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Acórdão STJ de 2024-01-11

25713/15.9T8SNT.L1.S1

TribunalSupremo Tribunal de Justiça
Processo25713/15.9T8SNT.L1.S1
Nº Convencional2.ª SECÇÃO
RelatorCatarina Serra
DescritoresResponsabilidade Extracontratual, Acidente de Viação, Danos Futuros, Dano Biológico, Incapacidade Geral de Ganho, Perda da Capacidade de Ganho, Cálculo da Indemnização, Equidade, Nulidade de Acórdão, Falta de Fundamentação
Data do Acordão2024-01-11
VotaçãoUnanimidade
Privacidade1
Meio ProcessualREVISTA
DecisãoNegada

Sumário

I. A ressarcibilidade do dano patrimonial futuro não depende da comprovada perda de rendimentos do lesado, podendo e devendo o julgador ponderar, designadamente, os constrangimentos a que o lesado fica sujeito no exercício da sua actividade profissional corrente e na consideração de oportunidades profissionais futuras. II. Em relação aos danos patrimoniais, designadamente aos danos patrimoniais futuros, o princípio é o de que a indemnização deve calcular-se de acordo com as regras dos artigos 562.º e seguintes do CC, funcionando a equidade como último recurso, para ajustar o montante da indemnização às particularidades do caso concreto.


Texto Integral

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO Recorrente: AA Recorrida: Ageas Portugal, Companhia de Seguros, S.A., e Seguradoras Unidas, S.A. 1. AA, solteira, reformada, instaurou a presente acção sob a forma de processo comum contra Axa Portugal - Companhia de Seguros, S.A., que entretanto alterou a sua denominação social para Ageas Portugal, Companhia de Seguros, S.A. (cfr. certidão permanente de fls. 259 ss), e Companhia de Seguros Açoreana, S.A., entretanto incorporada por fusão na Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., que alterou a sua denominação social para Seguradoras Unidas, S.A. (cfr. certidão permanente de fls. 354 ss), pedindo que julgada a mesma procedente por provada: a) seja a 1.ª ré condenada a pagar à autora a quantia de €97.208,72 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida do pagamento de procuradoria condigna, juros legais, vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento, e no pagamento de custas. b) seja a 1.ª ré condenada a pagar à autora a quantia que se remeter para liquidação/ampliação decorrente de incapacidades permanentes e temporárias em razão da perícia médica a realizar, bem como de despesas, tratamentos, deslocações e refeições que se vierem a verificar como decorrentes do acidente; c) subsidiariamente, seja a 2.ª ré condenada a pagar à autora a quantia de €97.208,72 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida do pagamento de procuradoria condigna, juros legais, vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento, e no pagamento de custas, e d) subsidiariamente, seja a 2.ª ré condenada a pagar à autora a quantia que se remeter para liquidação/ampliação decorrente de incapacidades permanentes e temporárias em razão da perícia médica a realizar, bem como de despesas, tratamentos, deslocações e refeições que se vierem a verificar como decorrentes do acidente. 2. Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Em face do exposto, julgo parcialmente procedente a presente ação e, em conformidade, condeno a 1ª Ré a pagar à Autora: - a quantia de €245.001,40 (€557,74 + €1.558,66 + €2.367,75 + €557,75 + €7.959,50 + €155.000 + €77.000) a título de danos patrimoniais por despesas médicas e medicamentosas, de materiais de apoio, deslocações em viatura própria aos tratamentos, despesas em refeições fora de casa, gastos com empregada doméstica já efetuados, despesa a título de dano futuro com a contratação de empregada doméstica para a substituir na lide doméstica, incluindo para cozinhar, e despesa com o auxílio de terceira pessoa para a auxiliar na sua higiene diária, acrescida de juros contados desde a citação da 1ª Ré, à taxa anual de 4%, até integral pagamento, sem prejuízo de eventual alteração legal daquela taxa; - bem assim como o montante que se liquidar em incidente ulterior, com o limite do pedido, relativo a danos patrimoniais futuros respeitantes ao valor dos medicamentos que terá que tomar e consultas médicas que terá que realizar virtude das lesões que sofreu, acrescido de juros de mora vencidos desde a citação da 1ª Ré, à taxa anual de 4%, até integral pagamento, sem prejuízo de eventual alteração legal daquela taxa; - a quantia de €150.000 a título de dano biológico, acrescida de juros contados à taxa anual de 4% desde a presente decisão até integral pagamento, sem prejuízo de eventual alteração legal dessa taxa; e - ainda a quantia de €70.000 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros contados à taxa anual de 4% desde a presente decisão até integral pagamento, sem prejuízo de eventual alteração legal dessa taxa. No mais, absolvo a 1ª Ré do peticionado e absolvo ainda a 2ª Ré do pedido subsidiário contra a mesma deduzido” 3. A ré Ageas Portugal, Companhia de Seguros, S.A., recorreu, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido Acórdão em cujo dispositivo pode ler-se: “Pelo exposto de decidindo, de harmonia com as disposições legais citadas, concedendo parcial provimento à apelação, na alteração da decisão recorrida, decide-se condenar a R. Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A. a pagar à A., a título do designado dano futuro, a pagar à A. a quantia de €100.000 e confirmar a decisão recorrida em tudo o mais”. 5. Inconformada, por sua vez, é agora a autora AA quem vem interpor recurso de revista, pretendendo a substituição da decisão do Tribunal da Relação por outra, nomeadamente a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância. A terminar as alegações, expõe as seguintes conclusões: “PRIMEIRO. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Douto Tribunal da Relação de Lisboa, que, de forma imediata, julgou tempestivo o recurso de apelação interposto pela ré AGEAS PORTUGAL, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., e que, mediatamente, julgou parcialmente procedente o mesmo e, em consequência, alterou a decisão proferida pelo Tribunal de 1.º Instância, nomeadamente no sentido de reduzir para € 100.000,00 (cem mil euros) a indemnização a título de dano futuro a pagar pela ré seguradora à autora AA, fixada no montante de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) pelo Douto Tribunal de 1.º Instância. SEGUNDO. Não pode a autora ora recorrente AA conformar-se com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, uma vez que a mesma: a. é nula por violação da lei processual, nomeadamente, violação do disposto nos artigos 638.º, 639.º e 640.º do Código de Processo Civil; b. é nula por falta de por falta de fundamentação, na parte que respeita à alteração (redução) da compensação arbitrada à ora recorrente AA pelo dano biológico sofrido em consequência do acidente dos presentes autos, nos termos do disposto no artigo 661.º e 615.º do Código de Processo Civil; c. incorre em erro de julgamento e viola a lei substantiva ao alterar (reduzir) da compensação arbitrada à ora recorrente AA pelo dano biológico sofrido em consequência do acidente dos presentes autos, nos termos do disposto no artigo 661.º e 615.º do Código de Processo Civil. TERCEIRO. Inconformada com a decisão proferida pelo Tribunal de 1.º Instância, insurgiu-se a ré recorrente AGEAS PORTUGAL, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. em sede de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, contudo, a recorrente AGEAS PORTUGAL, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. apresentou o seu recurso de apelação ao quadragésimo segundo dia contado desde a notificação daquela decisão, ocorrida a 26 de outubro de 2021. QUARTO. O recurso de apelação interposto pela ré recorrente AGEAS PORTUGAL, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. só beneficiaria do prazo acrescido de 10 dias, caso a mesma tivesse levado a cabo um recurso de apelação cujo objecto do mesmo incluísse, de facto, a reapreciação da prova gravada, o que não aconteceu. QUINTO. Resulta do artigo 640.º, do Código de Processo Civil, que, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a. Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b. Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c. A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; sendo que, no caso previsto na alínea b) do mesmo normativo legal, se observa o seguinte: a. Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, b. Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. SEXTO. Estabelece, assim, o artigo 639.º, nos seus números 1 e 2, que o recorrente tem o ónus de alegar e de formular conclusões, devendo apresentar a sua alegação, na qual deve concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão; sendo que, por outro lado, o artigo 640.º também do Código de Processo Civil, estabelece os ónus que recaem sobre a parte que impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sob pena de, não os cumprindo, ser o recurso rejeitado, quanto a essa decisão. SÉTIMO. A conjugação dos artigos 638.º, 639.º e 640.º do Código de Processo Civil, impõe um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a matéria de facto, com fundamento na reapreciação da prova gravada, uma vez que o legislador pretendeu evitar que o impugnante se limite a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em primeira instância, daí que o prazo acrescido de 10 (dez) dias só seja aplicável quando o recorrente o use efetivamente para impugnar a matéria de facto. OITAVO. Ou seja, beneficia do acréscimo de 10 (dez) dias ao prazo ordinário de recurso de 30 (trinta) dias, o recorrente que, efectivamente, leve a cabo uma verdadeira impugnação da matéria de facto, justificando-se a mesma na efectiva reapreciação da prova gravada. NONO. A justificação para esta extensão, ou alongamento, do prazo consiste na necessidade de o recorrente ter que instruir as suas alegações com as especificações dos meios de prova cuja reapreciação, na sua opinião, determinam a modificação da decisão da matéria de facto – sendo este também o entendimento dominante e assente na jurisprudência deste Douto Supremo Tribunal de Justiça. DÉCIMO. A ré recorrente AGEAS PORTUGAL, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., no seu pretenso recurso de matéria de facto com apreciação de prova grava, bastou-se com a UMA SÓ referência, absolutamente genérica e vaga, a UM SÓ depoimento de UMA SÓ testemunha, fazendo-o inclusive sem identificar o concreto momento que considerava crucial e fundamental para justificar as motivações que leva a cabo. DÉCIMO PRIMEIRO. Com o devido respeito, tal tratou-se de uma manifestamente evidente manobra, com vista ao aproveitamento de um benefício processual que se justifica, tão só, quando, de facto, se verifique a necessidade de o recorrente ter que instruir as suas alegações com as especificações dos meios de prova cuja reapreciação, na sua opinião, determinam a modificação da decisão da matéria de facto. DÉCIMO SEGUNDO. O Código de Processo Civil é claro e inequívoco, nomeadamente nos seus artigos 638.º, 639.º e 640.º: o prazo ordinário de recurso é de 30 (trinta) dias, sendo que um recurso interposto fora do mesmo é extemporâneo, não podendo por isso ser admitido; excepção mesma ocorre quando, por força do recurso interposto, se pretende reapreciação de prova gravada, beneficiando o apelante de um acréscimo de 10 (dez) dias ao prazo ordinário. DÉCIMO TERCEIRO. Sucede que, para tal, está o apelante obrigado a cumprir os ónus a que a conjugação dos artigos 638.º, 639.º e 640.º do Código de Processo Civil obriga– o que não se verificou nos presente autos, uma vez que o único formalismo observado pela ré recorrente AGEAS PORTUGAL, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. consistiu em transcrever, nas suas motivações, uma única frase – esta com pouco mais de 20 (vinte) palavras – retirada do depoimento de uma testemunha o que não pode consubstanciar a excepção ao prazo ordinário de recurso para efeitos do disposto no artigo 638.º do Código de Processo Civil nomeadamente a excepção prevista no número 7 do normativo legal identificado. DÉCIMO QUARTO. Não tendo a ré recorrente AGEAS PORTUGAL COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. interposto um verdadeiro recurso de matéria de facto do qual resultasse qualquer reapreciação de prov gravada – tendo ainda incumprido o ónus a que estava obrigado conforme, aliás, decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou incumpridos os requisitos para que aponta o artigo 640.º do Código de Processo Civil, e, consequentemente, rejeitou a apreciação do recurso de matéria de facto – não podia assim o seu recurso beneficiar do praz acrescido de 10 (dez) dias, estando, pois, sujeito ao prazo ordinário. DÉCIMO QUINTO. Interposto ao quadragésimo segundo dia contado desde a notificação da decisão de que se pretende recorrer, era evidente que o mesmo era manifestamente extemporâneo DÉCIMO SEXTO. Ao decidir pela tempestividade do recurso apresentado pela ré recorrente AGEAS PORTUGAL, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., o Tribunal da Relação de Lisboa, violou o disposto nos artigos 638.º, 639.º e 640.º do Código de Processo Civil, pelo que é nula a sua decisão, merecendo, naturalmente, censura por parte deste Douto Supremo Tribunal de Justiça, que imperativamente terá de revogar a decisão proferida por aquela instância, substituindo-a por outra que julgue extemporâneo o recurso de apelação interposto pela ré recorrente AGEAS PORTUGAL, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A e, consequentemente, se decida pela rejeição da sua apreciação. DÉCIMO SÉTIMO. Não obstante, sempre se haverá de censurar a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, na medida em que o mesmo é nulo por falta de fundamentação, nos termos do disposto nos artigos 661.º e 615.º do Código de Processo Civil, na parte em que altera e reduz a compensação arbitrada à ora recorrente AA pelo dano biológico sofrido em consequência do acidente dos presentes autos. DÉCIMO OITAVO. Entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa reduzir e arbitrar uma indemnização no valor de € 100.000,00 (cem mil euros) a título de indemnização pelo dano biológico de que ficou a ora recorrente AA permanentemente a padecer, distanciando-se daquele que havia sido o sentido distinto da decisão proferida na 1ª Instância, não obstante diante daqueles que haviam sido os mesmos factos provados considerados para tal apuramento. DÉCIMO NONO. Sucede que, não apresentou o Tribunal a quo, para tal redução, qualquer justificação ou fundamentação; i.e., não se alcança da decisão ora objecto de recurso de que forma cabia, ou não, dentro dos padrões jurisprudenciais correntes em casos similares, a decisão modificada; da mesma forma que não se alcança da decisão ora objecto de recurso qualquer escrutínio pelos padrões da jurisprudência nacional correntes em casos similares, que conduzisse à decisão conforme proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa.. VIGÉSIMO. Simultaneamente, o Tribunal da Relação de Lisboa não se socorreu de quaisquer juízos de equidade para a tomada da sua decisão, não obstante estar sujeito à aplicação dos critérios que a mesma determina no momento de, como nos presentes autos, fixar uma indemnização a título de dano biológico que compense o lesado que dela ficará permanentemente afectado. VIGÉSIMO PRIMEIRO. Ao Julgador a lei obriga que fundamente de facto e de direito a sua decisão; sucede que, lido e relido o acórdão recorrido não consegue a ora recorrente AA descortinar o que esteve na génese de uma redução de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) ao valor arbitrado para compensação do dano biológico por si sofrido em consequência do acidente de que foi vítima e a que reportam os presentes autos. VIGÉSIMO SEGUNDO. O Acórdão ora objecto de recurso limita-se a concluir por uma redução arbitrária do valor indemnizatório à ora recorrente AA pelo dano biológico sofrido em consequência do acidente dos presentes autos, sem, contudo, fundamentar tal decisão, incorrendo em manifesta nulidade, nos termos do disposto no artigo 661.º e 615.º do Código de Processo Civil. VIGÉSIMO TERCEIRO. Não obstante, sempre haverá ainda a considerar que, incorreu o Tribunal a quo em manifesto e grosseiro erro de julgamento com consequente violação da lei substantiva, também na parte em que altera e reduz a compensação arbitrada à ora recorrente AA pelo dano sofrido em consequência do acidente dos presentes autos. VIGÉSIMO QUARTO. O Tribunal da Relação de Lisboa trouxe à colação, como que em jeito de justificação do excessivo montante que havia sido fixado pelo Tribunal de 1.ª instância a título de indemnização pelo dano biológico, o montante indemnizatório global de € 232.000, 00 (duzentos e trinta e dois mil euros) que havia sido atribuído à ora recorrente AA a título de indemnização por despesas com ajudas de terceiras pessoas, contemplando o valor indemnizatório mencionado ajudas já suportadas e ajudas futuras com a contratação de empregada doméstica para a substituir na lide doméstica, incluindo para cozinhar, e despesa com o auxílio de terceira pessoa para a auxiliar na sua higiene diária. VIGÉSIMO QUINTO. Contudo, Tribunal da Relação de Lisboa chamou as mesmas aos presentes autos, para efeitos de apuramento do quantum indemnizatório a atribuir pelo dano biológico – o que é, com o devido respeito, para além de incompreensível, inaceitável, uma vez que o dano biológico não pode, de forma alguma, ser confundido com as ajudas de terceira pessoa ou quaisquer outros demais auxílios, VIGÉSIMO SEXTO. Assim, jamais aquele montante poderia ter sido levado em linha de conta para qualquer tarefa inerente ao apuramento de indemnização a atribuir pelo dano biológico de que ficou a ora recorrente AA a padecer, dado que são quadros de danos indemnizáveis totalmente distintos. VIGÉSIMO SÉTIMO. Assim, mal andou o Tribunal da R Lisboa ao confundir as indemnizações invocadas, incorrendo em manifesto e grosseiro erro de julgamento, termos em que proceder as presentes alegações de recurso, mantendo-se proferida pelo Tribunal de 1.º Instância. VIGÉSIMO OITAVO. Por fim, mas não menos gritante, sustentou o Tribunal da Relação de Lisboa, como fundamento para a redução que viria a operar, que, por um lado, a ora recorrente AA estava já reformada à data do sinistro e, por outro lado, que não se havia logrado provar qual a dimensão dos rendimentos obtidos pela mesma com a sua actividade profissional de blogger. VIGÉSIMO NONO. Com o devido respeito, o Tribunal da Relação de Lisboa olividou-se da natureza do dano biológico e as linhas orientadoras do seu ressarcimento. TRIGÉSIMO. Por decisão proferida pelo Tribunal de 1.º Instância, foram fixados, sumariamente, os seguintes montantes indemnizatórios: -a quantia de € 245.001,40 (duzentos e quarenta e cinco mil e um euro e quarenta cêntimos), fixada a título de danos patrimoniais por despesas já efetuados e despesa a título de dano futuro; - a quantia de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) a título de dano biológico; e, - a quantia de € 70.000,00 (setenta mil euros) a título de dano biológico. TRIGÉSIMO PRIMEIRO. Assim, ao contrário do descrito pelo Tribunal a quo, o dano biológico a ressarcir nos presentes autos, é o dano biológico no seu todo, e não somente enquanto dano futuro na vertente da repercussão na capacidade geral de ganho da ora recorrente AA; sendo que, quando verificado, o dano biológico é indemnizável por si só, não estando o seu ressarcimento dependente da efectiva perda de rendimentos – assim, desde logo mal andou o Tribunal a quo. TRIGÉSIMO SEGUNDO. Mas mesmo que se olhasse ao dano biológico unicamente enquanto um dano susceptível de impacto directo na vida profissional do lesado que dele padece, in casu, sempre se verificaria a perda de rendimentos da ora recorrente AA, uma vez que, conforme resulta do elenco de factos provados, em consequência do acidente, entre o demais, passou a sofrer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica da ordem dos 45% que consubstanciou um absoluto impedimento à prossecução da actividade de blogger que vinha a desenvolver, e cujos rendimentos potenciais não podem ser ignorados, atenta a realidade digital dos nossos dias, sendo que, também por força do dano biológico de que ficou a padecer viu-se a ora recorrente AA privada da renovação da sua carta de condução, mais-valia esta que poderia constituir outra fonte possível de rendimentos, atenta também a realidade actual inerente aos inúmeros serviços de distribuição de produtos ao domicílio e de transporte. TRIGÉSIMO TERCEIRO. Não obstante, a verdade é que o ressarcimento do dano biológico reporta-se à redução da força de trabalho e não necessariamente à perda de rendimentos profissionais em si, apurados unicamente em função dos montantes que o lesado deixará de auferir – e é este o entendimento dominante da doutrina e jurisprudência portuguesa, inclusive a deste Douto Supremo Tribunal de Justiça. TRIGÉSIMO QUARTO. Posto isto, andou mal o Tribunal a quo ao reduzir a indemnização fixada pelo Tribunal de 1.º Instância, aquela arbitrada enquanto forma de compensação pelos danos advenientes dos maiores esforços a que o dano biológico de que a ora recorrente AA ficou a padecer, tendo –bem! –se socorrido da equidade, bem como de diversas circunstâncias a que alude a factualidade dada como provada nos presentes autos, tendo obtido a justiça no caso concreto. TRIGÉSIMO QUINTO. Como bem andou o Tribunal de 1.º Instância, no momento do apuramento da indemnização a atribuir pelo dano biológico foram trazidas a lume as dores e desgostos que a ora requerente AA sofreu e continua a sofrer, que se façam referências às lesões físicas provocadas pelo acidente, porque estas não estão dissociadas, quando considerado o dano biológico de que ficou a padecer associado ao défice funcional permanente de 45 pontos e as consequências deste nas tarefas do dia-a-dia, sejam profissionais, sejam pessoais, implicando esforços acrescidos e suplementares na realização das mesmas, bem como as dependências permanentes de terceiros para a realização das mesmas, bem como as profundas mudanças que tais lesões consubstanciam na vida da ora recorrente AA, sobretudo com reflexo na impossibilidade de a mesma prosseguir com qualquer actividade profissional susceptível de gerar rendimentos. TRIGÉSIMO SEXTO. Por clara oposição, mal andou o Tribunal a quo ao reportar-se, perante a mesma tarefa, tão só à perda de rendimentos, tendo incorrido em manifesto erro de julgamento, com consequente erro na aplicação da lei substantiva a aplicar ao caso concreto, pelo que não pode manter-se a decisão por si proferida. TRIGÉSIMO SÉTIMO. Termos em que, pugna a ora recorrente AA pela revogação do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa nos termos e com os fundamentos supra descritos, repristinando-se a condenação da ré ora recorrida AGEAS PORTUGAL, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. no pagamento do montante de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) a título de indemnização pelo dano biológico de que aquela primeira ficou a padecer”. 7. Foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa do qual consta: “A A. vem invocar nulidade do acórdão proferido a fls. 527 a 545, alegando que o recurso da R. não devia ter sido admitido e que há vício de falta de fundamentação. Quanto à alegada intempestividade do recurso A A. alega violação do disposto nos artigos 638, 639 e 640, do CPC. Este mesmo tema já foi já objeto de apreciação a fls. 539 e vº, a que nada mais há acrescentar nesta sede. Quanto à alegada falta de fundamentação A A. alega este vício na parte respeitante à alteração (redução) da compensação arbitrada pelo dano biológico sofrido em consequência do acidente. Nos termos do art. 615°, n° 1, al. b) do CPC, a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que a motivam. A jurisprudência pacífica tem sustentado que só a absoluta falta de fundamentação — e não também a insuficiência, mediocridade, ou erro de julgamento — integra a previsão do indicado normativo (neste sentido, vejam-se entre muitos outros, os Acs. STJ, de 15/12/2011 e de 02/06/2016, relatados pelos Excelentíssimos Conselheiros Pereira Rodrigues e Fernanda Isabel Pereira. Acontece que, manifestamente, não estamos perante essa situação, porquanto a questão foi apreciada a fls. 542 a 545. Pelo exposto, entende-se que as invocadas nulidades devem ser consideradas improcedentes, sem prejuízo do mais elevado entendimento do Supremo Tribunal de Justiça. Abra conclusão imediata”. 8. Os autos foram, de seguida, mandados subir a este Supremo Tribunal por despacho do Exmo. Relator Desembargador. * Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), as questões a decidir, in casu, são as de saber se: 1.º) o Acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação no que respeita à alteração (redução) da compensação atribuída à autora / ora recorrente pelo dano respeitante à perda da capacidade geral de ganho; 2.º) o Tribunal recorrido incorreu em violação da lei processual, designadamente do disposto nos artigos 638.º, 639.º e 640.º do CPC, no que respeita à admissão do recurso de apelação da ré / ora recorrida; 3.ª) o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento e violação da lei substantiva no que respeita à alteração (redução) da compensação arbitrada à autora / ora recorrente pelo dano respeitante à perda da capacidade geral de ganho. * II. FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido: A) No dia 7 de agosto de 2014, pelas 16:30 horas, na Rua..., concelho de ..., ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-IR-.. e o veículo ligeiro de mercadorias, com caixa aberta, com a matrícula ..-..-FR. B) O veículo com a matrícula ..-IR-.. é propriedade da Autora e era, na ocasião, conduzido por BB, companheiro da Autora, no sentido Norte-Sul daquela rua, na direção M...-B.... C) Naquela ocasião, a Autora seguia sentada no banco da frente do mesmo veículo do lado direito do condutor. D) Naquela ocasião o veículo com a matrícula ..-..-FR era conduzido por CC. E) Naquela rua, que é uma reta com boa visibilidade e com inclinação descendente no sentido de marcha do veículo ..-IR-.., existe um cruzamento com outras duas ruas, após o qual, atento ainda aquele sentido de marcha, existe uma passadeira de peões e após esta, do lado direito da via, uma zona destinada ao estacionamento de veículos, com 5 metros de largura. F) A faixa de rodagem no local onde ocorreu o acidente tem duas vias de trânsito, uma em cada sentido, sem separador central, com um total de 8,4 metros de largura. G) Na ocasião referida em A) era de dia e o tempo estava bom, encontrando-se o respetivo piso seco. H) Quando o veículo ..-IR-.. já tinha passado o cruzamento e a passadeira de peões referidos em E), foi surpreendido pelo veículo com a matrícula ..-..-FR, cujo condutor iniciou a manobra de marcha atrás para sair da zona de estacionamento referida em E), onde anteriormente se encontrava estacionado, de forma brusca e sem atentar que na faixa de rodagem se encontrava aquele outro veículo, invadindo a faixa de rodagem e indo embater com a sua traseira na lateral direita do veículo ..-IR-.. e simultaneamente no antebraço direito da Autora. I) Na ocasião referida em H) o vidro da porta dianteira do veículo ..-IR-.. estava totalmente aberto devido ao calor e a Autora tinha o braço direito apoiado sobre a janela aberta daquela porta. J) Do embate, para além dos danos na lateral direita do IR, resultou a amputação parcial traumática do antebraço e mão direitos da Autora com desarticulação a nível da articulação e secção do nervo cubital, mantendo continuidade de pele e feixe muscular na face interna. K) Tendo a Autora ficado a jorrar sangue da ferida causada pelo embate como referido em J) e aos gritos com a aflição pelo ocorrido e dores que sentia, o companheiro desta decidiu seguir imediatamente para o Hospital ... na ..., como fez. K) DD, que seguia no banco traseiro do IR, auxiliou a Autora durante o transporte para o Hospital, segurando-lhe o braço lesado e fazendo um garrote de modo a estancar o sangue que jorrava abundantemente. M) A 1ª R. não assumiu a responsabilidade sobre o sinistro, mas em sede de indemnização pelos danos materiais, pagou à A. a quantia de €3.850,00, conforme transação efetuada no processo n.° 49/2015 que correu termos nos Julgados de Paz de .... N) A A. apresentou queixa-crime contra o condutor do veículo com a matrícula ..-..-FR, CC, por ofensas corporais graves, o que deu origem ao processo crime com o NUIPC 1699/14.6..., no qual se constituiu assistente, e em cuja sede foi, por sentença transitada em julgado em 30/1/2017, conforme teor da respetiva certidão judicial a fls. 401 verso a 412, que aqui se dá integralmente por reproduzida para todos os efeitos legais, aquele condutor, na qualidade de arguido, condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo art. 148º, nºs 1 e 3, do Código Penal, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de €7, num total de €1050 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 6 meses. O) A responsabilidade civil emergente de acidente de viação relativamente ao veículo com a matrícula ..-..-FR havia sido transferida por CC, na qualidade de tomador do seguro, para a AXA Portugal, Companhia de Seguros, SA, a qual atualmente se denomina AGEAS PORTUGAL - Companhia de Seguros, SA, pelo contrato de seguro titulado pela apólice nº ..........85, conforme teor da respetiva cópia a fls. 122 verso, que se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais. P) A responsabilidade civil emergente de acidente de viação relativamente ao veículo com a matrícula ..-IR-.. havia sido transferida pela Autora, na qualidade de tomadora do seguro, para a Açoreana Seguros; SA, entretanto incorporada por fusão na Companhia de Seguros Tranquilidade, SA, que alterou a sua denominação social para SEGURADORAS UNIDAS, SA, pelo contrato de seguro titulado pela n.º ........70, conforme teor da respetiva cópia a fls. 149, que se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais. Q) Na sequência do referido em J) e K), a Autora deu entrada nos serviços de urgência do Hospital ..., na Amadora, com diagnóstico de hemorragia exsanguinante do membro superior direito, tendo-lhe sido administrada morfina para as dores. R) No mesmo dia teve indicação para transferência para o Hospital ... em Lisboa para avaliação em Cirurgia Vascular, Plástica e Ortopedia, sendo-lhe imobilizado o membro superior direito com tala e ligaduras, mantendo o garrote. S) Nesse dia foi então transferida para o Hospital ... em Lisboa, onde ficou internada, tendo sido observada no serviço de urgência, onde foi constatado que o membro superior direito estava em isquémia com luxação traumática completa do cotovelo, secção completa da artéria e veia umerais, veia basília e secção completa do nervo mediano e do nervo radial. T) Foi-lhe então administrada diversa medicação e fármacos, tendo sido feita designadamente ainda irrigação abundante com soro fisiológico em toda a área traumatizada e com betadine dérmico apenas na extremidade distal e penso com compressas secas e ligadura não compreensiva, mantendo a tala. U) Ainda nesse dia foi algaliada e novamente administrada morfina com indicação para cirurgia urgente e consequente estabilização óssea. V) Na madrugada do dia 8/8/2014, nesse Hospital de ..., a Autora foi submetida a cirurgia urgente sob anestesia geral, tendo sido feita evascularização com reconstrução arterial umeral com interposição de veia safena interna, reconstrução venosa topo a topo das veias umeral e basílica, neurorrafia do nervo radial e osteotaxia externa transarticular do cotovelo, com encerramento sob drenagem passiva. W) A 10 de agosto de 2014, na sequência do fenómeno de reperfusão, fez síndrome compartimental da mão e antebraço sendo submetida a fasciotomias de descompressão, sob anestesia geral. X) Transferida do serviço de medicina intensiva para o serviço de cirurgia plástica, foi realizado encerramento das fasciotomias com enxertos de pele parcial colhidos do antebraço direito no dia 14 de agosto de 2014, sob anestesia geral. Y) A Autora teve alta do Hospital ... em Lisboa em 8/9/2014, para manter seguimento naquele Hospital em consulta externa de cirurgia plástica, ortopedia e medicina física e de reabilitação, com situação clínica estável. Z) Virtude das lesões que sofreu com o acidente, a Autora teve: - consultas externas de cirurgia plástica no Hospital ... em Lisboa em 11/9/2014, 18/9/2014, 25/9/2014, 2/10/2014, 13/11/2014, 29/1/2015, 23/4/2015, 3/7/2015, 1/10/2015, 14/1/2016, 26/4/2016, 26/7/2016, 27/7/2016, 28/9/2016 e 25/10/2016, 31/1/2017, 27/2/2017, 7/3/2017, 14/3/2017, 20/3/2017, 4/4/2017, 27/6/2017 e 28/12/2017; - atendimento de enfermagem de cirurgia plástica naquele Hospital em 2/10/2014, 8/10/2014, 16/10/2014, 1/12/2014, 20/3/2017 e 24/4/2017; - atendimento de enfermagem na unidade de Ortopedia em Consulta externa do Hospital de ... em 23/1/2015 e 14/8/2015; - consulta de ortopedia no mesmo Hospital em 21/8/2015; e - consultas de Medicina Física e de Reabilitação naquele Hospital em 22/9/2014, 14/1/2015, 22/2/2015, 27/4/2015 e 15/5/2015 e mudanças de penso, fortalecimento muscular e treino de destreza muscular manual, massagem manual e mobilização articular e reeducação de sensibilidade, exames, estimulação elétrica neuro-muscular e massagem de drenagem linfática, ainda naquele hospital em 11/9/2014, 18/9/2014, 25/9/2014, 26/9/2014, 29/9/2014, 1/10/2014, 2/10/2014, 3/10/2014, 8/10/2014, 10/10/2014, 13/10/2014, 15/10/2014, 17/10/2014, 20/10/2014, 22/10/2014, 24/10/2014, 27/10/2014, 29/10/2014, 31/10/2014, 3/11/2014, 5/11/2014, 6/11/2014, 7/11/2014, 10/11/2014, 12/11/2014, 13/11/2014, 14/11/2014, 17/11/2014, 19/11/2014, 21/11/2014, 26/11/2014, 28/11/2014, 1/12/2014, 3/12/2014, 5/12/2014, 12/12/2014, 15/12/2015, 17/12/2014, 19/12/2015, 22/12/2014, 26/12/2014, 7/1/2015, 9/1/2015, 12/1/2015, 14/1/2015, 19/1/2015, 21/1/2015, 26/1/2015, 30/1/2015, 2/2/2015, 4/2/2015, 18/2/2015, 23/2/2015, 24/2/2015, 25/2/2015, 26/2/2015, 27/2/2015, 2/3/2015, 3/3/2015, 4/3/2015, 5/3/2015, 6/3/2015, 10/3/2015, 11/3/2015, 13/3/2015, 16/3/2015, 18/3/2015, 20/3/2015, 23/3/2015, 24/3/2015, 25/3/2015, 26/3/2015, 27/3/2015, 31/3/2015, 1/4/2015, 2/4/2015, 6/4/2015, 7/4/2015, 8/4/2015, 9/4/2015, 10/4/2015, 13/4/2015, 15/4/2015, 17/4/2015, 20/4/2015, 23/4/2015, 27/4/2015, 28/4/2015, 29/4/2015, 4/5/2015, 5/5/2015, 7/5/2015, 11/5/2015, 13/5/2015, 15/5/2015, 18/5/2015, 20/5/2015, 22/5/2015, 25/5/2015, 27/5/2015, 29/5/2015, 1/6/2015, 3/6/2015, 5/6/2015, 8/6/2015, 11/6/2015, 12/6/2015, 15/6/2015, 17/6/2015, 19/6/2015, 29/6/2015, 1/7/2015, 3/7/2015, 6/7/2015, 8/7/2015, 10/7/2015, 13/7/2015, 14/5/2015, 15/5/2015, 13/7/2015, 15/7/2015,17/7/2015, 20/7/2015, 22/7/2015, 24/7/2015, 27/7/2015, 29/7/2015, 31/7/2015, 3/8/2015, 5/8/2015, 7/8/2015, 10/8/2015, 12/8/2015, 14/8/2015, 17/8/2015, 19/8/2015, 21/8/2015, 2/9/2015, 4/9/2015, 7/9/2015, 8/9/2015, 10/9/2015, 15/9/2015, 17/9/2015, 22/9/2015, 23/9/2015, 24/9/2015, 29/9/2015, 1/10/2015, 2/10/2015, 8/10/2015, 15/10/2015, 16/10/2015, 20/10/2015, 21/10/2015, 27/10/2015, 29/10/2015, 31/10/2015, 3/11/2015, 5/11/2015, 7/11/2015, 10/11/2015, 13/11/2015, 14/11/2015, 17/11/2015, 19/11/2015, 24/11/2015, 26/11/2015 e 1/12/2015 . - e consulta subsequente em 19/5/2015 e em cirurgia vascular também naquele hospital em 22/6/2015. AA) A Autora foi observada em consulta de medicina física de reabilitação em 22 de setembro de 2014, apresentando então osteotaxia externa, tinha ainda mão pendente à direita e esboçava movimentos dos dedos D4 e D 5 com força muscular grau 1, sem conseguir flexão completa IFP e IFD, mantinha sensibilidade táctil e álgica da palma da mão e de D4 e D5; e iniciou programa de reabilitação com melhoria progressiva do edema dos dedos e mão e punho. BB) Foi confecionada ortótese de posicionamento e a 14 de janeiro de 2015 retirou osteotaxia externa, não apresentando mobilidade ativa do cotovelo ou do punho direito. CC) Em 20/2/2015 foi observado que a Autora tinha severa lesão axonal sem sinais de reinervação dos nervos medianos e radial direitos e nervo cubital com sinais de franca reinervação (axonotemesis). DD) Observada ainda em consulta de Medicina Física e de reabilitação do referido Hospital de ... constatou-se designadamente que a Autora esboçava flexão e extensão ativas do cotovelo, mas mantinha instabilidade, com sensibilidade tátil mantida no território cubital, com anestesia nos restantes territórios do antebraço e mão, pelo que manteve o tratamento de reabilitação em curso. EE) Em consulta de Ortopedia no Hospital de ... em 14 de maio de 2015, foi explicada à Autora a necessidade de aguardar a evolução neurológica para equacionar opção terapêutica mais adequada, dada a manutenção da instabilidade da flexão do membro superior direito. FF) Em 7/3/2017 a Autora foi internada no Hospital de ... e foi nesse dia submetida a cirurgia que consistiu em artrodese total do punho (carpo metacárpica) direito por abordagem dorsal com placa AO, 8 parafusos e enxerto de osso esponjoso colhido da crista ilíaca direita, tendo alta no dia seguinte com recomendações para elevação permanente do membro superior direito e ter consulta externa posteriormente. GG) Atualmente, a Autora apresenta as seguintes sequelas das lesões sofridas no acidente: - abdómen: cicatriz rosada sobre o terço anterior da crista ilíaca direita, linear, com 7 cm de comprimento; - membro superior direito: - duas cicatrizes na face lateral do braço, uma na transição entre os terços proximais e outra no terço distal, de maior eixo vertical, com 2.5x1.5cm e 2x1cm; - cicatriz parcialmente nacarada, parcialmente rosada, em toda a circunferência do cotovelo, com 5 cm de maior largura; cicatriz hipopigmentada, de enxerto de pele fina, na face anterior dos terços proximal e médio do antebraço, de forma irregular, de maior eixo vertical, com 1x0,2cm, 2,5x1 cm e 1,5x1,5 (de proximal para distal); - uma cicatriz hipocrómica na extremidade proximal do bordo radial do antebraço, linear, vertical, com 1,5 cm de comprimento; - duas cicatrizes no bordo cubital do antebraço, uma no terço superior e outra no terço inferior, arredondadas, com 1 cm de diâmetro cada; - cicatriz heterogénea, com áreas rosada e nacaradas, na face dorsal do terço distal do antebraço e mão, de trajeto tortuoso, ligeiramente arciforme para lateral, com 15,5 cm de comprimento e 1,3 de maior largura; -mobilidade e força muscular do ombro preservada; - mobilidade passiva do ombro preservada, pronossupinação passiva preservada; mobilidade ativa praticamente inexistente; - mobilidade do punho ausente (artrodese); - mobilidade passiva dos dedos da mão preservada, mobilidade ativa praticamente inexistente nos 1º ao 3º dedo, mobilidade do 4º e 5º dedos de grau 3; - sensibilidade tátil diminuída, mas existente, ao longo do bordo cubital do antebraço e nos 4º e 5º dedos; restante antebraço sem sensibilidade; e - membro inferior esquerdo: cicatriz hipopigmentada na face anteromedial do terço proximal da coxa, linear, oblíqua para baixo e para trás, com 10,5 cm de comprimento. HH) A data de consolidação médico legal das lesões sofridas pela Autora na sequência do acidente é fixável em 4/4/2017, tendo esta sofrido de: -um período de défice funcional temporário total, correspondendo com o s períodos de internamento, fixável em 35 dias (entre 7/8/2014 e 8/9/2019 e entre 7/3/2017 e 8/3/2017); - um período de défice funcional temporário parcial fixável em 937 dias (entre 9/9/2014 e 6/3/2017 e entre 9/3/2017 e 4/4/2017), com um sofrimento físico e psíquico (quantum doloris) vivenciado durante o período de danos temporários, considerando as lesões do mesmo resultantes, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo e os tratamentos efetuados quantificável num grau 6 numa escala de 7 de gravidade crescente. II) A Autora ficou a padecer, consequência do acidente e lesões sofridas com o mesmo, de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 45 pontos de 100, atendendo às alterações de mobilidade e sensibilidade do membro superior direito, em particular da sua metade inferior. JJ) Ainda consequência do acidente e lesões sofridas com o mesmo, a Autora padece de um dano estético fixado em termos médico-legais no grau 5, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as cicatrizes e a deformidade supra descritas. KK) Também consequência do acidente e lesões sofridas com o mesmo, tendo em conta que deixou de realizar as suas atividades de lazer, designadamente, cozinhar para um blog de cozinha que mantinha com o seu companheiro e deixou ainda de fazer crochet e tricot, a Autora sofre de um prejuízo em termos de repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixado em termos médico-legais no grau 5 numa escala de sete graus de gravidade crescente. LL) Ainda consequência do acidente e sequelas do mesmo, a autora tem uma repercussão permanente na atividade sexual fixável em termos médico-legais no grau 3, tendo em conta a repercussão das sequelas para a atividade sexual. MM) Virtude das sequelas com que ficou, a Autora tem necessidade de tomar medicação regular, com os inerentes incómodos, bem assim de continuar a ser acompanhada em consultas externas de cirurgia plástica, ortopedia e cirurgia vascular e ainda de substituição parcial na realização das tarefas domésticas. NN) Virtude das sequelas com que ficou, a Autora, sendo dextra, para conseguir maior autonomia, adaptou a maneira como se veste e faz a sua higiene pessoal, mas necessita da ajuda de terceira pessoa, no caso, do seu companheiro, para apertar o soutien, para apertar e desapertar botões, correr fechos, cortar alimentos e abrir frascos, entre outras atividades da vida diária em que são necessárias ambas as mãos ou em que usaria a mão direita, o que a faz sentir-se diminuída e dependente. OO) Virtude das lesões com que ficou, a Autora não foi considerada apta para conduzir, tendo-lhe sido retirada a carta de condução. PP) A Autora é aposentada da P.S.P, nos termos da alínea c), nº 2, do art. 19º do DL 511/1999, de 24/11, por despacho de 30/7/2013, em virtude de ter sido considerada incapaz para o exercício das suas funções, tendo iniciado abono na Caixa Geral de Aposentações em 1/10/2013, auferindo uma pensão mensal líquida de cerca de €818,12 e ilíquida de €1009,85. QQ) A Autora nasceu a 21 de julho de 1964. RR) À data do acidente e desde data não concretamente apurada, a Autora mantinha juntamente com o companheiro ativo um blog denominado “A cozinhar” onde partilhava receitas, sendo que era a Autora quem confecionava as várias receitas que ali partilhavam, o que a deixava alegre e feliz, e que deixou de fazer após o acidente e virtude das lesões que sofreu, o que lhe traz desgosto e tristeza. SS) Na sequência da sua assistência em episódio de urgência no Hospital ... na ..., como referido supra em Q), o referido Hospital emitiu avisos para pagamento e reclamou da Autora o pagamento do valor global de €135,91, conforme teor dos documentos de fls. 56 verso e 58 verso, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais. TT) Relativamente às consultas que a Autora teve no Hospital de ... em 6/1/2015, 3/3/2015 e 19/5/2015, na sequência do acidente supra referido e lesões que sofreu, este Hospital reclamou da Autora o pagamento do valor total de €23,25, conforme teor dos documentos fls. 60 a 62 verso, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais. UU) Com medicação, gases, ligaduras e outros produtos farmacêuticos e ortopédicos necessários na decorrência das lesões que sofreu com o acidente referido, como suporte de braço e ortótese com tala, ao longo de todo o período de incapacidade e de tratamentos a que foi submetida a Autora, esta despendeu a quantia de €292,67. VV) Com material de apoio e adaptação em casa, nomeadamente uma barra para o banho devido à deficiência do braço, a Autora despendeu pelo menos a quantia de €23,99. WW) No período que mediou de 9/9/2014 e até ao presente, com deslocações em viatura particular de sua casa ao Hospital de ... em Lisboa e vice-versa, para consultas e tratamentos, virtude do acidente que sofreu, numa distância de cerca de 15 Km para cada percurso de ida ou volta, a Autora percorreu pelo menos 5.775 km, sendo certo que ocasiões houve, não concretamente apuradas, em que o seu companheiro, que era quem a conduzia, e para evitar ficar à espera e pagar estacionamento, retornava a casa e depois regressava novamente ao Hospital para ir buscar a Autora. XX) Em virtude das lesões que sofreu no membro superior direito e até que lhe foram retirados os fixadores externos (osteotaxia externa referida em XX) em 14/1/2015, a Autora esteve totalmente incapacitada de mobilizar aquele mesmo membro e por isso de cozinhar, sendo que até ao presente mantém dificuldades na realização de tarefas domésticas, designadamente cozinhar, sendo até perigoso que o faça, na medida em que tendo perdido a sensibilidade nalguns dedos daquele membro pode queimar-se e não sentir. YY) Pelo referido em XX), sempre que o companheiro da Autora não podia ou não tinha vontade de cozinhar, esta tomou refeições fora de casa, despendendo para o efeito, pelo menos, €557,57. ZZ) Devido à incapacidade de que padece em razão do acidente, a Autora deixou de conseguir efetuar as tarefas domésticas, nomeadamente de tratar da roupa e limpar a casa, pelo que a própria e o companheiro tiveram que contratar uma empregada doméstica para lhes efetuar aquelas tarefas, duas vezes por semana num total de cinco horas, ao valor hora de €6,50 de 8/9/2014 a janeiro de 2016 e desde esse mês ao valor hora de €7, acrescido dos proporcionais de subsídio de férias e Natal, com o que despendeu até 31/1/2019, a quantia de €7.959,50. AAA) A autora continuará a necessitar da ajuda referida em ZZ) e também de alguém que lhe confecione as refeições e a auxilie como referido em NN) e BBB). BBB) A Autora não consegue agora cortar as suas unhas das mãos e dos pés, nem arranjar o seu cabelo sozinha, uma vez que embora o lave sozinha, necessita do auxílio de terceira pessoa para tal efeito, sendo que até ao presente tem sido o seu companheiro quem a ajuda a pentear-se e a secar o cabelo, bem como naquelas outras tarefas. CCC) Desde a entrada da PI, a Autora pagou ainda quantia de €233,10 ao Hospital de... por consultas e tratamentos em virtude das lesões que sofreu com o acidente e a quantia de €7,98 em duas consultas de ortopedia no Hospital ... em Lisboa, virtude também daquelas lesões. DDD) O Hospital de ... reclamou já da Autora o pagamento de consultas, exames e tratamentos prestados em consequência do acidente entre 15/10/2015 e 1/12/2015 no valor de €1.415,00, conforme teor do documento de fls. 386 verso a 401, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, no qual se incluem os valores relativos às consultas dos dias 6/1 e 2/3/2015 referidos em TT). E são seguintes os factos considerados não provados no Acórdão recorrido: I. As ruas do cruzamento referido em E) são a Rua ... e a Rua .... II. A A. tinha a janela da viatura aberta do seu lado e o braço direito na posição referida em I) devido aos afrontamentos de que padece. III. Na ocasião referida em A) a Autora encontrava-se com o braço direito de fora do veículo. IV. Na ocasião referida em A), o veículo com a matrícula ..-IR-.. seguia a uma velocidade não superior a 30 km/h. V. Foi o condutor do veículo com a matrícula ..-IR-.. quem transferiu a responsabilidade civil emergente de acidente de viação para a 2ª Ré através do contrato de seguro mencionado em P). VI. À data do acidente, o companheiro da A., BB era titular de um site da internet a cozinhar, disponível em http://www. acozinhar.pt/portal/. VII. Antes do acidente, a A.. através de BB, tinha obtido patrocínios das empresas S.... e M.... no valor de €240,00/mensais como contrapartida da colocação periódica de receitas no site da internet acozinhar, disponível em http://www.acozinhar.pt/portal/ e na rede social do facebook. VIII. Os patrocinadores não renovaram os patrocínios. XIX. Com vários materiais de apoio e adaptação em casa devido à deficiência do braço a Autora despendeu €131,99. X. Com parqueamentos do veículo em várias consultas no Hospital ... em Lisboa, decorrentes do acidente, a A. despendeu €12,90. XI. Com deslocações em Táxi para o Hospital ... em Lisboa e para o seu domicílio a A. despendeu €109,90. XII. Com deslocações em viatura particular ao Hospital de ... em Lisboa, e partidas do domicílio, a Autora efetuou 7950 km, desde 7 de agosto de 2014 a 9 de setembro de 2015. XIII. A distância da casa da Autora ao Hospital de ... é de 30 kms. XIV. No período de 7 de agosto de 2014 a 9 de setembro de 2015, a Autora deslocou-se 7 vezes por semana ao Hospital de .... XV. Por ter ficado com o membro superior direito afetado e incapacitada de confecionar refeições, a Autora despendeu em refeições fora de casa a quantia de €1.246,60. XVI. A Autora ficou com diversa roupa danificada no acidente, nomeadamente umas calças de ganga no valor de €50,00, uma T-Shirt no valor de €10,00, um soutien no valor de €25,00, camisolas no valor de €50,00, e outra camisa no valor de €15,00 que ficaram danificadas devido ao fixador externo que lhe foi colocado. XVII. Devido ao referido em AAA), a Autora tem de recorrer a cabeleireiros, manicure e pedicure para que aquelas tarefas sejam realizadas, tendo de liquidar as correspondentes despesas. XVIII. Com parqueamentos do veículo em várias consultas no Hospital ... em Lisboa, decorrentes do acidente, a Autora despendeu €12,90. XIX. Aquando do acidente, o veículo com a matrícula ..-..-FR não se encontrava em circulação, mas antes estacionado, tendo sido embatido pela viatura com a matrícula ..-IR-... XX. Por razões desconhecidas, o veículo ..-IR-.. desviou-se do eixo da via, aproximando-se das viaturas que, em espinha, se encontravam estacionadas, ao ponto de embater com a sua parte direita, desde a zona anterior ao retrovisor até à zona da ilharga, no veículo com a matricula ..-..-FR. XXI. A Autora necessita já de duas consultas de cirurgia vascular por ano com exame de ecodoppler. XXII. Desde a entrada da PI, a Autora pagou ainda quantia de €257,58 ao Hospital de ... por consultas e tratamentos em virtude das lesões que sofreu com o acidente. O DIREITO 1. Da alegada nulidade do Acórdão por falta de fundamentação Sobre a nulidade por falta de fundamentação versa o artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC. Dispõe-se nesta norma: “É nula a sentença quando: (…) b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. Tem sido considerado, de forma reiterada, nomeadamente neste Supremo Tribunal de Justiça, que esta hipótese (só) ocorre quando se verifica uma total ausência dos fundamentos em que se apoiou a decisão. Veja-se, por exemplo, o Acórdão de 8.10.2020 (Proc. 5243/18.8T8LSB.L1.S1), em cujo sumário se afirma: “A falta de especificação dos fundamentos da decisão só terá o efeito previsto no art. 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil desde que a falta de fundamentação seja absoluta”. Ora, manifestamente, não é isto o que se verifica aqui. Reproduzam-se os excertos relevantes do Acórdão recorrido: “Quanto ao dano futuro (designado na decisão recorrida como dano biológico, na vertente da repercussão na capacidade geral de ganho) Do nosso ponto de vista só em parte assiste razão à apelante. Com efeito, tal como anteriormente sustentámos, a indemnização visa reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento causador (artigo 562º do CC). Por seu turno, “O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão” (artigo 564°, n° 1 do CC), sendo que a indemnização, fixada em dinheiro, tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que se verificaria se não se tivesse verificado a lesão (artigo 566º do CC). Por seu turno, devem ser atendidos os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em conta o grau de culpa do responsável, a sua situação económica, bem como a do lesado, a gravidade dos danos e quaisquer outras circunstâncias que devam ser ponderadas (artigos 496º e 494º do CC). No âmbito da fixação da indemnização por dano biológico, numa perspetiva de equidade, importa ter presente a Tabela Nacional para a Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil (DL 352/2007 de 23 de Outubro ex vi artigo 39º/5 Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto1). Como se sabe, esta Tabela visa permitir aos médicos fixar uma determinada incapacidade no âmbito do direito civil, permitindo às seguradoras (destinatárias) apresentar as propostas de indemnização acima referenciadas. Neste âmbito rege o anexo IV da Portaria nº 377/2008, alterada pela Portaria nº 679/2009 de 25 de Junho, que dispõe sobre a compensação devida pela violação do direito à integridade física e psíquica - dano biológico2, com base em pontos e na idade do lesado à data do acidente, permite chegar a valores dependendo da afetação da capacidade de ganho do lesado e que devem ser ponderados. Porém, tem sido afirmado de forma constante na Jurisprudência que as tabelas têm um valor meramente indicativo, sem qualquer caráter vinculativo para o cálculo dos Tribunais. As suas destinatárias, são, como ficou afirmado, as seguradoras a fim de lograrem propostas mais razoáveis e por isso, também mais viáveis. O dano biológico traduz-se na própria lesão natural sofrida na pessoa. Importa esclarecer que: “A compensação pelo dano biológico baseia-se nas substanciais restrições às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas ”. “Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais - mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado - constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição -, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais ...” E, no mesmo aresto, se acrescenta que: “Nesta perspectiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível per da de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua junta compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal ... ”3 “Assim, a este propósito podem projetar-se em dois planos: • a perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua atividade profissional habitual, durante o período previsível dessa atividade, e consequentemente dos rendimentos que dela poderia auferir; • na perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habituar4. No presente caso, a apelante foi condenada a pagar à A. a quantia de €150.000 a título de dano biológico. Provou-se que a A., com 50 anos à data do acidente, era reformada da P SP, estando por isso a receber uma pensão da CGA. Portanto a questão do impacto no exercício da profissão habitual não se coloca. Em consequência do acidente passou a sofrer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica da ordem dos 45%. Uma das consequências traduziu-se em se ver privada da possibilidade de desenvolver a atividade de blogger que já a vinha ocupando, numa área com potencial de produção de rendimentos, como bem notou a primeira instância. Além disso, viu-se privada da renovação a carta de condução o que também poderia constituir outra fonte possível de rendimentos - o que hoje em dia é potenciado pelos inúmeros serviços de distribuição de produtos ao domicílio e de transporte. Importa também ter em atenção que no presente caso foram autonomizados os valores atinentes a ajudas de terceiras pessoas e que ficaram incólumes (€155.000 + €77.000 = €232.000), devido à improcedência do recurso de facto no qual assenta a divergência no plano da apreciação jurídica. Por isso, neste contexto, há que levar em conta que, no segmento de que agora nos ocupamos importa ponderar, no essencial, tão só as repercussões da perda funcional na capacidade geral de ganho para toda e qualquer profissão e não também a necessidade de ajuda de terceiras pessoas – o que foi, como se disse, objeto de cálculo deixado incólume. Portanto, do que se trata é de saber se o valor de €150.000 em que a R. foi condenada a título de dano biológico (mais especificamente pelo dano patrimonial futuro) cabe dentro dos padrões jurisprudenciais correntes em casos similares. Para além dos elementos de facto relatados, importa ter em conta que não foram provados quaisquer rendimentos da atividade desenvolvida pela A. enquanto blogger, nem os patrocínios pela mesma alegados. Perante a situação descrita, e ponderando os esforços acrescidos tendo em conta a esperança de vida média, entende-se, salvo melhor opinião, que se justifica reduzir o valor fixado para a quantia de €100.000, por perda da capacidade geral de ganho, a acrescer à quantia de €232.000 por auxílio de terceiras pessoas – enquadrável ainda nas repercussões do acidente em termos de dano biológico já que derivada perda de autonomia resultante do mesmo acidente”. Como se vê, o Tribunal recorrido expôs com desenvolvimento, os fundamentos em que sustentou a sua convicção / os pressupostos da sua decisão no sentido da redução da indemnização à autora / ora recorrente. Fez apelo às normas aplicáveis, à factualidade provada e não provada, à jurisprudência relevante e aos critérios (legais e doutrinais) genericamente utilizados para o cálculo de indemnizações do tipo, pelo que a fundamentação é mais do que suficiente para funcionar como justificação da posição assumida. A autora / ora recorrente poderá discordar ou não se conformar com o resultado a que o Tribunal recorrido chegou com base em todos os elementos indicados ou com o percurso lógico que ele trilhou. Mas isso já é outra questão, diferente daquela que se trata aqui. Para aquilo que agora importa, a verdade é que de forma alguma pode entender-se que o Acórdão recorrido padece do vício de nulidade por falta de fundamentação. 2. Da alegada violação de normas processuais na admissão do recurso de apelação da ré Sobre a admissão do recurso de apelação da ré explica-se, logo a abrir, no Acórdão recorrido: A título prévio importa clarificar que o recurso é tempestivo. Neste âmbito a questão foi colocada pela apelada, com base fundamentalmente em que estaríamos perante um recurso de facto sem qualquer fundamento e que, por isso, não faria sentido a prorrogação legal de 10 dias. Sucede que a recorrente, as conclusões, assinala a impugnação da matéria de facto, o que lhe confere, nos termos do artigo 638/7 do CPC, um prazo adicional de 10 dias. A apelada contrapõe que, neste caso, não foram observados os requisitos legais da impugnação de facto, ao abrigo do disposto no artigo 640º CPC. Contudo não cabe, nesta sede, sindicar a observância do indicado dispositivo, porquanto a lei abstrai dessa circunstância, bastando “que a alegação apresentada pelo recorrente contenha alguma impugnação da decisão proferida acerca da matéria de facto a partir da reponderação e meios de prova que, tendo sido prestados oralmente, tenham ficado registados independentemente do juízo que ulteriormente seja feito acerca do cumprimento do ónus de indicação das passagens da gravação ou de qualquer outro requisito previsto no artigo 640º. (...) A apreciação do modo como foram preenchidos os ónus de alegação contidos neste preceito, poderão naturalmente condicionar o conhecimento de tal impugnação, mas não colocam em crise a tempestividade do recurso de apelação quem, naquelas condições tenha sido apresentado dentro do prazo alargado”5. Nesta conformidade, consideramos tempestivo o recurso”. Pelas razões que se expõem no Acórdão recorrido, não pode acompanhar-se a autora / ora recorrente na consideração de que o recurso de apelação interposto pela ré / ora recorrida era intempestivo. Não pode mais do que reiterar-se a ideia, já veiculada pelo Tribunal a quo, de que aquilo que pode ser apreciado pelo julgador numa fase inicial pouco transcende o que o recurso aparenta ser. É por isso que a admissibilidade do recurso depende de requisitos que são, essencialmente, de carácter formal e de verificação quase imediata ou automática, como sejam os relativos à legitimidade do recorrente, à tempestividade do recurso e aos valores da causa e da sucumbência. Não é exigível, nesta fase, que o julgador se precipite em juízos sobre o bem ou o mal fundado do recurso ou de cada uma das questões em que ele se desdobra. Isso exige uma apreciação (mais) demorada, que, seja para que efeito for, não poderá antecipar-se, sob pena de conclusões erradas. Fez bem, pois, o Tribunal a quo ao considerar aplicável o prazo adicional de dez dias previsto no artigo 638.º, n.º 7, do CPC para os casos em que o recurso envolve a reapreciação da prova gravada uma vez que a apelante o requeria expressamente no seu recurso. A decisão, mais tarde, após análise, de rejeição da impugnação da decisão sobre a matéria de facto por incumprimento dos ónus a cargo do recorrente não belisca o acerto da decisão anterior. 3. Da redução do quantum indemnizatório pelo dano patrimonial futuro respeitante à perda de capacidade geral de ganho Passe-se, pois, à última questão – a questão central – da redução da compensação pelo dano que o Tribunal recorrido designou “dano futuro (designado na decisão recorrida como dano biológico, na vertente da repercussão na capacidade geral de ganho)”. Esclareça-se, desde já, que estão em causa os danos patrimoniais que é possível prever que a autora venha a sofrer em consequência da perda geral da sua capacidade de ganho, ou seja, aquilo que a autora deixará de poder receber pela(s) actividade(s) profissional(is) que seria previsível que viesse a desenvolver até ao final da sua vida activa. Como se sabe, a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa foi a de reduzir o montante atribuído a este título de € 150.000,00 para € 100.000,00. Já atrás (a propósito da 1.ª questão) se transcreveu o Acórdão recorrido na parte em que se expõem os fundamentos desta decisão. Contra ela, sustenta, por um lado, a recorrente que o Tribunal recorrido confundiu indemnizações – confundiu, nomeadamente, a indemnização pelo dano biológico e a “indemnização por despesas com ajudas de terceiras pessoas” – e que restringiu indevidamente o dano biológico (cfr., sobretudo, conclusões vigésima quarta, vigésima quinta, vigésima sexta e vigésima sétima, vigésima nona, trigésima, trigésima primeira, trigésima quinta e trigésima sexta). Aquilo contra que a recorrente se insurge não tem, todavia, o significado que a recorrente lhe dá. O que se passa é que as instâncias usaram distintas classificações dos danos, mais precisamente o Tribunal de 1.ª instância usou a expressão “dano biológico” restringindo-a à vertente patrimonial (ou às implicações de alcance económico) e ainda, dentro desta, à vertente da perda da capacidade geral de ganho enquanto o Tribunal da Relação preferiu a expressão “dano (patrimonial) futuro” para designar a mesma realidade. A categoria do “dano biológico” (também chamado “dano da saúde”6, “dano corporal”7) e a categoria, mais abrangente ainda, do “dano existencial”8 vêm sendo usadas por alguma doutrina com a intenção de superar a dificuldade na identificação dos danos susceptíveis de resultar da ofensa de direitos de personalidade e na distinção entre os vários tipos. Tendo em conta a unidade da pessoa, importando, em qualquer caso, manifestar a percepção crescente dos “multifacetados níveis de protecção que a personalidade humana reclama”9, trata-se de um conceito tentativamente englobalizador ou (re)unificador. Segundo os adeptos destas categorias, pondo em causa a rigidez da distinção entre danos patrimoniais e não patrimoniais10, a categoria do “dano biológico” visaria conduzir à ampliação do número e do tipo de consequências que o julgador deve ter em consideração no momento de calcular o montante da indemnização e propiciaria as condições para o cálculo de uma indemnização mais justa, uma vez que permitiria compreender que o facto lesivo origina um conjunto de consequências que não são absolutamente autónomas ou dissociáveis e em que se incluem as consequências conhecidas como de natureza não patrimonial bem como de natureza patrimonial futura, não se esgotando, contudo, nestas. Embora tenha tido origem no Direito italiano11, esta nova orientação foi bem recebida em Portugal, sendo aplicada, actualmente, por parte da jurisprudência, em particular, quando estão em causa danos decorrentes de acidentes de viação. De acordo com esta jurisprudência, na avaliação destes danos, o julgador deve ponderar os factores mais variados, quais sejam as restrições que o lesado tem de suportar na qualidade da sua vida em virtude das lesões biológicas, a criação ou indução de dependências que afectam o exercício da sua liberdade pessoal, os prejuízos nas suas aptidões familiares ou afectivas, as necessidades especiais dos lesados que sejam pessoas débeis, como os idosos ou as crianças, e quaisquer outros que possam assumir relevância consoante as circunstâncias do caso concreto. Confirmando que não é inédito o recurso à categoria do “dano biológico” e a sua restrição à vertente patrimonial, veja-se, por exemplo, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 23.04.2020 (Proc. 1456/16.5T8VCT.G1.S1): “1. A expressão “dano biológico” é usada pela doutrina e pela jurisprudência com intuito de superar a rígida distinção entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais, que é desadequada à natureza e à unidade da pessoa humana. 2. O dano biológico é concebido como um dano com duas dimensões ou vertentes: patrimonial ou não patrimonial, consoante se materialize ou não em perdas de natureza económica”. Voltando ao caso, nem o dano biológico a que se refere o Tribunal de 1.ª instância, nem o dano (patrimonial) futuro a que se refere o Tribunal recorrido, se circunscrevem, em rigor, à vertente da perda da capacidade de ganho. Pelo contrário, nestas categorias são, normalmente, contabilizados tanto o dano relativo à perda da capacidade geral de ganho como o dano relativo ao acrescido esforço no exercício das tarefas diárias, que é susceptível de se traduzir na necessidade de auxílio de terceiras pessoas. Acontece que o Tribunal de 1.ª instância remeteu este último para o grupo dos danos patrimoniais e isso não podia deixar de ser respeitado pelo Tribunal da Relação, sob pena de duplicação de compensações. Por essa razão o Tribunal recorrido afirmou: “Importa também ter em atenção que no presente caso foram autonomizados os valores atinentes a ajudas de terceiras pessoas e que ficaram incólumes (€155.000 + €77.000 = €232.000), devido à improcedência do recurso de facto no qual assenta a divergência no plano da apreciação jurídica. Por isso, neste contexto, há que levar em conta que, no segmento de que agora nos ocupamos importa ponderar, no essencial, tão só as repercussões da perda funcional na capacidade geral de ganho para toda e qualquer profissão e não também a necessidade de ajuda de terceiras pessoas – o que foi, como se disse, objeto de cálculo deixado incólume. Portanto, do que se trata é de saber se o valor de €150.000 em que a R. foi condenada a título de dano biológico (mais especificamente pelo dano patrimonial futuro) cabe dentro dos padrões jurisprudenciais correntes em casos similares”. É evidente que com esta observação o Tribunal a quo teve o propósito de esclarecer que o dano relativo à necessidade de auxílio de terceiras pessoas, sendo ponderado noutra sede, não podia (voltar a) ser considerado para o efeito da compensação pelo dano patrimonial futuro – raciocínio que está absolutamente correcto. Sustenta, por outro lado, a recorrente que a redução do montante foi arbitrária ou que não teve em consideração os critérios que deveria ter tido em consideração, designadamente o recurso à equidade (cfr., em particular, conclusões vigésima, vigésima primeira, vigésima segunda, vigésima oitava, trigésima segunda, trigésima terceira e trigésima quarta). Faça-se um breve enquadramento do regime aplicável ao cálculo da indemnização. Resulta da lei portuguesa que a medida da indemnização deverá ter em conta atendendo ao disposto no artigo 564.º do CC, os danos presentes bem como os danos futuros, sendo a única exigência legal a de que estes últimos sejam previsíveis 12. Diz-se, mais precisamente, nesta norma que: “1. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. 2. Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”. Por sua vez, a norma do artigo 566.º do CC determina que: 1. A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor. 2. Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos. 3. Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”13. Estando em causa a indemnização pelo dano patrimonial futuro, estão em causa, como se disse, os danos patrimoniais que é possível prever que a autora venha a sofrer em consequência da perda geral da sua capacidade de ganho, ou seja, aquilo que a autora deixará de poder receber pela(s) actividade(s) profissional(is) que seria previsível que viesse a desenvolver até ao final da sua vida activa se não fosse o acidente. É visível que, na ponderação desta indemnização, o Tribunal recorrido deu relevância à incapacidade ou diminuição da capacidade funcional que afectará a autora para o resto da vida, criando-lhe constrangimentos no exercício da sua actividade profissional corrente e na consideração de oportunidades profissionais futuras, não se restringindo à perda de rendimentos. Se não fosse assim, considerando (1) a prova de que a autora era reformada da PSP e estava a receber uma pensão da CGA e (2) a ausência de prova de que a actividade que ocupava a autora (blogger) se traduzia na auferição de quaisquer rendimentos, o Tribunal recorrido não teria apenas reduzido, teria eliminado toda a indemnização. A concepção adoptada pelo Tribunal recorrido é a concepção defendida num elevado número de arestos, inclusivamente, deste Supremo Tribunal de Justiça. Veja-se, a título meramente exemplificativo, o sumário do Acórdão de 23.04.2020 (Proc. 1456/16.5T8VCT.G1.S1): “A ressarcibilidade do dano biológico na sua vertente patrimonial (também designado “dano patrimonial futuro”) não depende da comprovada perda de rendimentos do lesado, podendo e devendo o julgador ponderar, designadamente, os constrangimentos a que o lesado fica sujeito no exercício da sua actividade profissional corrente e na consideração de oportunidades profissionais futuras”. A visão adoptada pelo Tribunal recorrido acarreta como consequência lógica que, mesmo que a autora não ficasse – como não fica – impedida de trabalhar por força do acidente e, por isso, não se registasse – como não se regista – uma perda automática de rendimentos, existiria sempre uma perda que se reflecte economicamente e que merece ser indemnizada. Posto isto, a única coisa em que o Tribunal a quo divergiu do Tribunal de 1.ª instância no valor da indemnização: entendeu que devia ser reduzido € 150.000,00 para € 100.000,00, considerando, mais uma vez, que (1) não tinha havido perda de rendimentos porque a autora estava reformada e não deixaria de auferir a sua pensão; e (2) a actividade que ocupava a autora (blogger) não lhe permitia auferir rendimentos. Explica-se no Acórdão recorrido: “No presente caso, a apelante foi condenada a pagar à A. a quantia de €150.000 a título de dano biológico. Provou-se que a A., com 50 anos à data do acidente, era reformada da P SP, estando por isso a receber uma pensão da CGA. Portanto a questão do impacto no exercício da profissão habitual não se coloca. Em consequência do acidente passou a sofrer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica da ordem dos 45%. Uma das consequências traduziu-se em se ver privada da possibilidade de desenvolver a atividade de blogger que já a vinha ocupando, numa área com potencial de produção de rendimentos, como bem notou a primeira instância. Além disso, viu-se privada da renovação a carta de condução o que também poderia constituir outra fonte possível de rendimentos - o que hoje em dia é potenciado pelos inúmeros serviços de distribuição de produtos ao domicílio e de transporte. (…) Portanto, do que se trata é de saber se o valor de €150.000 em que a R. foi condenada a título de dano biológico (mais especificamente pelo dano patrimonial futuro) cabe dentro dos padrões jurisprudenciais correntes em casos similares. Para além dos elementos de facto relatados, importa ter em conta que não foram provados quaisquer rendimentos da atividade desenvolvida pela A. enquanto blogger, nem os patrocínios pela mesma alegados. Perante a situação descrita, e ponderando os esforços acrescidos tendo em conta a esperança de vida média, entende-se, salvo melhor opinião, que se justifica reduzir o valor fixado para a quantia de €100.000, por perda da capacidade geral de ganho, a acrescer à quantia de €232.000 por auxílio de terceiras pessoas – enquadrável ainda nas repercussões do acidente em termos de dano biológico já que derivada perda de autonomia resultante do mesmo acidente”. O raciocínio do Tribunal da Relação mostra-se lógico e enquadrado nas normas aplicáveis. As orientações que o Supremo Tribunal de Justiça deve seguir para o controlo do montante da indemnização fixada pelo Tribunal recorrido estão bem sintetizadas no sumário do Acórdão de 20.11.2019 (Proc. 107/17.5T8MMV.C1.S1). Diz-se aí, designadamente, o seguinte: “I - Independentemente de estarem em causa danos patrimoniais ou não patrimoniais, o controlo, designadamente em sede de recurso de revista, da fixação equitativa da indemnização deve concentrar-se em quatro coisas. II - Em primeiro lugar, o STJ deve averiguar se estavam preenchidos os pressupostos do recurso à equidade. Em segundo lugar, se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida. Em terceiro lugar, deve averiguar se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados – se, p. ex., no caso da indemnização por danos não patrimoniais, foram considerados o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a situação económica do lesado. Em quarto lugar, o Supremo deve averiguar se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados. III - O recurso à equidade tem de qualquer forma um sentido de todo em todo distinto, consoante estejam em causa danos patrimoniais ou danos não patrimoniais. IV - Em relação aos danos patrimoniais, designadamente aos danos patrimoniais futuros, o princípio é o de que a indemnização deve calcular-se de acordo com os princípios e com as regras dos arts. 562.º e ss. do CC. A equidade funciona como último recurso, 'para permitir alcançar uma definição concreta do conteúdo de um direito subjectivo', designadamente do direito a uma indemnização, 'quando o valor exacto dos danos não foi apurado'. V - Em relação aos danos não patrimoniais, o princípio é o de que a indemnização deve calcular-se de acordo com a equidade (art. 496.º, n.º 4, do CC). A equidade funciona como único recurso, 'ainda que não descurando as circunstâncias que a lei manda considerar, a saber: o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (por exemplo, a natureza e a intensidade e da lesão infligida)'”. Relativamente à ausência de um juízo de equidade, apontada pela recorrente, a verdade é que ele não era exigível; quando se trata de danos patrimoniais (futuros)a equidade deve ser – insiste-se – o último recurso do julgador. Reitera-se esta ideia, entre outros, no Acórdão deste Supremo Tribunal de 23.04.2020 (Proc. 5/17.2T8VFR.P1.S1),: “Em relação aos danos patrimoniais, designadamente aos danos patrimoniais futuros, o princípio é o de que a indemnização deve calcular-se de acordo com as regras dos artigos 562.º e seguintes do CC, funcionando a equidade como último recurso, para ajustar o montante da indemnização às particularidades do caso concreto”. De qualquer forma, o Tribunal recorrido não deixou de ter em conta a equidade. Diz ele: “No âmbito da fixação da indemnização por dano biológico, numa perspetiva de equidade, importa ter presente a Tabela Nacional para a Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil (DL 352/2007 de 23 de Outubro ex vi artigo 39º/5 Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto). Como se sabe, esta Tabela visa permitir aos médicos fixar uma determinada incapacidade no âmbito do direito civil, permitindo às seguradoras (destinatárias) apresentar as propostas de indemnização acima referenciadas. Neste âmbito rege o anexo IV da Portaria nº 377/2008, alterada pela Portaria nº 679/2009 de 25 de Junho, que dispõe sobre a compensação devida pela violação do direito à integridade física e psíquica - dano biológico, com base em pontos e na idade do lesado à data do acidente, permite chegar a valores dependendo da afetação da capacidade de ganho do lesado e que devem ser ponderados. Porém, tem sido afirmado de forma constante na Jurisprudência que as tabelas têm um valor meramente indicativo, sem qualquer caráter vinculativo para o cálculo dos Tribunais. As suas destinatárias, são, como ficou afirmado, as seguradoras a fim de lograrem propostas mais razoáveis e por isso, também mais viáveis” Em conclusão, o Acórdão recorrido não merece censura. * III. DECISÃO Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o Acórdão recorrido. * Custas pela recorrente. * Lisboa, 11 de Janeiro de 2024 Catarina Serra (relatora) Cura Mariano Fernando Baptista _______ 1. O qual veio estabelecer os critérios para determinar valores orientadores, para que as seguradoras apresentem uma proposta razoável aos lesados de sinistro automóvel, no âmbito de indemnização do dano corporal. 2. Apud Jusnet. 3. Ac STJ de 10.03.2016, referenciado, aliás, pela apelante, mas já referenciado e citado em parte pela sentença recorrida. 4. Idem. 5. ABRANTES GERALDES, António Santos, PIMENTA, Paulo e PIRES de SOUSA, Luís Filipe, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, Coimbra, Almedina, p. 766, Notas 6 e 7, entre outros, e as referências jurisprudenciais aí constantes. 6. Cfr. Maria da Graça Trigo, “Adopção do conceito de 'dano biológico' pelo Direito português”, in: Revista da Ordem dos Advogados, 2012, vol. I, pp. 147 e s. (disponível em https://portal.oa.pt/upl/%7B5b5e9c22-e6ac-4484-a018-4b6d10200921%7D.pdf), e Responsabilidade civil – Temas especiais, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa Editora, 2015, pp. 69 e s. 7. Cfr. Maria Manuel Veloso, “Danos não patrimoniais”, in: Comemorações dos 35 anos do código civil e dos 25 anos da reforma de 1977, Volume III – Direito das Obrigações, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pp. 512 e s. 8. Cfr. Manuel A. Carneiro da Frada, “Nos 40 anos do Código Civil Português – Tutela da Personalidade e Dano Existencial”, in: Forjar o Direito, Coimbra, Almedina, 2015, pp. 289 e s. Segundo o autor (p. 298), o conceito de “dano existencial” permite compreender “o impacto da lesão que a pessoa sofreu na sua integridade física na sua realidade mais global”, transcendendo-se, pois, o “nível meramente biológico, o nível daquilo que é passível de uma averiguação ou testificação médica, para nos situarmos no plano dinâmico da vida da pessoa e das suas condições concretas (atingida que foi por uma lesão da saúde)” (sublinhado do autor). 9. Cfr. Manuel A. Carneiro da Frada, “Nos 40 anos do Código Civil Português – Tutela da Personalidade e Dano Existencial”, cit., p. 292. 10. A distinção entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais assenta na susceptibilidade da sua avaliação pecuniária. Os segundos são definidos pela negativa, podendo apenas ser objecto de compensação e não, como os primeiros, de uma indemnização por equivalente. 11. Cfr., entre outros, Maria da Graça Trigo, Responsabilidade civil – Temas especiais, cit., pp. 78 e s. Adverte a autora que a jurisprudência italiana retomou, no entanto, a partir de 2003, a dicotomia “dano patrimonial / dano não patrimonial”, entendendo que o primeiro era suficientemente amplo para compreender os danos não patrimoniais, como o dano biológico e o dano existencial. 12. Como é óbvio, a distinção entre danos presentes e danos futuros assenta, fundamentalmente, no momento da verificação dos danos por referência à data da fixação da indemnização: são danos presentes os que já se verificaram nesta altura; são danos futuros os restantes, dividindo-se estes, por seu turno, em certos e eventuais. Cfr., neste sentido, Almeida Costa, Direito das Obrigações, Coimbra, Almedina, 2006 (10.ª edição), p. 597. 13. Sublinhados nossos.

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