modificar ou completar a petição inicial no processo arbitra I, entendeu o STJ que o princípio da tutela efetiva não se encontra em causa, dado que a Demandada goza de outros meios de reação, tais como a ação de nulidade ou de anulação prevista no artigo 35º do CPI. 32.º Em suma, o artigo 3.º da Lei n.º 62/2011 deve ser interpretado no sentido de que "não impede a propositura de uma ação judicial contra um fabricante de genéricos fundado numa violação iminente ou atual de um direito de propriedade industrial depois de decorrido o prazo nele fixado, contanto que a patente esteja em vigor." 33.º Só assim, se conciliam os direitos de defesa garantidos na CRP aos titulares de direitos de propriedade intelectual e aos produtores de medicamentos genéricos, garantindo também o acesso de todos os cidadãos a medicamentos mais acessíveis e a sustentabilidade do próprio Serviço Nacional de Saúde e do próprio Estado. (artigos 60.º e 64.º da CRP). 34.º E perentório concluir-se que não é inconstitucional a norma do artigo 3.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2011, dado que a mesma assegura uma justa ponderação dos bens constitucionais envolvidos. 35.º O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a matéria em crise nestes autos nos acórdãos nºs 2/2013 e 123/2015. 36.º Ao contrário do que pretendem as Recorrente, no acórdão nº 2/2013, o Tribunal Constitucional não se pronunciou sobre a natureza do prazo de 30 dias previsto na lei para o exercício da ação arbitral, matéria que foi tratada no Acórdão nº 123/2015; apenas declarou inconstitucional a limitação constante do nº 5 do artigo 188º do Estatuto do Medicamento, por ter entendido que a norma em questão restringe o direito à informação procedimental, constituindo uma restrição inadmissível do direito consagrado no n.º 2 do artigo 268.º da CRP. 37.º Deste acórdão resulta precisamente o entendimento inverso ao defendido pelas Recorrentes no que concerne à contagem do prazo de 30 dias para intentar a ação arbitral, a saber, o de que, tal prazo se inicia a partir da publicitação do pedido de AIM e termina ainda antes do prazo previsto para a concessão de AIM. 38.º No Acórdão nº 123/2015, entendeu o Tribunal Constitucional que a dimensão normativa resultante do artigo 2º da Lei n.º 62/2011, segundo a qual o titular de direito de propriedade industrial apenas pode recorrer à arbitragem necessária, precludindo o recurso direto ao tribunal judicial no que se refere a providência cautelar, não se afigura desconforme com o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20º, n.ºs 1 e 5, da CRP. 39.º O entendimento sufragado pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 123/2015 depõe, em absoluto, contra a tese defendida pelas Recorrentes, pois do mesmo decorre expressamente que (i.) o prazo de 30 dias se conta da publicação do pedido de AIM; (ii.) a arbitragem necessária refere-se apenas à fase pré-decisória do pedido de AIM; (iii.) O titular do direito de propriedade industrial não pode ficar impedido de recorrer à justiça para além daquele estrito momento para obter a tutela jurisdicional contra violações que podem pôr em causa a própria subsistência do direito de exclusivo quando tutelado por uma patente em vigor, face a medicamentos genéricos. 40.º Mesmo numa hipótese de colisão de direitos, haverá sempre que concluir pela existência de uma colisão de direitos legitimadora da solução consagrada pelo legislador. 41.º Há colisão de direitos "sempre que se deva entender que a Constituição protege simultaneamente dois valores ou bens em contradição concreta. A esfera de proteção de um certo direito é constitucionalmente protegida em termos de intersectar a esfera de outro direito ou de colidir com uma norma ou princípio constitucional." (cfr. José Carlos Vieira de Andrade, ob. cit, 220). 42.º Nos presentes autos, poderá equacionar a existência de uma potencial colisão, por um lado, entre o direito à saúde e ao acesso a medicamentos a custos comportáveis (artigo 64.º da CRP), o direito dos consumidores (artigo 60.º da CRP), por um lado, o direito à propriedade privada (artigo 62.º da CRP), o direito à liberdade de criação cultural (artigo 42.º da CRP e o direito ao acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da CRP), por outro, e ainda o direito à iniciativa económica privada (artigo 61º, nº 1 da CRP). 43.º Refere Vieira de Andrade, "quando ambos se apresentam efetivamente protegidos como fundamentais, será necessário "respeitar-se a proteção constitucional dos diferentes direitos ou valores, procurando a solução no quadro da unidade da Constituição, isto é, tentando harmonizar da melhor maneira os preceitos divergentes." (cfr. José Carlos Vieira de Andrade, ob. cit. 222) 44.º Na aferição de um conflito de direitos, deve o intérprete guiar-se por um critério de proporcionalidade na distribuição dos custos do conflito, de acordo com o princípio da concordância prática, exigindo, assim, que o sacrifício de cada um dos bens seja necessário e adequado à salvaguarda dos outros. Se não o for, não se trata sequer de um verdadeiro conflito. 45.º Os direitos previstos na CRP não são absolutos, sendo que a questão da ordenação dos direitos, em caso de conflito prático, redunda num problema de interpretação. 46.º A ordem jurídica garante ao lesado os meios adequados para defesa do seu direito de propriedade. 47.º Simultaneamente, a celeridade do processo administrativo e jurisdicional garante aos cidadãos o acesso a medicamente mais baratos e, subsequentemente, uma poupança de vários milhões de euros ao Serviço Nacional de Saúde e ao Estado, salvaguardando-se, assim, o interesse público e o direito dos consumidores. 48.º A CRP impõe que o Estado discipline e controle a distribuição e comercialização de produtos farmacêuticos, justamente para proteção do direito à saúde (artigo 64.º, n.º 3 alínea e)). 49.º Está também em causa o interesse público, nomeadamente pelo razões de saúde pública, dado que garante aos cidadãos o acesso a medicamente a um preço mais acessível, 50.º Ao contrário do alegado pelas Recorrentes, a norma do artigo 3.º da Lei nº 62/2011 não viola os princípios da certeza e segurança jurídicas pois não se verificou a alteração de direito subjetivo, mas apenas e só o meio jurisdicional (alteração do direito adjetivo) através do qual as empresas farmacêuticos detentoras de uma patente de um medicamento de referência podem reagir contra um AIM de um medicamente genérico, fazendo acrescer aos meios de reação que aquelas tinham ao seu dispor, um novo meio processual. 51.º As alterações legislativas introduzidas pela Lei n.º 62/2011 foram motivadas por razões de ordem pública e suficientemente relevantes face à CRP e, pelos compromissos internacionais assumidos pelo Estado Português. 52.º Os direitos sociais podem ser de justificação para a restrição de direitos, liberdades e garantias e, por outro lado, é perfeitamente legitimo, à luz da Constituição, que o direito de propriedade ou o direito à liberdade económica possa sofrer restrições, impostas pelo acesso à saúde, pelo direito dos consumidores e, ainda, o direito à vida, com o alcance e os contornos que apresentava no Estado de Direito liberal. (cfr. Jorge Reis Novais, ob. cit., 298). 53.º Também o direito à saúde pública e à saúde dos particulares individualmente encontra-se numa posição hierárquica superior relativamente ao direito à propriedade privada. 54.º Assim, com toda a certeza, que a existirem restrições de direitos fundamentais das empresas farmacêuticas, detentoras de patentes de medicamentos de referências, estas foram proporcionais, necessárias e adequadas (cfr. artigo 18.º, n.ºs 2 e 3) à proteção de outros direitos constitucionalmente protegidos, claudicando, destarte, todas as conclusões das mesmas, o que determina inexoravelmente a improcedência do presente recurso, com a confirmação integral da decisão recorrida. 55.º Conclui-se pois, com toda a segurança, que o artigo 3.º da Lei 62/2011 com a dimensão normativa que lhe foi conferida no acórdão recorrido não viola qualquer disposição constitucional ou qualquer direito constitucionalmente protegido das Recorrentes.» Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentação 6. De acordo com o n.º 1 do artigo 75.º da LTC, o objeto do recurso decorre dos termos em que deduzida a sua interposição. No caso vertente, o recorrente identificou, enquanto objeto material da impugnação, dimensão normativa reportada à conjugação interpretativa dos artigos 2.º e 3º, nº 1, da Lei n.º 62/2011, com o sentido de que «o titular do direito de propriedade industrial não pode demandar o titular de Autorização de Introdução no Mercado ou o requerente de pedido de AIM, através da arbitragem necessária, para além do prazo de trinta dias, a contar da publicação, através da página eletrónica do Infarmed». Essa formulação não é, contudo, inteiramente esclarecedora quanto à natureza e conteúdo da publicação em página eletrónica, avultando, todavia, das alegações que os recorrentes tiveram em mente a publicação prevista no artigo 15º-A do Decreto-Lei n.º 176/2006, na redação conferida pela mesma Lei n.º 62/2011, onde se estipula a forma, o prazo e o conteúdo da publicitação prescrita, aliás, preceito expressamente mobilizado na decisão recorrida, que o transcreve na sua fundamentação. Assim, para maior clareza, importa referir o sentido normativo cuja conformidade constitucional é questionada, segundo a qual o titular do direito de propriedade industrial não pode demandar o titular de Autorização de Introdução no Mercado ou o requerente de pedido de AIM, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 2.º e 3.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2011, para além do prazo de trinta dias, a contar de publicação em página eletrónica, à conjugação do disposto nesses preceitos e no artigo 15.º-A, Regime Jurídico dos Medicamentos de Uso Humano (rjmuh), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, na redação introduzida por aquela Lei. 7. O enunciado dos três preceitos onde se contém a dimensão normativa sindicada é o seguinte: «Artigo 2.º Arbitragem necessária Os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, relacionados com medicamentos de referência, na aceção da alínea ii) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, e medicamentos genéricos, independentemente de estarem em causa patentes de processo, de produto ou de utilização, ou certificados complementares de proteção, ficam sujeitos a arbitragem necessária, institucionalizada ou não institucionalizada.» «Artigo 3.º Instauração do processo 1 - No prazo de 30 dias a contar da publicitação a que se refere o artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, na redação conferida pela presente lei, o interessado que pretenda invocar o seu direito de propriedade industrial nos termos do artigo anterior deve fazê-lo junto do tribunal arbitral institucionalizado ou efetuar pedido de submissão do litígio a arbitragem não institucionalizada. 2 - A não dedução de contestação, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito pelo tribunal arbitral, implica que o requerente de autorização, ou registo, de introdução no mercado do medicamento genérico não poderá iniciar a sua exploração industrial ou comercial na vigência dos direitos de propriedade industrial invocados nos termos do n.º 1. 3 - As provas devem ser oferecidas pelas partes com os respetivos articulados. 4 - Apresentada a contestação, é designada data e hora para a audiência de produção da prova que haja de ser produzida oralmente. 5 - A audiência a que se refere o número anterior tem lugar no prazo máximo de 60 dias posteriores à apresentação da oposição. 6 - Sem prejuízo do disposto no regime geral da arbitragem voluntária no que respeita ao depósito da decisão arbitral, a falta de dedução de contestação ou a decisão arbitral, conforme o caso, é notificada, por meios eletrónicos, às partes, ao INFARMED, I. P., e ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I. P., o qual procede à sua publicitação no Boletim da Propriedade Industrial. 7 - Da decisão arbitral cabe recurso para o Tribunal da Relação competente, com efeito meramente devolutivo. 8 - Em tudo o que não se encontrar expressamente contrariado pelo disposto nos números anteriores é aplicável o regulamento do centro de arbitragem, institucionalizado ou não institucionalizado, escolhido pelas partes e, subsidiariamente, o regime geral da arbitragem voluntária.» «Artigo 15.º-A Publicitação do requerimento 1 - O INFARMED, I.P., publicita, na sua página eletrónica, todos os pedidos de autorização, ou registo, de introdução no mercado de medicamentos genéricos, independentemente do procedimento a que os mesmos obedeçam. 2 - A publicitação prevista no número anterior deve ter lugar no prazo de cinco dias após o decurso do prazo previsto no n.º 1 do artigo 16.º e conter os seguintes elementos: a) Nome do requerente da autorização de introdução no mercado; b) Data do pedido; c) Substância, dosagem e forma farmacêutica do medicamento; d) Medicamento de referência.» 8. Para melhor compreensão da normação sub judicio, importa tomar o contexto histórico em que foi instituída pelo legislador a arbitragem necessária, enquanto instrumento célere de composição de litígios relacionados com a introdução de medicamentos genéricos. 8.1. Nos anos que antecederam a Lei n.º 62/2011, assistiu-se a um vastíssimo contencioso de propriedade intelectual nas instâncias administrativas, por via da impugnação (a título principal e cautelar) dos atos administrativos de autorização de introdução no mercado, retardando a colocação no mercado de medicamentos genéricos, por vezes «muito para além do período legal de duração das patentes» (cfr. dário moura vicente, «O regime especial de resolução de conflitos em matéria de patentes — Lei n.º 62/2011», Revista da Ordem dos Advogados, Ano 73, vol. IV, p. 974; remédio marques, «Os procedimentos de AIM e de fixação do preço dos medicamentos genéricos durante a vigência dos direitos de propriedade intelectual dos medicamentos de referência», Medicamentos versus Patentes, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, p. 86). Durante tal período, a tutela da propriedade industrial foi perseguida mediante o controlo da atuação do infarmed na concessão ou registo de aim, invocando-se os direitos de patente ou de certificado complementar de proteção nos tribunais administrativos: «assistimos a uma nova forma de “defesa” dos direitos de propriedade intelectual: a procura da via jurisdicional administrativa para, através da suspensão da eficácia de determinados atos praticados por autoridades administrativas, obter o efeito que só por via jurisdicional judicial se deveria alcançar: a intimação de terceiros a abster-se de adotar determinados comportamentos. Referimo-nos concretamente ao recurso por parte de titulares de patentes de medicamentos aos Tribunais Administrativos para suspender os atos administrativos de concessão de Autorização de Introdução no Mercado (AIM)» (cfr. maria josé costeira e maria teresa garcia de freitas, «A tutela cautelar das patentes de medicamentos: aspectos práticos», Julgar, n.º 8, 2009, p. 129). Segundo sofia ribeiro mendes, a invocação de direitos de propriedade intelectual na jurisdição administrativa constituiu opção estratégica da indústria farmacêutica, quer em face da morosidade dos tribunais comuns (competentes em razão da matéria para esta discussão), quer para assim se alcançarem efeitos que iam para além da caducidade da patente: «as empresas titulares de patentes de medicamentos, fugindo da morosidade e elevada pendência do Tribunal de Comércio de Lisboa — onde corriam, por razões de competência material e territorial, a generalidade das ações referentes a direitos de propriedade industrial  — voltaram-se para os tribunais administrativos, adotando a prática de impugnar os atos de concessão de AIMs e de aprovação de preços de venda ao público (PVP) relativos aos medicamentos genéricos. De facto, nos últimos quatro anos, foi desenvolvida pelo sector farmacêutico originador uma estratégia concertada de reação contra a introdução no mercado de medicamentos genéricos, através do recurso à jurisdição administrativa para obtenção de providência cautelar contra o INFARMED ou a DGAE para suspensão de eficácia das AIM e de fixação do PVP até à data de caducidade da patente que se arrogam» ( «O novo regime de arbitragem necessária de litígios relativos a medicamentos de referência e genéricos», Estudos em homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, p. 1013) Este contencioso originou jurisprudência divergente nos tribunais administrativos no que concerne à necessidade de o infarmed levar em conta direitos de propriedade industrial potencialmente violados pelo medicamento a autorizar (cfr. remédio marques, «A arbitrabilidade dos litígios e a dedução de providências cautelares por empresas de medicamentos de referência, na sequência da aprovação de medicamentos genéricos», Revista de Direito Intelectual, n.º 1, 2014, p. 35), apenas estabilizada após da edição da Lei n.º 62/2011 (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de janeiro de 2013, proc. n.º 0771/12, acessível em www.dgsi.pt, onde se adotou a interpretação segundo a qual não incumbe ao infarmed negar a Autorização de Introdução no Mercado com fundamento na eventual violação de direitos de propriedade industrial). 8.2. Perante este panorama, o Governo apresentou a proposta de Lei nº 13/XII (que está na origem da Lei nº 62/2011), votada a ultrapassar o «estrangulamento» à entrada expedita de genéricos no mercado, gerado justamente por tal litigância (cfr. a respetiva Exposição de Motivos). No diploma, o legislador deixou claro não caber ao infarmed a apreciação dos direitos de propriedade industrial no seio do procedimento para AIM, não constituindo esse um fundamento para indeferimento da autorização (cfr. o n.º 2 do artigo 25.º do rjmuh, na redação introduzida pela Lei n.º 62/2011 e que, nos termos do seu artigo 9.º, tem natureza interpretativa). Firmou-se, desse modo, uma separação entre o procedimento de autorização de introdução no mercado e o sistema de proteção dos direitos de propriedade industrial. Na verdade, por força daquele ato legislativo, o rjmuh passou a estatuir, no artigo 23.º-A, que o procedimento administrativo que conduz à concessão de uma AIM «não tem por objeto a apreciação da existência de eventuais direitos de propriedade industrial» e, no n.º 2 do artigo 25.º, que «o pedido de autorização de introdução no mercado não pode ser indeferido com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial». Como já referido no Acórdão n.º 2/2013, as autorizações de introdução do mercado não levam em conta eventuais direitos de propriedade industrial conflituantes com o medicamento a autorizar, «nem as mesmas podem ser alteradas, suspensas ou revogadas, pelas respetivas entidades emitentes, com base na eventual existência desses direitos». Na expressão do referido aresto, «[o] legislador infra-constitucional, no quadro da sua liberdade de conformação enquadrada, no que à transposição do Direito da União Europeia diz respeito, pelo princípio da subsidiariedade, consagrou (ou clarificou), por via da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, uma opção legislativa segundo a qual não se faz depender a procedência do procedimento conducente à obtenção de uma AIM, bem como a alteração, suspensão ou revogação desta, da verificação da existência de direitos de propriedade industrial – podendo coexistir, em consequência, ato autorizativo de introdução no mercado, e correspondente AIM, e direitos de propriedade intelectual sob uma das formas permitidas por lei, em especial patentes (de processo, de produto ou de utilização) ou certificados complementares de proteção para medicamentos (cfr., respetivamente, art.os 51.º e ss. e 115.º e ss. do Código da Propriedade Industrial (CPI))». O que significa que o ato administrativo de autorização é estabelecido «em termos puramente técnicos, prevendo apenas que a autoridade nacional verifique a qualidade, segurança e eficácia do medicamento, não estabelecendo expressamente como requisito a licitude da comercialização do produto, nem elencando entre os fundamentos da avaliação e da recusa da autorização a consideração da existência de patente em vigor» (cfr. Vieira de Andrade, “A proteção do direito fundado em patente no âmbito do procedimento de autorização de medicamentos”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 138.º, n.º 3953 p. 75). 8.3. Porém, o legislador não desconsiderou totalmente a relevância, no processo autorizativo, de direitos de patente ou de certificado complementar de proteção incompatíveis com o medicamento requerente da AIM. Por essa razão, desenhou um mecanismo extrajudicial que permite aos respetivos titulares (terceiros ao procedimento autorizativo) invocar um obstáculo legal à exploração comercial ou industrial do medicamento, de índole distinta daquela que é apreciada pelo infarmed: a existência de um direito subjetivo exclusivo de propriedade industrial. O expediente consagrado envolve o recurso a arbitragem necessária na sequência da publicitação do procedimento conducente à concessão ou registo de uma aim, cujo desfecho poderá acarretar a proibição de exploração do medicamento genérico concedida, nos termos estipulados no n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 62/2011. O que está em causa no processo arbitral necessário é a invocação de direitos de propriedade industrial no quadro do procedimento autorizativo de introdução no mercado, enquanto obstáculo à exploração comercial do medicamento sobre que incide a AIM requerida ou concedida. Não se trata, por isso, de averiguar a validade daquela patente, mas de fazer valer, de modo célere, um obstáculo jurídico à comercialização ou fabrico do medicamento genérico, previsivelmente antes da AIM ser concedida. No fundo, cria-se um “sistema mitigado de patent linkage, por força do qual a concessão de uma autorização de introdução no mercado e a autorização no mercado dos genéricos não são inteiramente desligadas da apreciação dos direitos de propriedade industrial sobre os correspondentes medicamentos de referência, sendo todavia o contencioso da propriedade industrial relativo a esses medicamentos remetido, pelo menos numa primeira fase, para tribunais arbitrais necessários” (dário moura vicente, cit., p. 978). Tal dissociação da autorização de introdução no mercado (que leva em conta fatores essencialmente técnicos, de que os medicamentos genéricos não estão dispensados) e da tutela da propriedade industrial, é, aliás, reconhecida pelo rjmuh, que expressamente estabelece no n.º 4 do artigo 14.º que “a concessão de uma autorização não prejudica a responsabilidade, civil ou criminal, do titular de autorização de introdução no mercado ou do fabricante”. Isto é, o regime de autorização de introdução do mercado não leva em conta, por via de regra, eventuais direitos de propriedade industrial de medicamentos de referência, embora não deixe de lhes reconhecer, em sede de arbitragem necessária, o poder de impedir o início da exploração comercial ou industrial, porquanto uma eventual AIM “não confere nem visa conferir aos particulares direitos que não tenham relativamente à comercialização de medicamentos, e, em especial, não os dispensa da sujeição aos exclusivos resultantes de patentes nem os iliba da responsabilidade, civil ou criminal, que o ordenamento jurídico determine como consequência da atuação lesiva de tais exclusivos” (vieira de andrade, “A proteção…”, cit., p. 80). 8.4. Os traços gerais do regime arbitral e da sua tramitação, foram já enunciados pelo Tribunal no Acórdão n.º 123/2015, em termos que aqui se retomam: «a) os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, quanto a medicamentos de referência ou medicamentos genéricos, ficam sujeitos a arbitragem necessária, institucionalizada ou não institucionalizada; b)  os direitos de propriedade industrial invocados podem ser fundados em patentes de processo, de produto ou de utilização, ou em certificados complementares de proteção; c)  o recurso à arbitragem pelo interessado que pretenda invocar o seu direito de propriedade industrial é feito no prazo de 30 dias a contar da publicitação pelo INFARMED, IP, na sua página eletrónica, dos pedidos de autorização, ou registo, de introdução no mercado de medicamentos genéricos, devendo fazê-lo junto do tribunal arbitral institucionalizado ou efetuar pedido de submissão do litígio a arbitragem não institucionalizada (...); d)  a não dedução de contestação, no prazo de 30 dias após notificação pelo tribunal arbitral, implica que o requerente de autorização, ou registo, de introdução no mercado de medicamento genérico, não poderá iniciar a sua exploração industrial ou comercial na vigência dos direitos de propriedade industrial invocados em sede de arbitragem necessária; e)  a apresentação das provas é feita pelas partes nos articulados, havendo também lugar a audiência de produção da prova que haja de ser produzida oralmente; f)   a audiência é realizada nos sessenta dias seguintes à apresentação da oposição; g)   há recurso da decisão arbitral, com efeito meramente devolutivo, para o Tribunal da Relação competente; h)   são aplicados subsidiariamente o regulamento do centro de arbitragem escolhido e o regime geral da arbitragem voluntária (contido na Lei n.º 63/2011, de 12 de dezembro).» 9. O problema colocado nos presente autos prende-se essencialmente com o acesso à composição do litígio entre o direito de propriedade industrial das recorrentes e o direito à livre iniciativa económica da recorrida, consubstanciada na pretensão de obtenção de autorização para introdução no mercado de medicamento genérico, através da arbitragem necessária instituída pela Lei nº 62/2011, que se entende excessivamente comprimido pelo sentido normativo impugnado. Para as recorrentes, a fixação do prazo de trinta dias para a instauração de processo arbitral viola o direito de acesso aos tribunais e uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º, n.ºs 1 a 5, da Constituição, sendo a lesão afirmada a partir de três vetores argumentativos: (i) por um lado, é sustentado que a ultrapassagem do prazo de trinta dias  importa a preclusão do único meio ao dispor do titular de defender o seu direito de propriedade industrial; (ii) por outro lado, considera-se que o modo de divulgação do pedido de AIM (a publicitação na página eletrónica do infarmed) não é idónea a permitir ao o interessado que pretenda invocar o seu direito de propriedade industrial no âmbito da arbitragem necessária avaliar se existe violação dos seus direitos; (iii) por último, invoca-se que a duração do prazo (30 dias) é manifestamente insuficiente para fazer valer o direito de propriedade industrial, em face da complexidade da matéria e exiguidade da informação disponibilizada. 10. A jurisprudência do Tribunal Constitucional mostra-se consolidada na consideração de que o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva, assegurado no artigo 20.ºda Constituição,  implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito normativo abrange nomeadamente: (a) o direito de ação, no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada; (c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas. Conforma «ele mesmo, um direito fundamental, constituindo uma garantia imprescindível da proteção de direitos fundamentais, sendo, por isso, inerente à ideia de Estado de direito» (cfr. gomes canotilho/vital moreira, Constituição da República Anotada, Vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Ed., Coimbra, p. 408), ao qual é aplicável o regime dos direitos, liberdades e garantias, por ter natureza análoga àqueles que estão enunciados no título II da Constituição (art. 17.º da Constituição), como se afirmou, entre outros, no Acórdão n.º 301/2009: «Na verdade, o Estado encontra-se constitucionalmente vinculado a uma atividade prestativa que satisfaça o direito dos cidadãos de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP). Este direito corresponde a um direito fundamental dotado da força jurídica própria dos direitos, liberdades e garantias, pelo que o princípio da proporcionalidade, sempre vigente, como princípio básico do Estado de direito, em qualquer campo de atuação estadual que contenda com interesses dos particulares, encontra aqui uma qualificada expressão aplicativa (artigo 18.º, n.º 2, da CRP)». Em consequência, e desde logo no que concerne à primeira dimensão em que se decompõe o direito de acesso aos tribunais, diretamente convocada no presente recurso - o «direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento do órgão judicial, solicitando a abertura de um processo» (gomes canotilho/vital moreira, cit., p. 414) -, as limitações que o direito ordinário estabeleça, mormente através do estabelecimento de prazos de caducidade para levar as questões a tribunal, estão submetidas ao regime constitucional das leis restritivas dos direitos, liberdades e garantias. Na expressão do Acórdão nº 350/2012: «(...) [O] direito de acesso aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos e obtenção de uma sua tutela jurisdicional, plena e efetiva, constituiu um direito ou garantia fundamental que se encontra consagrada no art.º 20.º da Constituição. Mas daí não decorre que seja um direito absoluto, de uso incondicionado. Desde logo, ele consente as restrições que caibam nos parâmetros estabelecidos nos nºs 2 e 3 do artº 18º da CRP. Por outro lado, decorre da própria previsão constitucional que a tutela jurisdicional dos direitos e interesses legalmente protegidos seja efetuada “mediante um processo equitativo” e cujos procedimentos possibilitem uma decisão em prazo razoável e sejam “caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos” que esse direito, além do mais, está sujeito a regras ou condicionamentos procedimentais e a prazos razoáveis de ação ou de recurso. Ponto é que esses condicionamentos, pressupostos e prazos não se revelem desnecessários, desadequados, irrazoáveis ou arbitrários, e que não diminuam a extensão e o alcance do conteúdo desse direito fundamental de acesso aos tribunais (Acórdão nº 178/2007).» 11. Como se disse, o âmbito da tutela jurisdicional aqui em discussão inscreve-se no mecanismo de arbitragem necessária instituído pelo legislador através do Decreto-Lei nº 62/2011 para dirimir litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, relacionados com medicamentos de referência e medicamentos genéricos, tal como definidos pelo RJMUH. Trata-se, pois, da tutela jurisdicional dirigida à proteção de direitos de propriedade industrial que, em si mesmos, encontram abrigo constitucional. Com efeito, o direito de propriedade constitui direito fundamental a que é reconhecida natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, gozando por isso de aplicabilidade direta e de um regime específico na sua restrição (cfr. artigo 62.º da Constituição). Acresce que é entendimento pacífico na jurisprudência deste Tribunal que o conceito da propriedade e respetivo âmbito de proteção constitucional não coincidem com a sua conceção civilística, como esclarecem gomes canotilho/ vital moreira, cit., p. 800, e foi já decidido no Acórdão n.º 491/2002: «Resulta, assim, claro que o direito de propriedade a que se refere aquele artigo da Constituição não abrange apenas a proprietas rerum, os direitos reais menores, a propriedade intelectual e a propriedade industrial, mas também outros direitos que normalmente não são incluídos sob a designação de «propriedade», tais como, designadamente, os direitos de crédito e os "direitos sociais" – incluindo, portanto, partes sociais como as ações ou as quotas de sociedades». Assim, no seu âmbito encontram-se os direitos de propriedade industrial relativos a medicamentos, sejam eles patentes de invenções de produto, de processo ou de uso, seja sob a forma de patente ou de certificado complementar de proteção (enquanto título que prolonga a eficácia do direito de patente, embora apenas para os concretos usos fixados na AIM — cfr. remédio marques, «O objeto e o âmbito de proteção do certificado complementar de proteção para medicamentos de uso humano: jurisprudência e tendências recentes», Actas de Derecho Industrial y Derecho de Autor, Vol. 32, 2011-2012, p. 292). Em qualquer caso, são direitos que pretendem dar ao titular um direito exclusivo de exploração, impedindo qualquer utilização comercial não autorizada ou consentida pelo seu titular (Vieira de Andrade, “A proteção ...”, cit., p. 73). É aliás assim que a lei ordinária dá cumprimento ao comando constitucional, ao acolher como patente o “direito exclusivo de explorar a invenção em qualquer parte do território português” conferindo “ainda ao seu titular o direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio ou a utilização de um produto objeto de patente, ou a importação ou posse do mesmo, para alguns dos fins mencionados” (artigo 101.º do Código da Propriedade Industrial [CPI]). Nestes termos, é constitucionalmente protegida a exclusividade de exploração comercial ou industrial, pelo que a autorização de introdução no mercado de medicamentos genéricos deve garantir a tutela dos direitos de propriedade industrial garantidos pela Lei Fundamental. É justamente neste plano que se coloca a normação ora em crise, importando determinar se o direito ordinário, ao estabelecer mecanismo de tutela jurisdicional de um direito constitucionalmente garantido através de um sistema de arbitragem necessária (cuja solvência, enquanto tal, o recorrente não coloca em crise, e foi já apreciada no Acórdão n.º 2/2013), se conforma aos cânones explicitados, maxime no que respeita à submissão das respetivas regras disciplinadoras (materiais e processuais) aos limites constitucionalmente admissíveis ao direito de aceder a tutela jurisdicional efetiva. 12. Dos três vetores fundamentadores articulados pelas recorrentes em suporte da conclusão de que a dimensão normativa posta a controlo não satisfaz o teste da proporcionalidade, o fator que assume maior alcance e peso valorativo à luz do parâmetro constitucional em equação é, sem dúvida, aquele enunciado em primeiro lugar. Com efeito, se a abstenção de mobilizar (atempadamente) a lide arbitral vedar o exercício dos direitos de propriedade industrial por outros meios, a modelação do prazo e a estipulação do seu dies a quo tornam-se constitucionalmente mais sensíveis, pois removem, nesse caso, o único meio previsto no direito ordinário para proteger aqueles direitos. E, em consonância, as exigências que incidem sobre a informação a prestar ao interessado com vista a habilitá-lo a decidir sobre a demanda arbitral e sobre a duração do prazo conferido para o efeito sairão reforçadas. Cabe, estão, começar por analisar o argumento da preclusão do direito de defesa dos direitos de propriedade intelectual por outros meios, que as recorrentes atribuem à normação sindicada. 13. As recorrentes sustentam que «o regime instituído pela Lei 62/2011 resulta, desde logo, na preclusão da tutela jurisdicional do direito de propriedade industrial quanto a eventuais violações decorrentes da comercialização de medicamentos genéricos que possam contender com o direito protegido pela patente», o que procuram suportar, por um lado, na consideração de que «o legislador optou por não expressar na Lei qualquer consequência para a não observância do prazo estabelecido para a propositura da ação arbitral, o que não favorece a posição daqueles que defendem estarmos perante um prazo de caducidade do direito de ação do titular dos direitos de propriedade industrial» e, por outro, no julgamento constante do Acórdão nº 123/2015, cujos fundamentos entendem inteiramente transponíveis para o presente recurso. 13.1 Efetivamente, o Tribunal apreciou questão de inconstitucionalidade reportada a interpretação normativa conferida ao artigo 3.º, nº 1, da Lei nº 62/2011, concatenado com o disposto no artigo 2.º da mesma Lei, segundo a qual «o titular de direito de propriedade industrial não pode demandar o titular de Autorização de Introdução no Mercado ou o requerente do pedido de AIM para além do prazo de trinta dias, a contar da publicação pelo Infarmed referida no artigo 9.º, nº 3, da mesma Lei», dimensão normativa que julgou inconstitucional, por violação do artigo 20.º, nºs 1 e 5 da Constituição. Importa, no entanto, contextualizar esse julgamento e esclarecer o seu alcance. Na verdade, o juízo positivo de inconstitucionalidade emitido no Acórdão nº 123/2015 tem como objeto dimensão normativa segundo a qual o regime instituído pela Lei n.º 62/2011 comporta a preclusão da tutela jurisdicional do direito em causa caso ultrapassado o aludido prazo de trinta dias, por ser essa a interpretação normativa efetivamente aplicada na decisão então recorrida, a qual, como decorre do sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade, o Tribunal assumiu como pressuposto do juízo, sem discutir o seu acerto ou bondade face ao direito infraconstitucional. Assim decorre do seguinte trecho do referido Acórdão, onde são explicitados os vários entendimentos em liça e identificado aquele que prevalecera na decisão (aí) recorrida: «In casu, o recurso ao Tribunal Judicial para decretamento das providências cautelares, já decorrido o prazo de trinta estabelecido no artigo 3.º, nº 1 da Lei nº 62/2011, de 12 de dezembro (e, bem assim, no artigo 9.º, n.º 3) tem subjacente uma interpretação, por parte das recorrentes, das disposições em causa que permitiria o recurso à justiça estadual para além do termo daquele prazo – inclusive para a tutela cautelar – com vista à proteção do exclusivo ao direito de patente invocado. Todavia, da análise efetuada pelo Tribunal recorrido das normas constantes dos artigos 3.º, nºs 1 e 2 da Lei nº 62/2011, de 12 de dezembro, resulta interpretação diversa, cuja constitucionalidade as recorrentes impugnam no presente recurso. Com efeito, da interpretação conferida às disposições em causa resulta que, uma vez decorrido aquele prazo, que se reporta à arbitragem necessária, e tendo o Tribunal estadual recusado a tutela que lhe foi requerida, é vedado às recorrentes o recurso a qualquer forma de tutela jurisdicional – seja estadual, seja arbitral – dos direitos de propriedade industrial.» (cfr. ponto 14.1. do Acórdão n.º 123/2015). Ficou, deste modo, claro que a possibilidade de demandar apreciada pelo Tribunal era a que havia sido deduzida no processo pelo titular de direito de patente perante os Tribunais estaduais e conduzira a decisão de absolvição da instância com fundamento na verificação da exceção dilatória de preterição de tribunal arbitral necessário, primeiro pelo Tribunal da Propriedade Intelectual de Lisboa e depois pelo Tribunal da Relação de Lisboa (a decisão recorrida), que negou provimento à apelação e confirmou a decisão da primeira instância. Ou seja, discutiu-se o critério normativo que constituíra ratio decidendi do juízo de preterição de tribunal arbitrário necessário, impedindo com cunho de definitividade o conhecimento pelos Tribunais Judiciais de providência cautelar instaurada com referência a um conjunto de atos relativos a medicamentos genéricos. Em função desse dado, o Tribunal assentou o julgamento de inconstitucionalidade na valoração do «resultado do regime assim instituído», por consubstanciar «a preclusão da tutela jurisdicional do direito em causa – quanto a eventuais violações decorrentes da comercialização de medicamentos genéricos que possam contender com o direito protegido pela patente relativa a medicamentos de referência». E, encerrando a fundamentação, concluiu nestes termos: «O caráter definitivo da impossibilidade de tutela dos invocados direitos de patente (tutelados por período de vinte anos), decorrido o prazo de trinta dias contado da publicitação eletrónica dos elementos relativos a um pedido de concessão de AIM, não se compadece com a fundamentalidade dos direitos envolvidos, assim se concluindo pela violação do direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva». 13.2. Ora, a aqui decisão recorrida, proferida pelo STJ, ainda que se situe no mesmo campo problemático, pois em ambos os processos está em questão interpretação normativa extraída da conjugação dos artigos 2.º e 3.º, nº 1, da Lei nº 62/2011, comporta dados normativos distintos dos que foram pressupostos no julgamento constante do Acórdão nº 123/2015. Com efeito, no caso em apreço discute-se, não o acesso aos tribunais estaduais em função da ultrapassagem do prazo de 30 dias para a instauração da ação arbitral, mas o próprio acesso ao processo arbitral necessário no quadro do procedimento autorizativo de introdução no mercado de medicamentos genéricos. Recorde-se que a decisão recorrida operou a repristinação da decisão arbitral que havia declarado a caducidade do direito de propor a ação arbitral, enquanto meio de tutela eminentemente preventiva de direitos de propriedade industrial, votado a retirar da jurisdição administrativa a discussão sobre a existência de um obstáculo legal à concessão, pelo infarmed, de aim, e que corre em simultâneo com o respetivo processo administrativo. Diferentemente do que aconteceu na lide em que foi proferido o Acórdão n.º 123/2015, o tribunal a quo não acolheu, nem aplicou, o entendimento de que o não exercício da ação arbitral preclude os mecanismos judiciais comuns de tutela da propriedade industrial. Inversamente, seguiu orientação jurisprudencial de sinal contrário, com o sentido de que o efeito da não suscitação tempestiva da arbitragem é a concessão da aim independentemente dos direitos de propriedade industrial, e a provável exploração comercial ou industrial do medicamento genérico, não se impedindo o titular da patente de defender o seu direito exclusivo pelos meios judiciais comuns. Ou seja, entendeu-se que a previsão legislativa da arbitragem necessária visou retirar da jurisdição administrativa a discussão sobre a existência de um obstáculo legal à concessão, pelo infarmed, daquela autorização, pelo que a não propositura tempestiva da ação arbitral envolve a impossibilidade de defender o direito de patente em momento anterior ao da concessão ou registo da aim. Nenhum efeito se produz, todavia, no que concerne aos mecanismos judiciais comuns de tutela da propriedade industrial, não se precludindo por isso o recurso aos tribunais judiciais para esse efeito quando e se o medicamento genérico vier a autorizado. Assim é evidenciado no seguinte segmento do acórdão recorrido: «De qualquer modo, importa ainda frisar que os meios de defesa não se esgotam na ação arbitral necessária, nem essa foi sequer a intenção do legislador, pois a declaração de nulidade ou de anulação de direitos de propriedade industrial só pode resultar de decisão judicial, como decorre dos termos do art. 35.º, n.º 1, do Código da Propriedade Industrial. Desta feita, para além da ação arbitral, o interessado pode ainda servir-se, sempre, da ação de nulidade ou anulação, o que reforça a salvaguarda da sua tutela jurisdicional efetiva, em termos que se podem considerar adequados». E, sublinhando a diferença que decorre dos pressupostos assumidos num e noutro processo quanto à definitividade do afastamento dos meios de defesa comuns dos direitos de propriedade industrial, o tribunal recorrido afirmou não apenas concordância, mas alinhamento com o julgamento feito pelo Tribunal no aresto referido: «Com a garantia jurisdicional efetiva, depois da caducidade, pode até afirmar-se certa harmonia com o julgamento de inconstitucionalidade proferido no acórdão do Tribunal Constitucional nº 123/2015.» A mesma interpretação do direito ordinário é acentuada em declaração de voto aposta: «[V]oto a decisão com a explicitação de que a interpretação que se adota no acórdão e que me parece correta, quanto à norma resultante da conjugação do n.º 1 do artigo 3.º com o artigo 2.º da Lei nº 62/2011, de 12 de dezembro, não colide com o julgamento de inconstitucionalidade proferido no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 123/2015, uma vez que se entende que a caducidade decorrente de não ter sido proposta a ação no prazo de 30 dias não preclude qualquer hipótese de posterior reação contra uma infração ou ameaça de infração da patente do titular do medicamento de referência, quer contra o titular de AIM ou requerente de AIM, quer contra terceiros.» 13.3. A este propósito, as recorrentes limitam-se a afirmar que o STJ não explica como deve tal ação de anulação ser interposta contra o titular do direito que se pretende anular e, outrossim, a pugnar pela transposição do juízo constante do Acórdão n.º 123/2015, que já se viu assentar em pressupostos distintos. Não incumbe a este Tribunal apreciar qual a melhor interpretação do direito ordinário, nem esclarecer quais os termos de eventual ação de nulidade ou anulação, a qual, inequivocamente, tem inscrição no plano da salvaguarda da tutela jurisdicional efetiva do titular de direitos de direitos de propriedade industrial, a par da arbitragem. Aliás, como se afirma no Acórdão n.º 2/2013, a justiça arbitral é aqui «necessária, mas não obrigatória», articulando-se, na prossecução da efetividade da tutela jurisdicional conferida aos titulares de direitos de propriedade industrial, com outros meios de meios de composição de litígios disponibilizados pela ordem jurídica. Cabe, de todo o modo, assinalar que o entendimento acolhido pelo tribunal a quo é sufragado pela maioria da doutrina, que afasta o efeito preclusivo de utilização dos meios comuns de tutela da propriedade industrial pela não suscitação da arbitragem necessária. Assim, dário moura vicente, cit., p. 979, referindo-se ao artigo 2.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, sustenta que «não impede a propositura de uma ação judicial contra um fabricante de genéricos fundada numa violação iminente ou atual de um direito de propriedade industrial depois de decorrido o prazo nele fixado, contanto que a patente esteja em vigor»; soveral martins, cit., p. 420, nota n.º 14, sustenta que o não exercício do recurso à arbitragem apenas tem consequências no processo autorizativo daquele medicamento genérico, sem precludir a proteção geral em sede de propriedade industrial; para remédio marques, «A apreciação da validade de patentes (ou certificados complementares de proteção) por tribunal necessário — exceção versus reconvenção na Lei n.º 62/2011», Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. 87, 2011, p. 182, «Deve entender-se, sob pena de completa inintegibilidade do novo regime jurídico e de inconstitucionalidade material por via de uma clara violação do direito de acesso ao Direito e aos Tribunais (art. 20.º/1 da Constituição), que a inação do titular do direito industrial dentro do referido prazo de 30 dias não preclude o seu direito de ação (de dedução de providência cautelar), se e quando pretender reagir contra violações atuais ou iminentes do direito de patente ou certificado complementar de proteção relativo ao medicamento de referência após o decurso do referido prazo de 30 dias»; do mesmo jeito, para margarida sameiro, «Lei n.º 62/2011: algumas questões controversas na perspetiva do titular do direito», Revista de Direito Intelectual, n.º 1, 2015, p. 319, não há dúvidas «quanto à natureza essencialmente preventiva e inibitória desta ação». No fundo, entende-se que o mecanismo arbitral necessário foi estabelecido como mecanismo célere de invocação de um direito de propriedade industrial como obstáculo legal à comercialização do medicamento genérico antes da concessão ou registo da AIM e não como expediente da sua proteção judicial quando sejam ofendidos depois de autorizada a sua introdução no mercado. Resta acrescentar que, se porventura, ao invés do que foi considerado pela decisão recorrida, fosse entendido que a ação arbitral é a única via ao dispor do titular - precludindo por isso o recurso aos meios comuns quando àquela se não recorra - sempre poderia aí, no caso de não admissão da ação judicial para proteção da patente, ser suscitado problema de constitucionalidade, tendo como objeto o critério normativo que conduzisse a esse efeito jurídico. 14. Passemos agora a apreciar os dois outros argumentos, à luz do entendimento que vimos acolhido pelo tribunal a quo, de não preclusão de outras vias de tutela jurisdicional do direito de propriedade industrial. As recorrentes criticam o evento eleito pelo legislador para desencadear a contagem do prazo de caducidade do direito de ação arbitral - a publicitação do pedido de concessão ou registo de AIM na página eletrónica do infarmed -, que consideram fazer recair sobre o titular do direito de propriedade industrial uma onerosidade excessiva no acesso à informação relevante para interiorizar esse efeito. Com efeito, nos termos do artigo 15.º-A do Decreto-Lei nº 176/2006, de 30 de agosto, na redação Lei nº 62/2011, o infarmed publicita, na sua página eletrónica, todos os pedidos de autorização, ou registo, de introdução no mercado de medicamentos genéricos, o que deve acontecer no prazo de cinco dias, contado da verificação da regularidade da apresentação do requerimento e dos elementos comprovativos, nos termos do artigo 16º, nº 1, do mesmo diploma. Deve conter o nome do requerente da aim; a data do pedido; a substância, dosagem e forma farmacêutica do medicamento; e o medicamento de referência. Essa publicitação, feita através da página eletrónica do infarmed, e acessível por qualquer pessoa através de meios informáticos de acesso livre, fixa o termo inicial (dies a quo) do prazo para a instauração da arbitragem necessária pelo interessado que pretenda invocar o direito de propriedade industrial. Porque o ato de publicitação do pedido de aim desencadeia por si só o início do prazo para requerer a tutela arbitral, a norma em sindicância faz recair sobre o detentor de patente ou certificado complementar de proteção cujos direitos de exploração exclusiva possam ser afetados pela eventual autorização de introdução no mercado de um medicamento genérico o ónus de consultar periodicamente o suporte em que é feita a divulgação publica do pedido de aim. Pode, então, perspetivar-se a eventualidade de o prazo se iniciar antes de ter havido conhecimento efetivo do pedido ou registo da aim, pelo que importa determinar se, ao fazer incidir este ónus sobre os titulares de direitos de propriedade industrial, se se está a restringir, para além do constitucionalmente autorizado, o direito à tutela jurisdicional efetiva. Efetivamente, quando a norma em crise onera o detentor do direito de patente com a consulta frequente - porventura diária - ao portal eletrónico do infarmed para poder exercer tempestivamente o direito de acionar, em arbitragem necessária, a tutela de propriedade industrial de que seja titular, não restam dúvidas que se trata de uma restrição ao direito de acesso à justiça, como aliás se declarou no Acórdão n.º 123/2015. Na verdade, o respetivo exercício fica dependente de uma conduta vigilante dos sujeitos potencialmente afetados pela concessão ou registo de aim, sem a qual o titular da patente pode ver caducar o direito a intentar a ação arbitral. Resta saber, assim, se esta restrição se conforma com o regime jurídico-constitucional das restrições aos direitos, liberdades e garantias: dirigir-se à salvaguarda de outro interesse ou direito constitucionalmente protegido, subordinar-se ao princípio da proporcionalidade, e constar de lei geral e abstrata, com efeitos não retroativos (artigo 18.º, n.º 2 e 3, da Constituição). In casu, não se colocam dúvidas quanto à autorização constitucional nem quanto à sua justificação na salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido, porquanto o regime em causa se dirige a evitar uma morosa discussão sobre a eventualidade de direitos que impedissem a introdução dos medicamentos genéricos, colocando em cheque a criação de condições para o acesso de todos os cidadãos aos cuidados de saúde, materializando o direito à saúde e ao acesso da medicamentos a custos comportáveis (alínea a) do n.º 3 do artigo 64.º da Constituição). Foi essa a motivação invocada pelo legislador quando, na exposição de motivos da proposta de lei que conduziu ao diploma ora analisado, lembrou que “tem vindo, assim, a assistir-se a um vasto conjunto de litígios judiciais a respeito da concessão da autorização de introdução no mercado [...] relacionados com a subsistência de direitos de propriedade industrial a favor de outrem”, pelo que o interesse público de disponibilização de medicamentos genéricos conduziu ao estabelecimento de um “mecanismo alternativo de composição de litígios que, num curto espaço de tempo, profira uma decisão de mérito quanto à existência, ou não, de violação dos direitos de propriedade industrial” (cfr. Proposta de Lei n.º 13/XII), justificando-se aí que o próprio tempo de reação e demanda se conte imediatamente, a partir da publicitação do pedido ou do registo da aim. O problema mais delicado radica em saber se a restrição colocada no acesso ao mecanismo arbitral necessário, ao determinar um ónus de conduta sobre os titulares de direitos de propriedade industrial, obedece ao cumprimento do princípio da proporcionalidade, na sua tripla dimensão (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito). Há que indagar se a medida restritiva tende aos fins visados pela compressão (a salvaguarda de outros interesses constitucionalmente protegidos); se a medida é necessária, não havendo outros mecanismos menos restritivos que realizassem aquele mesmo objetivo; e se o juízo de ponderação entre o sacrifício imposto e o benefício por ele obtido se tem por razoável. No que concerne à adequação ou idoneidade, não parecem concitar-se dúvidas: é inequívoco que a contagem do prazo de ação arbitral a partir do momento da publicitação da AIM do medicamento genérico eventualmente incompatível com um direito de patente ou de certificado complementar de proteção tem por efeito uma maior celeridade na conclusão daquele litígio face a um sistema que espoletasse o decurso do prazo com o seu conhecimento efetivo. Constitui assim um mecanismo apto à persecução do interesse público constitucionalmente relevante de introdução no mercado de medicamentos genéricos, socializando os custos dos cuidados de saúde e alargando por isso o seu acesso (artigo 64.º da Constituição). Já o subprincípio da necessidade ou exigibilidade impõe que a medida restritiva seja, de todos os meios aptos ao fim prosseguido, a menos onerosa para os direitos, liberdades e garantias: “o centro das preocupações desloca-se para a ideia de comparação. [...] Na máxima da necessidade a operação central é a comparação entre uma medida idónea e outras medidas também idóneas. [...] O objetivo de tal comparação será a escolha da medida menos lesiva. Do ponto de vista do princípio da proporcionalidade, medida necessária é a medida menos lesiva” (Vitalino Canas, “Proporcionalidade, Princípio da”, Dicionário Jurídico da Administração Pública, 1994, p. 624). Em consequência, o cânone depende da conclusão de que a modelação da medida não poderia deixar um maior espaço de ação do direito fundamental sem beliscar a eficácia da medida restritiva; requer, em consequência, que o âmbito material, espacial, temporal e pessoal da compressão seja o menor possível para alcançar os efeitos positivos da limitação (Jorge Miranda e Rui Medeiros, cit., p. 375). Nesta conformidade, há que olhar ao âmbito de aplicação da medida — o universo de sujeitos sobre que impende o ónus de consulta da página eletrónica do infarmed — e indagar se tal corresponde ao campo de ação necessário para imprimir celeridade na solução dos litígios em causa, devendo concluir-se pelo caráter excessivo da medida se existir outra tão ou mais eficaz do que o meio efetivamente escolhido e que provoque menos danos no direito de intentar a ação. Ora, a lei ordinária parece ter cingido o regime jurídico em causa ao universo estritamente essencial (o ónus impede apenas sobre os titulares de direitos de propriedade industrial de medicamentos de referência), não se vislumbrando alternativas que imprimissem a mesma celeridade sem impender sobre os interessados um ónus tão reduzido quanto seja a simples consulta da página eletrónica da autoridade reguladora do mercado dos medicamentos. Nestes termos, por não se descortinar opção menos gravosa que alcançasse semelhante eficácia, não se tem por transgredido o subprincípio da necessidade. Por fim, quanto ao juízo de proporcionalidade em sentido estrito, está em causa uma ponderação das vantagens da medida (a celeridade de solução do litígio de propriedade intelectual suscitado a propósito do procedimento autorizativo da introdução no mercado dos medicamentos genéricos) com as respetivas desvantagens (a sujeição da tutela jurisdicional a um ónus de consulta da página eletrónica do infarmed por parte dos titulares de direitos de patente de medicamentos de referência). Há que perceber se o ónus é de tal modo gravoso que a limitação no acesso à ação arbitral pelo seu cumprimento não se considere temperada pelos efeitos positivos (e constitucionalmente determinados) daquela medida. No fundo, há que questionar se a importância e premência dos fins prosseguidos justifica o sacrifício imposto. Tudo está em saber se há uma desproporção entre o sacrifício imposto aos titulares de patentes (o ónus de consulta da página eletrónica do infarmed) e o benefício alcançado (a celeridade deste específico contencioso). Não parece poder considerar-se que o encargo cometido aos titulares de patentes seja particularmente penoso ou custoso, constituindo um grave sacrifício. Com efeito, há que recordar que este ónus não é colocado a um normal cidadão, mas a sujeitos que se dedicam à exploração de empresas farmacêuticas, a priori dotadas de uma estrutura organizativa e funcional eficaz, o que hodiernamente não dispensa o recurso constante a sistemas de informação e ferramentas informáticas. Basta pensar na generalização da comunicação por mensagem de correio eletrónico (e-mail), também ela a reclamar o acesso diário (ou pluridiário) ao acervo de mensagens dirigidas a endereço eletrónico empresarial. E, note-se, tais sujeitos têm a seu favor um direito exclusivo de exploração industrial ou comercial de um produto que merece a qualificação de medicamento de referência, ou seja, de um medicamento com expressão paramétrica no campo terapêutico em questão e, inerentemente uma posição relevante no respetivo mercado. Trata-se de agentes que, por essa razão, têm conhecimento aprofundado do mercado em que laboram e da sua disciplina, aptos a proceder diariamente à consulta da página eletrónica do infarmed no quadro do exercício da sua atividade, tanto mais que esse é o canal de comunicação privilegiado entre o regulador e os sujeitos que atuam no setor regulado do medicamento. Com efeito, deve sublinhar-se que, no quadro do Regime Jurídico dos Medicamentos de Uso Humano (RJMUH), “os atos com eficácia externa adotados pelo infarmed em execução do presente decreto-lei são publicitados na página eletrónica do Instituto” (cfr. artigo 198.º do rjmuh, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, alterado por último pelo Decreto-Lei n.º 20/2013, de 24 de fevereiro). Nessa medida, não se afigura que o ónus de consulta periódica da página eletrónica da autoridade reguladora da área de atividade em que laboram integre dever de diligência especialmente oneroso. Entende-se, por conseguinte, que o legislador não ultrapassou, na normação em análise, os limites da proporcionalidade quanto ao modo de publicitação do pedido de aim e à estipulação da data de inscrição na página ou sítio eletrónico da entidade reguladora da farmácia e do medicamento como termo inicial do prazo para recurso à arbitragem. 15. Por último, os recorrentes radicam a pretendida lesão do direito à tutela jurisdicional na modulação do prazo para impulsionar a instância arbitral, constante do n.º 1 do artigo 3.º da Lei nº 62/2011, que entendem diminuto e insuficiente. Essa afirmação é fundada, por um lado, na invocação de os dados constantes do ato de publicitação não serem suficientes para que o titular da patente possa conhecer a eventualidade da violação; e, por outro, na alegação de que a complexidade da matéria não é compatível com a decisão de instauração e preparação de uma ação deste tipo em 30 dias. 15.1. O direito de acesso aos tribunais não proíbe o estabelecimento de prazos de caducidade para o exercício do direito à ação, que concorrem para os interesses de certeza e segurança jurídicas.  É pacífico que, nas palavras de gomes canotilho e vital moreira, cit., p. 409, «o direito de acesso aos tribunais não exclui nem o estabelecimento de prazos de caducidade, para levar as questões a tribunal (desde que os prazos não sejam arbitrariamente curtos ou arbitrariamente desadequados, dificultando irrazoavelmente a ação judicial) nem a obrigatoriedade de meios preventivos de resolução extrajudicial». A ampla margem de conformação do legislador no estabelecimento de prazos para acesso à justiça – salvaguardadas as apontadas exigências - tem sido reconhecida pelo Tribunal, de que é exemplo o Acórdão n.º 8/2012: «(...) Tem o Tribunal Constitucional geralmente entendido que as normas de direito ordinário que estabelecem prazos para a interposição de ações em tribunal não infringem qualquer norma ou princípio constitucional, na medida em que apenas revelam escolhas legítimas do legislador quanto aos vários modos pelos quais podem ser prosseguidos os diferentes valores que a Constituição inscreve, em última análise, no seu artigo 20.º. Foi o que sucedeu, por exemplo, no caso do Acórdão nº 247/2002, em que estava em juízo a norma do Código de Processo Penal que estabelecia, perentoriamente, o prazo de um ano, contado desde o momento em que o detido ou preso fora libertado ou desde o momento em que fora definitivamente decidido o processo penal respetivo, para a apresentação de pedidos de indemnização contra o Estado por privação de liberdade ilegal ou injustificada. Foi também o que sucedeu (ainda como exemplo) no caso do Acórdão nº 310/2005, em que estava em juízo a norma do Código de Processo Civil que impunha um prazo de cinco anos, contados desde o trânsito em julgado da decisão recorrida, para a interposição do recurso de revisão. Nestes casos, e em outros que não vale a pena agora recensear, entendeu-se que, ao fixar na lei de processo prazos de caducidade de ações, o legislador harmonizava de forma côngrua diferentes exigências constitucionais: por um lado, as decorrentes do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional (artigo 20.º, nº 1); por outro, as decorrentes do princípio de segurança jurídica que justifica a proteção constitucional do caso julgado (artigo 2.º e artigo 20.º, nº 4). É certo que a esta jurisprudência – que evidentemente se mantém – se apõe em tese um limite. A harmonização entre as diferentes exigências constitucionais acima mencionadas deixa de ser côngrua sempre que se demonstrar que, ao fixar um certo prazo de caducidade de uma ação, o legislador ordinário ofendeu uma posição jurídica subjetiva constitucionalmente tutelada, diminuindo, de modo juridicamente censurável, as possibilidades de exercício de um direito que a CRP consagra.» O problema que se coloca é, assim, o de saber se o concreto regime de caducidade que a norma sob juízo estabeleceu se conforma, ou não, com as exigências constitucionais in casu pertinentes, o que passa por determinar se a duração do prazo de caducidade do direito de ação arbitral e a estipulação do início da sua contagem a partir da publicitação do pedido de AIM (ato que é acompanhado apenas da informação elencada no artigo 15.º-A do rjmuh), afeta  de modo excessivo o direito de defesa dos titulares de direitos de patentes. 15.2. Este Tribunal pronunciou-se, no Acórdão n.º 123/2015, quanto à razoabilidade do prazo de 30 dias para a propositura da ação arbitral. Aí se considerou que, atendendo à complexidade da matéria e à informação disponibilizada pelo infarmed no seu portal eletrónico., um prazo de 30 dias para preparar a ação arbitral de invocação de direitos de propriedade industrial poderia ter-se por insuficiente para assegurar o exercício do direito de acesso à tutela jurisdicional: «[O] modo de composição de litígios (arbitragem necessária) para o qual se estabelece um prazo de apenas trinta dias respeita à invocação de direitos de propriedade industrial relacionados com medicamentos de referência, independentemente de estarem em causa patentes de processo, de produto ou de utilização, que envolverão elevado grau de complexidade técnica e científica, designadamente no que respeita às substâncias e princípios ativos envolvidos e ao processo da respetiva obtenção ou fabrico. Assim, afigura-se plausível que o prazo em causa não se revele suficiente para que, em face da assinalada complexidade das matérias envolvidas, o detentor do direito de patente possa avaliar do risco real e da extensão da afetação do seu direito para ponderar o recurso à justiça na forma de composição de litígios prevista na lei - ainda que idêntico prazo seja estipulado pela Lei para a dedução de contestação pela outra parte. A reflexão inerente à decisão de recurso à justiça (arbitral), em face da complexidade do objeto dos direitos tutelados, não se mostra compatível com a exigência do seu exercício no prazo de trinta dias contado desde a publicitação do pedido de concessão de AIM de medicamento genérico». Porém, como o Tribunal assinalou, essa análise pressupôs que o prazo de trinta dias a contar da publicitação do pedido de aim no portal eletrónico do infarmed é o único período de que o detentor do direito de patente dispõe para fazer tal estudo e preparar os respetivos argumentos, naturalmente por serem esses os dados normativos acolhidos na decisão então posta em crise. E, também no caso vertente, a argumentação dos recorrentes segundo a qual lhes é essencial obter mais informações do infarmed sobre os medicamentos genéricos para além daquela que é publicitada na respetiva página eletrónica (nome do requerente da AIM; data do pedido; substância, dosagem e forma farmacêutica do medicamento; medicamento de referência) postula essa mesma interpretação. Como aliás se denota pela alegação de que, acedendo a informações adicionais, tal poderia implicar uma alteração à petição inicial, prevista na Lei da Arbitragem Voluntária, expediente que reputam insuficiente pelo facto de o tribunal arbitral poder não a admitir, e porque a consideram sujeita ao mesmo prazo da norma em crise. Ou seja, para os recorrentes, o prazo de 30 dias corresponde a todo o lapso temporal que os titulares dos direitos de propriedade industrial têm para decidir se intentam a ação, apresentar as suas razões e meios de prova e configurar o pedido. 15.3. Acontece que tal entendimento não foi sufragado pelo Tribunal a quo, que considerou que o ónus que incide sobre o interessado respeita, tão somente, ao pedido de constituição do tribunal arbitral. Verifica-se, com efeito, que o artigo 3.º da Lei nº 62/2011 dispõe que o interessado deve invocar o seu direito «junto do tribunal arbitral institucionalizado ou efetuar pedido de submissão do litígio a arbitragem não institucionalizada». Caso o titular do direito de propriedade industrial decida invocar o seu direito junto de um tribunal arbitral institucionalizado, o prazo de apresentação da petição dependerá do estatuído no respetivo regulamento de arbitragem. Ora, se alguns tribunais arbitrais institucionalizados permitem que o requerimento contenha apenas o pedido de constituição do tribunal e uma descrição sumária do litígio (cfr., por exemplo, o artigo 21.º do Regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria), outros obrigam à apresentação da petição inicial juntamente com o requerimento de constituição, restringindo-se a sua formulação ao prazo de 30 dias (é o caso do Centro arbitrare, especializado em litígios de propriedade industrial e que, no artigo 15.º do seu regulamento determina a apresentação da petição juntamente com o requerimento). Todavia, mesmo quando o demandante submete o litígio a um tribunal institucionalizado cujo regulamento determine a entrega imediata do articulado, é duvidosa a questão de saber se os articulados são exigíveis com o requerimento de arbitragem. Com efeito, a lei refere-se sempre a um tribunal arbitral «escolhido pelas partes» (n.º 8 do artigo 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro), o que vem levando a doutrina a defender a impossibilidade de imposição unilateral do centro de arbitragem institucionalizado (soveral martins, «Arbitragem e propriedade industrial: medicamentos de referência e medicamentos genéricos», Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 3993, Ano 144.º, p. 425). Nestes termos, porque não existe convenção arbitral prévia — obrigando a uma «transposição de um regime pensado para o acordo das partes» (cfr. sofia ribeiro mendes, cit., p. 1006), parece ser necessário que o demandante obtenha o acordo do demandado quanto ao foro decisório, pelo que será o ato que desencadeia o processo - sugerindo à contraparte determinado centro de arbitragem institucionalizado - o que está limitado a 30 dias. Já nos tribunais arbitrais ad hoc, não institucionalizados – via escolhida no quadro dos presentes autos -, não se suscita qualquer dúvida: o prazo de 30 dias refere-se ao convite a constituir o tribunal arbitral e não à propositura da ação. Com efeito, a regra da Lei da Arbitragem Voluntária (aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro; LAV) estabelece serem as partes a definir as regras processuais, de acordo com o artigo 30.º da LAV, pelo que o ato a que se refere a norma em crise (efetuar o pedido de submissão do litígio a arbitragem institucionalizada) «quer significar o desencadear do processo de designação dos árbitros previsto no art. 10.º da LAV», (cfr. soveral martins, cit., p. 425). Quer isto dizer, como já sublinhou o STJ em acórdão de 26 de novembro de 2015, que “apesar da natureza necessária da arbitragem a que se encontram submetidos estes litígios, as partes gozam ainda de uma ampla margem de liberdade de conformação no que se refere às regras processuais pelas quais se deve reger e ser resolvido o litígio que as opõe” (proferido no proc. 538/13.0YRLSB.S1, acessível em www.dgsi.pt). Em consequência, só depois da constituição do tribunal arbitral (que deve ser impulsionada no prazo de 30 dias) poderá ter lugar a entrega dos articulados da ação. No fundo, se a norma do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, dá a entender que na arbitragem institucionalizada a petição deve ser entregue no prazo ali previsto, “no caso de se optar pela arbitragem não institucionalizada, a petição deverá ser apresentada nos termos do disposto no art. 33.º LAV, aplicável por força do art. 3.º, 8, da L 62/2011. Com efeito, «invocar o direito de propriedade industrial» não se confunde com «efectuar pedido de submissão do litígio a arbitragem não institucionalizada» (soveral martins, cit., p. 426). Esta interpretação tem expressão na jurisprudência infraconstitucional, onde se entendeu que “tendo a demandante optado pela arbitragem «ad hoc», o aludido prazo ter-se-á por cumprido com o simples envio à demandada de carta-convite para o início da arbitragem” (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30 de setembro de 2014, proc. 512/14.9YRLSP-A-7, disponível igualmente em www.dgsi.pt). E é acolhida na doutrina, que defende que a arbitragem necessária, institucionalizada ou não, deve principiar pela marcação de uma reunião entre as partes, com o objetivo de fixar as regras daquele tribunal constituído, por referência ao regulamento de arbitragem ou à Lei da Arbitragem Voluntária (cfr. antónio de magalhães cardoso e sara nazaré, “A arbitragem necessária — natureza e regime: breves contributos para o desbravar de uma (também ela) necessária discussão”, Estudos de Direito da Arbitragem em Homenagem a Mário Raposo, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, p. 53; sofia ribeiro mendes, cit., p. 1023, que expressamente defende “que o prazo de 30 dias, que é conferido ao interessado para invocar o seu direito de propriedade industrial, ter-se-á por cumprido se, até ao seu termo, o interessado expediu a carta para início de arbitragem”). 15.4. Verifica-se, assim, que a normação em crise não obriga à apresentação da petição inicial no prazo de 30 dias; apenas compele o interessado a desencadear a constituição de tribunal arbitral nesse prazo. Perde, então, sentido a questão de saber se o prazo determinado pelo legislador é insuficiente em face da complexidade da matéria, porquanto não é esse necessariamente o termo de que o titular do direito de patente dispõe para apresentar os seus argumentos de facto e de direito, não se encontrando qualquer restrição excessiva, em face da complexidade do que é pedido ao requerente (indicar o objeto do litígio, identificar o árbitro nomeado e o convite à outra parte para nomear árbitro). Assim, determinado o concreto dever temporalmente limitado (o impulso de constituição de tribunal arbitral), torna-se claro que só estaria restringido o direito à tutela jurisdicional efetiva se a informação publicitada na página eletrónica do infarmed fosse de tal forma insuficiente que, independentemente da viabilidade de solicitar mais informações até ao momento de apresentação da petição inicial, tornasse inviável na prática ao titular da patente de se aperceber nesses 30 dias do risco de violação do seu direito e decidir como agir. Mas tal não sucede. 15.5. Nos termos do artigo 15.º-A do rjmuh, o infarmed publicita o nome do requerente da AIM, a data do pedido, a substância, dosagem e forma farmacêutica do medicamento e o medicamento de referência, o que comporta todas as informações necessárias para aferição da eventual violação de uma patente de produto. E similar conclusão se parece poder retirar para efeitos de tutela de patentes de uso ou de processo. Com efeito, o ato de publicitação confere aos titulares destes direitos informação suficiente para aferir da existência da eventualidade de transgressão dos seus direitos, conclusão para que se afigura particularmente relevante a indicação do medicamento de referência bioequivalente, com o qual o titular do direito de propriedade industrial já se encontra familiarizado. Pode, é certo, conceber-se a existência de casos em que o titular de direitos de propriedade industrial se confronte, face às informações disponibilizadas na publicitação, com dúvidas relevantes, sem resposta às quais não é possível determinar com segurança o grau de ameaça ou a iminência de violação e decidir, sem margem para dúvidas, sobre a dedução ou não da ação arbitral. No entanto, tais situações têm-se revelado excecionais, como decorre do grande número de ações arbitrais instauradas após a edição da Lei n.º 62/2011 e cujas decisões foram tornadas públicas no Boletim da Propriedade Industrial, denotando que, regra geral, as informações publicitadas são idóneas e suficientes para decidir sobre a mobilização de meio preventivo de violações de direitos de propriedade industrial, votado a definir, antes da introdução no mercado de medicamento, se este se encontra no âmbito de proteção de uma patente. Releva, para tanto, que esse impulso não depende da comprovação de uma violação já consumada, através de um ou mais atos previstos no nº 2 do artigo 101º do CPI, e, como se viu, não prejudica a ulterior defesa dos direitos de propriedade industrial caso tal infração venha a ocorrer, nos mesmos termos assegurados para a generalidade dos titulares de direitos de propriedade industrial. Acresce que a informação, neste domínio material, é por natureza reservada, encontrando-se muito frequentemente sob proteção de segredo comercial ou industrial, razão para a instituição pelo legislador da presunção de que todos os elementos ou documento apresentados ao infarmed no âmbito do processo se encontram sujeitos a sigilo, salvo deliberação em contrário da direção daquele órgão, a solicitação de terceiro com legitimo interesse no conhecimento desses elementos (cfr. artigo 188.º, n.º 3, do rjmuh, na redação conferida pela Lei n.º 62/2011). Perante informação com tal sensibilidade, compreende-se que o legislador tenha sido particularmente cauteloso na informação de livre acesso, tanto mais que, como se refere na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 13/XII, os interesses conflituantes em presença levaram à prática das empresas de toda a União virem a Portugal obter informações sensíveis sobre medicamentos relevantes para os seus mercados e que não podiam obter nesses Estados. Por último, tal como referido pela decisão recorrida (na esteira da decisão arbitral, que já o sublinhara), para os casos excecionais, em que seja supervenientemente adquirida informação relevante para a tutela preventiva (mormente na sequência de pedido formulado ao abrigo do artigo 188.º, n.º 3, do rjmuh) permanece o expediente da alteração da petição inicial, acolhido na LAV. 15.6. As vicissitudes do caso vertente ilustram as funcionalidades do sistema que se vêm de referir: os pedidos de aim foram publicitados pelo infarmed, na respetiva página eletrónica, em 12 e 14 de dezembro de 2013; Em 26 de dezembro de 2013, as recorrentes dirigiram ao infarmed pedido de emissão de certidão referente a tais pedidos, solicitando vasto leque de informação (fls. 427 a 429); Em 30 de maio, o infarmed deferiu parcialmente esse pedido, com fundamento em parte do pedido dizia respeito a informações e elementos cobertos por segredo industrial (fls. 39 e 40); Em 26 de junho de 2014, as recorrentes comunicaram à recorrida a instauração da ação arbitral em tribunal não institucionalizado (fls. 22 e 23); o Tribunal Arbitral apenas foi declarado instalado em 14 de outubro de 2014 (fls. 1 a 9) e a petição inicial apresentada em 17 de novembro de 2014 (fls. 228 e segs.), ou seja, mais de onze meses decorridos sobre a aludida publicitação; nessa petição afirma-se a existência de «interesse justificado em iniciar a presente arbitragem com vista a obter uma decisão que acautele a violação dos seus direitos, atualmente em risco», alegando que, logo em 23 de dezembro de 2013 (menos de trinta dias decorridos sobre a publicitação dos pedidos de AIM), dirigiu carta à recorrida, veiculando  a convicção de que os produtos em causa nos pedidos de aim deduzidos estavam a coberto da proteção conferida por três patentes europeias de que eram titulares e solicitando informações e elementos (cfr. doc. n.º 7, junto com a petição inicial, a fls. 419 a 421). 16. Assim, à luz da duração do prazo, da matéria e do efeito comportado pela ultrapassagem do prazo de 30 dias para a instauração do processo arbitral relativo a litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial relacionados com medicamentos de referência, não se vê que o sentido normativo em apreço comprima de forma excessiva o direito de acesso aos tribunais e uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º, n.ºs 1 a 5, da Constituição, ou ofenda outro parâmetro constitucional, pelo que cumpre concluir pela prolação de julgamento negativo de inconstitucionalidade do sentido normativo questionado. III. Decisão 17. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se: a) Não julgar inconstitucional a interpretação normativa dos artigos 2.º e 3.º, nº 1, da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, segundo a qual o titular do direito de propriedade industrial não pode demandar o titular de Autorização de Introdução no Mercado ou o requerente de pedido de AIM, nos termos e para os efeitos previstos na mesma Lei, para além do prazo de trinta dias, a contar da publicação, através da página eletrónica do Infarmed, a que se refere o artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, na redação conferida pela Lei n.º 62/2011; e, em consequência, b) Negar provimento ao recurso; c) Condenar as recorrentes nas custas, fixando-se em 25 (vinte e cinco) Ucs a taxa de justiça devida, tendo em atenção os critérios seguidos por este Tribunal e a dimensão do impulso desenvolvido. Lisboa, 10 de abril de 2018 - Fernando Vaz Ventura - Catarina Sarmento e Castro (com declaração) - Maria Clara Sottomayor - Pedro Machete - Manuel da Costa Andrade DECLARAÇÃO DE VOTO O presente Acórdão decide no sentido da não inconstitucionalidade, afastando-se do sentido decisório adotado no Acórdão n.º 123/2015 deste Tribunal, por mim subscrito. As razões que me levam a afastar a transposição, para o caso presente, do juízo de inconstitucionalidade daquele Acórdão prendem-se com o facto de considerar que a interpretação normativa subjacente não é coincidente, o que se explica, a meu ver, pelo seguinte: Na concreta interpretação normativa em causa naquele Acórdão, considerou-se depender do prazo de 30 dias para invocação dos direitos de propriedade intelectual através do recurso ao tribunal arbitral necessário “o acesso à (única) forma de tutela jurisdicional para a garantia daqueles direitos, quanto à composição de litígios emergentes da invocação de tais direitos relativamente a medicamentos genéricos, consagrada pelo legislador”. Findo este prazo, o Acórdão concluiu que, em virtude da complexidade da matéria associada a falta de informação (único fundamento que acompanhámos, já que não acompanhámos a razão fundada no facto de a publicidade do pedido de AIM se dar via Internet, o que seria, segundo o Acórdão, em si mesmo, motivo gerador de inconstitucionalidade), o titular do direito de propriedade industrial se encontrava perante a impossibilidade definitiva do exercício do direito de acesso à justiça para proteção do direito de patente relativo a medicamentos de referência face ao fabrico e comercialização de medicamento genérico por terceiro. Decidiu-se no Acórdão de 2015 que é nesse exíguo prazo que o interessado em invocar o seu direito de propriedade industrial fundado em patentes de medicamentos deve fazê-lo junto do tribunal arbitral institucionalizado ou efetuar pedido de submissão do litígio a arbitragem não institucionalizada, constituindo este o único meio que lhe é facultado para a resolução dos litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, naquela que foi a interpretação normativa aplicada no caso. Nesse Acórdão, considerou-se, por ter sido essa a interpretação normativa que lhe foi sujeita, que “a antecipação do único meio de composição de litígios disponibilizado ao titular de uma patente sobre medicamento de referência, por via do recurso necessário à justiça arbitral nos trinta dias subsequentes ao da publicitação do requerimento de concessão de uma AIM para um medicamento genérico, com a cominação de, não sendo iniciado processo arbitral no prazo estabelecido, se mostrar vedado o exercício do direito de tutela jurisdicional para defesa dos direitos de propriedade industrial derivados daquela patente”, não deixava de se refletir na tutela dos direitos de propriedade industrial em causa. Ou seja, nesse caso, resultava da decisão recorrida o entendimento de que a conjugação dos artigos 3.º, n.º 1, e 2.º conduzia a que “a arbitragem necessária imposta pelo artigo 2.º não só é a única forma permitida pelo legislador de composição dos litígios visados pelo regime legal (os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial relacionados com medicamentos de referência em face da introdução no mercado de medicamentos genéricos), como esta forma única de tutela é confinada a um momento temporal preciso – o momento pré-decisório da AIM”. É esta a razão da não coincidência da interpretação normativa em causa no Acórdão de 2015, com a interpretação normativa agora em apreciação. Mesmo seguindo o presente Acórdão, quando identifica uma diferente interpretação normativa, acompanhei com mais dificuldade a fundamentação na parte em que se afastou o argumento relativo à insuficiência de prazo de 30 dias para fazer face à complexidade da matéria, à necessidade de informação para preparação da ação arbitral, e, consequentemente, para a reflexão necessária à tomada de decisão de recorrer à justiça arbitral nesse curto período. Ainda assim, sucedendo que no caso presente se pressupõe, contrariamente ao que ocorreu quanto à interpretação da norma no Acórdão n.º 123/2015, que este prazo de 30 dias serviria apenas para decidir do pedido de constituição do tribunal arbitral, e não já para apresentar, simultaneamente, a petição inicial, afastei a inconstitucionalidade da interpretação normativa em apreciação. Note-se que, apesar de acompanhar a decisão, me afasto, pontualmente, da fundamentação, já que, em meu entender, apenas o facto de vir a ser possível proceder à alteração da petição, quando esteja disponível nova informação, me permite ultrapassar a questão que o Acórdão aponta como plausível de, em casos excecionais, a informação disponível não ser suficiente no momento da petição inicial. É exclusivamente aquele facto, e não o serem excecionais esses casos, que me leva a admitir que uma tal solução não viola o direito de acesso aos tribunais.

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