I - O assistente interpôs o recurso, via "fax", por ligação telefónica estabelecida com o Tribunal recorrido no dia 1 de Setembro de 2011, às 23 h 59 m (hora oficial do fax do tribunal, certificada pela Secretaria), embora apenas no dia 2 de Setembro de 2011 tenha sido recebida a totalidade do recurso, aliás, logo de seguida completada com novo envio da totalidade das folhas, pois no primeiro envio faltava uma delas. II - O artigo 150.º, nº 2, al. c), do CPC estabelece que os actos processuais podem ser praticados pelas partes por envio através de telecópia, valendo como data da prática do acto processual a da expedição. III - A razão de ser deste preceito, a nosso ver, é a de definir como relevante o momento em que começa a ser expedido o documento que a parte deseja entregar no tribunal, pois é o único que de algum modo pode controlar, já que o envio por telecópia de um documento com várias páginas torna incerto o momento em que vai terminar a transmissão, dada a falibilidade técnica do meio usado. Enquanto no envio por correio o documento segue de uma só vez, o envio por telecópia é sincopado no tempo e pode falhar por razões estranhas ao remetente. IV - Deste modo, o acto em causa – recurso do assistente - foi praticado ainda no último dia do prazo, com pagamento da multa respectiva (que foi cobrada) e, portanto, é tempestivo. V -Todo o homicídio é reprovável, como reprováveis ou muito reprováveis são a esmagadora maioria dos motivos que levam a tal acto. Por isso há que encontrar uma especial censurabilidade ou perversidade no acto para o crime ser legalmente considerado como homicídio qualificado, algo que seja particularmente reprovável no domínio da culpa do agente, que o faça distinguir dos homicídios mais comuns. VI - A relação afectiva entre o arguido e a ofendida ainda era próxima no tempo e terminara por vontade desta, o que era um direito, sem dúvida, que lhe assistia por inteiro e que não poderia ser contestado por quem quer que fosse, muito menos com violência. VII - Mas, o arguido descobrira, abusivamente, que o motivo (aparente) do fim do namoro fora a existência na vida da ofendida de uma outra pessoa por quem se enamorara. Também aqui o arguido teria de respeitar a vontade da sua ex-namorada, pois seria o que qualquer pessoa civilizada teria feito. VIII - Não há, pois, que conceder que o motivo do crime foi de algum modo compreensível, pois não o foi. Foi mesmo um motivo muito reprovável, até porque não se provou que o relacionamento entre o arguido e a vítima tivesse passado para além da fronteira do «namoro», isto é, de uma fase do relacionamento em que ainda não há compromisso de vida em comum. Não eram casados, nem sequer viveram numa situação análoga, pelo menos pelo que consta dos factos provados. IX - Mas, embora o motivo tenha sido muito reprovável, não se deve qualificá-lo como «fútil», isto é, irrelevante ou insignificante, ou como «torpe», ou seja, vil e abjecto. X - Como a lâmina da faca utilizada pelo arguido para matar tem o comprimento de 9,5 cm, isto é, inferior a 10 cm, não é tal instrumento uma “arma branca” para os efeitos do art. 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei 17/2009, de 6 de Maio, vigente na altura dos factos. A questão será a de saber se pode integrar-se no conceito de “outras armas brancas” [ou de um dos “instrumentos] sem aplicação definida que possam ser usados com arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse”. XI - As “outras armas brancas sem aplicação definida”, referidas na alínea d), serão todas as que, tendo uma lâmina com aquele comprimento mínimo de 10 cm, não sirvam, por exemplo, para a cozinha, ou para o talho ou para o corte de material numa oficina (por exemplo, um punhal com 10 cm ou mais de lâmina). XII - Já os “engenhos” ou “instrumentos” que não têm aplicação definida e podem ser usados como arma letal de agressão serão, logicamente, outros que não objectos ou instrumentos portáteis dotados de uma lâmina ou outra superfície cortante ou perfurante (navalhas, facas, etc.), pois estes só se integram nas armas da classe “E” se estiverem nas condições apontadas. Tais “engenhos” ou “instrumentos” serão, por exemplo, luvas ou bolas de aço, bastões, mocas, etc. XIII - Consequentemente, a detenção desse instrumento pelo arguido não configura um crime de perigo comum. XIV - O facto de ter pesquisado na internet o tipo de faca que acabou por comprar, três semanas antes de o crime ocorrer e precisamente na altura em que a relação com a ex-namorada tinha acabado, demonstra, a nosso ver, que o arguido reflectiu sobre qual o instrumento da sua vingança. Como essa faca não é de defesa, nem utilitária, o arguido comprou-a determinado a executar um acto de agressão sobre a vítima e terá ficado convencido da boa eficácia da faca pelos slogans publicitários que constavam do respectivo “site” da internet. XV - Daqui não se pode inferir que logo aí deliberou matar a vítima e que persistiu nessa intenção até à execução do crime, pois tal não está provado. Mas pode concluir-se, pois isso está provado, que comprou uma certa e determinada faca, de agressão letal, no momento em que se começou a concretizar o ciúme, isto é, quando no seu espírito terá ficado mais consistente o motivo central que o levou ao crime. XVI - O arguido, portanto, não tinha em sua casa uma faca que, depois, no dia do crime, levado pelo arrebatamento da ocasião, levou para o local onde o executou. Pelo contrário, o arguido adquiriu com antecedência uma faca, que cuidadosamente escolheu por pesquisa prévia na internet, tendo em vista uma futura e possível agressão sobre a vítima. E, consequentemente, no dia do homicídio, o arguido foi ao encontro da vítima com essa faca, que sabia ser a adequada para concretizar a intenção criminosa, que então se terá definitivamente formado no seu espírito. XVII - Por outro lado, o arguido também reflectiu sobre a maneira de desvendar o que se passava com a sua namorada, que o estava a «abandonar», ao introduzir-se abusivamente na sua intimidade, por invasão dos seus meios informáticos. E, desse modo, fez-se passar por uma amiga da vítima, para que esta, enganada pelo expediente, contasse o que na verdade se estava a passar e dissesse o que ia fazer no dia do crime, o que proporcionou ao arguido, por um lado, confirmar as suas suspeitas de que havia um outro rapaz na vida da vítima, por outro lado, o local e hora onde poderia exercer a sua vingança. XVIII - Estamos aqui perante uma reflexão sobre os meios empregados (arma do crime, motivo, local e hora) que é especialmente censurável e que deve ser determinante para considerar o homicídio como qualificado. XIX - Ponderados todos os factores atendíveis, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade situar-se-ia nos 17/18 anos de prisão. Contudo, como dissemos, «abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas». XX - No caso, atendendo ao quadro depressivo do arguido, sua instabilidade psíquica, mas também a um prognóstico favorável, de boa reintegração social logo que cumpra a pena, esse limite mínimo da pena situa-se nos 16 (dezasseis) anos de prisão.
Acordam em conferência na 5ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça 1. A, nascido a 21/10/1981, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção de tribunal do júri, no Círculo Judicial de Castelo Branco, sob acusação da prática, em autoria material, de um crime homicídio qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e), in fine, h) e j), todos do Código Penal, e de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, al. a) e 2 e 132.º, n.º 2, al. h), do CP. B foi admitido a intervir nos autos com a qualidade de assistente. B e C deduziram pedido de indemnização cível contra o arguido Por acórdão de 23 de Março de 2011, o tribunal julgou parcialmente procedente por provada a acusação do Ministério Público e, em consequência, condenou o arguido A pela prática de um crime de homicídio simples, previsto e punido no artigo 131.º do Código Penal, na pena de 15 (quinze) anos de prisão, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º/1, 145.º/1, al. a) e 2 e 132.º/2, al. h), todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão e na pena única de 15 (quinze) anos e 6 (seis) meses de prisão. Mais julgou parcialmente procedente, por provado, o pedido cível, condenando o arguido a pagar aos demandantes as seguintes quantias: a) € 1422,50, a título de danos patrimoniais; b) € 70.000,00, a título de danos não patrimoniais correspondentes à perda do direito à vida por parte da falecida; c) € 25.000,00, a título de danos não patrimoniais referentes ao sofrimento por que passou a falecida antes do seu decesso, sendo as quantias referidas em b) e c) a repartir pelos demandantes segundo as regras do direito sucessório; d) Ao demandante B, € 3.500,00, a título de danos não patrimoniais, referentes às lesões que lhe foram infligidas; e) A cada um dos demandantes, B e C, € 40.000,00, a título de danos não patrimoniais sofridos pela morte da sua filha D. 2. Inconformados, interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra o Ministério Público, o assistente B e o arguido A. Aí, por acórdão de 3 de Agosto de 2011, na procedência parcial do recurso do arguido, foi decidido absolvê-lo da prática do imputado crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.ºs 1, al. a) e 2 e 132.º, n.º 2, alínea h), todos do Código Penal e condená-lo, pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio simples, p. e p. no artigo 131.º, do Código Penal, na pena de 14 (catorze) anos de prisão. Mais foram julgados improcedentes os recursos do Ministério Público e do assistente B, mas foi alterado o acórdão recorrido, no que concerne ao pedido de indemnização civil, ficando o arguido/demandado condenado a pagar aos demandantes B e C as seguintes quantias: a) € 1422,50, a título de danos patrimoniais; b) € 70.000,00, a título de não danos patrimoniais correspondentes à perda do direito à vida por parte da falecida; c) € 25.000,00, a título de danos não patrimoniais referentes ao sofrimento por que passou a falecida antes do seu decesso, sendo as quantias referidas em b) e c) a repartir pelos demandantes segundo as regras do direito sucessório; d) A cada um dos demandantes, € 40.000,00, a título de danos não patrimoniais sofridos pela morte da sua filha D. 3. O arguido e o assistente interpuseram recurso dessa decisão para o STJ. 4. RECURSO DO ARGUIDO: O arguido concluiu assim a sua motivação no recurso dirigido ao STJ: 1. Nos termos do douto acórdão recorrido, o ora recorrente foi condenado numa pena de 14 anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio simples, previsto e punido pelo artigo 131º do Código Penal. 2. Ora, é precisamente apenas sobre esse segmento decisório que o presente recurso incide, na certeza de que, em tudo o mais, o tribunal recorrido revelou brilhantismo, prudência e um verdadeiro sentido de Justiça: algo que, dada, sua árdua tarefa de julgar em segunda instância - ainda para mais num caso tão trágico como o dos presentes autos -, não pode deixar de ser reconhecido e apreciado. 3. Não obstante, tem-se por certo que, no tocante à medida concreta da pena por que o recorrente foi condenado, a título da prática do crime de homicídio simples, o tribunal recorrido não logrou mostrar, de forma inabalável, a razão pela qual certos elementos fácticos - por ele dados como assentes em virtude da concordância, expressamente manifestada com a motivação levada a cabo pela primeira instância (considerado que seja todo o iter judicativo-decisório deste último) - se revelam imprestáveis para o apuramento de um quantum punitivo concreto mais próximo do meio da moldura legal do que do seu limite. 4. E será precisamente no sentido de trazer à demonstração de Vossas Excelências a bondade de tal juízo decisório alternativo - mais adequado à concordância prática quer das exigências de prevenção geral com as de prevenção espacial, quer destas com a exacta medida da culpa do recorrente -, que se acaba por ver no presente pedido de reexame do direito a dar ao caso, algo imprescindível tanto para a realização da paz social como para a correcta interpretação do Espírito da Lei. 5. Ora, logo ao reconhecer que na aplicação de determinada medida concreta de uma pena privativa da liberdade, o julgador nunca se poderá eximir a uma compreensão aturada da personalidade do arguido, de forma a determinar o desvalor ético-jurídico da sua conduta por referência àquela que é esperada pela normatividade vigente, ao tribunal recorrido teria sempre assistido, salvo o devido respeito e melhor opinião, a prerrogativa de estabelecer um mais amplo e claro nexo causal - por referência àquele que foi traçado pelo tribunal de primeira instância - entre a doença depressiva grave de que o arguido padecia e a perda de domínio sobre a sua própria vontade; e tudo, ainda que esse mesmo estado clínico não se mostrasse idóneo - como nunca se deixou de admitir e aceitar - para precludir toda e qualquer capacidade de avaliação e tomada de consciência da ilicitude da conduta perpetrada. 6. Ou seja, tanto a prático-axiologicamente exigida compreensão da personalidade do arguido, como a reflexão sobre a desconformidade verificada entre a sua conduta e a expectável pela normatividade jurídica vigente, nunca poderiam ter sido analisadas sem o recurso à prova científica produzida, levada até às suas últimas consequências, e sempre no sentido de se reconhecer, sem quaisquer peias ou pré-juízos, a existência de uma inexorável circunstância atenuante da culpa do recorrente, que apenas do lado do Direito se encontra; e logo a partir do momento em que se diz, lá está, não se poder ver num «desgosto de amor» algo de despiciendo ou até mesmo fútil. 7. Com a proposta de uma outra medida concreta da pena a ser aplicada ao recorrente não se pretende, como nunca se pretendeu, nem pretenderá - por imperativos de consciência e humanidade - escamotear ou cobrir sob a capa suave de um qualquer cínico e insustentável, porque cruelmente hipócrita, eufemismo a gravidade do crime cometido pelo recorrente. 8. O que se pretende, ao invés, é que, levando em conta esses mesmíssimos imperativos, se encontre o "ponto óptimo" - de resto, na esteira do já postulado por Figueiredo Dias - entre a reintegração da validade da norma violada, a pacificação da comunidade e as necessidades de prevenção especial; 9. Tudo tendo como base estruturante uma medida da culpa do recorrente que haverá de levar em conta a fragilidade emocional e afectiva de que o mesmo padecia na altura dos trágicos acontecimentos a que estes autos se reportam; fragilidade emocional e afectiva essa que até àquela mesma altura, alimentou unicamente desejos suicidas e nunca vontades homicidas. 10. Por outro lado, quer a atipicidade da conduta adoptada pelo recorrente - em termos de nunca, até então, o mesmo ter mostrado comportamentos semelhantes (causando mesmo espanto não só na sua vizinha e na sua namorada de liceu, mas também no seu amigo de longa data, todos ouvidos em sede de prova testemunhal e cujos testemunhos relevaram em termos de motivação do tribunal de primeira instância e a que o tribunal recorrido aderiu, nos termos melhor expostos no douto acórdão recorrido) - quer as declarações, não apenas verbais, do mesmo - que o Tribunal "a quo" igualmente soube levar em conta na sua própria reapreciação da matéria de facto provada -. dando mostras de um claro e indelével arrependimento, mostram-se como elementos importantes ao nível das exigências de prevenção especial positiva. 12. É que nunca se poderá dizer, no que a este aspecto concerne, que uma das razões pelas quais ao recorrente deve ser aplicada uma pena de prisão somente dois anos abaixo do limite máximo da moldura legalmente prevista, prender-se-á necessariamente com questões de uma premente e imperativa ressocialização do agente. 13. Na verdade, (e voltando a recordar-se que, pese embora a intensidade do dolo seja elevada e o desprezo pela vida humana manifesto, tais reflexões deverão ser sempre consideradas à luz da já aludida doença depressiva grave de que o recorrente padecia) está-se em crer que o caso dos autos não poderá ser comparado ao de um qualquer sujeito hipotético que venha a mostrar-se como que completamente «desligado» da realidade e desprovido de qualquer capacidade de auto-crítica para notar o desvalor da sua conduta. 14. Pelo que, também ao nível das exigências de prevenção especial positiva, a medida concreta da pena aplicável deverá ser objecto de nova ponderação. 15. Por outro lado ainda e no que em especial ao arrependimento claramente demonstrado pelo recorrente tange, tem-se por seguro que, sem prejuízo da postura colaborante e da confissão livre, integral e sem reservas dos factos não poderem ser considerados elementos prestáveis, em si mesmos tomados, para reconhecer um verdadeiro acto de contrição, o certo é que, no caso dos autos, o mesmo foi sendo pelas instâncias reconhecido e, antes de mais, constatado. I6. E a ser assim, de coisa diversa não se poderá dar conta senão de uma conduta do recorrente, posterior à prática do crime - assumindo as suas responsabilidades, pedindo desculpas aos familiares da vítima e mostrando-se colaborante com a Justiça, claramente relevante para uma atenuação especial da medida concreta da pena aplicável. 17. Longe de qualquer ideia ético-retributiva, não aceite, e bem, pelo nosso ordenamento jurídico-penal, o que realmente se pede a este Supremo Tribunal é, repita-se, um reexame do mérito dos entendimentos que pelas instâncias foram sendo acolhidos, na certeza de que será outro o direito a dar ao caso, em especial, à questão da correcta determinação da medida concreta da pena privativa da liberdade por que o recorrente foi condenado. 18. E assim - remetendo para tudo quanto já foi sendo dito e assumido acerca desta «tragédia perfeita» que sobre os seus intervenientes mais directos se abateu (por culpa do recorrente, mais uma vez se quer deixar bem claro) - nada mais restará acrescentar senão o facto de se entender por adequada, não só às exigências de prevenção como também à medida da culpa que ao recorrente cabe, a aplicação ao mesmo de uma pena de prisão ligeiramente abaixo do que o douto acórdão estabeleceu: ou seja. a aplicação de uma pena de 12 (doze) meses de prisão efectiva. 18. Foram violadas, salvo o devido respeito, as normas dos artigos 71º e 72º do Código Penal. 5. O assistente respondeu a este recurso do arguido e concluiu assim: 1. In casu, não existe "mecanicidade", pois que o arguido demonstrou uma total e controlada vontade de desferir os seus golpes, por forma a não só obter o resultado a morte da vitima, como ao mesmo tempo pretendeu-a desfigurar. 2. A mecanicidade pressupõe que o acto agressivo desferido com o primeiro golpe e até ao último tenham todos eles a intenção e finalidade: a morte da vítima. 3. Isto é, mecanicidade é sinónimo de "multiplicidade", mas esta localizada. 4. A diversidade dos locais do corpo da vítima atingidos pelo arguido não pode configurar uma situação de "mecanicidade". 5. A censurabilidade do acto praticado pelo arguido (acto agressivo/intenção/finalidade) foi devida e correctamente valorada pela atribuição da pena. 6. A censurabilidade do acto praticado pelo arguido não releva, minimamente, para a redução da pena por homicídio simples, bem pelo contrário, deve ser valorada neste âmbito concreto. 7. O artigo 131.º do Código Penal, pune não só o "acto de matar", corno castiga a "censurabilidade da forma de execução" daquele acto. 8. O número de facadas e os seus locais apenas deverão ser tidos em consideração, para aumentar o grau de culpa do agente, com repercussão directa no agravamento da medida da pena. 9. O «episódio depressivo grave» bem fundamentado se encontra nos dois Doutos Acórdãos, apesar de o arguido entender o contrário por estarem em termos precisos e concisos, não interferiu com a sua capacidade de avaliar a ilicitude dos factos e/ou se determinar de acordo com essa avaliação (pontos 60., 61. e 62. da matéria de facto provada). 10. Resulta dos autos que o arguido é uma pessoa fortemente dotada para a prudência e reflexividade nos seus actos (características amplamente demonstradas na matéria de facto provada - pontos 61., 62.,64. e 65.). 11. O estado psicológico depressivo não foi determinante ou sequer influenciou a conduta do arguido. 12. O quadro clínico que o arguido trouxe aos autos, apenas lhe atribui esse estado porque se encontra limitado a um período temporal anterior à prática dos factos e lhe poderia possibilitar uma diminuição de culpa. 13. É do domínio público que pessoas diagnosticadas com quadros de "Episódio Depressivo Grave” o não foram com uma demarcação temporal tão precisa e rigorosa e, assim como o lapso de tempo é muito superior para uma correcta valoração da doença (iniciado imediatamente após pratica dos factos). 14. O relatório médico apesar de ser incluído na matéria dada como provada, não permite significar que os Julgadores das diversas Instâncias se tenham sentido impedidos de o valorar segundo os normais juízos de equidade, (como se pode retirar dos atrás transcritos pontos 60., 61. e 62. da matéria de facto provada). 15. O arguido, em sede de audiência de julgamento, descreveu o seu próprio estado de espírito como “sentir-se enraivecido" e em sede de julgamento, volvidos 15 meses, nada há nos autos que suporte um sério e inequívoco arrependimento do arguido, ou mesmo que este tenha compreendido ou interiorizado a gravidade da prática dos actos que cometeu. 16. O comportamento do arguido representa uma desvalorização do acto praticado, da sua gravidade e das suas consequências, do seu egoísmo, em detrimento do valor da vida humana. 17. O sério e inequívoco arrependimento resulta e é aferido pelos Julgadores durante toda a audiência de discussão e julgamento, pela postura do arguido, e mais urna vez, in casu, os diversos Julgadores não ficaram nada convencidos do sério e sincero arrependimento do arguido (ponto 11 da matéria de facto não provada). 18. Apesar de o arguido ter admitido alguns dos factos praticados (aliás e tão só o acto de matar), o Tribunal Superior, conecta e fundamentadamente, não considerou que se estivesse face a uma confissão livre, integral e sem reservas do arguido. 19. Nunca o Douto Tribunal sentiu existir no arguido arrependimento sincero de forma a poder valorar este como um elemento essencial de atenuação e desvalorização dos seus actos. 20. A evidente "confissão" mais não é do que um banal acto descarecido de qualquer prova, em nada tendo sido essencial para a descoberta da verdade. 21. O estado emocional do arguido não foi provocado pelo fim da relação, porquanto tal terminus não era nenhuma novidade, ou algo inesperado, dado que o arguido pode avaliar com toda a clareza a ilicitude da sua conduta e mediu a gravidade dos actos que praticou (pontos 60., 61. e 62. da matéria de facto provada). 22. Tal circunstância - avaliação da ilicitude da sua conduta - nunca pode atenuar a medida da culpa do arguido, antes devendo agravá-la, mesmo que tal factor não tenha sido - como o deveria ter sido - relevante para a verificação da existência de premeditação, ou de um motivo fútil, que deveria ter permitido ao douto Tribunal Recorrido, a inclinação para a qualificação do crime de homicídio qualificado, sempre teria de ser apreciada em sede de culpa, valorando o grau e, em consequência, a medida da pena aplicada, num simples crime de homicídio. 23. No tipo de crime de homicídio, a "atipicidade' não é sinónimo de "primário", nem devendo como tal ser relevado, devendo exigir-se grandes necessidades de prevenção geral, bem como de prevenção especial. 24. Necessidades de prevenção geral e especial, principalmente, quando se está perante um arguido cujas condições pessoais demonstram que o mesmo é uma pessoa culta, possui qualificações académicas superiores, que o seu status social foi adquirido com deslocações ao estrangeiro. (EUA), na convivência com pessoas todas elas de formação académica superior (incluindo a família próxima), e uma entrada no mundo profissional adequada à sua formação académica e social em que estava inserido. 25. Necessidade de prevenção especial porque as condições pessoais do arguido demonstram que é uma pessoa dotada para a paciência, prudência e reflexividade nos seus actos, (características estas amplamente demonstradas na matéria de facto provada - ponto 61 e 62), e que possui uma sólida capacidade de discernimento e de clarividência. 26. A total falta de arrependimento (ponto 11 da matéria de facto não provada) do arguido são tudo condições de especial prevenção que deverão ser valoradas como circunstâncias agravantes, pois atribuem ao arguido uma forte compreensão para a distinção entre o bem e o mal, que não são comparadas às detidas por um homem médio. 27. A contínua e coesa componente dos valores sociais e morais ministrados ao arguido, pelo seu comportamento demonstram que o mesmo não só não os vilipendiou, como os espezinhou. 28. Pelo que, e nunca a medida da culpa será excedida, deverá o arguido ser condenado, na pena privativa de liberdade, como o foi, mas próxima do seu limite máximo, isto é 16 anos, por forma a poder, verdadeiramente, aprender, apreender e interiorizar esses mesmos valores e padrões pilares do suporte de vida em colectividade. 29. Ao, assim, não ter feito o Douto Acórdão Recorrido violou e/ou aplicou erroneamente as disposições legais previstas e punidas pelos artigos 31°, 71º, 131º e 132º n.ºs 1 e 2, alíneas e), j), e h) do Código Penal, bem como artigo 2.° alínea m) e no artigo 86.º da Lei n.º 5/2006 de 23/02. 30. Em consequência, deve improceder, na totalidade, o recurso interposto pelo arguido, e condenar-se, este, numa medida de pena próxima da do seu limite máximo. 6. O M.º P.º na Relação também respondeu ao recurso do arguido, no sentido da sua improcedência. No STJ disse, no essencial, o seguinte, quanto ao recurso do arguido: “(…) Também a nós se nos afigura na verdade (…) que o arguido beneficiou já de todas as circunstâncias passíveis de relevar a seu favor na determinação do "quantum" da pena fixado. Ademais, mesmo no quadro normativo do crime de homicídio simples, do art. 131.º do Código Penal, e para além de não podermos deixar de aqui remeter, expressa e integralmente, para os fundamentos do decidido, permitimo-nos ainda uma breve nota para enfatizar apenas que se nos afigura de todo incompreensível - seja-nos permitido afirmá-lo com o devido respeito - que o recorrente, depois de ver desqualificado para homicídio simples o crime em que foi condenado, ainda assim se permita questionar a medida concreta da respectiva pena: 14 anos de prisão. É que mesmo não podendo, "hic et nunc", discutir minimamente, bem entendido, os fundamentos em que se estribaram, quer a 1ª Instância, quer o Tribunal da Relação, para considerar que as circunstâncias concretas, dadas como provadas, em que o arguido actuou na prática do ilícito não eram, pelo menos, de molde a revelar a especial censurabilidade ou perversidade necessária para qualificar o homicídio, isso não pode significar que essas circunstâncias não devam ser tomadas em conta, como foram - de forma que se nos afigura adequada -, para agravar, em sede de determinação da medida concreta da pena dentro da moldura do homicídio simples, desde logo o elevado grau de ilicitude do facto e o modo de execução deste, bem como formular contra si um juízo acrescido de culpa. Daí que, atentos os critérios legais definidos nos art.ºs 40.º e 71.º do CP, e tendo em conta a moldura abstracta ao caso aplicável (prisão de 8 a 16 anos) e as circunstâncias a convocar, designadamente as enunciadas no Acórdão sob censura, tenhamos por certo que aquela pena concreta foi a adequada. Donde, também nesta parte se nos afigure de todo infundada, e por isso manifestamente improcedente, a pretensão do recorrente. (…)”. 7. RECURSO DO ASSISTENTE O assistente, no recurso que interpôs, concluiu assim: 1. O Acórdão do Tribunal da Relação, ao apreciar e alterar a matéria de facto deveria oficiosamente ter conhecido dos vícios da decisão da 1ª instância, ex vi do artigo 410.°, n.º 2 do C.P. Penal, sendo o acórdão não só nulo, por omissão de pronúncia, na parte em que não conhece destes vícios, que é fundamento de recurso, como permite, e obriga, o presente recurso a versar não só matéria de direito, como também matéria de facto, sobre a qual impendem vícios de conhecimento oficioso por esse Supremo Tribunal. 2. Ao ficar o Tribunal fundadamente convencido (motivação da decisão de facto) que o Arguido não se ia suicidar, que não ia falar (ponto 2 da matéria de facto não provada), saiu de um carro a trabalhar, com uma faca na mão e dirigiu-se à vítima (ponto 15 da matéria de facto provada), devia ter concluído, segundo as regras de experiência comum, que aquele não poderia ter outra intenção que não fosse a de assassinar a vítima, ou seja, que ia predisposto a matar. 3. O Acórdão entra em contradição insanável, quando não dá como provado o facto subjectivo de que o Arguido tinha a intenção de matar formada, mas por outro lado não fica convencido do facto subjectivo contrário (que o Arguido tivesse intenção de se suicidar). 4. A existência de "premeditação" não é passível de ser afastada quando, dos diversos factos provados (7, 8, 9, 10, 11, 12, 14, 15, 16, 17 e 18), não provados (2) e motivação, aplicando as regras da experiência e do senso comum, resulta claramente um iter criminis. 5. Existe contradição insanável da fundamentação, contradição esta que oficiosamente deveria ter sido colmatada no douto Acórdão, nos termos do art. 410.° n.º 2, al. b) devendo Supremo Tribunal de Justiça conhecer destes vício, de conhecimento oficioso, suprindo-o. 6. Existe erro notório na apreciação da prova, ao dar como provado o ponto 15, e ao não dar como provada a intenção de se suicidar, pois um carro a trabalhar torna mais fácil e rápida a fuga na prática de um qualquer acto ilícito que se cometa, o que deveria ter permitido a conclusão que qualquer homem médio com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente apreenderia PI, de que aqueles factos mais não demonstram que uma intenção de matar. 7. Uma correcta apreciação da prova é conducente à inelutável conclusão de que o Arguido não se ia suicidar e que, ao empunhar a faca, já estava determinado a cometer o homicídio. 8. Se os factos tivessem sido valorados logicamente e na perspectiva de um homem médio colocado perante eles, seriam forçosamente enquadrados e subsumidos na al. j) do n.º, 2 do art. 132.º do C. Penal e, ao não o fazer, foi violada tal disposição legal, como consequência do erro notório na apreciação da prova, que se consubstancia na existência de uma incompatibilidade lógica na fundamentação da decisão. nos termos do art. 410.° n.º 2 al. c) do C.P.P., devendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer destes vício, de conhecimento oficioso, suprindo-o, 9. Sendo certo que, se esse Douto Tribunal entender que os vícios de contradição insanável da fundamentação e de erro notório na apreciação da prova, não permitem por si só uma decisão da causa, deverá determinar o seu reenvio para novo julgamento nos termos do n.º 1 do artigo 426,° do C. P. Penal, para que se logre apuramento concreto dos factos. 10. Salvo o devido respeito, o recorrente permite-se sugerir que perante tais flagrantes erros, contradições e incompatibilidades lógicas, terá esse Venerando Tribunal todos os elementos para alterar a decisão da matéria de facto, corrigindo-a e expurgando-a daqueles, podendo a final valorar e enquadrar os actos na Lei, o que resultará numa decisão de condenar o arguido pela prática de um crime de homicídio, na forma qualificada, previsto e punido pejo artigo 132.° do Código Penal. 11. Existe nulidade por omissão de pronúncia ao não conhecer oficiosamente dos vícios referidos, nos termos conjugados dos artigos 379.° n.º al. c) e 410.° n.º 2 als, b) e c) do C.P. Penal. 12. Os factos dados como provados demonstram a especial censurabilidade da conduta do arguido, pois que agiu com reflexão sobre os meios empregados, que se consubstancia numa repetição de facadas, num total de 23 (vinte e três) no corpo da vítima, por a mesma ter terminado uma relação amorosa, movido apenas e só pela sua vontade de expirar uma vida, apenas e só por essa vida ter manifestado um querer diferente do seu; pois que, numa típica atitude de "não andas comigo, não andas com mais ninguém". 13. Circunstâncias concretas reveladoras de uma conduta com alto grau de culpa, especialmente censurável, demonstrativas da reflexão sobre os meios empregues, não consideradas na condenação do arguido, violando-se desse modo os art.ºs 131.º e 132.º, n.º 2, al. j), do CP. 14. Resulta do ponto 23 da matéria de facto provada a frieza de ânimo do arguido que após a primeira facada continuou a desferir facadas letais, conducentes à deformação e desfiguração do corpo da vítima (fls. 35 dos autos e ponto 23 da matéria de facto provada), após viagem por ele efectuada, após espera da vítima, munido de instrumento para matar e com meio de fuga disponível. 15. A conduta do Arguido após ter sido afastado da vítima demonstra a frieza de ânimo pois nunca largou a faca, entregou-a a terceiro e nunca revelou arrependimento (ponto 11 dos factos não provados) o que demonstra uma inusual presença de espírito. 16. Foram violados os artigos 131.º e 132.º n.º 1 e n.º 2 alínea j) do C. Penal, pois tais factos deveriam ter sido valorados e enquadrados naqueles. 17. A páginas 77 do douto acórdão lê-se: "Todavia, o encadeamento dos factos descritos nos pontos 1 a 18 do acervo factológico provado sugerem fortemente que o arguido formou o propósito de tirar a vida a D em função da ruptura da relação de namoro, que manteve durante oito anos, por iniciativa da vítima e/ou movido por ciúmes decorrentes do novo envolvimento sentimental da sua ex-namorada com outro homem." 18. O ciúme deve constituir motivo fútil (in Ac. STJ de 26 de Novembro de 2011). ] 9. ln casu, a motivação, traduzida num sentimento obsessivo e possessivo, nasceu de algo inexistente, pois a relação já tinha terminado e sobre a mesma havia decorrido algum lapso de tempo. 20. Ao não subsumir o "ciúme" do arguido a motivação fútil, foram violados os artigos 131.º e 132.° n.º 1 e n.º 2 al. j) do C. Penal. 21. Devem ser valorados todos os documentos tidos em conta para a formação da convicção, conforme Acórdãos do Venerando Tribunal Constitucional n.ºs 110/2011 e n.º 87/99). 22. Assim, sempre deveria ter-se tido em conta o documento de fls. 374, pois este não só foi junto aos autos pela Policia Judiciária durante a fase de Inquérito, como o Arguido afirmou tê-lo consultado e utilizado para adquirir a faca, como serviu ao Tribunal de I.ª Instância para fundamentar a sua própria convicção, nomeadamente as características daquela ( cf. p. 54 do acórdão recorrido). 23. Tendo sido valorado o documento de fls. 374 para formar a convicção, não foram as características da faca nele constantes, referidas na matéria de facto provada, que a serem atendidas levaria à conclusão da especial perigosidade de tal instrumento. 24. In casu, a faca tem qualidade comprovada e determinadas particularidades e características que permitiram o seu registo, pois que a marca é registada. 25. A valoração dos documentos deve sempre ser não só atendida como permitida pelo Tribunal quando lhe faculte informação que de outro modo não obteria, nomeadamente por deficiência da prova pericial. Tais documentos devem ser considerados como suporte dessa mesma prova vinculada. 26. Parece, salvo o devido respeito, visualizar-se uma deficiência na prova pericial no que concerne ao instrumento do crime, (essencial para a sua qualificação como subscreve o douto acórdão de 4/12/2002 proferido por desse Venerando Tribunal) não tendo a mesma sido colmatada com o reenvio do processo para nova apreciação da matéria nessa concreta parte, nos termos do n.º 1 do 426.º do C. P. Penal, o que resulta numa insuficiência da matéria de facto para a decisão ex vide artigo 410.º, n.º 2, al. a) do C. P. Penal. 27. Além do mais, a faca utilizada pelo Arguido no cometimento do crime devia ter sido considerada arma branca para efeitos da Lei n.º 5/2006, com aplicação in casu do disposto no artigo 86.º do mesmo diploma, e, consequentemente, devia ter sido aplicada a agravação de um terço das penas aplicáveis nos seus limites mínimo e máximo. 28. Isto porque é uma faca de abertura automática, como vem descrito no documento de fls. 374 dos autos, faca que "permite um saque de bolso com abertura rápida" e, portanto, independentemente das suas dimensões, deve ser considerada uma arma branca. 29. Não tendo tido o Tribunal os elementos à disposição que lhe permitiriam um cabal apuramento da classificação do tipo de arma utilizado pelo arguido, deveria ter procedido ao seu reenvio, por não ter matéria de facto suficiente para uma boa decisão da causa, nos termos do art.º 410.º n.º 2 al. a) e 426.º do C.P. Penal, pois de tal apuramento resultará o devido enquadramento da faca na parte final da al. m) do artigo 2° da Lei n.º 512006 e art. 86°, n.º 1, al. d) da Lei n.º 5/2006. 30. No que respeita à medida da pena aplicada pelo Tribunal recorrido, o Recorrente não se conforma com a diminuição operada, pois que viola o n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal. 31. O grau de ilicitude do facto, o modo de execução dos factos, o meio empregue nos factos cometidos, a forma de cometimento e as consequências provocadas pelos mesmos a que acresce a intenção dolosa persistente no tempo, a futilidade do fim e a banalidade do motivo determinantes na sua conduta, em como os sentimentos de obsessão e possessão manifestados no cometimento do crime têm de se considerar ilegítimos, atentos os valores e princípios vigentes na sociedade actual. 32. As condições pessoais do agente, sendo ele uma pessoa culta, particularmente dotada para a reflexividade nos seus actos - pontos 61 e 62 da matéria de facto provada - comprovam uma forte capacidade de discernimento e de clarividência. Ademais, a sua total falta de arrependimento (ponto 11 da matéria de facto não provada), deverão, todas ser consideradas circunstâncias agravantes e nunca atenuantes, pois atribuem ao arguido uma forte compreensão para a distinção entre o bem e o mal que não poderá ser exigido a um homem médio colocado naquela situação concreta. 33. Pelo que, não excedendo a medida da culpa, deverá o arguido ser condenado pela prática de homicídio qualificado, nos termos do artigo 71.º do Código Penal, na pena privativa de liberdade, como o foi, mas próxima do seu limite máximo. 34. Assim, pugnando o Recorrente pela qualificação do crime de homicídio, deverá o arguido ser condenado numa pena próximo do máximo legal, pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º e 132.º n.ºs 1 e 2, al. e), j), e h) do Código Penal, no quadro da respectiva moldura penal. 35. Concedendo mas não admitindo, sempre deverão as circunstâncias concretas em que foi cometido o crime levar esse Supremo Tribunal a aplicar uma pena de prisão efectiva, pela prática de homicídio simples, mais próxima do limite máximo correspondente à medida da culpa do agente. 36. O douto acórdão absolveu o arguido da prática do crime de ofensa à integridade física qualificado contra o ora recorrente, p. e p. pelo art.º 143.º n.º 1, 145.º n.º 1 al. a), decisão com a qual não pode o recorrente conformar-se. 37. O corpo do Assistente foi ofendido, (fls. 25., 26. e 165. dos autos), houve confronto físico entre o assistente e o arguido uma vez que o assistente agarrou o arguido "como se lhe estivesse a dar um abraço", o arguido tentava libertar-se do assistente, o Arguido tinha a faca e, finalmente, o arguido nunca largou a faca. 38. Ora, o tipo legal do artigo 143.º fica preenchido mediante a verificação de qualquer ofensa no corpo ou na saúde, independentemente da dor ou sofrimento causados ou de uma eventual incapacidade para o trabalho. 39. Tendo havido o ataque ao corpo do assistente por parte do arguido quando aquele o agarrou e imobilizou, dúvidas não restam de que o tipo objectivo de ilícito está preenchido, tanto mais que tal tipo fica preenchido com o simples ataque ao corpo do assistente. 40. Assim, aplicando o direito aos factos, nunca o acórdão poderia ter decidido pelo não preenchimento do tipo objectivo do crime de ofensa à integridade física qualificada. 41. Pelo que enferma do vício de contradição insanável previsto na al. b) do art.º 410° do C. P. Penal, entre a fundamentação (indiscutibilidade dos ferimentos no Assistente no decorrer de um envolvimento físico com o Arguido) e a decisão (não preenchimento do tipo objectivo). 42. Assim, deveria o Tribunal da Relação ter procedido ao reenvio previsto no art.º 426.º n.º 1 do C.P, Penal, em virtude do vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão previsto no art.º 410.º, n.º 2, al. a) do C,P. Penal, pois o próprio Tribunal considerou que não tinha matéria de facto suficiente para proceder a uma avaliação concludente. 43. Ora, o arguido empunhava uma faca e tentava libertar-se do recorrente num confronto físico e directo, sabia que com a sua conduta resultaria como possível a causação de ferimentos no recorrente, tendo configurado como possível a ofensa ao corpo e à saúde do Assistente e conformou-se com tal resultado. 44. Pelo que o Tribunal da Relação ao não sufragar por esse entendimento violou o disposto nos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1 al. a) e 2 e 132.º, n.º 2 al. h) do C. Penal, devendo o arguido ser condenado pela pratica de um crime de ofensa à integridade física qualificada, e em consequência, ser atribuída a indemnização devida a título de danos não patrimoniais. 8. O arguido respondeu ao recurso do assistente e concluiu assim: 1. No âmbito dos presentes autos, e inconformado com o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, veio o Assistente B interpor recurso para este Supremo Tribunal, propugnando, na sua essência fundamentante, pela reforma daquele aresto, no sentido de condenar o ora recorrido pela prática quer de um crime de homicídio qualificado, quer de um crime de ofensa à integridade física qualificada. 2. O recurso apresentado pelo Assistente B peca, salvo o devido respeito, não só por uma claudicante interpretação de tais princípios fundamentais do direito penal, bem como, diga-se agora, por um claro desrespeito de determinadas normas adjectivas. 3. Na verdade, e principiando pela última questão acima enunciada, há-de ter-se por certo e seguro que o recurso a que por ora se responde peca por uma manifesta extemporaneidade. 4. É que, não obstante ser pedida pelo assistente a reapreciação do aresto proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, nos termos do artigo 410.º n.º 2 do Código de Processo Penal (a implicar o reexame de matéria de facto), o certo é que, mesmo nesse caso, as normas atendíveis, referentes ao prazo de interposição de recurso, não permitem outra conclusão senão a de que o mesmo deveria ter sido interposto em vinte dias a contar da notificação efectuada por aquele Tribunal em 8 de Agosto de 2011; justamente por se tratar de acto relativo a arguido preso e os respectivos prazos, dada essa mesmíssima circunstância, correrem durante o período das férias judiciais - cf., por tudo, artigos 103.º n.º 2 al. a), 104.º n.º 2, 113.º n.º 2 e 411.º n.º 1 al. a), todos do CPP. 5. Ora, o que realmente se constata é que, de acordo com o carimbo aposto pelos serviços competentes, no recurso a que por ora se responde, deu o mesmo entrada no Tribunal da Relação de Coimbra a 7 de Setembro de 2011 e não, como deveria, a 29 de Agosto - cf. artigo 144.º n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 3° do CPP. 6. E mesmo que ainda se contemple a possibilidade de prática extemporânea de tal acto, certo e sabido é que a mesma só pode ocorrer até ao terceiro dia útil posterior ao termo do prazo, o qual, no caso presente, seria o dia 1 de Setembro de 2011; e sempre mostrando-se paga a multa devida ou as guias para o seu processamento entretanto requeridas - cf. artigos 107.º-A do CPP e 145.º n.ºs 5 a 7 do CPC. 7. Ou seja, tanto quanto pode ser constatado pelo respondente, o recurso ora em apreço, deu entrada nove dias após o termo do prazo peremptório previsto para a sua interposição (art.º 411.º, n.º 1 do C.P.P.) e 6 dias depois do terceiro dia útil posterior ao mesmo; data em que ainda seria admissível, contanto mostrar-se a multa devida paga ou as guias para o pagamento do mesmo entretanto requeridas. 8. Contudo, mesmo quando assim não se entenda, o que apenas por mera hipótese academicamente absurda se admite, estamos em crer que, no mais, os desideratos argumentativos do ora recorrente nunca 'poderão obter qualquer provimento, não merecendo, por aí, o douto acórdão recorrido qualquer reparo. 9. Na verdade e desde logo, a suposta contradição entre a fundamentação e a decisão ou até mesmo o erro notório na apreciação da prova que o recorrente insiste em ver patente no douto aresto ora posto em crise, não têm qualquer fundamento. 10. É que o simples facto de o tribunal recorrido ter concordado com a primeira instância em certos pontos da sua fundamentação e no sentido do seu não convencimento, nomeadamente no tocante à intenção do recorrido em se suicidar à frente da sua ex-namorada, nunca poderia implicar, em nome do respeito pelo princípio do in dubio pro reo, a extracção de uma qualquer conclusão fundamentante de sinal contrário do tipo: se não é dada como provada a intenção do recorrido de cometer suicídio, então aquilo que sempre foi o seu propósito do arguido, de há várias semanas até à fatídica noite, era o assassínio da jovem vítima. 11. Mais: perante uma acusação pública que imputa ao recorrido a prática de um crime de homicídio na forma qualificada mas que, ao mesmo tempo, nem um facto sequer alega no sentido de preencher alguma das circunstâncias modificativas agravantes constantes de tal tipo legal de ilícito, não poderia, qualquer uma das instâncias, nomeadamente o tribunal a quo, extrair, sem mais, da sua falta de convencimento acerca de alguns dos factos que consubstanciaram a defesa do arguido (em concreto, por exemplo, o propósito do mesmo se suicidar à frente da mulher que, diga-se uma vez mais, doentiamente amava, ou o facto de se ter deslocado a Castelo Branco apenas com o objectivo de com ela ter uma conversa), uma qualquer outra intenção, um qualquer outro desígnio assassino, friamente calculado com uma determinada antecedência. 12. Tais raciocínios puramente dedutivos deixam de lado todos os contrapesos que o legislador processual penal entendeu, por bem e em obediência ao programa de um Estado Constitucional Democrático, erigir em verdadeiros obstáculos ao puro arbítrio de um qualquer julgador, tido como um qualquer melhor homem colocado acima dos seus pares e axiologicamente legitimado por um qualquer poder divino e não comunitário. 13. E se nem tais raciocínios dedutivos se poderão prestar à formação de uma decisão prático-axiologicamente correcta e, no fim de tudo, justa, outro tanto se dirá de muitas e meras suposições que o recorrente vai retirando da matéria dada como assente. 14. De facto, nunca assistirá qualquer razão ao recorrente quando, fazendo um uso, estamos em crer, abusivo das regras da experiência comum, pretende que do facto de o recorrido ter deixado, contemporaneamente ao momento em que se abeira da jovem D, o motor e os faróis do seu carro ligados, se extraia a conclusão nunca sugerida em termos fundamentantes por qualquer alegação constante da acusação pública - de que o mesmo já estaria, com tal gesto, a planear a sua fuga; parte essencial de um imaginário plano perfeito, de uma premeditação exemplar, repita-se, nunca demonstrada. 15. Por outro lado, mesmo no que respeita à questão de ser tido ou não como normal que alguém se abeire de outra pessoa, munido de uma faca, apenas para ter uma conversa séria ou descontraída, o recorrente obnubila voluntariamente todo o contexto pessoal e afectivo em que os dramáticos acontecimentos tiveram lugar. 16. Com efeito, e tal como resulta da matéria de facto dada como provada, o recorrido, à altura dos trágicos acontecimentos, padecia de um estado depressivo grave, em que as suas paixões e afectos certamente se encontravam no mais completo desgoverno. 17. Fosse ou não verdadeira a sua intenção de se suicidar perante a Mulher que, de modo doentio, amava, o certo é que, mesmo assim, tudo aponta para algo tão absurdo quanto isso. 18. E, reportando ao que está plasmado em 16. do acervo probatório, o recorrido apenas se aproximou da jovem D, dizendo-lhe que precisavam de falar; ora, poderia ser assim tão estranho, para quem se encontrava deprimido e no mais puro desvario emocional, que, no decurso de tal conversa, cometesse tal acto a si mesmo prometido? 19. De qualquer modo, e bem sabendo que até se encontra afastado qualquer convencimento das instâncias acerca dos desejos suicidas do recorrido, sempre persiste a estranheza acerca do facto daquele se encontrar munido de uma faca quando se abeira da sua ex-namorada. 20. Contudo, um julgador prudente e garante dos princípios fundamentais que norteiam o processo penal saberá certamente resistir a tal estranheza, constatando a existência de uma dúvida razoável. 21. Ou seja, mesmo que não se ofereça qualquer explicação para o facto de o recorrido, emocionalmente afectado e gravemente deprimido, se encontrar munido de uma faca no momento em que se abeira da D, dizendo-lhe que precisam de falar, tal não poderá implicar, sem mais, a conclusão de que, no final de contas, a sua verdadeira e anterior intenção era a de a matar. 22. E a ideia de premeditação, que nunca foi sequer, repita-se, claramente alegada por quem tinha essa responsabilidade, ainda se frustra não só quando se imagina outros tantos cenários bem mais idóneos para a execução de um homicídio perfeito (a ocultação do recorrido nas trevas da noite, numa rua mal iluminada, esperando o momento exacto para, abeirando-se por trás da pobre vítima, lhe desferir um único golpe certeiro e fatal), mas também quando, como se acaba de verificar, não se consegue discernir, de modo convicto, a verdadeira razão pela qual o recorrido se deslocou a Castelo Branco na noite de 14 de Dezembro de 2009. 23. Por outro lado, e já no que toca quer à suposta existência de motivo fútil, quer à frieza de ânimo e até mesmo à utilização de meio especialmente perigoso, igualmente se dirá que os argumentos arrazoados pelo recorrente não poderão colher. 24. Na verdade, e pese embora os arestas jurisprudenciais mencionados pelo recorrente retratarem semelhantes episódios trágicos, nenhum deles refere um homicida envolto em episódio depressivo grave; e deste mesmo conspecto diferencial entre puros ciúmes, gratuitos, que, lá está, podem, muitas vezes, levar à fria premeditação de crimes análogos, à persistência da intenção de matar por um período superior a 24 horas, e um estado de verdadeiro «desgosto de amor» soube o tribunal recorrido retirar, doutamente, as devidas consequências; precisamente no sentido de não se poder ver em tal sentimento, inserido num certo contexto emocional e afectivo, bastamente documentado nos autos em termos de prova pericial, um motivo de pequena monta, revelador de um claro desprezo pela vida humana. 25. E quanto à suposta frieza de ânimo com que o crime foi cometido, também não assistirá qualquer razão ao recorrente, quando o mesmo se socorre da referência aos golpes desferidos e às zonas do corpo atingidas, na certeza de que, tal como acima já foi aflorado, um agente verdadeiramente calculista, furtivo e disposto a matar nunca necessitaria de mais que um golpe certeiro e previamente planeado para causar a morte à sua vítima. 26. Valendo o mesmo por dizer: se é certo que, tal como de resto sempre foi dito pelas instâncias, o próprio carácter das lesões mortais sofridas pela vítima, a D, se revela como fortemente impressivo, certo será também que o que realmente se vê nos golpes desferidos é, outrossim, o reflexo de um claro desnorte, ocasionado por aquele tal disparo emocional sofrido pelo recorrido, às palavras da sua ex-namorada, a qual, naquele momento, o rejeitava. 27. Por seu turno, e já no que tange a questão de saber se o meio empregue pelo recorrido na prática dos actos ilícitos típicos em causa nos presentes autos, se pode considerar, ou não, meio particularmente perigoso - preenchendo, por aí, aqueloutra circunstância qualificativa agravante prevista no respectivo tipo legal - o certo é que, também por aqui, convirá sempre relembrar aquilo que, logo na primeira instância, foi consagrado. 28. O risco que se corre, com claro desrespeito ao princípio da legalidade, de se ter por qualificado todo e qualquer crime de homicídio, caso não se estabeleça um critério distintivo e orientador claro, relativo aos variados instrumentos que podem ser empregues no cometimento de tais ilícitos típicos. 29. Meio especialmente perigoso deverá ser tão-somente aquele que, além da vítima, é susceptível de colocar a vida de terceiros em risco. 30. Por outro lado, diga-se ainda que - perante a insistência do recorrente em querer atribuir a informações publicitárias o mesmo valor probatório que tem de ser dado, outrossim, aos relatórios periciais que tiveram por objecto o exame da faca usada pelo recorrido -, caso tal venha a suceder - o que apenas por mera hipótese de raciocínio se admite -, passarão os tribunais a ter que elevar a Internet (porque essa a proveniência dos dizeres que o recorrente pretende agora trazer ao conhecimento de Vossas Excelências) a fonte de informação autorizada, capaz até, quiçá, de derrogar conclusões que possam ser extraídas da verdadeira prova pericial, a que o julgador, somente a ela, está vinculado. 31. Não sendo de valorar como qualquer tipo de suporte ao exame pericial realizado à faca em questão, haver-se-á de ter por pacífico que nada existe a apontar ao aresto do Tribunal da Relação de Coimbra, quando o mesmo apenas constata não se tratar de «arma branca», uma vez que o comprimento da sua lâmina não excede os 10 cm. 32. Isto é, precludido que está o recurso às informações meramente publicitárias de tal faca, saber se ela tem abertura e fecho automáticos seria algo que se poderia ser extraído do exame pericial. 33. Contudo, mesmo quando assim não se entenda e se prefira inclusivamente esquecer que também esta questão jurídica nem sequer foi valorada pela acusação pública - no sentido de imputar mais um crime ao ora recorrido - terá de se tomar como certa e segura a conclusão de que a medida concreta da pena pela prática do crime de homicídio simples por que aquele foi condenado ainda se encontra dentro da moldura legal prevista na legislação já anteriormente citada. 34. Ou seja, mesmo não tendo havido uma clara referência à lei, mesmo assim não deixaram as instâncias, nomeadamente o Tribunal da Relação, de aplicar pena concreta ao arguido que se situa dentro da moldura penal agravada e prevista para os crimes cometidos com recurso a «arma branca». 35. Pelo que, também por aqui, nunca o douto acórdão recorrido incorreu em qualquer vício. 36. No que concerne à absolvição do recorrido da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada contra o próprio recorrente, diremos, desde já, que inexiste qualquer contradição entre o que ficou provado e o que foi decidido. 37. Da mesma forma que um julgador prudente, ao não ficar convencido de que o recorrido mantinha a intenção de cometer suicídio à frente da sua ex-namorada, não pode logo concluir que ele apenas se encontrava munido de uma faca para a matar, também neste conspecto se compreende o respeito demonstrado pela existência de idêntica dúvida razoável, no sentido em que, da complexidade dialéctica dos depoimentos que sobre tal questão versam, não se pôde retirar qualquer prova convincente sobre o propósito do recorrido em querer, conscientemente, molestar o corpo e ofender a saúde do recorrente. 38. E se não se consegue decidir acerca do carácter voluntário ou involuntário de tal acto, certamente que isso mesmo implicaria a absolvição do arguido da prática do crime de que aqui se cuida. 39. Quando muito, e mesmo que alguma convolação fosse admissível, teria a mesma de ter sido realizada logo no tribunal de primeira instância e sempre no sentido de ver, em toda a dinâmica dos acontecimentos, tão-somente a prática de um crime de ofensa à integridade física simples; tudo na certeza de que, como já anteriormente foi sendo dito, nunca o recorrido, envolto que estava num dado torpor emocional asténico, se apercebeu de quem por trás o manietava, tendo desferido tais golpes de modo instintivo e tentando libertar-se de quem apenas queria fazer cessar todo aquele desvario. 40. Por último, e já no que toca ao desacordo do recorrente com a medida concreta da pena que foi objecto de reforma pelo tribunal recorrido, sempre se dirá que também o recorrido dela discorda. 41. Nos exactos termos em que o expôs no seu recurso, apresentado, em tempo, para apreciação deste Supremo Tribunal. 42. Na verdade, sopesadas que sejam todas as verdadeiras exigências quer de prevenção geral, quer de prevenção especial, temos como certo e seguro que uma pena de 12 anos de prisão efectiva se mostra como mais adequada e, por aí, efectivamente justa. 43. No entanto, e mesmo quando assim não se entenda, a pena de 14 anos, entretanto aplicada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, revelar-se-á sempre como o «menor dos males», escusando-se, já dessa forma, a qualquer reapreciação que a aumente. 44. Em suma, e face ao exposto, o que deverá estar presente no espírito deste Alto Tribunal é a necessidade de prolação de um acórdão que, de uma vez por todas, ponha termo ao tempo da revolta e da raiva - algo tão humano como os mais básicos desvarios, as mais complexas perturbações emocionais - para que, sem mais delongas, se inicie, para todos os envolvidos, a época da conciliação possível com o passado e da restauração da esperança num futuro menos sombrio. 45. E tal só será realmente conseguido quando, longe de quaisquer sentimentos ético-retributivos camuflados por supostas exigências de prevenção, se decida de forma isenta e nunca cedendo a uma qualquer heresis argumentativa que deite por terra os princípios da acusação, da legalidade e da prova e, acima de tudo, do in dubio pro reo. TERMOS EM QUE: Deve o recurso a que ora se responde ser julgado improcedente, por não provado - e apenas quando não se entenda dever ser o mesmo rejeitado, por manifesta extemporaneidade - não se alterando o decidido, pelo menos no sentido proposto pelo recorrente. 9. Quanto ao recurso do assistente, o M.º P.º na Relação invocou a sua intempestividade, o mesmo sucedendo, num primeiro momento, no Parecer do M.º P.º no STJ. Mas, tendo o relator solicitado elementos ao Tribunal da Relação de Coimbra sobre a data e hora em que foi expedido e recebido nesse Tribunal o recurso do assistente, foram convidados a pronunciarem-se novamente os sujeitos processuais, logo que os mesmos chegaram aos autos, tendo o M.º P.º no STJ retratado a sua anterior posição, pois os elementos novos apontavam para que a expedição do recurso tenha sido tempestiva, o que foi também a opinião do assistente, mas não a do arguido, este a manter os seus argumentos anteriores. 10. Uma vez que não foi requerida audiência, foram colhidos os vistos e procedeu-se à conferência com observância das formalidades legais. Cumpre decidir. Por ordem lógica, as principais questões para decidir são: No recurso do assistente: 1ª- A tempestividade do recurso do assistente. 2ª- Nulidade do acórdão recorrido por falta de pronúncia sobre os vícios da matéria de facto a que alude o art.º 410.º, n.º 2. 3ª- Conhecimento pelo STJ de questões relacionadas com a matéria de facto, nomeadamente, os referidos vícios. 4ª- O crime de homicídio como qualificado ou simples. 5ª- A existência de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, al. a) e 2 e 132.º, n.º 2, al. h), do CP, cometido na pessoa do pai da falecida, B, a pena a aplicar pelo mesmo e a respectiva indemnização, a arbitrar por danos não patrimoniais. Nos dois recursos: 6ª- A medida da pena pelo crime de homicídio. 11. Matéria de facto assente. No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos, após alteração de parte da matéria de facto que a 1ª instância tinha estabelecido, no que respeita à produção dos ferimentos no pai da falecida D (transcrição): 1. O arguido e a D, nascida a 03-05-1981 em Castelo Branco, filha de B e C, estudante, solteira, residente na Rua E, mantiveram uma relação de namoro durante cerca de 8 anos, desde o tempo em que ambos frequentaram o ensino universitário na cidade de Coimbra. 2. Tal relação havia sofrido algumas interrupções e foi marcada por alguma conflituosidade, sendo que, pelo menos uma vez, em data não concretamente apurada, o arguido agrediu a ofendida com duas bofetadas. 3. A ofendida D tinha colocado termo a essa relação há cerca de duas ou três semanas antes do dia 14-11-2009. 4. A falecida D no dia 14 de Novembro de 2009 deslocou-se de Coimbra, onde residia e trabalhava, para esta cidade de Castelo Branco, de comboio, tendo aqui chegado pelas 22 horas. 5. Após sair do comboio a D dirigiu-se para casa dos pais, sita nesta cidade, juntamente com o pai, que a tinha ido esperar à gare dos comboios. 6. Pouco tempo depois, contudo, saiu novamente de casa dos pais, para ir jantar com uma prima que, nessa noite, festejava o seu aniversário. 7. Ainda no dia 14-11-2009, pelas 11 horas da manhã, o arguido havia comunicado com a ofendida D pela internet, fazendo-se passar por uma amiga da última, chamada F, tendo para o efeito usado o username desta, que obtivera mediante a instalação de um programa spyware no computador da ofendida. 8. O arguido procedeu a tal instalação em data não concretamente apurada, mas antes de Março de 2009, altura em que o arguido viajou para os U.S.A., onde se manteve até Junho, desse ano, no âmbito do doutoramento que estava a efectuar. 9. Durante essa conversa, tida da forma descrita em 7., o arguido ficou a saber que a ofendida havia já mantido relações sexuais com outro rapaz com quem esta havia, entretanto, iniciado uma relação amorosa. 10. Por via dessa mesma conversa o arguido ficou ainda a saber que a ofendida vinha, nesse dia, para Castelo Branco. 11. Depois de ter tido conhecimento dos factos descritos em 9. e 10., o arguido decidiu, também ele, vir para Castelo Branco. 12. Para o efeito, saiu de Coimbra conduzindo o veículo automóvel do seu pai, de marca Ford, modelo Fiesta, de matrícula 31-HL-35, tendo chegado a Castelo Branco entre as 22,30 horas e as 23 horas. 13. Quando chegou a esta cidade, o arguido dirigiu-se logo para o Bairro do Valongo, mais precisamente à Rua da Raposa, zona onde residem os pais da falecida, e onde ele já havia estado pelo menos numa outra ocasião. 14. O arguido parou a viatura em frente da casa dos pais da D mesmos, à espera de a ver chegar. 15. Perto da meia-noite aquela regressou a casa e, assim que a viu, o arguido saiu de imediato do veículo, deixando o mesmo a trabalhar, munido da faca da marca Boker Jim Wagner, modelo Reality Based Blade, de cor preta, com lâmina articulada e cabo em material polimérico com o comprimento total de 22,5 cm, sendo o comprimento da lâmina o de 9,5 cm e a largura máxima da mesma de 2,5 cm, que trouxera consigo de Coimbra. 16. O arguido havia adquirido tal faca após pesquisa na internet e através daquele meio, duas a três semanas antes do dia 14 de Novembro de 2009 e depois de a D ter terminado o relacionamento entre ambos. 17. O arguido abordou, então, a ofendida, dizendo-lhe que precisavam de falar, tendo aquela retorquido que não tinham mais nada para falar, que estava tudo terminado entre ambos e para ele, arguido, seguir em frente e conhecer outras pessoas. 18. Perante tais palavras da D o arguido, de imediato, aproximando-se da mesma e empunhando a aludida faca, desferiu com a mesma um golpe na região do ombro esquerdo da ofendida, que gritou pelo pai, pedindo ajuda. 19. Este grito foi perceptível para o pai da ofendida, que saiu logo de casa, para ver o que se passava. 20. Todavia, quando chegou às escadas que dão acesso à residência, onde se encontrava a ofendida e o arguido, já o último havia desferido outros golpes com a faca na ofendida, tendo-se o pai desta deparado com o arguido em cima da filha, que se encontrava já caída no chão. 21. O pai da ofendida dirigiu-se de imediato ao arguido para o impedir de fazer ou continuar a fazer o que quer que fosse, pois não se apercebeu logo o que estava a suceder. 22. Enquanto o arguido estava a ser agarrado pelo pai da D, em circunstâncias que não foi possível determinar, o último sofreu duas feridas - uma no tórax, na região medi-clavicular esquerda, com cerca de 3 cm de comprimento e aproximadamente 5 cm de profundidade, sem perfuração dos vasos subclávicos nem da pleura, e outra, incisa do primeiro dedo da mão esquerda -, provocadas pela faca descrita no ponto 15., as quais determinaram no mesmo 10 dias de doença sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional. 23. No total o arguido desferiu 23 golpes com a faca na ofendida, provocando-lhe: - uma ferida perfurante na região supra clavicular direita com orientação de cima para baixo atingindo a clavícula, com cerca de 4 cm de comprimento e 10 cm de profundidade, atingindo a veia sub-clavia direita e a pleura parietal, uma ferida perfurante com cerca de 3 cm de comprimento, com orientação de cima para baixo e de fora para dentro, penetrando cerca de 3 cm até ao externo e bordo superior do 4.º arco costal direito, apresentando um entalhe de cerca de meio cm de profundidade; - duas feridas lineares de secção transversal, de características perfurantes, com cerca de 2 e 4 cm de comprimento, na região supra clavicular esquerda, com orientação de cima para baixo; - uma ferida perfurante de cima para baixo, com cerca de 3 cm de comprimento, no limite superior da mama esquerda, atingindo o bordo superior do 4.º arco costal esquerdo; - duas feridas perfurantes na transição entre o tórax e a raiz do membro superior esquerdo, com cerca de 3 cm de comprimento e orientação de cima para baixo e de fora para dentro, atingindo a pleura e o pulmão esquerdo; - uma ferida perfurante na face interior da mama esquerda de trajecto horizontal, com cerca de 3 cm de profundidade e sem penetrar na cavidade torácica; - três feridas perfurantes na região para vertebral esquerda, junto à linha média, todas com orientação oblíqua de cima para baixo, perfurantes até à cavidade pleural, uma com cerca de 4 cm de comprimento, de traço horizontal e duas de cerca de 3 cm, de corte vertical; - uma ferida para vertebral direita, perfurante, junto à linha média, atingindo a coluna vertebral ao nível da 2.ª vértebra dorsal e penetrando cerca de meio cm no osso; - três feridas perfurantes na região interescapular esquerda com cerca de 3 cm e orientação de cima para baixo, sendo as duas inferiores perfurantes para a cavidade pleural; - uma ferida perfurante ao nível do ombro esquerdo, com cerca de 3 cm, atingindo a cabeça do úmero; - duas feridas perfurantes na face antero interna do braço direito, com orientação de cima para baixo e com cerca de meio cm de profundidade; - ferida incisa, transversal, da face interna da mão direita, na transição metacarpo-falângica, desde a raiz do indicador até à zona média da palma da mão, com características de defesa; - duas feridas perfurantes na região frontal desferidas com violência, com fractura do osso frontal; - uma ferida cortante do lábio inferior até ao mento; Lesões estas que foram causa directa e adequada da morte daquela, principalmente as lesões traumáticas torácicas atrás mencionadas. 24. Ao agir da forma supra descrita, desferindo todos aqueles golpes com a faca de que previamente se munira, o arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, com o propósito de tirar a vida a D. 25. O arguido tinha, para além do mais, perfeito conhecimento de que a sua conduta, relativa ao imputado crime de homicídio, era proibida e punida por lei. 26. Os demandantes são, respectivamente, pai e mãe da falecida e os seus únicos herdeiros. 27. Os demandantes suportaram as despesas do funeral, no montante de 1.422,50 €. 28. Suportaram ainda o pagamento do fato com o qual D foi a sepultar, no montante de 200,00 €. 29. Nas circunstâncias de tempo e local descritas na douta acusação pública a D, após ter sido desferida sofre si a primeira facada, sentiu medo. 30. Sentiu dor quando o primeiro golpe lhe foi infligido, bem como nos posteriores, até ao derradeiro golpe, que lhe retirou a vida. 31. Entretanto temeu a morte e clamou pelo auxílio de seu pai. 32. Sentiu angústia, desespero e impotência perante o agressor. 33. No momento da agressão descrita na acusação, os lesados encontravam-se no interior da sua habitação, à porta da qual aquela se consumou. 34. O Lesado B ouviu a filha clamar pelo seu auxílio, tendo acorrido ao exterior da sua casa para ver o que se passava. 35. Deparando-se com o arguido debruçado sobre a sua filha, agarrou-o para que este se afastasse. 36. O assistente B teve de ser transportado ao hospital para ser assistido aos ferimentos. 37. Logrou imobilizar o arguido, sem todavia perceber a gravidade dos ferimentos infligidos à sua filha, que já estaria morta nessa altura. 38. O lesado foi militar, encontrando-se reformado da Guarda Nacional Republicana. 39. Entregou o arguido às autoridades que se deslocaram ao local. 40. Os lesados ficaram consternados quando se aperceberam que a sua filha tinha falecido à porta de casa, sem que estes nada tivessem podido fazer. 41. Ficaram em estado de choque ao verem a filha mutilada por 23 facadas provenientes da faca descrita nos autos e ensopada no próprio sangue. 42. O lesado é perseguido pela amargura de, enquanto GNR reformado, ter cumprido o seu dever de entregar o Arguido às autoridades, mas, como pai, não ter posto termo à vida do arguido no próprio local do crime, o que, atento o seu treino, e após o ter manietado, poderia ter feito. 43. A D era uma jovem mestra em Biologia, tendo feito a sua formação académica na Universidade de Coimbra. 44. Tinha acabado de receber uma bolsa de estudo que suportaria o seu Doutoramento. 45. Era uma jovem determinada, estudiosa, sendo prezada pelos que a rodeavam. 46. Era o orgulho e razão de viver dos seus pais, que lhe devotavam todos os esforços para a respectiva realização pessoal e profissional. 47. Era, apesar de residir em Coimbra, uma filha interessada no dia-a-dia dos pais, a quem ligava frequentemente, bem como visitava ao fim-de-semana. 48. Era a única filha dos Lesados. 49. A morte da D deixou os Lesados desmotivados para a vida e sem objectivos pessoais a cumprir. 50. Tendo ambos os Lesados mais de 50 anos, não têm expectativas de ver nascer um outro filho, pelo que a sua descendência terminou com a morte de D, o que muito os angustia. 51. A lesada vem sendo acompanhada em consultas de psicologia. 52. Desde cerca de seis meses antes da prática do facto que o arguido vinha apresentando um quadro depressivo, com tendência para o suicídio. 53. Em Agosto de 2009, por pressão do Orientador no doutoramento recorreu a ajuda médica sendo que: - No dia 10-08-2009, às 08:32, foi consultado no Centro de Saúde Norton de Matos, em Coimbra, onde pode ler-se o seguinte registo: “REACÇÃO AGUDA AO STRESS + SENSAÇÃO DE DEPRESSÃO Desmotivação+anedonia+labilidade emocional, por vezes pensamentos destrutivos ... a fazer doutoramento sem interesse sobre o trabalho ... hipersonia, relacionamento namorada instável.COC. Discurso coerente, sem alt. do senso percepção, humor depressivo, PERTURBAÇÕES DEPRESSIVAS (Cipralex 10), higiene do sono, volta dentro de 1 mês para reavaliação”. - No dia 22-09-2009, às 13:56, foi consultado no Centro de Saúde Norton de Matos, em Coimbra, onde pode ler-se o seguinte registo: “não se sente em condições para trabalhar PERTURBAÇÕES DEPRESSIVAS (Cipralex 10 mg) + PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CIT)”; - No dia 19-10-2009, às 08:38 foi consultado, novamente, no Centro de Saúde Norton de Matos, constando do respectivo registo “menos melancólico, mantém dificuldades de concentração e de rentabilidade. VEM PEDIR BAIXA”; - No dia 26-10-2009, às 08:32, foi consultado, pela última vez, no Centro de Saúde Norton de Matos, constando do respectivo registo «vem pedir prorrogação de baixa para justificar falta de produtividade perante bolsa de estudo». 54. O arguido, até Outubro antes da data dos factos, encontrava-se a realizar doutoramento na área da biologia genética, tendo suspendido, nessa altura, devido ao quadro depressivo mencionado em 53. o projecto de doutoramento. 55. O arguido era considerado bom colega, amigo, filho e vizinho. 56. Não tem antecedentes criminais. 57. O arguido denotou atitude contrita em audiência de julgamento, tendo confessado os factos, embora sem relevo para a descoberta da verdade. 58. Da avaliação psicológica realizada ao arguido resulta que este apresenta um perfil de personalidade em que os sujeitos são descritos como ansiosos, deprimidos, tensos, retraídos, obsessivos, com sentimentos de insegurança, de inadequação e de inferioridade; que podem apresentar uma vida de fantasia, delírios e alucinações, pelo que, frequentemente são classificados como psicóticos; Indica ser uma pessoa muito vulnerável ao stress, que quando confrontado com situações de grande tensão emocional tende a reagir com índices elevados de ansiedade, não possuindo capacidades para se adaptar a novas situações ou situações indutoras de stress. 59. À data da prática dos factos descritos nos autos o arguido apresentava quadro clínico-psiquiátrico compatível com o diagnóstico nosológico de Episódio Depressivo Grave, sem sintomas psicóticos, conforme ao ponto F32.2 da 10.ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) da Organização Mundial de Saúde (OMS). 60. À data da prática dos factos, a perturbação nomeada em 59. não interferiu com a capacidade do arguido avaliar a ilicitude dos factos dos quais vem acusado e/ou de se determinar de acordo com essa avaliação. 61. De igual modo, à data da prática dos factos, tal perturbação, não diminuiu, sequer sensivelmente, a capacidade do arguido avaliar a ilicitude dos factos dos quais vem acusado e/ou de se determinar de acordo com essa avaliação. 62. O arguido é o mais velho de uma fratria de 2 irmãos, sendo o pai professor do ensino básico e a mãe escriturária numa clínica de RX. 63. Tirou a Licenciatura de Biologia, passou a trabalhar numa Bolsa de Investigação no Porto e, na altura dos factos, encontrava-se a fazer o Doutoramento em Genética, cujo projecto suspendeu em Outubro de 2009. 64. Sempre teve tido um desenvolvimento escolar e profissional satisfatório. 65. O relacionamento com os pais e irmão e entre aqueles sempre se pautou pela normalidade, com algumas discussões mas também afecto. 66. Viveu em casa dos pais até aos 24 anos, quando se mudou para a cidade do Porto, em virtude do trabalho desenvolvido na Bolsa de Investigação onde passou a residir em casa de um familiar. RECURSO DO ASSISTENTE: 12. Tempestividade: O acórdão recorrido foi notificado ao assistente, ora recorrente, por carta registada datada de 4 de Agosto de 2011 (fls. 1282). Essa notificação presume-se feita, nos termos do n.º 2 do art. 113.º do CPP, no terceiro dia útil posterior, o mesmo é dizer, também por força do n.º 2, al. a), do art. 103.9 do CPP, no dia 9 de Agosto de 2011. O prazo para interposição de recurso é de 20 dias e conta-se a partir da notificação da decisão (art. 411.º, n.º l, al. a), do CPP). Por consequência, esse prazo terminou no dia 29 de Agosto de 2011 (segunda feira), pois, sendo um processo com arguido preso, o prazo não se interrompe durante as férias judiciais (art.ºs 103.º, n.º 2-a e 104.º, n.º 2, do CPP). Tendo ainda em conta o disposto nos art.ºs 104.º, n.º 1 e 107.º, n.º 5 do CPP, e 145.º, n.º 5 do CPC, o acto ainda poderia ser praticado, com pagamento de multa, no dia 1 de Setembro de 2011. Ora, o assistente interpôs o recurso, via "fax", por ligação telefónica estabelecida com o Tribunal recorrido no dia 1 de Setembro de 2011, às 23 h 59 m (hora oficial do fax do tribunal, certificada pela Secretaria), embora apenas no dia 2 de Setembro de 2011 tenha sido recebida a totalidade do recurso, aliás, logo de seguida completada com novo envio da totalidade das folhas, pois no primeiro envio faltava uma delas. O que releva, então, para se apurar a tempestividade do recurso? O dia e hora da ligação por telecópia ou o dia e hora em que foi apresentada a totalidade das páginas do recurso? O artigo 150.º do CPC resolve esse problema, no nº 2, al. c), onde se estabelece que os actos processuais podem ser praticados pelas partes por envio através de telecópia, valendo como data da prática do acto processual a da expedição. A razão de ser deste preceito, a nosso ver, é a de definir como relevante o momento em que começa a ser expedido o documento que a parte deseja entregar no tribunal, pois é o único que de algum modo pode controlar, já que o envio por telecópia de um documento com várias páginas torna incerto o momento em que vai terminar a transmissão, dada a falibilidade técnica do meio usado. Enquanto no envio por correio o documento segue de uma só vez, o envio por telecópia é sincopado no tempo e pode falhar por razões estranhas ao remetente. Deste modo, o acto em causa – recurso do assistente - foi praticado ainda no último dia do prazo, com pagamento da multa respectiva (que foi cobrada) e, portanto, é tempestivo. 13. Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia. O assistente invoca que o tribunal recorrido omitiu pronúncia ao não se ter pronunciado sobre os vícios da matéria de facto a que se reporta o art.º 410.º, n.º 2, do CPP, pois os mesmos são de conhecimento oficioso. Na verdade, o art.º 379.º, n.º 1, al. c), dispõe que a sentença é nula quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Ora, o tribunal recorrido analisou a matéria de facto de acordo com as questões que lhe foram colocadas pelos três recorrentes (M.º P.º, assistente e arguido) e nenhuma delas respeitava a eventuais vícios da matéria de facto que resultassem do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, como a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, e o erro notório na apreciação da prova. Como muitas vezes se tem dito, o objecto do recurso é definido pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo de o tribunal poder conhecer de outras a que a lei e a jurisprudência têm reconhecido carácter oficioso, entre as quais, na verdade, avultam os vícios da matéria de facto, pois estes, sendo patentes e notórios como refere a lei, impedem o tribunal de decidir ou de tomar a melhor decisão. Não faz sentido, porém, um recorrente não invocar no seu recurso a existência de algum desses vícios e, depois, acusar o tribunal de omissão de pronúncia por deles não ter tomado conhecimento oficioso. Com efeito, o tribunal de recurso não é obrigado a conhecer das questões que não lhe são colocadas pelos recorrentes. E quanto àquelas que são de conhecimento oficioso, decide-as apenas no caso de o próprio tribunal reconhecer a sua existência e não porque, posteriormente, fora do momento próprio, algum desses recorrentes se lembrou que, afinal, havia questões que se esqueceu de colocar no recurso. De resto, o tribunal de recurso, ao ter validado parcialmente os factos provados na 1ª instância e corrigido os outros, depois de ter formulado o seu juízo crítico de acordo com as questões de facto colocadas pelos recorrentes e outras que lhe tenha oficiosamente ocorrido, implicitamente decidiu que não havia erros, lapsos, obscuridades e contradições nos factos que o impedissem de decidir de direito. Por isso, não tem sentido a alegação de que a sentença é nula por falta de pronúncia sobre questão que não lhe foi colocada pelo recorrente. 14. Do conhecimento da matéria de facto por este tribunal. Inúmeras vezes tem o Supremo Tribunal de Justiça decidido que, após a revisão do CPP operada em 1998 (Lei 59/98), os seus poderes de cognição, quer nos recursos directos da 1ª instância, quer das decisões das relações proferidas em recurso, são exclusivamente de direito, pressupondo em ambos os casos a prévia fixação da matéria de facto, pelo que é inútil os recorrentes suscitarem tais questões, ainda que a coberto da invocação dos vícios a que se reporta o art.º 410.º, n.º 2, do CPP. Na realidade, antes de tal revisão, os recursos das decisões do tribunal colectivo eram obrigatoriamente dirigidos ao STJ, pelo que fazia sentido que os recorrentes, nesses casos de recurso directo para o STJ, como não podiam impugnar a matéria de facto por reporte à prova produzida na audiência (que nem sequer era registada ou transcrita para a acta), pudessem, de algum modo, discuti-la por invocação dos vícios referidos naquela norma do CPP. A revista «alargada» para o STJ, ao tempo, incluía, portanto, o poder deste Tribunal para mandar modificar a matéria de facto, por reenvio para o tribunal da 1ª instância, a pedido do recorrente. Com a reforma de 1998 do CPP, o recurso do tribunal colectivo passou a poder ser interposto ou para a Relação ou para o STJ, consoante o objecto do recurso. Se o recorrente quer discutir a matéria de facto, ou por considerar que há discordância entre a prova registada em acta e a matéria de facto estabelecida na sentença, ou por entender que esta padece de algum dos referidos vícios da matéria de facto, recorre obrigatoriamente para a relação (art.ºs 427.º e 428º do CPP). Mas, se só quer abordar matéria de direito, recorre obrigatória e directamente para o STJ (art.ºs 432.º-c, 433.º e 434.º do CPP), caso em que não pode invocar algum daqueles vícios e se conforma inteiramente com a matéria de facto. Do mesmo modo, tendo o recorrente optado por abordar questões de facto em recurso dirigido para a relação, o novo recurso que seja admissível para o STJ da decisão proferida por aquele tribunal superior, agora puramente de revista, pressupõe a prévia fixação da matéria de facto e o recorrente já não pode voltar a invocar questões «de facto», ainda que sob a capa dos vícios da sentença (art.º 434.º do CPP). Efectivamente, a referência que nesta última norma é feita ao art.º 410.º, n.º 2, do CPP, é a possibilidade reservada ao STJ de poder reenviar o processo para novo julgamento da matéria de facto, quando entenda que não pode decidir de direito. Trata-se de uma válvula de escape do sistema, pois casos há em que a matéria de facto é de tal modo obscura, contraditória, ou omissa, que não é possível decidir. Contudo, é um poder oficioso, da iniciativa exclusiva do tribunal e não de um direito que assista ao recorrente de obrigar o STJ a rever a matéria de facto, pois, como se disse, as questões de facto, como objecto do recurso, ficaram definitivamente encerradas com a decisão proferida na relação. Sendo assim, improcedem todas as invocações de vícios a que alude o art.º 410.º, n.º 2, do CPP feita pelo assistente, ora recorrente, pois delas o STJ não tomará conhecimento. 15. Homicídio simples ou qualificado? O arguido foi acusado de ter cometido, para além do mais, um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e), in fine, h) e j), todos do Código Penal. A primeira instância entendeu que o crime era, porém, o de homicídio simples, mas dessa decisão recorreram todos os intervenientes processuais, sendo que o M.º P.º e o assistente pediram que se considerasse o crime de homicídio como qualificado. Agora, no seu recurso para o STJ, o assistente entende que o crime é o de homicídio qualificado, por força das alíneas e), h) e j) do n.º 2 do art.º 132.º do CP. Pelo contrário, o arguido pugna pela manutenção do crime como homicídio simples. Quid juris? Não vamos aqui repetir tudo o que já foi dito nos autos sobre a distinção entre o homicídio simples e o qualificado. Basta recordar que a qualificação do crime vem prevista no art.º 132.º e aí o legislador não quis organizá-la de uma forma taxativa, antes optou por uma fórmula aberta, embora cingida a certos parâmetros, que deixa ao aplicador uma margem de ponderação das circunstâncias, por forma a casuisticamente determinar se este ou aquele facto integra o conceito legal de homicídio qualificado. Isso é feito pela afirmação genérica de um especial tipo de culpa, que vem assim descrito no n.º 1: “Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de 12 a 25 anos”. Aliou-se essa formulação genérica à “chamada técnica dos exemplos-padrão. Alguns desses exemplos padrão, estão formulados no n.º 2 do art.º 132.º deste modo: «É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente: a) Ser descendente ou ascendente, adoptado ou adoptante, da vítima; b) Praticar o facto contra cônjuge, ex-cônjuge, pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, ou contra progenitor de descendente comum em 1.º grau; c) Praticar o facto contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez; d) Empregar tortura ou acto de crueldade para aumentar o sofrimento da vítima; e) Ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil; f) Ser determinado por ódio racial, religioso ou político; g) Ter em vista preparar, facilitar, executar ou encobrir um outro crime, facilitar a fuga ou assegurar a impunidade do agente de um crime; h) Praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum; i) Utilizar veneno ou qualquer outro meio insidioso; j) Agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas;...». Vem a doutrina entendendo, embora dividida (1), que os exemplos-padrão prendem-se essencialmente com a questão da culpa, mais do que com a ilicitude, pois ainda que se refiram a um maior desvalor da conduta (por exemplo, o homicídio cometido na pessoa do pai ou do filho), não é essa circunstância, por si, que determina a qualificação do crime, antes a especial censurabilidade ou perversidade do agente, isto é, o especial tipo de culpa (2). Essencial, é que, as circunstâncias em que o agente comete o crime revelem uma especial censurabilidade ou perversidade, ou seja, uma censurabilidade ou perversidade distintas (pela sua anormal gravidade) daquelas que, em maior ou menor grau, se revelem na autoria de um homicídio simples. Importa precisar o que é a especial censurabilidade ou perversidade. Permitimo-nos aqui citar Teresa Serra (”Homicídio Qualificado – Tipo de Culpa e Medida da Pena”, págs. 63 a 65): «Como se sabe, a ideia de censurabilidade constitui o conceito nuclear sobre o qual se funda a concepção normativa da culpa. Culpa é censurabilidade do facto ao agente, isto é, censura-se ao agente o ter podido determinar-se de acordo com a norma e não o ter feito. No artigo 132.º, trata-se de uma censurabilidade especial: as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores...Com a referência à especial perversidade, tem-se em vista uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada e constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade. Significa isto pois, um recurso a uma concepção emocional da culpa e que pode reconduzir-se «à atitude má, eticamente falando, de crasso e primitivo egoísmo do autor, de que fala BINDER. Assim poder-se-ia caracterizar uma atitude rejeitável como sendo aquela em que prevalecem as tendências egoístas do autor, Especialmente perversa, especialmente rejeitável, será então a atitude na qual as tendências egoístas ganharam um predomínio quase total e determinaram quase exclusivamente a conduta do agente...Importa salientar que a qualificação de especial se refez tanto à censurabilidade como à perversidade. A razão da qualificação do homicídio reside exactamente nessa especial censurabilidade ou perversidade revelada pelas circunstâncias em que a morte foi causada. Com efeito, qualquer homicídio simples, enquanto lesão do bem jurídico fundamental que é a vida humana, revela já a censurabilidade ou perversidade do agente que o comete». Vejamos agora se alguma das circunstâncias qualificativas indicadas na acusação e, agora, no recurso do assistente, se verificam e se revelam especial censurabilidade. a) Motivo torpe ou fútil «“Por qualquer motivo torpe ou fútil” significa que o motivo da actuação, avaliado segundo as concepções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito» (Comentário Conimbricense, I, 1999, p. 32). Motivo «torpe» é, assim, o que se considera comummente como muito repugnante ou baixo. “Motivo fútil é aquele que não pode razoavelmente explicar e, muito menos, justificar a conduta do agente”. É “o motivo sem valor, irrelevante, insignificante”. É “aquele que não tem qualquer relevo, que não chega a ser motivo, que não pode sequer razoavelmente explicar (e, muito menos, portanto, de algum modo justificar) a conduta”. É “aquele que não tem importância, é insignificante, irrelevante” (3). Ora, o motivo do assassinato foi o ciúme exacerbado do arguido, o qual, teve uma relação de namoro durante cerca de 8 anos com a vítima, embora com algumas interrupções e que terminou por vontade exclusiva da ofendida D, duas ou três semanas antes do dia 14-11-2009. Sucede que o arguido, através de uma intromissão na vida privada da vítima, pois que introduzira um programa de espionagem no computador da mesma, veio a saber, no próprio dia do crime, que ela iniciara um relacionamento com outro, com quem chegou a manter relações sexuais. A paixão ou ciúme que leva a matar a pessoa que se diz amar é um sentimento muito reprovável, pois que não demonstra amor, que é uma dádiva, mas uma enorme frustração pelo sentimento de perda, como se o outro que se diz amar fosse uma coisa apropriável ou já apropriada. E conduz a uma contradição, pois que leva a não querer bem a quem se diz que mais se quer. Mas, também sabemos que matar por ciúme é um tema clássico da arte (o do Otelo que mata Desdémona e as suas múltiplas réplicas na literatura, no cinema, no teatro), o que demonstra que tem sido universal e intemporal. Esperar-se-ia, porém, que hoje em dia, quando vivemos numa sociedade mais aberta, mais informada e mais democrática do que qualquer das anteriores, o ciúme – não podendo desaparecer, pois que é um sentimento natural e espontâneo – não fosse tão patológico e aberrante, ao ponto de alguém querer tirar a vida a outrem só porque essa outra pessoa não corresponde aos afectos que se desejam dar. Todo o homicídio é reprovável, como reprováveis ou muito reprováveis são a esmagadora maioria dos motivos que levam a tal acto. Por isso se disse anteriormente que há que encontrar uma especial censurabilidade ou perversidade no acto para o crime ser legalmente considerado como homicídio qualificado, algo que seja particularmente reprovável no domínio da culpa do agente, que o faça distinguir dos homicídios mais comuns. Ora, a relação afectiva entre o arguido e a ofendida ainda era próxima no tempo e terminara por vontade desta, o que era um direito, sem dúvida, que lhe assistia por inteiro e que não poderia ser contestado por quem quer que fosse, muito menos com violência. Mas, o arguido descobrira, abusivamente, que o motivo (aparente) do fim do namoro fora a existência na vida da ofendida de uma outra pessoa por quem se enamorara. Também aqui o arguido teria de respeitar a vontade da sua ex-namorada, pois seria o que qualquer pessoa civilizada teria feito. Não há, pois, que conceder que o motivo do crime foi de algum modo compreensível, pois não o foi. Foi mesmo um motivo muito reprovável, até porque não se provou que o relacionamento entre o arguido e a vítima tivesse passado para além da fronteira do «namoro», isto é, de uma fase do relacionamento em que ainda não há compromisso de vida em comum. Não eram casados, nem sequer viveram numa situação análoga, pelo menos pelo que consta dos factos provados. Mas, embora o motivo tenha sido muito reprovável, não se deve qualificá-lo como «fútil», isto é, irrelevante ou insignificante, ou como «torpe», ou seja, vil e abjecto. Teresa Serra, citada pelo assistente, refere que o ciúme, em certas condições, pode ser considerado como motivo torpe ou fútil. Será o caso, diremos nós, por exemplo, de um relacionamento já terminado há muito tempo e em que um dos indivíduos descobre que o outro tem agora uma nova companhia e decide, mais por despeito do que por ciúme, matar o seu ex-cônjuge. Como também é o caso relatado no acórdão do STJ citado pelo assistente (de 26-11-2008, proc. 08P3706), que se reporta a uma situação factual em que o ciúme que levou o marido a matar a sua mulher não tinha qualquer suporte nos factos e não passava de uma mera suspeita, completamente infundada. Nesse caso, que não é equiparável ao dos autos, o motivo foi considerado “fútil”, por ser imaginário e quase tresloucado. Assim, o ciúme que o arguido sentiu e que o levou ao crime – o ciúme exacerbado de um namoro que findara ainda muito recentemente - não pode ser considerado como especialmente censurável, ao ponto de conduzir o crime ao de homicídio qualificado, embora seja muito censurável. b) Utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum O arguido perpetrou o crime munido de uma faca da marca Boker Jim Wagner, modelo Reality Based Blade, de cor preta, com lâmina articulada e cabo em material polimérico com o comprimento total de 22,5 cm, sendo o comprimento da lâmina o de 9,5 cm e a largura máxima da mesma de 2,5 cm, que trouxera consigo de Coimbra. O Prof. Figueiredo Dias (10) discorreu assim: «(...) Utilizar meio particularmente perigoso é ..servir-se para matar, de um instrumento, de um método ou de um processo que dificultem significativamente a defesa da vítima e que (não se traduzindo na prática de um crime de perigo comum) criem ou sejam susceptíveis de criar perigo de lesão de outros bens jurídicos importantes. (...) deve sobretudo ponderar-se que a generalidade dos meios usados para matar são perigosos e mesmo muito perigosos. Exigindo a lei que eles sejam particularmente perigosos, há que concluir duas coisas: ser desde logo necessário que o meio utilizado revele uma perigosidade superior à normal nos meios usados para matar (não cabem seguramente no exemplo-padrão e na sua estrutura valorativa revólveres, pistolas, facas ou vulgares instrumentos contundentes); em segundo lugar, ser indispensável determinar, com particular exigência e severidade, se da natureza do meio utilizado - e não de quaisquer outras circunstâncias acompanhantes - resulta já uma especial censurabilidade ou perversidade do agente. Sob pena, de outra forma - aqui, sim! -, de se poder subverter o inteiro método de qualificação legal e de se incorrer no erro político-criminal grosseiro de arvorar o homicídio qualificado em forma-regra do homicídio doloso». Postas as coisas com esta clareza, verifica-se que a arma utilizada pelo arguido não pode ser qualificada como meio particularmente perigoso e, portanto, é insusceptível de integrar o exemplo-padrão sob apreciação. De resto, como veremos a seguir, a faca utilizada pelo arguido nem é de porte e uso proibido, consoante resulta da Lei das armas. A este respeito, efectivamente, discorreu assim o acórdão recorrido, com o nosso apoio: «Para os efeitos da alínea h) do n.º 2 do artigo 132.º, são crimes de perigo comum não apenas os previstos nos artigos 272.º e ss. do CP, mas também outros crimes de perigo comum previstos fora daquele diploma, como, por exemplo, o crime previsto no artigo 86.º da Lei n.º 5/2006, na redacção dada pela Lei n.º 17/2009, de 6 de Maio (4). Sucede, porém, que o facto praticado pelo arguido não consubstancia a prática de um crime de detenção de arma proibida. Vejamos: Dispõe o referido artigo 86.º, na parte que importa considerar, na redacção introduzida pela Lei 17/2009, a vigente à data da prática dos factos: «1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo: d) Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse (…), é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias». Por sua vez, o artigo 2.º, al. m) do mesmo diploma dá-nos o conceito de arma branca, onde se integra todo o objecto ou instrumento portátil dotado de uma lâmina ou outra superfície cortante, perfurante, ou corto-contundente, de comprimento igual ou superior a 10 cm. Ora a lâmina da faca utilizada pelo arguido tem o comprimento de 9,5 cm. Deste modo, a faca em causa não é arma branca e, consequentemente, a detenção desse instrumento pelo arguido não configura o crime (de perigo comum) do citado art. 86.º, n.º 1, alínea d).» A redacção desta última alínea suscita alguma reflexão a propósito da faca usada pelo arguido. Poderá integrar-se no conceito de “outras armas brancas” [ou de um dos “instrumentos] sem aplicação definida que possam ser usados com arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse”? O conceito de “arma branca” está definido no art.º 2.º, al. m) do referido diploma, como vimos, e nele não cabe a faca usada pelo arguido, por não possuir pelo menos 10 cm de lâmina, apesar de não ter aplicação definida, de poder ser usada como arma de agressão e de o seu portador não ter justificado a sua posse. As “outras armas brancas sem aplicação definida”, referidas na alínea d), serão todas as que, tendo uma lâmina com aquele comprimento mínimo, não sirvam, por exemplo, para a cozinha, ou para o talho ou para o corte de material numa oficina (por exemplo, um punhal com 10 cm ou mais de lâmina). Já os “engenhos” ou “instrumentos” que não têm aplicação definida e podem ser usados como arma letal de agressão serão, logicamente, outros que não objectos ou instrumentos portáteis dotados de uma lâmina ou outra superfície cortante ou perfurante (navalhas, facas, etc.), pois estes só se integram nas armas da classe E se estiverem nas condições apontadas. Tais “engenhos” ou “instrumentos” serão, por exemplo, luvas ou bolas de aço, bastões, mocas, etc. O assistente/recorrente invoca que, segundo a página da internet da empresa que vende a dita faca usada pelo arguido, esta é “a melhor faca táctica do mundo”, “lâmina estilo gládio de elevado factor de penetração”, “uma zona de corte em arco, mais área de corte em menor espaço”, “dois rasgos de sangue no reverso”, “permite um saque de bolso com abertura rápida”, “a melhor faca jamais existente para operacionais de polícia, militares e contra-terroristas”. Ora, segundo o recorrente, esta página não foi considerada e valorada pela Relação, mas foi-o na 1ª instância. Contudo, mesmo dando de barato que o que consta nessa página da internet, apesar de ser pura publicidade, corresponde à realidade, ainda assim, a faca em causa, sendo embora perigosa ou muito perigosa, não teria nenhuma característica que a tornasse particularmente perigosa, pois navalhas ou facas com alto poder de corte, que se escondem facilmente no bolso e que abrem rapidamente há muitas e esta não tinha uma lâmina de dimensão superior a 10 cm, não tinha disfarce, nem abertura automática. Em suma, não se verifica esta agravante qualificativa do crime de homicídio. c) Agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas Não se provou que o arguido tenha persistido na intenção de matar por mais de 24 horas, apesar de se ter provado que “o arguido havia adquirido tal faca após pesquisa na internet e através daquele meio, duas a três semanas antes do dia 14 de Novembro de 2009 e depois de a D ter terminado o relacionamento entre ambos”. Com efeito, o STJ, como tribunal de mera revista nos casos em que aprecia uma decisão da Relação tirada em recurso, onde não possui poderes de cognição em matéria de facto, não pode ter como assente a premeditação do crime, ainda que haja elementos de facto que indiciem a persistência da intenção de matar por mais de 24 horas, pois é-lhe absolutamente necessário que tal resulte inequívoca e expressamente da matéria de facto. O STJ não pode retirar ilações da matéria de facto, nem exercer a sua censura a esse respeito, pois a mesma é estabelecida previamente pelas instâncias. Por outro lado, também não está provado que o arguido agiu com frieza de ânimo, pois, atentos os motivos passionais do crime e o seu desenrolar factual, é evidente que actuou dominado por um turbilhão de sentimentos e de emoções que culminaram num acto ostensivo, desenrolado à porta da casa da vítima, sabendo o arguido que iria ser visto e ouvido e que, portanto, não escaparia à reprovação social e penal. Mas, o facto de ter pesquisado na internet o tipo de faca que acabou por comprar, três semanas antes do crime ocorrer e precisamente na altura em que a relação entre ambos tinha acabado, demonstra, a nosso ver, que o arguido reflectiu sobre qual o instrumento da sua vingança. Como essa faca não é de defesa, nem utilitária, o arguido comprou-a determinado a executar um acto de agressão sobre a vítima e terá ficado convencido da boa eficácia da faca pelos slogans publicitários que constavam do respectivo “site” da internet, anteriormente referidos. Daqui não se pode inferir que logo aí deliberou matar a vítima e que persistiu nessa intenção até à execução do crime, pois tal não está provado. Mas pode concluir-se, pois isso está provado, que comprou uma certa e determinada faca, de agressão letal, no momento em que se começou a concretizar o ciúme, isto é, quando no seu espírito terá ficado mais consistente o motivo central que o levou ao crime. O arguido, portanto, não tinha em sua casa uma faca que, depois, no dia do crime, levado pelo arrebatamento da ocasião, levou para o local do crime. Pelo contrário, o arguido adquiriu com antecedência uma faca, que cuidadosamente escolheu por pesquisa prévia na internet, tendo em vista uma futura e possível agressão sobre a vítima. E, consequentemente, no dia do homicídio, o arguido foi ao encontro da vítima com essa faca, que sabia ser a adequada para concretizar a intenção criminosa, que nesse dia se terá definitivamente formado no seu espírito. Por outro lado, o arguido também reflectiu sobre a maneira de desvendar o que se passava com a sua namorada, que o estava a «abandonar», ao introduzir-se abusivamente na sua intimidade, por invasão dos seus meios informáticos. E, desse modo, fez-se passar por uma amiga da vítima, para que esta, enganada pelo expediente, contasse o que na verdade se estava a passar e dissesse o que ia fazer no dia do crime, o que proporcionou ao arguido, por um lado, confirmar as suas suspeitas de que havia um outro rapaz na vida da vítima, por outro lado, o local e hora onde poderia exercer a sua vingança. Estamos aqui perante uma reflexão sobre os meios empregados (arma do crime, motivo, local e hora) que é especialmente censurável e que deve ser determinante para considerar o homicídio como qualificado. Tendo o homicídio qualificado por razão de ser um tipo especial de culpa, tem de agora colocar-se agora a questão de saber se o arguido, ao reflectir sobre os meios empregados, não estava, ainda assim, com o espírito perturbado por algo que não podia controlar e, portanto, imune a tal especial censura. Na realidade, provou-se que, desde cerca de seis meses antes da prática do facto, o arguido vinha apresentando um quadro depressivo, com tendência para o suicídio. Que se apresentou a diversas consultas, onde lhe foi diagnosticada uma reacção aguda ao stress, mais sensação de depressão, desmotivação, anedonia, labilidade emocional, por vezes pensamentos destrutivos, hipersonia, relacionamento namorada instável. À data da prática dos factos descritos nos autos o arguido apresentava quadro clínico-psiquiátrico compatível com o diagnóstico nosológico de Episódio Depressivo Grave, sem sintomas psicóticos, conforme ao ponto F32.2 da 10.ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) da Organização Mundial de Saúde (OMS). Todavia, mais se provou que essa perturbação não interferiu com a capacidade do arguido avaliar a ilicitude dos factos dos quais vem acusado e/ou de se determinar de acordo com essa avaliação. E também que, de igual modo, à data da prática dos factos, tal perturbação, não diminuiu, sequer sensivelmente, a capacidade do arguido avaliar a ilicitude dos factos dos quais vem acusado e/ou de se determinar de acordo com essa avaliação. Assim, não há razão para não lhe atribuir um tipo especialmente censurável de culpa, pois a morte foi produzida em circunstâncias que revelam especial censurabilidade e a doença que padecia nem sequer sensivelmente diminuiu a sua capacidade de avaliação. O arguido não tinha sintomas psicóticos, isto é, não delirava, nem imaginava situações e factos que não existiam. Estava deprimido pela frustração e pela sensação de abandono que o rompimento do namoro lhe causara. O crime cometido na pessoa da vítima D foi, pois, o de homicídio qualificado, p. p. nos art.ºs 131.º e 132.º. n.º 2, al. j), do C. Penal. 16. O crime de ofensa à integridade física qualificada. A 1ª instância havia estabelecido nos factos provados que o pai da vítima mortal, tendo acorrido à porta de sua casa quando ouviu a filha gritar e a pedir socorro, deparou com o arguido debruçado sobre a vítima, a esfaqueá-la e, tendo agarrado o arguido, este voltou-se para si e desferiu-lhe duas facadas, actuando o arguido intencionalmente e com especial censurabilidade. Consequentemente, condenou o arguido pelo crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, al. a) e 2 e 132.º, n.º 2, al. h), do CP. Todavia, na sequência do recurso que o arguido moveu da decisão da 1ª instância, a relação modificou a matéria de facto e estabeleceu que “em circunstâncias que não foi possível determinar, o último [o pai da vítima mortal] sofreu duas feridas - uma no tórax, na região medi-clavicular esquerda, com cerca de 3 cm de comprimento e aproximadamente 5 cm de profundidade, sem perfuração dos vasos subclávicos nem da pleura, e outra, incisa do primeiro dedo da mão esquerda -, provocadas pela faca (…)”. Esta matéria de facto é insusceptível de censura pelo STJ, pelas razões já sobejamente conhecidas e apontadas. Por isso, não sendo possível estabelecer – pelos factos provados - qualquer nexo causal entre a conduta voluntária do arguido e as lesões físicas que sofreu o pai da vítima mortal, não resta outra hipótese senão confirmar a absolvição pelo crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, al. a) e 2 e 132.º, n.º 2, al. h), do CP. Pelo mesmo motivo, não há que arbitrar indemnização ao pai da vítima mortal por danos não patrimoniais relativos a esses factos, já que se desconhece quem deu causa às lesões físicas que sofreu. 17. Medida concreta da pena pelo crime de homicídio qualificado. Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem se perder de vista a culpa do agente. A finalidade essencial e primordial da aplicação da pena reside na prevenção geral, o que significa “que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto...alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada...” (Anabela Miranda Rodrigues, “A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade”, Coimbra Editora, pág. 570). “É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma «moldura» de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica (mesma obra, pág. seguinte). A prevenção especial, por seu lado, é encarada como a necessidade de socialização do agente, embora no sentido, modesto mas realista, de o preparar para no futuro não cometer outros crimes. “Resta acrescentar que, também aqui, é chamada a intervir a culpa a desempenhar o papel de limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas...” (ainda a mesma obra, pág. 575). “Sendo a pena efectivamente medida pela prevenção geral, ela deve respeitar o limite da culpa e, assim, preservar a dignidade humana do condenado” (pág. 558). O Código Penal espelhou estas preocupações nos artigos 70º e 71º. Dá-se preferência às penas não privativas da liberdade, mas tal tem de ser feito de uma forma fundamentada, pois há que apurar criteriosamente se a pena não detentiva realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art.º 70º). E «1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. 2. Na determinação da pena, o tribunal atenderá a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena» (art.º 71º, n.ºs 1 e 2, do CP). Ora, no quadro da punição abstracta do crime de homicídio qualificado – 12 a 25 anos de prisão - estamos perante uma ilicitude de grandeza média, pois verificam-se circunstâncias que não tendo conduzido à qualificação do crime, são, todavia, muito censuráveis, como o facto de o arguido ter comprado uma faca específica, não utilitária nem de defesa, na altura em que o namoro se rompeu. De igual modo, o motivo do crime é muito censurável, pois o arguido não respeitou a vontade da vítima, de não querer continuar o namoro e, portanto, de não desejar ter uma vida futura consigo, tendo agido por ciúmes já sem sentido, no fundo, por se sentir lesado no seu amor-próprio. Identicamente, é muito censurável o arguido ter escolhido para matar a vítima o local onde a mesma morava com os pais, pois não poderia ignorar que iria causar a estes uma sofrimento atroz. Por fim, também a insistência em consumar o acto, pois deu 23 facadas na vítima e não parou até ter a certeza de que matara, apesar de imaginarmos os gritos, o sangue e o horror daquela. As exigências de prevenção geral são elevadíssimas, pois os tribunais não se podem alhear do grave problema social que existe no País com a violência doméstica. No ano de 2009, segundo a UMAR (União de Mulheres Alternativa e Resposta), «foram 29 vítimas mortais e 28 que sofreram uma tentativa de homicídio às mãos dos seus maridos, companheiros, namorados, ex-maridos, ex-companheiros, ex-namorados. A maioria dos agressores deste tipo de violência de género fatal continua a ser o grupo dos homens com quem a vítima ainda mantém uma relação. No caso dos homicídios, são 62% e, no caso das tentativas, 58%. Mas se estes homens com quem ainda mantinham uma relação constituem a maior percentagem, não deixa de ser extremamente preocupante que 38%, no caso dos homicídios e 21% no caso das tentativas sejam levadas a cabo por homens de quem as vítimas já se separaram, em alguns casos já com outro companheiro» (http://www.umarfeminismos.org/index.php?option=com_content&view=article&id=91&Itemid=67). As exigências de prevenção especial, quer negativas quer positivas, são reduzidas, como, aliás, sucede muitas vezes nestes casos, em que, tendo desaparecido o sujeito/objecto do amor-ódio que levou ao crime, não mais o agente se envolverá em problemas criminais. O arguido não tinha antecedentes criminais, estava bem integrado familiar e socialmente, tinha tirado a Licenciatura de Biologia, passado a trabalhar numa Bolsa de Investigação no Porto e, na altura dos factos, encontrava-se a fazer o Doutoramento em Genética, cujo projecto suspendeu em Outubro de 2009. Ao nível da culpa, apesar de a termos considerado especialmente censurável, não poderemos deixar de valorizar como circunstância atenuante de carácter geral, com algum peso, o quadro depressivo em que o arguido agiu, não perdendo de vista, no entanto, que esse quadro induz pensamentos suicidas, como vem nos factos provados e não uma vontade homicida. Ponderados todos estes factores, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade situar-se-ia nos 17/18 anos de prisão. Contudo, como dissemos, «abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas». No caso, atendendo ao quadro depressivo do arguido, sua instabilidade psíquica, mas também a um prognóstico favorável, de boa reintegração social, logo que cumpra a pena, esse limite mínimo da pena situa-se nos 16 (dezasseis) anos de prisão. Pena esta que é dois anos mais elevada do que a da Relação e só um da 1ª instância, o que demonstra que as instâncias, apesar de terem considerado existir um homicídio simples, puniram o arguido com uma pena concreta que caberia também no quadro do homicídio qualificado. O recurso do assistente é, portanto, parcialmente procedente. 18. RECURSO DO ARGUIDO: Como o arguido se limita a pedir a redução da pena de 14 anos de prisão que lhe foi aplicada pela Relação, o seu recurso é, obviamente, por tudo o que já foi dito, manifestamente improcedente. 19. Pelo exposto, no provimento parcial do recurso do assistente e na rejeição do recurso do arguido por manifesta improcedência, acordam os Juízes da 5ª secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em condenar o arguido A, pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. p. nos art.ºs 131.º e 132.º. n.º 2, al. j), do C. Penal, na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão, mas mantêm em tudo o mais a decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, nomeadamente, quanto à absolvição do mesmo pelo crime de ofensa à integridade física qualificado e pelo pedido de indemnização formulado por B, quanto aos danos não patrimoniais pelas lesões físicas que sofreu. Fixa-se em 5 (cinco) UC a taxa de justiça a cargo do assistente [artigos 515.º, n.º 1, al. b), do CPP, art. 8.º, n.º 5 e tabela anexa III, do Regulamento das Custas Processuais] e em 8 (oito) UC a taxa de justiça a cargo do arguido assistente [artigos 513.º, n.º 1, do CPP, art. 8.º, n.º 5 e tabela anexa III, do Regulamento das Custas Processuais]. O arguido pagará ainda, nos termos do art.º 420.º, n.º 3, do CPP, uma importância equivalente a 4 (quatro) UC. Supremo Tribunal de Justiça, 7 de Dezembro de 2011 Santos Carvalho (Relator) Rodrigues da Costa ------------------ (1) “Comentário Conimbricense...”, ob. cit., pág. 27. (2) Leal Henriques e Simas Santos assinalam no “Código Penal Anotado”, II, pág. 61 e segs., que não é exacta a afirmação do Ac. do STJ de 1990/06/06 de que “no caso de parricídio a regra é a de que se verifica especial censurabilidade ou perversidade”, pois esta tem de ser sempre comprovada. (3) Acs. STJ, de 1998/02/10, proc. 478/98, de 1995/05/29, proc. 48517, de 1997/12/11, proc. 1050/97, de 1996/11/11, proc. 152/97. (4) Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, p