I – O recurso em caso de não adopção da providência cautelar requerida tem efeitos devolutivos, conforme jurisprudência já certa e firme do STA. II - A prova cabal, mesmo que indiciária, da novidade de um produto ou do processo de fabrico de um medicamento não poderia ser feita sem prova pericial. A prova testemunhal, nos termos dos artigos 549º, 616º, 638º e 640º, ex vi artigo 1º do CPTA, não visa a prova de matéria técnica e complexa. III –Após a publicação da Lei n.º 62/2012, de 12.12 e com a jurisprudência adoptada nestes casos pelo STA, a improcedência da pretensão do Recorrente a esgrimir no processo principal (em que impugna os actos de AIM e de fixação do PVP) tornou-se manifesta. IV- Limitando-se o Requerente a alegar como prejuízos, a violação dos seus direitos de patente, advenientes da futura comercialização dos medicamentos, a fazer pela Contra interessada, nesta providência cautelar também falece o pressuposto periculum in mora. V- Para que se verificasse o periculum im mora nesta acção era necessário que o A. e Recorrente viesse invocar a existência de quaisquer danos directamente decorrentes da fixação dos AIM e da fixação dos PVP. VI- A concessão de AIM e a subsequente fixação do PVP, por si mesmas, não implicam qualquer violação do direito de patente, de forma irreparável e estrutural. VII -Se se procedesse à ponderação dos interesses em apreço nestes autos, também sempre haveria que apreciar a situação de forma a não sacrificar o valor saúde pública totalmente em relação aos direitos de patente do A. e Recorrente.
Recorrente: H L………… A/S Recorridos: Infarmed, Ministério da Economia e Emprego e outros Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul Vem interposto recurso da sentença do TAC de Lisboa, que não decretou a suspensão de eficácia das autorizações de introdução de medicamentos (AIM), nem determinou a abstenção à emissão das aprovações de preços de venda ao público (PVP) de medicamentos. Em alegações são formuladas pelo Recorrente as seguintes conclusões: « (…)». O Infarmed nas suas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: « (…)». O MEI não contra alegou. O EMMP emitiu parecer a fls.1430 a 1432, no sentido da improcedência do recurso. Sem vistos, vem o processo à conferência. Os Factos Pela sentença recorrida foram dados por assentes, por provados, os seguintes factos, que se mantém: «(…)». O Direito Dos efeitos do recurso Na conclusão 1 das alegações de recurso, vem o Recorrente requerer o efeito suspensivo do recurso, nos termos do artigo 143º, n.º 1, do CPTA. O presente recurso foi admitido com efeitos devolutivos. Em causa nestes autos está um pedido de suspensão de eficácia e de abstenção a uma conduta, que foi julgado improcedente. Até agora tínhamos entendido que aqui regia o artigo 143º, n.º 1, do CPTA, a regra geral, havendo que fixar-se efeitos suspensivos ao recurso, já que a fixação do efeito devolutivo ao recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 143º do CPTA, era apenas relativa a situações de «adopção» da providência cautelar, assim se mantendo, só para estes casos, a tutela provisória que a decisão judicial concedeu ao requerente. Nas restantes situações, de não «adopção» da providência, manter-se-ia o efeito suspensivo que o legislador consagrou no artigo 128º, n.º1, do CPTA, para a instauração do procedimento cautelar e para os efeitos do recurso, no caso da não «adopção» da providência (ex vi, artigo 143º, n.º 1, do CPTA), até que aquela decisão judicial (provisória) transitasse em julgado. Nesse sentido militava ainda o elemento histórico, face ao consagrado no artigo 105º da anterior LPTA, e o elemento sistemático, já que para situações processualmente idênticas o CPC estabelece o efeito suspensivo do recurso, não se vislumbrando razões para que no contencioso administrativo se estabelecesse, nesta matéria, uma norma totalmente diferente e especial – cf. artigos 692º, n.º 3, al. d), do CPC (cf. neste sentido, entre outros, os Acs. deste TCAS n.º 8312/11, de 19.01.2012, n.º 8121/11, de 17.11.2011, n.ºs 8822/12, de 23.06.2012, n.º 8965/11, de 20.06.2011 e n.º 8310/11, de 02.02.2012). Porém, a defesa do efeito suspensivo do recurso no caso de não adopção da providência cautelar requerida, tem sido sistemática e uniformemente contrariada pelo STA (cf., entre outros, os Acs. n.º 628/12, de 13.09.2012, 553/12, de 05.03.2012, n.º 1353/12, de 14.02.2013 e 1178/2, de 05.02.2013, todos em www.dgsi.pt). No mesmo sentido, a quase totalidade das decisões do TCA propugnam a atribuição de efeitos meramente devolutivos ao recurso interposto das providências cautelares. Por conseguinte, face a esta jurisprudência superior, que se tem como já certa e firme, há agora que alterar o raciocínio que antes defendemos, e considerar que aqui o recurso tem efeitos devolutivos. Quanto à fundamentação, deixamos para o que tem sido reiteradamente indicado pelo STA, designadamente no Ac. n.º 628/12, de 13.09.2012, no qual se refere o seguinte: «O CPTA estabelece, no respectivo art. 143, que «2 – Os recursos interpostos de … decisões respeitantes à adopção de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo». Não obstante a redação desta norma permitir a dúvida sobre se não reservaria para a «adopção» das providências o efeito devolutivo, valendo o efeito suspensivo – que é a regra (vd. nº 1, do mesmo preceito) – para a denegação das mesmas providências, deverá entender-se que impõe a atribuição de efeito meramente devolutivo às decisões tomadas em processos cautelares, seja as que concedam seja as recusem a adopção das providências requeridas. Pois que só assim se dissuade o interessado de interpor recurso de decisão desfavorável, apenas no intuito de continuar a beneficiar da proibição de executar o acto administrativo durante a pendência do recurso (vd. art. 128/1 CPTA).». Igualmente, é afirmado no Ac. do STA n.º 1353/12, de 14.02.2013, o seguinte: «O artigo 143º, n.º 2, do CPTA estabelece que os recursos respeitantes à adopção de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo. Este Supremo Tribunal tem interpretado reiteradamente que o preceito se refere quer às decisões deferindo providências cautelares quer às decisões indeferindo providências cautelares - por ex., acs. de 24.5.2011, proc. 1047/10, de 24.5.2012, proc. 225/12, de 8.11.2012, proc. 849/12, de 31.10.2012, proc. 850/12, de 31.10.2012, proc. 793/12. E é essa também a interpretação de doutrina autorizada por ex., M. Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Liv. Almedina 2005, 347 e M. Aroso de Almeida/A. A. Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Liv. Almedina, 3ª ed, em anotação ao dito preceito. Não há razão para modificar esse entendimento.» Em suma, face à jurisprudência superior, que de forma uniforme e peremptória tem indicado que nestes casos o recurso tem efeitos meramente devolutivos, altera-se a posição que antes perfilhamos e adopta-se agora a posição acolhida por aquele tribunal superior e por a quase totalidade das decisões do TCA. Nada há, portanto, agora, a apontar ao despacho reclamado na parte em que fixou efeitos devolutivos ao recurso. No que concerne à invocação do artigo 143º, n.º5, do CPTA, remete-se para a ponderação de interesses que será feita a final deste acórdão, pois ali irá entender-se que os danos que resultam da atribuição da providência são superiores aos interesses que poderiam resultar da sua recusa. Pelas mesmas razões, a atribuição do efeito suspensivo do recurso, não poderia ocorrer no âmbito do artigo 143º, n.º5, do CPTA. Da decisão do recurso Pela sentença recorrida não foi decretada a suspensão de eficácia das AIM, nem o pedido de abstenção das aprovações de PVP de medicamentos. Alega o Recorrente, nas conclusões A a H das alegações de recurso, que a sentença recorrida errou porque não foram considerados os factos alegados pelo Recorrente nos artigos 33º a 36º e 108º da PI, relativos ao concreto processo utilizado para a obtenção do medicamento em apreço, que compõe os genéricos do Contra interessado e à novidade do indicado medicamento. Mais diz Recorrente, que tais factos poderiam ser provados por testemunhal, associada à prova documental já produzida. Quanto aos factos indicados nos artigos 33º e 34º da PI, diz também o Recorrente que são factos negativos, cujo ónus de prova não lhe era imputável. Invoca igualmente o Recorrente, nas alegações de recurso, que a sentença recorrida errou ao não considerar preenchido o requisito do fumus boni iuris, pois a Lei n.º 62/2011, de 12.12, é insusceptível de comprometer o sucesso da acção principal de que os presentes autos dependem, já que o artigo 8º daquela lei é relativo à comercialização e não à concessão de AIM ou à aprovação dos PVP e que o AIM e a aprovação dos PVP violam o seu direito de patente, um direito fundamental. Mais considera o Recorrente, que a interpretação feita ao artigo 9º, n.º 1, daquela Lei n.º 62/2011, de 12.12, é inconstitucional, por violar o seu direito de patente. Invoca o Recorrente, assim, a violação dos artigos 98º e 101º do Código de Propriedade Industrial (CPI), 133º, n.º2, alíneas c) e d), 135º, do Código de Procedimento Administrativo (CPA) e 17º, 18º, 62º, n.º1 e 266º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Vejamos. Nos termos dos artigos 684º-A, n.º 2 e 685º-B, do CPC – aplicáveis ex vi artigo 1.º do CPTA – podem as partes, nas respectivas alegações, impugnar a decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto. Mas o artigo 685.º-B, do CPC, estabelece como ónus a cargo da parte que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a necessidade de especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. Ora, o Recorrente, apesar de pretender impugnar a matéria de facto indicada na decisão recorrida, remeteu para o invocado nos artigos 33º a 36º e 108º da PI. Apreciados tais artigos, verifica-se, que o indicado nos artigos 35º e 36º encerra uma conclusão quanto à novidade do produto e do processo. No que diz respeito ao artigo 108º, inclui matéria de direito e juízos conclusivos. Depois, remete o Recorrente para a prova documental já produzida, mas não indica que concreta prova foi essa, ou seja, não indica os concretos documentos e seus pontos, de onde se extrai o erro na fixação da matéria de facto. Quanto ao indicado nos artigos 33º e 34º da PI e às conclusões ou juízos que se retira a partir dali nos artigos 35º e 36º da PI, é evidente que se trata de uma matéria puramente técnica, complexa, que exige especialíssimos conhecimentos técnicos para poder ser respondida. Consequentemente, não poderia a prova de tal matéria ser feita de forma cabal, mesmo se indiciariamente, por prova documental ou testemunhal. A prova cabal, mesmo que indiciária, da novidade de um produto ou processo de fabrico de um medicamento não poderia ser feita sem prova pericial. A prova testemunhal, nos termos dos artigos 549º, 616º, 638º e 640º, ex vi artigo 1º do CPTA, não visa a prova de matéria técnica e complexa. As testemunhas depõem sobre factos da vida, que conhecem, por deles terem conhecimento pessoal e ser essa a sua razão de ciência. O Recorrente não requereu nestes autos prova pericial, mas limitou-se a requerer a produção de prova testemunhal, que não seria a adequada a provar matéria técnica complexa. Portanto, também não poderiam agora proceder as alegações do Recorrente, porque os documentos que juntou não provam de forma cabal, ainda que indiciária, os indicados factos que alega, mesmo se a prova documental fosse acompanhada de prova testemunhal. Acresce, que o Recorrente pretende ver provada matéria constante de artigos da PI, com a remissão para as regras do ónus da prova, sendo certo que essa matéria foi contraditada pelas contra-partes. Igualmente, estando em causa um processo cautelar, que exige uma prova sumária, não tem qualquer relevo a impugnação feita pelo Recorrente quanto à matéria de facto, desde logo porque a aferição do fumus boni iuris é meramente perfunctória e dela se arredam as matérias relativas à prioridade das patentes e aos processo de síntese, divulgação e preparação do medicamento em apreço. Irrelevavam, por isso, para a decisão de fundo, tal como resulta do acórdão ora proferido, as alegações constantes dos indicados artigos da PI e os factos que daí pudessem vir a ser extraídos. Conforme resulta da PI desta providência cautelar e do teor do recurso, o A. e Recorrente pretende com esta providência e com a acção principal defender os direitos de patente, que diz estarem a ser violados pela Contra Interessada, violação essa que considera também permitida pelos RR e Recorridos, através do acto de AIM e de fixação do PVP. Porém, entendemos que não se pode discutir nesta jurisdição, directamente, a violação dos direitos de patente ou de propriedade industrial do Recorrente pela comercialização dos medicamentos pela Contra Interessada, pois para tal a jurisdição administrativa é absolutamente incompetente. Se o Recorrente queria discutir a violação dos direitos de patente pela ora Contra Interessada, designadamente por estar iminente a comercialização ou poderem vir a ser comercializados medicamentos que colidem com o seu direito de patente, deveria tê-lo feito no Tribunal do Comércio ou nos Juízos de Propriedade Industrial (cf. artigos 89º, n.º, alínea f), da Lei Orgânica e de Funcionamento dos Tribunais Judiciais - LOFTJ, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13.01 e 122º da LOFTJ, aprovada pela Lei n.º 52/2008, de 28.08, que entrou em vigor nas comarcas piloto, a partir de 01.09.2010 e após a avaliação referida nos artigos 172º e 187º, n.º 3, entrava em vigor para o restante território, tendo sido tal artigo alterado pela Lei n.º 3-B/2010, de 28.04, que determinou a entrada faseada da «nova» LOFTJ, processo a concluir até 01.09.2014, data a partir da qual, então, tal lei passará a vigorar em todo o território). Ou seja, a presente acção terá de se circunscrever à relação jurídica administrativa (e multipolar, admite-se) desenvolvida entre o A. e Recorrente, a Contra Interessada e os Recorridos e aos danos que decorrem directa e imediatamente de qualquer conduta do R. e recorridos, em violação de princípios e normas de direito administrativo. Neste processo judicial cumpre apenas aferir da regularidade da conduta administrativa e não da violação de direito de patente de sujeitos privados e por sujeitos privados. Ora, é manifestamente evidente que através do acto de AIM e de fixação de PVP, os Recorridos não praticam qualquer acto de comercialização de medicamentos. Não obstante tal evidência, o Recorrente, por vezes, parece considerar que são os actos dos Recorridos que acarretam a comercialização dos medicamentos em apreço e não os futuros actos a praticar pela Contra-Interessada. Quanto a estes actos de comercialização dos medicamentos em eventual violação do direito de patente do A. e Recorrente, não compete a estes tribunais nenhuma pronúncia, tal como acima dissemos. Nem nesta acção, nem na acção principal, podem os Tribunais Administrativos apreciar da legalidade dos actos de comercialização dos medicamentos em apreço por banda da Contra Interessada, e designadamente da violação do direito de patente da Recorrente por causa de tal comercialização. Para essa apreciação os Tribunais Administrativos são absolutamente incompetentes. Assim, nesta acção, existe fumus malus iuris, inexiste periculum in mora e na ponderação de interesses que houvesse de ser feita ao abrigo do n.º 2 do artigo 120º do CPTA, também claudicaria a pretensão do Recorrente. Ou seja, a providência requerida tem necessariamente de improceder. No Ac. do STA n.º 771/12, de 09.01.2013 (em www.dgsi.pt), este supremo tribunal já se pronunciou sobre uma situação semelhante à que o ora Recorrente quer ver acautelada no processo principal. Ali, considerou o STA que mesmo antes do surgimento da Lei n.º 62/2011, de 12.12, não tinha o Infarmed de aferir acerca dos eventuais direitos de propriedade industrial, pois tal aferição não fazia parte das suas atribuições. Mais entendeu o STA, que com a publicação da indicada Lei n.º 62/2011, de 12.12, afastou-se quaisquer dúvidas, que pudessem persistir. Ora, pelas razões indicadas no citado acórdão, que a seguir se reproduzem, por se acolherem na sua íntegra, teremos de concluir, após a publicação da Lei n.º 62/2011, de 12.12, pela existência de fumus malus iuris quanto à presente pretensão, o que faria, de imediato, claudicar as pretensões do ora Recorrente. De facto, naquele acórdão, é afirmado o seguinte: «O regime jurídico a que obedece a AIM dos medicamentos para uso humano é estabelecido no já referido EM (art. 1/1), aprovado pelo DL 176/2006, de 30.8, que procedeu à transposição para o direito interno, designadamente da Directiva nº 2001/83/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (nº 2). Como decorre do regime jurídico estabelecido nessa Directiva nº 2001/83/CE, designadamente os arts 10 (Artigo 10. 1.: «Em derrogação da alínea e) do nº 3 do artigo 8º e sem prejuízo das leis relativas à protecção da propriedade industrial e comercial, o requerente não é obrigado a fornecer os resultados dos ensaios pré-clínicos e clínicos se puder demonstrar que o medicamento é um genérico de um medicamento de referência que seja ou tenha sido autorizado nos termos do artigo 6º há, pelo menos, oito anos num Estado-Membro ou na Comunidade. Os medicamentos genéricos autorizados nos presentes termos só podem ser comercializados 10 anos após a autorização inicial do medicamento de referência.…».) , nº 1 e 10-A (Artigo 10-A: «Em derrogação da alínea i do nº 3 do artigo 8 e sem prejuízo das leis relativas à protecção da propriedade industrial e comercial, o requerente não é obrigado a fornecer os resultados dos ensaios pré-clínicos ou clínicos se puder demonstrar que as substâncias activas do medicamento têm tido um uso médico bem estabelecido na Comunidade desde há, pelo menos, 10 anos, com eficácia reconhecida e um nível de segurança aceitável nos termos das condições previstas no Anexo I. Neste caso, os resultados desses ensaios são substituídos por bibliografia científica adequada».) (red. da Diretiva 2004/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março), o legislador comunitário não fez depender a concessão de AIM da caducidade dos direitos de propriedade industrial. Antes se limitou a ressalvar que a regulamentação, que estabeleceu – com o objectivo principal de protecção da saúde pública, conforme refere um dos considerandos (nº 4 (Considerando nº 4: «Toda a regulamentação em matéria de fabrico e distribuição de medicamentos para uso humano deve ter como objectivo principal a saúde pública. Todavia, este objectivo deve ser atingido por meios que não prejudiquem o desenvolvimento da indústria e o comércio de medicamentos na Comunidade.».)) da referida Directiva nº 2004/27/CE – não prejudica o disposto nas leis relativas à protecção da propriedade industrial e comercial. E, em conformidade com esse regime, também o EM se limita a consagrar a ressalva de que a comercialização do medicamento genérico autorizado será feita «no respeito pela lei» [arts. 29/1/a), 77/1 e 14/4], sem exigir, como condição de concessão de autorização, a caducidade dos direitos de propriedade industrial incidentes sobre medicamentos. Veja-se o que, na transposição dos citados arts 10 e 10-A da indicada Directiva nº 2001/83/CE, dispõem os arts 19 (Artigo 19º (Ensaios): 1 – Sem prejuízo dos direitos da propriedade industrial, o requerente fica dispensado de apresentar os ensaios pré-clínicos e clínicos previstos na alínea i do nº 2 do artigo 15º se puder demonstrar que o medicamento é um genérico de um medicamento de referência que tenha sido autorizado num dos Estados membros ou na Comunidade, há pelo menos oito anos. 2 – …) e 20 (Artigo 20º (Uso clínico bem estabelecido): 1 – Sem prejuízo dos direitos de propriedade industrial, o requerente fica dispensado de apresentar os ensaios pré-clínicos e clínicos previstos na línea i do nº 2 do artigo 15º se puder demonstrar que as substâncias activas do medicamento têm tido um uso clínico bem estabelecido na Comunidade Europeia há, pelo menos, dez anos, com eficácia reconhecida e um nível de segurança aceitável, nos termos das condições previstas no anexo I. 2 – …) do mesmo EM. Do mesmo modo, tanto o art. 15, que indica os elementos que devem acompanhar o requerimento de concessão de AIM, como o art. 25 do mesmo EM, que indica os casos em que tal requerimento será indeferido, não fazem qualquer menção a eventuais direitos de propriedade industrial. O que tudo conduz à conclusão de que, diferentemente do que pretendem as recorrentes, tais direitos não têm que ser considerados no âmbito do procedimento tendente à decisão sobre pedido de AIM de medicamento genérico. Neste sentido, aliás, é decisiva a consideração de que nas atribuições do INFARMED, descritas no art. 3, nº 2, do DL 269/2007, de 26.7, não se inclui a apreciação da eventual existência de direitos de propriedade industrial relativos aos medicamentos a introduzir no mercado. As preocupações aí legalmente deferidas a esse instituto público respeitam às garantias de qualidade, segurança e eficácia dos medicamentos. A promoção e protecção da propriedade industrial estão, pois, fora das atribuições do INFARMED. Tais tarefas integram, aliás, as atribuições do Instituto da Propriedade Industrial (INPI), que «tem por missão assegurar a promoção e a proteção da propriedade industrial a nível nacional e internacional, de acordo com a política de modernização e fortalecimento da estrutura empresarial do País, nomeadamente em colaboração com as organizações internacionais especializadas na matéria, de que Portugal seja membro» (art. 3/1, do DL 132/2007, de 27.4). Sendo ambos dotados de autonomia administrativa e financeira, estes dois institutos públicos, integrados na administração indirecta do Estado (art. 1/1, do DL 269/2007, e art. 1/1, do DL 132/2007), têm missões distintas e, por isso, enquanto um (INFARMED) «prossegue as atribuições do Ministério da Saúde, sob a superintendência do respectivo ministro» (art. 1/2, do DL 269/2007), o outro (INPI) «prossegue atribuições do Ministério da Justiça (MJ), sob superintendência e tutela do respectivo ministro» (art. 1/2, do DL 132/2007). E, assim, tal como ao INPI não cabe «regular e supervisionar os sectores dos medicamentos», da competência do INFARMED (art. 3/1, do DL 269/2007, a este último não cabe promover e proteger a propriedade industrial. Com efeito, nos termos do art. 101 do CPI, a patente confere o direito exclusivo de exploração da invenção (nº 1) e o direito de o seu titular impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio ou a utilização de um produto objeto de patente, ou a importação ou posse do mesmo, para algum dos fins mencionados (nº 2). Todavia, o direito de exclusivo não abrange, entre outros, os actos realizados exclusivamente para fins de ensaio ou experimentais, neles se incluindo experiências para preparação dos processos administrativos necessários à aprovação de produtos pelos organismos oficiais competentes, de acordo com o disposto nos termos do art. 102, al. c) do mesmo código. Por isso – e como bem salienta, no seu transcrito parecer o Exmo Magistrado do Ministério Público – a prática destes actos, sendo livre, não integra a previsão do ilícito de violação do exclusivo da patente, previsto no art. 321 do CPI. Assim, ao titular da patente apenas assiste o direito de impedir o início da comercialização do medicamento, enquanto a sua patente não caducar. Mas já não pode impedir terceiros de iniciar o procedimento tendente à obtenção de AIM nem impedir que a mesma seja concedida ou que seja fixado PVP do medicamento em causa. Pois, como as próprias recorrentes admitem, tais actos não configuram, designadamente a introdução no comércio de um produto protegido por patente. De resto, no referenciado DL 176/2006 (EM), é clara a distinção entre a concessão de AIM, da competência do INFARMED (Cap. I – arts. 14 a 54) e a comercialização de medicamentos (Cap. IV – arts 77 a 103), da exclusiva responsabilidade do titular da AIM, que «assume todas as responsabilidades legais pela introdução no mercado, no respeito pela lei» [art. 29/1/a)]. No mesmo sentido é a disposição do art. 14 do mesmo EM, com que se inicia a Secção I do referido Capítulo II, relativa ao «Procedimento de autorização», onde logo se estabelece que a respectiva concessão «não prejudica a responsabilidade, civil ou criminal, do titular da autorização de introdução no mercado ou do fabricante». Assim, a eventual existência de patente, em favor de terceiro, legalmente impeditiva da comercialização do medicamento autorizado, que o titular da AIM se propusesse iniciar, originaria um dissídio, que o titular dessa AIM e o terceiro eventualmente dirimiriam no foro próprio, sem interferência do INFARMRD. Tenha-se presente que, nos termos do CPI, a violação do exclusivo de patente configura ilícito criminal (art. 321 (Artigo 321º (Violação do exclusivo da patente, do modelo de utilidade ou da topografia de produtos semicondutores): É punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias, quem, sem consentimento do titular do direito: a) Fabricar os artefactos ou produtos que forem objecto da patente, do modelo de utilidade ou da topografia de produtos semicondutores; b) …)), podendo o titular da patente impedir essa violação através de adequadas providências cautelares, conforme prevê o mesmo CPI (art. 339 (Artigo 339º (Providências cautelares não especificadas): Nos casos em que se verifique qualquer dos ilícitos previstos neste Código e sempre que finalidade não seja, exclusivamente, a apreensão prevista no artigo seguinte, podem ser decretadas providências cautelares, nos termos em que o Código de Processo Civil o estabelece para o procedimento cautelar comum.)). Em suma: de acordo com um princípio de especialidade de competências, cabe ao INPI a protecção e promoção da propriedade intelectual, cabendo ao INFARMED o controlo da qualidade, eficácia e segurança dos medicamentos. Daí que esta entidade, no processo tendente à concessão das impugnadas AIM’s, não tivesse de considerar a existência de direitos de propriedade industrial, designadamente os invocados pelas ora recorrentes. As quais, por isso, não tinham, relativamente àquele procedimento e às decisões de AIM, nele tomadas, a qualidade de interessado nem, por consequência, o direito de audiência, nos termos do citado art. 100 CPA. Em sentido contrário ao deste entendimento, as recorrentes alegam que os invocados direitos de propriedade industrial são direitos fundamentais de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias e, como tal, com protecção acrescida ao nível da própria Constituição, a cujas normas está directamente vinculada a Administração Pública que, por isso, não poderia deixar de considerar, no âmbito daquele procedimento de concessão de AIM’s, tais invocados direitos, prevenindo e reprimindo a respectiva violação. Mas, não colhe essa alegação. Desde logo, e como já se referiu, a AIM, sendo pressuposto jurídico essencial para a entrada do medicamento no mercado, não consubstancia um acto de comercialização desse mesmo medicamento, não se traduzindo, por isso, em qualquer violação do exclusivo conferido pela patente. Nem dele resulta – acrescente-se, agora – a obrigação, para o respectivo titular, de iniciar tal comercialização. Pois que, como bem nota o Exmo Magistrado do Ministério Público, a não comercialização, na vigência de patente, é imposta por lei e não relevará, por isso, para efeito da sanção de caducidade da autorização, prevista no art. 77 (Artigo 77º (Regime de comercialização): …3 – A não comercialização efectiva do medicamento durante três anos consecutivos, por qualquer motivo, desde que não imposto por lei ou por decisão judicial imputável ao INFARMED ou por este considerado como justificado, implica a caducidade da respectiva autorização ou registo, após a notificação prevista no nº 3 do artigo seguinte.), nº 3 do EM. Depois, e como refere um Autor (Prof. J. J. Gomes Canotilho, in parecer jurídico junto ao processo nº 888/12, desta 1 ª Secção.) – para concluir também que, na vigência do EM com a redacção anterior às alterações introduzidas pela Lei 62/2011, de 12.12, não pertencia ao INFARMED o controlo dos direitos de propriedade intelectual, mas apenas o controlo relativo às qualidades médico-terapêuticas dos medicamentos – «o simples facto de o INFARMED não poder violar direitos fundamentais de propriedade intelectual não constitui, só por si, uma forma atributiva de competências concorrentes com as do INPI no controlo do respeito pelos direitos exclusivos resultantes das patentes. É que – prossegue o mesmo Autor – o facto de toda a Administração estar sujeita à lei e aos direitos fundamentais não significa que todos os órgãos administrativos sejam igualmente competentes na totalidade das matérias respeitantes à regulação e ao controlo do exercício dos diferentes direitos fundamentais. Isto mesmo decorre do artigo 3º/1 do Código de Procedimento Administrativo, onde se consagra o princípio da legalidade. De acordo com esta disposição, “ [o]s órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos.” A exigência de obediência à lei – conclui o mesmo Autor – não constitui, em si mesma, uma norma genérica de atribuição de competências para o controlo de todas as ilegalidades, à margem das próprias normas legais definidoras de competências e das considerações de adequação institucional e funcional que lhes estão subjacentes.» E a improcedência da alegação das recorrentes, quanto à pretendida invalidade dos impugnados actos de AIM, estende-se à parte em que nela se defende a ilegalidade do acto de fixação de PVP dos medicamentos em causa. Desde logo, vale para este acto o essencial do que antes se afirmou quanto à AIM. Pois que também nenhuma dúvida existe de que tal acto, atento o seu tipo legal, sentido e alcance, nada tem a ver com a defesa de direitos de propriedade industrial titulados por patente. Veja-se, a este propósito, o então vigente DL 65/2007, de 14.3, máxime os seus arts. 2, al. b), 4, 5 e 6, bem como a Port. 312-A/2010, de 11.6. Depois, porque, como notou o acórdão recorrido, a condenação da DGAE a abster-se de fixar tais PVP’s decorreu, exclusivamente, da invalidação das AIM’s, não podendo vingar na ausência dela. Do exposto resulta claro, em nosso entender, que, mesmo na ausência da Lei 62/2011, de 12.12, deveria ser julgada improcedente a acção proposta pelas ora recorrentes. E, com a publicação e vigência desse diploma, em que directamente se baseou o acórdão recorrido, mais clara e indiscutível se tornou, a nosso ver, essa improcedência. Com efeito, a Lei 62/2011 veio, para além do mais, modificar o já referenciado DL 176/2006, de 30.8, de modo a definir que a AIM de um medicamento é um acto que não pode nem deve considerar quaisquer «direitos de propriedade industrial» (cfr. arts. 4 e 5, enquanto redactores dos actuais arts. 25, nº 2, 179, nº 2 e 23-A, do DL 176/2006). E, ex vi do art. 9, nº 1 da mesma Lei 62/2011, foi atribuída «natureza interpretativa» à sobredita definição. Ora, «A lei interpretativa integra-se na lei interpretada» (art. 13°, n.º 1, do Código Civil). Sendo assim, é presentemente indiscutível a improcedência da alegação das recorrentes de que são inválidas as impugnadas AIM’s, por desconsideração do seu direito de propriedade industrial. Pois o INFARMED, ao emitir a AIM sem considerar a patente invocada nos autos, agiu secundum legem – como já resultava das suas atribuições e agora se confirma pela interpretação autêntica, que a Lei 62/2011 deu às normas então aplicáveis. E, do que antes já expendemos, resulta que uma tal solução não fere quaisquer princípios ou normas constitucionais. As recorrentes alegam, ainda, que o indicado art. 9°, n.º 1, da Lei 62/2011, é inconstitucional por conferir retroactividade a normas que restringiriam direitos, liberdades e garantias (art. 18°, n.º 3, da CRP). Mas, sem razão. Antes de mais, importa reter que a «natureza interpretativa» das leges novae trazidas pela Lei n.º 62/2011, relacionada com a desconsideração de patentes na emissão de AIM's, é insusceptível de controvérsia. É que tal índole interpretativa, para além de afirmada expressis verbis pelo legislador, corresponde à efectividade das coisas, pois que, sobre esse assunto, havia dúvidas manifestadas em duas correntes jurisprudenciais opostas. Sendo assim, aquela «natureza interpretativa» prevista no art. 9, n.º 1, da Lei 62/2011, de 12/12, é real, em vez de furtivamente acobertar uma intenção inovadora e uma simultânea, e dissimulada, cláusula de retroactividade. Por outro lado, as leis interpretativas, embora tendam a vigorar ex ante, não são retroactivas proprio sensu, porque se limitam a fixar um regime já aplicável no passado (Cfr. Baptista Machado, Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, ed. de 1968, pág. 285, em nota.). Por isso mesmo, a proibição constitucional de que se atribua retroactividade a leis restritivas de direitos, liberdades e garantias (art. 18°, n.° 3) só abrange as leis inovadoras, como este STA já teve a oportunidade de dizer (Vd. o acórdão de 1/7/99, no recurso n.º 44.642.). Quanto às leis deveras interpretativas, a sua retroactividade imprópria está sujeita aos limites previstos no art. 13°, n.° 1, do Código Civil: a salvaguarda dos «efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza». Todas essas hipóteses traduzem situações juridicamente estabilizadas, que nada têm a ver com o caso discutido na acção a que respeitam os autos, em que estava em causa aferir da legalidade da AIM, por falta de ponderação da patente. Ora, o que a lei interpretativa indirectamente nos diz é que o INFARMED andou bem ao desconsiderar a patente, pois era assim que a legislação a convocar para a emissão dos impugnados actos devia ser interpretada ab initio. O que, como vimos, implica a improcedência da acção proposta, como decidiu o acórdão recorrido. Portanto, a inconstitucionalidade que as recorrentes atribuem ao art. 9º, n.º 1, da Lei 62/2011 não tem razão de ser. Inseria-se seguramente nas prerrogativas do legislador emitir uma lei interpretativa em matéria controversa. E a emissão de tal lei não fere qualquer direito das recorrentes em sede de propriedade industrial. Pois, seja ou não de reconhecer natureza de direito fundamental ao direito delas à patente, a lei interpretativa, precisamente por sê-lo, não restringiu o direito de propriedade industrial, limitando-se a esclarecer que a consideração e a defesa dele não podem ocorrer no procedimento administrativo de AIM, mas alhures, onde o direito é, aliás, susceptível de uma tutela jurisdicional efectiva, como antes já se viu. Assim sendo, temos que, mesmo antes do surgimento da Lei n.º 62/2011, já deveria entender-se que os pressupostos das AIM's não integravam a consideração de eventuais direitos de propriedade industrial – ideia essa que imediatamente ressaltava das atribuições do INFARMED e era corroborada por outras normas vigentes nesse domínio. Mas, com a Lei n.º 62/2011, dada a interpretação autêntica que ela fez do regime pretérito, tudo isso se tornou mais claro, afastando quaisquer dúvidas, que pudessem persistir.» Em suma, considera-se, antes de mais, que após a publicação da Lei n.º 62/2012, de 12.12 e com a jurisprudência adoptada nestes casos pelo STA, a improcedência da pretensão do Recorrente a esgrimir no processo principal se tornou manifesta (vide, para além do acórdão já citado, entre outros, os Acs. do STA n.ºs 1486/12, de 21.03.2013, 1483/12, de 04.04.2013, 1228/12, de 17.01.2013, 1082/12, de 17.01.2013, 222/13, de 28.02.2013 ou 220/13, de 28.02.2013). Não obstante essa consideração, repara-se, ainda, que nesta acção também falece o pressuposto periculum in mora. Na verdade, o A. e Recorrente quando alega prejuízos não produz quaisquer alegações concretas e especificadas quanto a prejuízos directamente decorrentes da eventual fixação do PVP. Diferentemente, limita-se o A. e Recorrente a alegar como prejuízos, a violação dos seus direitos de patente, advenientes da futura comercialização dos medicamentos, a fazer pela Contra interessada, não pelos RR. e Recorridos. Como acima se referiu, quanto aos danos da comercialização de quaisquer medicamentos pela Contra Interessada, deve o A. e Recorrente acautelá-los através da competente acção que haja intentado ou venha a intentar nos competentes tribunais comuns. Nesta jurisdição só pode o A. e Recorrente almejar a salvaguarda dos danos directamente decorrentes das condutas dos RR., nada mais. Os danos invocados pelo A. e Recorrente relativos à lesão do seu direito de patente, por causa de uma comercialização feita pela Contra Interessada são danos que aqui não podem ser acautelados, por esta jurisdição ser incompetente para conhecer da violação dos direitos de patente por banda da comercialização dos medicamentos feita pela Contra Interessada. São, portanto, perfeitamente irrelevantes para a aferição do periculum in mora nesta acção, as alegações relativas à lesão do direito de patente por actos praticados ou a praticar pela Contra Interessada. Mais se diga, que na acção principal também não haverá que aferir da violação de quaisquer direitos de patente pela Contra Interessada, mas apenas dos invocados vícios administrativos, sob pena de incompetência material. Se esta acção visa acautelar o perigo da demora da acção principal e se nessa acção não se pode discutir quaisquer violações do direito da patente por actos da Contra Interessada, não se pode aqui querer acautelar ou evitar a verificação dos eventuais actos de comercialização. Em suma, não pode esta jurisdição conhecer da violação dos direitos de patente pela Contra Interessada. Consequentemente, também não podem as providências ora requeridas acautelar danos decorrentes daquela violação. Apenas se pode aqui acautelar os danos derivados das condutas administrativas dos RR e Recorridos, nada mais. Ou seja, para que se verificasse o periculum im mora nesta acção era necessário que o A. e Recorrente viesse invocar a existência de quaisquer danos directamente decorrentes da fixação dos AIM e da fixação dos PVP. O A. e Recorrente não os invocou. Diferentemente, indica danos decorrentes de uma outra conduta, que não é a praticada pelos RR, mas que eventualmente poderá ser praticada pela Contra interessada – a de comercialização do medicamento. Ora, se o A. e Recorrente quer acautelar os danos da comercialização pela Contra interessada do referido medicamento, tal como já dissemos, terá de se dirigir aos tribunais comuns, aí defendendo o seu direito de patente e acautelando os danos decorrentes do periculum in mora de uma eventual acção sobre patentes com a interposição da competente acção cautelar. Seguindo a jurisprudência acima indicada, há que concluir que a concessão de AIM e a subsequente fixação do PVP, por si mesmas, não implicam qualquer violação do direito de patente, de forma irreparável e estrutural. Diferentemente, da aplicação conjugada dos artigos 6º, 8º, n.º 3, 26º, 118º, 126º, da Directiva n.º 2001/83/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 06.11.2001, 10º, n.º2, alínea b), da versão da Directiva 2004/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31.03.2004, 3º, ns.º1 e 2, do Decreto-Lei n.º 269/2007, de 26.07, 14º, n.º1, 15º, 16º, 25º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30.08, o Infarmed na concessão das AIM não está obrigado – desde logo porque não tem atribuições e competências para tanto – a verificar se para aquele medicamento a introduzir no mercado existe ou não uma patente vigente que proteja a substancia activa ou o processo. Consequentemente, a simples concessão do AIM não lesa, por si só, os direitos de patente, lesão essa que só se verificará com a posterior comercialização do medicamento. Igualmente, não tem depois o MEI que proceder àquela verificação, mas apenas que fixar o PVP. O Infarmed e o MEI não têm competências legais que lhe imponham aferir da eventual violação de direitos de patente (cf. neste sentido, J.P. Remédio Marques, Medicamentos Versus Patentes, Estudos de Propriedade Industrial, Coimbra Editora, 2008, págs. 41, 52; 58, 61, 62, 65, 66 e 84 a 80; Maria José Costeira e Maria Teresa Garcia de Freitas, «A Tutela Cautelar. Das patentes de Medicamentos: Aspectos Práticos», Revista Julgar, n.º 8, Maio–Agosto, 2009, Coimbra Editora, págs. 120 a 138). Das referidas Directivas e do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30.08, também não decorre a obrigação de instrução do pedido de AIM ou de fixação de PVP com a prova da inexistência de patentes que possam ser violadas com a posterior comercialização do medicamento a autorizar a introdução no mercado. Da aplicação conjugada dos artigos 6º, 8º, n.º 3, 26º, 118º, 126º, da Directiva n.º 2001/83/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 06.11.2001, 10º, n.º2, alínea b) da versão da Directiva 2004/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31.03.2004, 3º, ns.º1 e 2, do Decreto-Lei n.º 269/2007, de 26.07, 3º, n.º1, alínea nn), 14º, n.º1, 15º, 16º, 19º, n.º3 e 25º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30.08, decorre de forma diferente, que o Infarmed na concessão do AIM e subsequentemente o MEI na fixação dos PVP não está obrigado a verificar se para aquele medicamento a introduzir no mercado existe ou não uma patente vigente que proteja a substancia activa ou o processo de fabrico. Neste sentido, veja-se, ainda, o artigo 201º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30.08, o relatório da CE de 08.07.2007, publicado em http://ex. Europa.eu/competition/sectors/pharmaceuticals/inquiry/índex.html da CE, comunicando ao Mutual Recognotion Facilitation Group, em 2001, que os AIM, nos termos das directivas comunitárias então vigentes, só podiam ser indeferidos com os fundamentos expressamente referidos na Directiva 65/65/CEE, posição reiterada pela CE ao Recorrido Infarmed e ao Representante Permanente de Portugal junto da EU, relativamente à interpretação dada ao artigo 8º da Directiva n.º 201/83/CE. Pelo exposto, do cotejo das normas aplicáveis nesta matéria, verifica-se, ao contrário do que a A. e Recorrente defende, que a conduta dos Recorridos nesta matéria é essencialmente vinculada. Está primeiramente o Infarmed obrigado à emissão das AIM e depois o MEI vinculado a fixar o PVP, desde que os pedidos respeitem os determinativos legais, que são os constantes quer das normas comunitárias, quer do direito interno, que transpuseram tais normas. Face ao preceituado nos artigos 10º, n.º1 e 10º-A da Directiva n.º 2001/83/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 06.11.2001, (que foi transposta para o ordenamento nacional pelo Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30.08), a concessão de AIM não deve ficar condicionada a qualquer prova da extinção dos direitos de propriedade industrial. A eventual protecção desses direitos não será feita através dos AIM, mas através «das leis relativas à protecção da propriedade industrial e comercial». Na senda deste direito, transpondo-o, o Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30.08, não exige ao Infarmed a verificação da extinção dos direitos de propriedade industrial, mas somente determina e remete para o «respeito pela lei» (que regula e protege a propriedade industrial e comercial), respeito exigido aos requerentes do AIM e na comercialização dos medicamentos (cf. artigos 14, n.º 4, 29.º, n.º 1 e 77.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 176/2006). Do Decreto-Lei n.º 65/2007, de 14.03 e da Portaria n.º 312-A/2010, de 11, o R. MEI, através da DGAE, também não está legalmente obrigado a verificar, ele mesmo, da violação do direito de patente quando fixa o PVP de um medicamento genérico, pois nenhuma norma a tanto obriga. Aliás, na fixação do PVP de medicamentos genéricos é até admitida por lei a possibilidade de uma autorização tácita, possibilidade que invalida a alegação de que esta entidade teria a obrigação de garantir previamente a tal acto a extinção do direito de patente do A. – cf. artigos 1º, 2º e 4º da Portaria n.º 312-A/2010, de 11. Conclui-se, igualmente, que neste quadro legal nem sequer existe para as entidades públicas e para os ora RR um especial dever de vigilância quanto à salvaguarda dos direitos de patente do A. A protecção desses direito é remetida por lei apenas para o INPI e para a próprio A., que para tanto se deve dirigir aos Tribunais do Comércio ou aos Juízos de Propriedade Industrial e não aos Tribunais Administrativos. A corroborar este entendimento citamos J.P. Remédio Marques, que refere claramente que o Infarmed «tem o dever de cuidar da segurança, da qualidade e da eficácia dos medicamentos, pelo que lhe cumpre admitir a intervenção procedimental de quaisquer terceiros (titulares de propriedade sobre as substâncias e preparações em apreciação, ou não) cujas pretensões de indeferimento se fundam na falta de eficácia, segurança ou de qualidade dos medicamentos para que se tenha pedido a AIM». A DGAE, órgão do ora R. MEI, «cuida dos interesses económicos dos utentes dos serviços de saúde e do estado e, em segunda linha, das condições económicas que possam colocar um entrave ao acesso aos cuidados de saúde» (cf. do Autor, Medicamentos…, op. cit., págs. 88 e 89). Por conseguinte, no enquadramento legal acima referido, a Lei n.º 62/11, de 12.12, nada acrescenta de novo, mas apenas vem clarificar a interpretação a dar aos artigos 19º, 25º e 179º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30.08, no sentido já adoptado pela quase totalidade das decisões de 1º instância, por parte significativa das decisões do TCA Sul e agora pela jurisprudência do STA. Com a referida Lei n.º 62/2011, de 12.12, tornou-se evidente o raciocínio legal acima expendido. Ou seja, se considerarmos a publicação da Lei n.º 62/11, de 12.12, mais manifesto se torna que ao Infarmed e ao MEI não compete aferir da indicada violação dos direitos de patente. Quanto à defesa de eventuais direitos de patente, pela comercialização pela Contra-interessada de quaisquer medicamentos, não enquadrada em quaisquer relações administrativas – multipolares ou ou poligonais – mas antes enquadrada no âmbito de uma relação totalmente privada, não serão os tribunais administrativos os competentes para dirimir tal litigio. Consequentemente, se atentarmos ao teor da Lei n.º 62/11, de 12.12, é evidente a falta de razão do A. e Recorrente, ao fazer fundar o periculum in mora desta providência na violação do direito de patente pelos RR. e Recorridos. Aliás, este entendimento é o que melhor se coaduna com a cláusula ou excepção «Bolar», que visa permitir que um medicamento genérico seja comercializado imediatamente após a caducidade dos direitos de propriedade industrial, o que implica que se possa fabricar, requerer e fazer correr todos os tramites anteriores àquela comercialização, ainda na vigência dos direitos de propriedade industrial (cf. artigo 37.º, n.º 1, al. a), do CPI). Quanto à invocação nestes tribunais da violação do direito de patente pelo acto de comercialização da Contra interessada, pelas razões mais que reafirmadas nesta decisão, é uma invocação que não pode determinar a procedência do pedido da Recorrente e a verificação do invocado periculum in mora, pois não cabe a estes Tribunais Administrativos conhecer. No que concerne aos actos de AIM ou de fixação do PVP, eles mesmos, não implicam a comercialização de medicamento nenhum, pelo que também não se pode dizer que, por si, mesmo violem quaisquer direitos de patente e conduzam a uma situação em que se verifica periculum im mora, como pugna a Recorrente. Realça-se, ainda, que para além da alegação genérica de prejuízos decorrentes da violação do direito de patente, o A. e Recorrente não alega na PI quaisquer prejuízos efectivos, concretos, materiais, quantificados ou quantificáveis e verificados ou verificáveis, ou prejuízos sérios, que o Tribunal possa verdadeiramente ponderar, decorrentes dos actos de AIM e de fixação dos PVP. Dos elementos constantes dos autos – alegados pelo A e Recorrente., a quem competia o respectivo ónus de alegação – e das regras da experiência da vida, não resultam quaisquer factos que permitam ajuizar, mesmo indiciariamente, que sem a adopção da providência ora requerida existe o perigo da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses visados pelo A. e Recorrente no processo principal. Não se afiguram existir, por isso, lesões actuais, certas e reais que necessitem de ser tuteladas por uma providencia cautelar, porque, se assim não acontecer não será possível ou será muito difícil proceder à reintegração da situação conforme com a legalidade ou à indemnização da A. e Recorrente, no caso do processo principal vir a ser julgado procedente, designadamente por os actos de AIM e de fixação dos PVP sofrerem de algum vício administrativo. Em suma, nos presentes autos não se verifica periculum in mora, pois não alegou a A. e Recorrente factos concretos que permitam considerar que sendo os actos de fixação de PVP não suspensos, se tornará, depois, impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade ou que dessa concessão resultem prejuízos de difícil reparação. A inexistência de periculum in mora obsta, desde logo, à procedência do requerido pedido de suspensão de eficácia. Mas se se proceder à ponderação dos interesses em apreço nestes autos, haverá sempre que apreciar a situação de forma a não sacrificar o valor saúde pública totalmente em relação aos direitos de patente do A. e Recorrente. O direito de patente do A. e Recorrente não é um direito absoluto (como o não é nenhum direito), mas tem de conviver com os demais direitos e interesses, designadamente com os interesses colectivos à saúde pública decorrentes da comercialização de medicamentos genéricos (logo, de medicamentos a mais baixo preço e ao alcance de todos ou de muitos mais) e com os direitos das Contra interessadas a exercerem a sua actividade económica e a praticarem todos os procedimentos necessários para que imediatamente após o terminus de quaisquer direitos de patente, possam iniciar a comercialização dos medicamentos genéricos. Essa necessidade de acautelar os direitos de terceiros face ao titular de um direito de patente e de garantir a coexistência de todos os direitos, sem sacrifícios totais para nenhum deles, designadamente por parte dos organismos públicos nacionais, é também imposta pelo artigo 201º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30.08 e é referida no relatório da CE, de 08.07.2007, publicado em http://ex.Europa.eu/competition/sectors/pharmaceuticals/inquiry/índex.html. Neste sentido, cita-se igualmente o Ac. n.º T – 74/00, de 26.11.2002, do Tribunal Europeu de 1º instância, que refere o seguinte: «No âmbito da concessão e da gestão das AIM dos medicamentos, este princípio impõe, em primeiro lugar, que sejam exclusivamente tomadas em conta as considerações respeitantes à protecção da saúde, em segundo lugar, a reavaliação da relação benefício/risco de um medicamento quando dados novos suscitem dúvidas quanto à sua eficácia ou à sua segurança, e, em terceiro lugar, uma aplicação do ónus da prova conforme ao princípio de precaução, implicitamente invocado pela Comissão (v. supra, n.° 165), que é o corolário nomeadamente do princípio da prevalência dos imperativos decorrentes da protecção da saúde sobre os interesses económicos. - Exclusiva tomada em conta das considerações respeitantes à protecção da saúde nas decisões relativas à autorização de medicamentos 175.O princípio geral da prevalência da protecção da saúde pública é expressamente consagrado, no domínio dos medicamentos para uso humano, pelo primeiro considerando da Directiva 65/65 (n.° 2 do preâmbulo do código), que enuncia que qualquer legislação em matéria de produção e distribuição de medicamentos «deve ter como objectivo essencial a protecção da saúde pública», e pelo terceiro considerando da Directiva 93/39 que precisa que, «no interesse da saúde pública e dos consumidores de medicamentos, importa que as decisões de [AIM] de medicamentos assentem exclusivamente em critérios de eficácia, qualidade e segurança, [que] foram amplamente harmonizados pela Directiva [65/65]». 176. Estas disposições confirmam que só devem ser tidas em conta as exigências ligadas à protecção da saúde pública tanto para efeitos de concessão de uma AIM, ao abrigo do artigo 5.° da Directiva 65/65 (artigo 26.° do código), como quando da renovação dessa autorização em aplicação do artigo 10.°, n.° 1, desta directiva (artigo 24.° do código), e no quadro da gestão das AIM em aplicação do artigo 11.° da mesma directiva (artigo 116.° do código). 177. Mais precisamente, atendendo ao primado que assim se atribui à protecção da saúde pública, o titular da AIM de um medicamento, que é válida por cinco anos e é renovável por iguais períodos, segundo o artigo 10.° da Directiva 65/65, não pode reclamar, ao abrigo do princípio da segurança jurídica, uma protecção específica dos seus interesses durante o período de validade da autorização, se a autoridade competente fizer prova bastante de que esse medicamento deixou de satisfazer um dos critérios enunciados no artigo 11.° desta directiva, tendo em conta a evolução dos conhecimentos científicos e os dados novos recolhidos designadamente no quadro da farmacovigilância.» (in http://curia .europa.eu/jurisp). A estas razões há ainda a acrescentar as decorrentes do enquadramento legal, nacional e comunitário, dos AIM e dos actos de fixação do PVP e as razões de saúde pública, ou os interesses colectivos na introdução de medicamentos genéricos no mercado, face aos interesses patrimoniais das farmacêuticas detentoras de direitos de patente, que estão na base daquele enquadramento legal, designadamente das Directiva n.º 2001/83/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 06.11.2001 e Directiva 2004/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31.03.2004. Na ponderação de interesses teríamos, por fim, que atender às repercussões fácticas da procedência destas providências, que em muito poderiam ultrapassar os efeitos jurídicos decorrentes do direito de patente do A. e Recorrente. Sendo o procedimento de AIM e o subsequente procedimento de autorização dos PVP, procedimentos relativamente complexos e morosos, a suspensão do seu início até ao termo dos direitos de patente do A. e Recorrente, sempre acarretaria efeitos de facto não queridos nem admitidos face aos princípios e norma invocados pela Recorrente, designadamente, à Directiva 201/83/CE, ao Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30.08 e ao bloco da legalidade. Permitira-se que através destas providências o A. e Recorrente pudesse ver o seu direito de patente assegurado, de facto, para além do tempo em que a mesma detém o direito. Ou seja, haverá efeitos de facto que se prolongariam para além dos efeitos de direito acautelados pelas normas que protegem o direito de patente (cf. neste sentido P. Remédio Marques, Medicamentos…, op. cit., pág. 86). Motivos porque terá de se confirmar a decisão recorrida, que se mantém, considerando improcedentes os pedidos formulados pelo Recorrente através desta acção. Dispositivo Em face de todo o exposto acordam em conferência em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida. Custas do recurso pelo Recorrente. Lisboa, 24 de Abril de 2013 (Sofia David) (Carlos Araújo) (Teresa de Sousa)