I – Porque há que conciliar a tutela do direito à honra atingido pelo crime de difamação e a liberdade de expressão e crítica, há que distinguir entre a crítica da atuação de uma pessoa e a crítica que atinge a própria pessoa na sua dignidade, entre um juízo sobre essa atuação (que poderá até ser injusto, exagerado, formulado em termos agressivos, ou indelicados e descorteses) e um juízo sobre a pessoa. II - Esta distinção também vale, e vale especialmente, no âmbito da atuação política; a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos sobre a importância e alcance da liberdade de expressão neste âmbito não anula tal distinção, como se o direito à honra deixasse de ser tutelado quando são visados agentes políticos. III – No caso vertente, poderemos considerar que estamos numa situação de fronteira, o que leva a concluir pela falta de prova da consciência da ilicitude por parte do arguido.
Proc. nº 1493/20.5T9VFR.P1 Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I – AA veio interpor recurso da douta sentença do Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro que o condenou, pela prática de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 1, a) e b), e n.º 2, 184.º e 188.º. n.º 1, a), com referência ao artigo 132, n.º 2, i), todos do Código Penal, na pena de cento e oitenta dias de multa, à taxa diária de sete euros e cinquenta cêntimos, assim como no pagamento ao demandante BB da quantia de oitocentos euros, acrescida de juros legais, a título de indemnização de danos não patrimoniais. Da motivação do recurso constam as seguintes conclusões: «a) O tribunal a quo não considerou todos os dados de facto, circunstâncias, contexto em que foram proferidas as expressões constantes da publicação e, bem assim, não valorou corretamente factos por si considerados provados, designadamente o 2. – 1.ª parte e 17. demonstrativos do modo em que ocorreu a referida publicação. b) Desconsiderou, também, prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento de 13.09.2022 – documentos 7 e 8 da contestação (fls. 11 a 125 dos autos) relevante para a fixação da matéria de facto. c) Na formação da sua convicção positiva na fixação da matéria de facto 3. a 5, o tribunal a quo, além de atender de forma crítica, conjunta e concatenada à prova produzida e CRC, apreciando-os à luz das regras da experiência (excecionando a prova relacionada com matéria alegada e não elencada na decisão de facto pelas já sobreditas razões), no que concerne à factualidade dada por provada de 3. a 5. a convicção do Tribunal assentou nas regras da experiência, tendo em conta situações de natureza similar e ainda por apelo à livre apreciação, considerando ademais a prova já apontada supra para dar por provada a demais factualidade já referida, não colhendo a este propósito a justificação que o arguido pretendeu dar no sentido de apenas ter exercido o seu direito à liberdade de expressão e direito à crítica, tanto em audiência como na publicação constante de fls. 30 dos autos, tanto mais que tal postura é contrária pelo próprio teor do post quanto se refere ao “calibre moral” do demandante, o que associado às expressões usadas, permitiu ao Tribunal decidir como fez neste particular. d) Conforme se infirma do artigo 127.º do CPP, “aprova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. e) O princípio da livre apreciação da prova é um princípio atinente à prova, que determina que esta é apreciada, não de acordo com regras legais pré-estabelecidas, mas sim segundo as regras da experiência comum e de acordo com a livre convicção do juiz, uma livre convicção que não pode ser arbitrária ou subjetiva e, por isso, deve ser motivada. A motivação da convicção apresenta-se, pois, como o meio de controlo da decisão de facto, em ordem a garantir a objetividade e a genuinidade da convicção formada pelo tribunal. f) Verifica-se a violação do princípio da livre apreciação da prova na medida em que a decisão de facto está insuficiente e incoerentemente fundamentada, afigurando-se impossível reconstituir o concreto caminho lógico seguido pelo tribunal para chegar às conclusões a que chegou, socorrendo-se de generalidades, abstrações e prova em “bloco”. g) Sem prejuízo de tudo quanto acima se disse, o tribunal a quo tirou conclusões ilógicas e arbitrárias, verificando-se ainda uma clara insuficiência de prova [direta e indireta (prova indiciária)] para tal decisão da matéria de facto. h) Mas sempre se diga, que ao considerar como provados os factos 2 e 17, salvo devido respeito, no entendimento do aqui recorrente, acaba por existir uma contradição insanável entre esses factos e os factos 3 a 5 também dados como provados. i) Os factos 3 a 5 devem, pois, ser considerados como não provados. j) A desconsideração e o detrimento da aplicação da Convenção por banda do tribunal a quo, enquanto direito interno português de origem convencional, perante o ordenamento penal português, configura um erro de direito. k) O tribunal a quo, tal como qualquer outro tribunal português, está vinculado à CEDH e, atento o artigo 8.º da CRP, aquela Convenção constitui direito interno que deve, como tal, ser interpretada e aplicada, primando, nos termos constitucionais, sobre a lei interna. l) A CEDH vigora na ordem jurídica portuguesa com valor infra-constitucional, isto é, com valor superior ao direito ordinário português. m) Ao contrário do entendimento do tribunal a quo, a apreciação valorativa do confronto entre a liberdade de expressão e a honra devia ter partido da Convenção. n) A Convenção é absolutamente clara ao consagrar o direito à liberdade de expressão no seu artigo 10.º, com as únicas restrições indicadas no seu n.º 2, as quais não se aplicam ao caso dos autos, nem o tribunal a quo sequer determinou sequer as sanções e restrições aplicáveis. o) Sendo que, a liberdade de expressão só pode ser sujeita a restrições nos termos claros e restritivos do n.º 2 do art.º 10.º da Convenção, pelo que as “formalidades, condições, restrições e sanções” à liberdade de expressão devem ser convenientemente estabelecidas, corresponderem a uma necessidade social imperiosa e interpretadas restritivamente. p) Não se afere que a ingerência litigiosa na liberdade de expressão do recorrente seja proporcional ou corresponde a uma necessidade social imperiosa que reclame ou justifique tal condenação determinada pelo tribunal a quo. q) Ante os dados de facto e as circunstâncias existentes no momento em que o recorrente efetuou a publicação e conduta/atuação pública e política do ofendido / demandante quer da Câmara Municipal no âmbito dos procedimentos do CAO para pessoas com deficiência da Casa O... ter sido alocado a acolhimento de idosos em recuperação da Covid19 e, por sua vez, a colocação em funcionamento do Centro de atividade Ocupacional para pessoas com deficiência da Casa O... em outro local, nomeadamente em Pavilhão Municipal sito em ... (factos realmente ocorridos), causam situações passíveis de crítica pública, abrindo a porta à possibilidade de qualquer cidadão poder exprimir a sua opinião livremente a coberto de uma “ingerência” do Estado que veicule uma condenação por difamação. r) A atividade política e administrativa obedece a uma ampla crítica e o exercício de cargos políticos, como o é o do ofendido/demandante, supõe uma margem muito restrita de discricionariedade do Estado nos limites à liberdade de expressão nas suas variantes, tendo tais agentes de mostrar ainda um maior grau de tolerância aquando da participação dos cidadãos comuns, como o recorrente, na atividade política e cívica. s) O ofendido/demandante, exercendo um cargo público e político, tem maior exposição e tem de se sujeitar à crítica, a qual é comunitariamente aceite, ainda que algumas expressões e juízos do recorrente fossem contundentes, excessivos, agressivos e negativos, persistem ainda atípicos, como reflexo da crítica objetiva e em conexão com o assunto de interesse geral que o mesmo censurou e valorou criticamente e adequada aos dados de facto, circunstâncias e contexto à data da publicação, sem que tais expressões e juízos tivessem objetivamente o propósito único e exclusivo de atingir a honra e consideração do ofendido/demandante e, muito menos, traduzem uma crítica caluniosa. t) As expressões usadas, embora contundentes, desagradáveis e agressivas, visaram a atuação da Câmara e do seu Presidente, o comportamento e atuação política e não o ofendido/demandante em si mesmo, o mero cidadão, nem a vida pessoal deste. u) Não deve considerar-se ofensivo da honra e consideração de outrem tudo aquilo que o ofendido/demandante entenda que o atinge, de certos pontos de vista, mas aquilo que razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas e tendo em conta os dados de facto, circunstâncias e contexto verificados, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais e careçam efetivamente de tutela penal. v) Assim, no conflito de direitos que se verifica no caso em apreço, deve prevalecer a liberdade de expressão sobre o direito à honra. w) E ao condenar o arguido, incorreu o tribunal a quo, salvo o devido respeito, em erro na qualificação jurídica dos factos, porquanto, em nosso entender, da prova produzida não se vislumbra qualquer censura penal, por não integrar o crime previsto e punido pelo art.º 180.º n.º 1, 183.º n.º 1 alínea a), 184.º e 188.º n.º 1 alínea a), com referência ao art.º 132.º n.º 2 alínea l), todos do Código Penal. x) A conduta do arguido não preenche os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal previsto nas disposições conjugadas dos arts. 180.º n.º 1, 182.º, 183.º n.º 1 al. a), 184.º por referência ao art.º 132.º n.º 2 al. l) e 188.º n.º 1 al. a) do CP. y) O comportamento do arguido não foi ilícito nem culposo, não resultando provado que agisse com consciência da punibilidade da sua conduta. z) Resultando, assim, por força da referida decisão e sua fundamentação, violados, entre outros, os artigos 8.º, 18.º, 37.º, 202.º, n.º 2 e 205.º, n.º 1, todos da C.R.P., o artigo 127.º, do C.P.P. e os artigos 180.º n.º 1, 182.º, 183.º n.º 1 al. a), 184.º por referência ao art.º 132.º n.º 2 al. l) e 188.º n.º 1 al. a), todos do C.P. aa) Pelo exposto, a douta sentença recorrida deverá ser reformada, de acordo com o que antecede, absolvendo-se o arguido da prática de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180.º n.º 1, 182.º, 183.º n.º 1 al. a), 184.º por referência ao art.º 132.º n.º 2 al. l) e 188.º n.º 1 al. a), todos do C.P. e, uma vez, que não resulta provado que o comportamento do arguido foi ilícito, deverá improceder o pedido de indemnização civil contra ele deduzido, pois o seu fundamento era a prática do facto ilícito.» O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnado pelo não provimento do recurso e louvando-se na fundamentação da douta sentença recorrida. O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando pelo provimento do recurso, sendo que nesse parecer se afirma o seguinte: «(…) O texto publicado pelo arguido foi feito no contexto já mencionado na transcrição da 1ª parte do ponto 2 dos factos dados como provados, e no mesmo são feitas perguntas aos supostos leitores sobre se os mesmos tinham conhecimento do que esteve em causa quando foi publicado pela comunicação social que a Casa O... tinha acolhido doentes Covid em recuperação. Sendo central nesse texto, espelhado e expressado nas perguntas formuladas, o facto de que para se concretizar o acolhimento mencionado na Casa O..., tinham sido transferidos doentes portadores de deficiência para um pavilhão que não tinha condições para os acolher. Todo o texto se centra nessa alegada injustiça cometida e que causou clara revolta ( dado como provado) para o arguido, em virtude da sua vivência pessoal, também dada como provada, e do seu ativismo cívico relativo aos portadores de esclerose lateral amiotrófica-doença da qual o seu pai padeceu e veio a falecer, tendo sido o arguido seu cuidador-. O texto é escrito em crescendo de indignação, num acto de impulso (também dado como provado) como é totalmente perceptível da sua narrativa, partindo esse texto de um facto concreto que seria a transferência de pessoas portadoras de deficiência para um local sem condições, em contexto da pandemia de Covid 19. Também conforme é dado como provado, a causa próxima para a publicação do texto, foi a leitura por parte do arguido de um artigo no qual os responsáveis por essa decisão, referem que se tratou de uma medida humanista. A referência ao nazismo e ao oficial Joseph Goebbels é feita de forma genérica para os responsáveis por aquela medida e é necessariamente compreendida pelos leitores como uma “caricatura contundente e agressiva” para enfatizar a revolta sentida e é iniciada com a expressão “dá vontade de chamar”. Para o leitor o que fica da leitura do texto é a indignação do arguido perante algo que o mesmo considera uma medida desumana e lesiva para pessoas com vulnerabilidade física e não de que o ofendido e os seus colaboradores perfilham a ideologia Nazi ou cometeram acto equiparável aos principais responsáveis pelo “holocausto”. A 25 de Maio de 1997, na Assembleia da República Portuguesa, o então deputado Jaíme Gama, da bancada do Partido Socialista, apelidou o então presidente da região autónoma da Madeira, Alberto João Jardim, o Bokassa branco- Bokassa antigo presidente da República Centro Africana, ditador, que se autoproclamou imperador, e que acabou por ser condenado por traição, assassinato e canibalismo-. Como é evidente a contundência da referência a Bokassa não se destinava a afirmar que Alberto João Jardim era criminoso ou canibal, mas para enfatizar de que o mesmo exercia o poder na Madeira com centralismo e eventual abuso de poder. Também a referência ao calibre moral do ofendido, ou de que o mesmo já fez “nojeiras” em outras decisões, continua a compreender-se, obviamente, no contexto de indignação em que o arguido escreveu a publicação e ao facto concreto que motivou a sua indignação, não podendo as expressões utilizadas serem dissociadas desse contexto que se dá como provado e que resulta claramente da dinâmica do texto escrito. Se não existem dúvidas que o texto publicitado pelo arguido refletiu, na altura, uma profunda revolta contra um comportamento que o mesmo atribui ao ofendido e à sua equipa e que na sua visão era atentatória de direitos fundamentais de pessoas vulneráveis, sendo por si utilizadas expressões duras e agressivas contra os mesmos, também é verdade que no contexto em que foi escrito e com a motivação que lhe este subjacente, tais expressões constituíram “explosões” de indignação, dirigidas a decisões e comportamentos, e não a uma intenção ou objetivo gratuito de atingir o ofendido na sua pessoa. Sendo o texto escrito pelas suas expressões censurável ao arguido, não atinge o mesmo o patamar exigível para que se considere atingido o bem jurídico da honra e consideração devidos ao ofendido, que se sobreporia, no caso concreto, ao direito â critica e à liberdade de expressão, devendo as expressões utilizadas ser avaliadas exclusivamente no contexto do exercício deste último direito. (…)» O arguido e recorrente respondeu a esse parecer, declarando a sua concordância com o seu teor. Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir. II – A questão que importa decidir é, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, a de saber se a factualidade provada integra, ou não, a prática, pelo arguido e recorrente, do crime de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 1, a) e b), e n.º 2, 184.º e 188.º. n.º 1, a), com referência ao artigo 132, n.º 2, i), do Código Penal, por que foi condenado. Está em causa o eventual erro na qualificação jurídica dos factos provados. Embora na motivação do recurso se aluda a erro na apreciação da prova, insuficiência da matéria de facto provada para a decisão ou insuficiência e contradição da fundamentação, torna-se evidente que é apenas a questão do eventual erro de qualificação jurídica que está em causa O recorrente alega que os factos provados não configuram a prática do referido crime e discorda da fundamentação, pelas razões que indica e que serão de seguida apreciadas, mas não está em causa a prova de factos, nem alguma insuficiência ou contradição da fundamentação (antes, a discordância a respeito desta). III – Da fundamentação da douta sentença recorrida consta o seguinte: «(…) II – FUNDAMENTAÇÃO A) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A.1) FACTOS PROVADOS Com interesse para a boa decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos: 1. BB é presidente da Câmara Municipal ... e em 27 de Junho de 2020, encontrava-se no exercício de tais funções. 2. Na sequência de decisão, devido à Pandemia de Covid-19, de colocar em funcionamento da Casa O... em outro local, nomeadamente em Pavilhão Municipal sito em ..., e para a qual foi auscultado ademais o executivo permanente da Câmara ..., e bem assim em face do referido de 16. a 17., no dia 27 de Junho de 2020, pelas 12h49, o arguido AA, de modo impulsivo, eivado pela sua incompreensão e revolta quanto à escolha ali referida e pelos “critérios mais humanistas” referidos na entrevista, decidiu fazer publicação no seu perfil da rede social Facebook, do seguinte teor: “A Casa O..., em ..., foi notícia por ter acolhido doentes Covid em recuperação. Sabiam que para isso ser possível há utentes da Casa O... portadores de deficiência “despejados” no pavilhão de ...? Sabiam que esse Pavilhão não tem recursos nem condições adequadas para esses cidadãos? Sabiam que a Câmara Municipal ... fez alta propaganda política com a utilização das instalações da Casa O... para doentes Covid, com vários posts e partilhas no Facebook, omitindo a situação dos utentes portadores de deficiência? Sabiam que a Câmara Municipal para resolver um problema acabou por criar outro, ainda maior, quando havia tantas alternativas em cima da mesa? Sabiam que a Câmara Municipal chamou a SIC Noticias e a A... para publicar esta solução asquerosa? Sabiam que o Doutor BB disse à A... que a Câmara Municipal optou pela Casa O... para os doentes Covid, ao invés de um pavilhão como muitas outras autarquias, porque quiseram dar “um bocadinho de mais de humanismo” aos pacientes? Sabiam que esse “humanismo” não existe na solução encontrada pela mesma Câmara Municipal para os utentes portadores de deficiência? Sabiam que os nazi consideravam os doentes físicos e mentais inúteis à sociedade e, portanto, inferiores? Sabiam que esta propaganda nojenta promovida pela Câmara Municipal teve inúmeras partilhas nas redes sociais, incluindo por vereadores e bajuladores do Dr BB que estavam a par de toda a situação? Sabiam que dá vontade de chamar “Joseph Goebbels” a cada uma dessas pessoas que participaram na promoção de uma solução hedionda como se fosse uma coisa espetacular? Do Presidente da Câmara Municipal ... não esperaria muito, uma vez que é a mesma pessoa que está no centro de enormes nojeiras, como o caso da .... Isto para não referir outros inúmeros casos que demonstram o seu calibre moral. Mesmo assim, nunca pensei que descesse tao baixo. A ele deixo apenas este recado: as velinhas que dedicou e tanto publicitou a Nossa Senhora de Fátima no dia 13 de Maio podem ter sido boas para lhe angariar votos, mas não o livram dos seus pecados” 3. O arguido AA sabia que não podia proferir as expressões que proferiu relativamente BB, que foi identificado na publicação pelo arguido e que este sabia que exercia funções de edil do Município ... e que se encontrava na data, no exercício das respectivas funções, bem sabendo que o BB assumia tal qualidade e era visado nessa qualidade na publicação. 4. O arguido bem sabia que se pronunciava sobre actos próprios das funções de BB e ao seu exercício, e com tais expressões, quis ofender, como ofendeu, o respeito e consideração que lhe é devido por exercer funções públicas e enquanto cidadão, bem sabendo que fez tais afirmações em rede social, de forma pública e visível a um indeterminado número de pessoas, sendo tal rede social e publicação acessível por qualquer pessoa. 5. Ao actuar da forma supra descrita, o arguido agiu sempre de modo livre, voluntário e consciente e bem sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal vigente. 6. O arguido manteve em audiência de julgamento o teor da publicação referida em 2. 7. Ao ler a publicação o demandante sentiu-se humilhado, vexado. 8. O pai do arguido faleceu em 2003 na sequência da doença que padecia – Esclerose Lateral Amiotrófica. 9. A mãe do arguido, ainda viva, padece de lúpus, levando-a a que, desde 2014, tenha mobilidade reduzida. 10. O arguido foi cuidador do seu pai. 11. Mas há longos anos que vem sendo o cuidador da sua mãe. 12. Em 2016, o arguido criou e avançou com um projeto “Um Caminho pela APELA, um passo por ELA” para dar visibilidade à causa da Associação Portuguesa de Esclerose Lateral Amiotrófica e angariar fundos para a mesma, 13. o referido em 12. foi noticiado no site sapo, no jornal Público e site do “livrodereclamações.pt.” 14. Em Abril de 2020 o CAO (Centro de Atividade Ocupacional) para pessoas com deficiência da Casa O... encontrava-se encerrado por força das medidas públicas de confinamento. 15. Em 02.04.2020 o “...” noticiava que “Casa O... e antigo Lar ... vão receber idosos infetados por Covid-19” e ainda que “A estes dois locais, a autarquia junta ainda o Inatel, em ... (…) bem como vários hotéis do concelho que estão de igual prontidão para receber idosos das IPSS’s que não tenham contraído a Covid-19”. 16. O arguido atentou mais na realidade decorrente da decisão referida em 2. quando teve contacto com um post/comentário publicado no Facebook a propósito da notícia da SIC. 17. A indignação, incompreensão e revolta do arguido aumentaram quando visualizou uma nova entrevista dada pelo demandante, Presidente da Câmara, ao “Canal A...”, onde referiu “ (…) acho que fomos bons, ainda por cima ao contrário de muitos sítios, quase todos os municípios fizeram um hospital de campanha, com camas… não digo de campismo… isso tudo bem para uma situação diferente até resulta, mas para doentes com este tipo de patologia, acamados, idosos, tínhamos de ter um bocadinho de mais humanismo e a nossa solução é muito boa (…)”. 18. A 2 de Julho de 2020, o arguido faz um novo post, no qual escreve, entre outras coisas, que “Critiquei somente atitudes e procedimentos, não desta ou daquela pessoa como indivíduo, mas como titular de cargo público, procedendo (a meu ver censuravelmente) como tal”. 19. Em Março de 2020, o arguido publicou um post a elogiar e parabenizar uma acção no tocante à pandemia da Covid 19 referenciada numa publicação de facebook na qual era citado o demandante. Mais se provou que: 20. O arguido é licenciado em engenharia civil, exercendo a profissão de engenheiro por conta de outrem, auferindo o vencimento mensal de €1.100,00 que acrescido das ajudas de custo ascende mensalmente a cerca de €1.200,00. Vive com a progenitora. Não tem filhos. 21. O arguido não tem antecedentes criminais. A.2) FACTOS NÃO PROVADOS a) A decisão referida em 2. foi da autoria do Município .... b) Por escolha e decisão política da Câmara Municipal ..., o CAO para pessoas com deficiência da Casa O... foi, em Abril de 2020, alocado a acolhimento, tratamento e recuperação de idosos com Covid19. c) Também por escolha e decisão política da Câmara Municipal ..., os cidadãos deficientes da CAO da Casa O... foram deslocados para o Pavilhão Desportivo ..., onde permaneceriam até ao final de julho de 2020 (de junho a julho de 2020). d) A pessoa referida em 16. é mãe de um utente da CAO da .... e) O post referido em 16. é da autoria da Câmara Municipal .... f) Aquando do referido em 17. o demandante referiu a solução encontrada pelas outras Câmaras para os hospitais de campanha (nomeadamente pavilhões e equipamentos equiparáveis) carecem de humanismo. g) A escolha referida em 2. foi tomada por decisão política do demandante, enquanto Presidente da Câmara e do órgão a que preside. O mais constante da acusação, pedido de indemnização cível e contestação, não consta da decisão supra por se tratar de matéria genérica, conclusiva, de direito ou sem interesse para a boa decisão da causa – cfr. art. 124.º CPP.*A.3) MOTIVAÇÃO Nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador. Assim, enunciados os factos, cumpre apreciar criticamente as provas, não bastando uma mera enumeração dos meios de prova, sendo necessária “a explicitação do processo de formação da convicção do Tribunal” - cfr. Ac. TC nº680/98, de 02.12, in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19980680.html, por forma a resultar claro para os destinatários a compreensão do porquê da decisão e do processo lógico - mental que permitiu alcançar a decisão proferida. Na fixação da matéria de facto o Tribunal atendeu de forma crítica, conjunta e concatenada à prova produzida e CRC, apreciando-os à luz das regras da experiência (excepcionando a prova relacionada com matéria alegada e não elencada na decisão de facto pelas já sobreditas razões). Concretizando, Para prova da factualidade relativa ao cargo exercido pelo demandante a convicção do Tribunal assentou na prova no seu conjunto que confluiu em tal sentido, designadamente declarações do arguido, demandante e testemunhas inquiridas. Quanto à auscultação do executivo permanente da Câmara Municipal na decisão que envolveu o recurso à Casa O... no contexto pandémico causado pela Covid-19 e funcionamento no Pavilhão ..., a convicção do Tribunal assentou nas declarações do demandante, conjugadas com os depoimentos das testemunhas CC, DD e EE, nos quais se fez fé neste estrito particular, atenta a razão de ciência invocada e na medida em que as respectivas declarações e depoimentos se foram mutuamente corroborando neste estrito particular. Quanto ao texto, data em que foi publicado, teor, meio utilizado, autoria e circunstâncias que antecederam tal redacção, o Tribunal formou a sua convicção por apelo às declarações do arguido, que assumiu o mesmo, conjugado ainda com os doc.s de fls. 7 e 30, tendo reiterado em audiência o mesmo, resultando por isso provada a factualidade nos termos em que o foi bem assim neste aspecto em particular. No que concerne à factualidade dada por provada de 3. a 5. a convicção do Tribunal assentou nas regras da experiência, tendo em conta situações de natureza similar e ainda por apelo à livre apreciação, considerando ademais a prova já apontada supra para dar por provada a demais factualidade já referida, não colhendo a este propósito a justificação que o arguido pretendeu dar no sentido de apenas ter exercido o seu direito à liberdade de expressão e direito à crítica, tanto em audiência como na publicação constante de fls. 30 dos autos, tanto mais que tal postura é contrária pelo próprio teor do post quanto se refere ao “calibre moral” do demandante, o que associado às expressões usadas, permitiu ao Tribunal decidir como fez neste particular. Quanto aos sentimentos experienciados pelo demandante em face da publicação do texto o Tribunal formou a sua convicção uma vez mais nas declarações do demandante, no qual se fez fé também neste estrito particular (não obstante interesse do mesmo no desfecho da acção, considerando a sua condição de demandante) na medida em que corroboradas pelos depoimentos das testemunhas CC, FF e EE, os quais prestaram a este propósito depoimentos que nos pareceram espontâneos e circunstanciados, que ademais se foram corroborando, não se vendo razões para nos mesmos não crer, sequer que tenham interesse no desfecho da acção. Quanto às condições sócio económicas, intervenção como cuidador e actividade na sociedade civil do arguido, o Tribunal teve em consideração as declarações do próprio, que neste estrito particular mereceu credibilidade, não havendo razões para nelas não fazer fé, mais a mais porquanto não postas em causa por qualquer outra prova, tendo ainda tomado em linha de conta o depoimento da testemunha GG, irmã do arguido, que neste particular nos mereceu também credibilidade conjugada ainda com os doc.s 1 a 3 juntos com contestação, de que o Tribunal se socorreu também para dar como provada a referência jornalística e na internet. Bem assim foi por apelo àquelas declarações e depoimento que resultou provada a condição de saúde dos progenitores do arguido e óbito do pai, tendo o Tribunal ainda atentado no depoimento da testemunha HH, o qual também se referiu à participação cívica do arguido e no qual, neste estrito particular, também se fez fé, ademais face à restante prova produzida a este propósito. Quanto ao encerramento da Casa O... em Abril de 2020 e razão para tal, a convicção do Tribunal assentou nas declarações do arguido e demandante e nos depoimentos das testemunhas CC, DD e II, os quais se foram corroborando mutuamente neste particular. Para prova do facto relacionado com a notícia de 02.04.2020 o Tribunal socorreu-se do doc. 6 junto com a contestação. No que concerne à factualidade constante em 16. e 17. o Tribunal sufragou a sua convicção nas declarações do arguido e modo como o fez, socorrendo-se ainda do doc. de fls. 14 (fls. 133) e ainda vídeos extratados e junto aos autos em suporte físico relacionado com a entrevista ao Canal A... e Sic. No que concerne às publicações do arguido a Março e 2.07.2020 o Tribunal atentou na prova documental respectiva, designamante doc. de fls. 30 e de 148v. A ausência de antecedentes criminais do arguido resultou por apelo ao CRC junto aos autos. Os factos não provados resultaram assim em virtude de falta, insuficiência de prova ou prova produzida em sentido contrário. Note-se que o entender do Tribunal resultou à saciedade da prova produzida que não coube à decisão da Câmara Municipal ou do Presidente da Câmara alocar os doentes Covid na Casa O... e os utentes daquela Casa posteriormente no Pavilhão, antes tendo resultado que a Casa O... tinha (e tem) autonomia, não estando na dependência da Câmara, para decidir sobre o destino dos seus espaços e colocação dos utentes noutras infra estruturas. Ademais, resultou que a solução encontrada para os doentes Covid e utentes da Casa O... teve lugar no âmbito de discussão de grupo de trabalho (composto por várias entidades – serviços sociais, hospital, Casa O..., executivo permanente da Câmara). Tal resulta das declarações do demandante e de pessoas que manifestaram conhecimento directo de tal realidade, designadamente depoimentos das testemunhas CC e EE e que não é inquinado pela demais prova, designadamente de cariz noticioso, pois que desde logo se desconhece as fontes em que assentam as notícias acerca de tal matéria, interpretando-se bem assim a prova digital (vídeos) no sentido concretizado em audiência em que veio a compreender-se em que termos foram colocados os doentes Covid-19 na Casa O... e os utentes desta no Pavilhão. Acresce ao que vai dito não se poder deixar de ter em linha de conta que o Município ... e a Câmara Municipal são entidades distintas, o que não pode, nem é irrelevante no caso concreto, atenta a matéria em discussão e a qualidade dos intervenientes, razão pela qual, bem assim face à prova, junta não se vê que resultasse provado o referido de em e). Do mesmo modo, não se vê que tenha sido feita prova bastante da qualidade da pessoa que fez o comentário dado por provado em 16., não se vendo que a mesma resulte do aludido comentário, razão pela qual resultou não provado o constante em d). O facto não provado relacionado com a entrevista do demandante à A... resultou de prova produzida em sentido diverso do alegado. B) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA Estatui o 180º, nº 1, do CP, incorre na prática do crime de difamação “quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo”. Por sua vez, o art. 182º CP equipara à difamação verbal a feita por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão. A norma insere-se no capítulo dos crimes contra a honra. O bem jurídico protegido consubstancia-se num bem imaterial, extremamente vulnerável, mas de difícil apreensão – a honra. Com efeito, a sua complexidade manifesta-se, desde logo, no modo como o seu conteúdo e limites têm sido analisados pelas duas principais concepções: fáctica e normativa. Os defensores da concepção fáctica revêem-se na chamada honra subjectiva (a ideia que alguém tem das suas próprias qualidades; o sentimento de dignidade e decoro; a soma dos valores morais que o indivíduo se atribui a si próprio) e na honra externa (a ideia que os outros têm de si; a estima e a consideração de que se goza; o património moral que deriva da consideração alheia, ou seja, a reputação ou bom nome). Na perspectiva da concepção normativa, o conteúdo do bem jurídico surge como que atado ao efectivo cumprimento dos deveres éticos. Vale por dizer, que apenas é tutelada a honra merecida. A importância do bem jurídico em causa é de tal modo acentuada que a própria Constituição da República Portuguesa (CRP) a tutela expressamente no art. 26º, ao consagrar, a parte de outros direitos de personalidade, o direito ao bom nome e reputação, que resulta, desde logo, da dignidade da pessoa humana, consagrada igualmente no art. 1º da CRP. Enquanto direito fundamental, o bom-nome e reputação constitui fundamento essencial ao desenvolvimento da pessoa em sociedade. Segundo Faria Costa [RLJ nº3926] a honra pode ser entendida como “(…) um bem jurídico complexo que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior”. No mesmo sentido, refere-se no Ac. STJ de 12.01.2000 [BMJ 493, p.156] que “A honra (e, por aproximação, o bom nome) está ligada à imagem que cada um tem de si próprio, construída interiormente mas também a partir de reflexões exteriores, repercutindo-se no apego a valores de probidade e honestidade; a reputação (e também a boa fama) representa a visão exterior sobre a dignidade de cada um, ao apreço social, o bom nome de que cada um goza no círculo das suas relações.” Face ao exposto, podemos dizer que, no que concerne ao conceito de honra, a doutrina dominante no nosso ordenamento jurídico tempera a concepção normativa com uma dimensão fáctica (concepção dual). Com efeito, a concepção dual é a única que se mostra compatível com a nossa lei. Na verdade, contrariamente ao que sucede noutros ordenamentos jurídicos, entre nós, na linha da tradição anterior e em inteira sintonia com a ordem constitucional, é alargada a tutela da honra também à consideração ou reputações exteriores. Neste sentido, já se defendeu que "a jurisprudência e a doutrina jurídico-penais têm correctamente recusado sempre qualquer tendência para uma interpretação restritiva do bem jurídico honra, que o faça contrastar com o conceito de consideração (...) ou com os conceitos jurídico constitucionais de bom nome e de reputação. Nomeadamente, nunca teve entre nós aceitação a restrição da honra ao conjunto de qualidades relativas à personalidade moral, ficando de fora a valoração social dessa mesma personalidade; ou a distinção entre opinião subjectiva e opinião objectiva sobre o conjunto das qualidades morais e sociais da pessoa; ou a defesa de um conceito puramente fáctico, quer -no outro extremo - estritamente normativo". - Faria Costa, RLJ nº 3926. Segundo Leal - Henriques e Simas Santos [in “O Código Penal de 1982”, Vol. II, 1986, pág. 196] a honra constitui “a essência da personalidade humana” o conjunto de valores éticos que cada pessoa humana possui, designadamente o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, ou seja, a dignidade subjectiva, o património pessoal e interno de cada um; e a consideração “o património de bom nome, de crédito, de confiança que cada um pode ter adquirido ao longo da sua vida, sendo como que o aspecto exterior da honra, já que provém do juízo em que somos tidos pelos outros.”. Visto o bem jurídico protegido, atente-se agora no tipo objectivo de ilícito. O tipo objectivo consiste em difamar outra pessoa. Tal pode ocorrer, segundo o texto da lei, por duas vias: a) Dirigir-se a terceiro b) Imputar a outra pessoa factos (mesmo sob a forma de suspeita) ou c) Ou formular acerca de outra pessoa um juízo d) Ou reproduzir a imputação ou juízo referidos em b) e c) em qualquer dos casos, ofensivos da sua honra ou consideração. Para o preenchimento do tipo importa, pois, distinguir, desde logo, se estamos na presença de factos ou juízos de valor. Facto é tudo aquilo que é ou acontece “(…) na medida em que se considera como um dado real da experiência.” [Faria Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, p.609]. “Juízo (…) deve ser percebido, neste contexto, não como apreciação relativa à existência de uma ideia ou de uma coisa, mas ao seu valor.” [Faria Costa, op. cit., p.610]. A imputação de factos pode preencher o tipo, mesmo que tenha lugar sob a forma de suspeita. Com efeito, “a imputação de factos (…) desonrosos podem ser inequívocas, não apresentarem a mínima dúvida, ou podem estar recobertas pelo manto perverso e acutilante da suspeita. (…) o cerne da determinação dos elementos objectivos tem sempre de fazer[-se] pelo recurso a um horizonte de contextualização. Reside, pois, aqui, um dos elementos mais importantes para, repete-se, a correcta determinação dos elementos objectivos do tipo.” [Faria Costa, op. cit., p.612]. Estamos na presença de um crime de perigo, ou seja, o tipo basta-se com a verificação da susceptibilidade das expressões para ofender, não exigindo o dano. No que concerne ao tipo subjectivo, trata-se de um tipo doloso, em qualquer das suas modalidades – dolo directo, necessário ou eventual (arts. 13º e 14º CP) -, “bastando, portanto, que o agente, ao realizar voluntariamente a acção, se tenha dado conta da capacidade ofensiva da integridade moral da pessoa visada, não se exigindo qualquer finalidade ou motivação especial”- por todos, o Ac. TRP, de 25.01.1995, CJ, Ano XX, tomo I, pág. 245. Ou seja, no que ao tipo subjectivo respeita é pacífico que o mesmo também não exige uma actuação do agente com “animus injuriandi vel diffamandi” ou dolo específico. Basta, por isso, para preenchimento do tipo subjectivo de ilícito que o agente aja com dolo genérico, ou seja, que actue na consciência de que as expressões utilizadas são aptas a produzirem ofensa da honra e consideração da pessoa visada. “É, pois, suficiente para a sua realização que o autor saiba que está a atribuir um facto, ou a formular um juízo de valor, cujo significado ofensivo do bom nome ou consideração alheia ele conhece, e o queira fazer, e isto em qualquer das modalidades do dolo previstas no art.º14.º, do CP, bastando a consciência da genérica perigosidade da conduta ou do meio da acção previstos nas normas incriminadoras respectivas.”. – cfr. Ac STJ de 13.07.2017, que se acompanha neste particular. Para o que importa, resulta ainda do disposto no art. 183.º n.º1 al.s a) e b) e n.º2 CP que “1 - Se no caso dos crimes previstos nos artigos 180.º, 181.º e 182.º a) a ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação; ou b) Tratando-se da imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação; as penas da difamação e da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo. 2 – Se o crime for cometido através de meio de comunicação social o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias.” Bem assim, resulta do art. 184.º do mesmo diploma que “As penas previstas nos artigos 180.º, 181.º e 183.º são elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo se a vítima for uma das pessoas referidas na al. l) do n.º2 do art. 132.º no exercício das suas funções ou por causa delas, ou se o agente for funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade.”. Do elenco previsto no al. l) do n.º2 do art. 132.º CP consta, entre outros, a prática do facto contra membro de órgão das autarquias locais. Bem assim, resulta ainda do art. 188.º n.º1 al. a) CP que “O procedimento criminal pelos crimes previstos no presente capítulo depende de acusação particular, ressalvados os casos: a) do artigo 184.º (…) em que é suficiente a queixa ou a participação.”. Vale por dizer que tratando-se de difamação em que seja visado membro de órgão das autarquias locais – a saber o Presidente da Câmara Municipal - estamos na presença de crime de natureza semi-pública, pois que basta para legitimar a actuação do Ministério Público que o visado apresente queixa – cfr. art. 113.º n.º1 CP, 48.º e 49.º CPP. Para o que importa, referir ainda que o Tribunal não olvida que o direito à liberdade de expressão tem consagração constitucional no art. 37.º CRP, com dimensões na liberdade de criação cultural (art. 42º), na liberdade de consciência e de culto (art. 41º), na liberdade de aprender e ensinar (art.43°) e até na liberdade de reunião e manifestação (art.45º). Tais direitos não podem ser sujeitos a impedimentos nem discriminações (n° 1, do art. 37.º CRP), ou seja, dentro dos limites do direito não pode haver obstáculos ao seu exercício, todos dele sendo titulares em igualdade de circunstância, ressalvadas as exclusões constitucionalmente admitidas. Contudo, a liberdade de expressão não é, nem pode ser exercida nem entendida como absoluta, alheia à eventualidade de colisão com direitos/valores de igual ou superior consagração constitucional, de entre os quais consta o direito à integridade moral, ao bom nome e reputação, consagrado no art. 26.º CRP. O direito à liberdade de expressão não pode fazer, por isso, tábua rasa do direito à honra e reputação, já que a tal se opõe o art.18º, nº 3 CRP. Em face do que vai dito, impõe-se concluir que a prática de factos tipificados como crime de injúria e difamação não podem ser qualificados como manifestações da liberdade de expressão/informação. Não se desconhece que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, (TEDH) tem vindo a atribuir prevalência à liberdade de expressão, como apontado no acórdão STJ de 12/03/2009“(…)TEDH tem vindo a firmar jurisprudência no sentido de, sob reserva do n.º 2 do art. 10.º da CEDH, a liberdade de expressão ser válida não só para as informações consideradas como inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que contradizem, chocam ou ofendem.” – in https://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=28819&codarea=1. Contudo, mesmo no citado Ac. STJ se refere que o TEDH reconhece que o exercício da liberdade de expressão está sujeito “a restrições e sanções” em face do disposto no n.º 2 do art. 10.º da CEDH. Vale por dizer que, no entender do TEDH, o Estado Português pode internamente determinar as sanções e restrições aplicáveis, como sucede com a previsão legal dos tipos legais de crime de injúria e difamação. No caso concreto, atenta a factualidade dada por provada de 1. a 5. resulta à saciedade que a conduta do arguido preenche os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal previsto nas disposições conjugadas dos arts. 180.º n.º1, 182.º, 183.º n.º1 al. a) , 184.º por referência ao art. 132.º n.º2 al. l) e 188.º n.º1 al. a) do CP. No entender do Tribunal, não se verificam quaisquer causas que afastem a ilicitude, a culpa ou a punibilidade, pelo que o arguido terá de ser condenado e punida pelo crime a que a sua conduta se subsume. Com efeito, conforme se vê da publicação em causa, embora o arguido inicie a mesma por meio de crítica à solução adoptada, certo é que vai afunilando tal crítica, dirigindo-se num primeiro momento à Câmara Municipal ..., para depois se referir em concreto à pessoa do Presidente da Câmara, identificando-o pelo seu nome, e logo referindo aí as declarações do mesmo à “SIC e A...” e apontando o “humanismo” a que se referiu ali o Presidente, prosseguindo e associando aquele mesmo “humanismo” (ligando-o por isso às declarações do Presidente) como estando ausente da solução da Câmara relacionada com os “utentes portadores de deficiência”, para de seguida fazer referência à consideração dos “doentes físicos e mentais” como “inúteis à sociedade e, portanto, inferiores”, para de imediato e de forma sequencial se referir àquela comunicação junto dos medida como “propaganda nojenta” e que “dá vontade de chamar “Joseph Goebbels” a cada uma das pessoas que participaram na promoção de uma solução hedionda”, entre as quais, necessariamente, se inclui o demandante, ao qual o arguido tinha acabado de se referir nominativamente, e sem margem para qualquer dúvida, fazendo não só referência ao seu nome, como ao cargo desempenhado, bem como ao facto de o mesmo se encontrar naquela comunicação junto dos media por causa das suas funções e no desempenho delas. Não pode deixar de se entender, não obstante o direito de crítica e liberdade de expressão que possa assistir a qualquer cidadão (art. 37.º CRP), mormente em relação a titulares de cargos públicos e no que respeita às decisões tomadas nessa investidura, que há um limite, mesmo nestas situações em que o direito à crítica e liberdade de expressão tem de ceder em face ao direito à honra de que mesmo quem exerce cargos públicos/políticos goza, não se vendo qualquer norma da qual resulte que os mesmos tenham ficado privados de tal direito na sequência da assunção de tal posição/cargo, antes existindo normas que apontam no sentido de que tal direito continua a existir e é merecedor, inclusive de tutela penal, como aquelas em apreço – cfr. art. 18.º CRP.) No caso em apreço, entende-se que a partir sobretudo do momento em que se refere à entrevista do demandante aos meios de comunicação social, o arguido abandona a crítica, para atacar a honra e consideração devidas ao demandante – o que resulta à evidência quanto se refere ao seu “calibre moral” -, na qualidade de Presidente da Câmara, no exercício das suas funções e por causa delas designadamente ao associá-lo aos nazi e a Joseph Goebbels, conhecido activista nazi e da propaganda daquele regime, até hoje associados ao Holocausto, campos de concentração, projetos de depuramento da raça e extermínio de pessoas portadoras de algum tipo de deficiência e cujo projecto acabou por desembocar numa crise humanitária à escala global e guerra mundial, com reflexos até ao presente. Para qualquer homem médio, essas frases do texto do arguido no segmento ora apontado, só pode traduzir a ideia de que o demandante favorecia o desmerecimento das pessoas portadoras de deficiência, concorrendo para práticas associadas a depuramento de raça e genocídio, o que não pode deixar de ser considerado ofensivo da sua honra e consideração. Sem prejuízo, não se vê que a factualidade provada permita a subsunção ao n.º 2 do art. 183.º CP. Na verdade, a este propósito apenas se provou que o arguido AA decidiu fazer a publicação no seu perfil da rede social Facebook, não resultando provada qualquer factualidade relacionada com a “capacidade propulsora da divulgação”, da qual se entende depender o seu enquadramento naquela categoria. No sentido sufragado veja-se o entendimento vertido no Ac. TRP de 23.02.2022, que nesta parte se subscreve e que por facilidade se transcreve “I - A difamação através de meio de comunicação social é a feita através de um meio de difusão de informação a um número alargado de pessoas, como a imprensa, a televisão, o rádio, a internet, etc. II - A subsunção da rede social Facebook ao conceito de meio de comunicação social, para o efeito de agravação do crime de difamação, nos termos do n.º 2 do artigo 183.º do Código Penal, não depende de o agente ter “postado” o conteúdo do texto e/ou imagem com acessibilidade livre a qualquer utilizador no mural do perfil do Facebook acedido; a integração do conceito não depende apenas da forma restrita e personalizada como o agente faz a divulgação na rede social, mas sim da concreta capacidade propulsora da divulgação. III - As restrições de publicidade ao grupo de milhares de amigos no mural do perfil do Facebook de uma empresa ou figura pública, mais ou menos mediática, nada nos dizem sobre a amplitude da difusão do conteúdo publicado, sabido que existem jornais e revistas com menor tiragem; tudo depende da concreta possibilidade de divulgação do texto e/ou imagem entre um número mais ou menos alargado de destinatários acessíveis.”. Pelo que o arguido terá de ser absolvido da imputação nos termos do n.º 2 do art. 183.º CP e bem assim da al. b) do n.º1 do mesmo artigo, que igualmente não se vê preenchida. (…)» IV – Cumpre decidir. Vem o arguido e recorrente alegar que a factualidade provada não integra a prática do crime de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 1, a) e b), e n.º 2, 184.º e 188.º. n.º 1, a), com referência ao artigo 132, n.º 2, i), todos do Código Penal, por que foi condenado. Alega que, à luz do que dispõe o artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (aplicável ex vi do artigo 8.º da Constituição) e da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, a liberdade de expressão deve, neste caso, prevalecer sobre o direito à honra do ofendido e demandante. Isto porque as expressões usadas, embora contundentes, desagradáveis e agressivas, visaram a atuação deste enquanto presidente de Câmara, o seu comportamento e atuação política e não ele mesmo como pessoa e cidadão, nem a sua vida pessoal; porque a atividade política e administrativa está sujeita à suscetibilidade de ampla crítica, em relação à qual é muito restrita a margem de discricionariedade do Estado nos limites à liberdade de expressão, sendo que os agentes envolvidos nessa atividade devem tolerar essa crítica em termos mais intensos do que o cidadão comum. Alega que, nos termos do n.º 2 do referido artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, os limites à liberdade de expressão neste âmbito devem ser interpretados restritivamente e corresponder a uma necessidade social imperiosa, sendo proporcionais a essa necessidade, o que não se verifica no caso em apreço. Alega que não deve considerar-se ofensivo da honra e consideração de outrem tudo aquilo que o visado entenda que o ofende, mas aquilo que razoavelmente, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas e tendo em conta os dados de facto, circunstâncias e contexto verificados, deverá considerar-se ofensivo. Alega que forma violados os artigos 8.º, 18.º, 37.º, 202.º, n.º 2 e 205.º, n.º 1, todos da C.R.P.,da Constituição. Vejamos. Integra a prática de um crime de difamação a formulação de juízos ofensivos da honra e consideração da pessoa visada (artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal). Porque há que conciliar o direito à honra e a liberdade de expressão, há que distinguir, a este respeito, entre a crítica da atuação de uma pessoa e a crítica que atinge a própria pessoa na sua dignidade, entre um juízo sobre essa atuação (que poderá até ser injusto, exagerado, formulado em termos agressivos, ou indelicados e descorteses) e um juízo sobre a pessoa. Está, assim, em causa, neste caso, saber se as expressões relativas ao ofendido e demandante, a ele dirigidas pelo arguido ora recorrente e acima transcritas configuram a prática desse crime de difamação, ou estão cobertas pela liberdade de expressão e crítica consagrada no artigo 37.º, n.º 1, da Constituição. Traçar a fronteira entre uma e outra dessas situações passa por distinguir entre a formulação de juízos ofensivos sobre a própria pessoa visada e a formulação de juízos críticos sobre a atuação ou conduta de uma pessoa. Manuel da Costa Andrade (in Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal – Uma Perspectiva Jurídico-Criminal, Coimbra Editora, 1996, pgs. 232 a 240) é claro ao considerar atípica a crítica objetiva, ou seja, a crítica de obras, prestações, realizações e atuações. Essa crítica pode situar-se nos âmbitos político, artístico, desportivo, ou outros. Estaremos perante uma situação de atipicidade, e nem sequer perante uma justificação, nos termos do artigo 31.º, n.º 2, c), do Código Penal, de uma conduta típica pelo exercício de um direito (neste caso, o direito de crítica). Na verdade, da redação dos artigos 180.º, n. 1, e 181.º, n.º 1, do Código Penal resulta que os crimes de difamação e injúria supõem a imputação de factos ou a formulação de juízos sobre uma pessoa, não a formulação de juízos sobre factos, atuações, obras, prestações ou realizações. Estes juízos, que são cobertos pela liberdade de expressão e crítica, não configuram elemento constitutivo de algum desses dois tipos de crime. Esta distinção também vale, e vale especialmente, no âmbito da atuação política. A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos sobre a importância e alcance da liberdade de expressão neste âmbito não anula tal distinção, como se o direito à honra (também consagrado na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, no n.º 2, do seu artigo 10.º, além de ser consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição) deixasse de ser tutelado quando são visados agentes políticos, Tal seria, além do mais, contrário ao princípio da igualdade (este também consagrado na Constituição, no seu artigo 13.º). E, como se salienta na douta sentença recorrida, se assim fosse, não teria sentido a agravação (decorrente dos artigos 184.º e 132.º. n.º 2, i), do Código Penal) dos crimes de injúria e difamação quando são ofendidos agentes políticos titulares de órgãos de soberania ou de autarquias locais. Compreende-se a relevância da distinção entre a crítica de atuações e comportamentos e a ofensa à pessoa a sua honra e dignidade. Às ideias e críticas (mesmo que sejam erróneas, injustas, chocantes ou absurdas) pode responder-se no plano do debate racional e da argumentação. Esse debate é sempre salutar numa sociedade aberta, livre e democrática. Outra coisa são os insultos. Aos insultos não pode responder-se no plano do debate de ideias. Aos insultos não pode responder-se senão com o silêncio ou com outro insulto e desse modo não se fortalece a sociedade livre, aberta e democrática. É de realçar que são as exigências de uma sociedade livre e democrática que, de acordo com o n.º 2 do artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos que servem de critério para aferir a legitimidade das limitações à liberdade de expressão consagrada no nº 1 desse artigo. É verdade que, como vem acentuando a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, dos agentes políticos se exige uma maior tolerância à crítica (e à crítica eventualmente injusta, agressiva ou exagerada), do que a que é exigida ao cidadão comum. É algo que faz parte da missão que escolheram (são “ossos do ofício”). Mas daí não decorre que tenham que se ver integralmente privados de proteção à sua honra. Isso poderia levar a que, só por isso, muitas pessoas bem conceituadas e vocacionadas para o serviço do bem comum não optem pela atividade política. Seja como for, o recorrente, na motivação do recurso, não contesta esta distinção entre a livre crítica dos atos e a ofensa pessoal. Não contesta a existência de uma fronteira entre estas duas realidades. Alega que não ultrapassou essa fonteira. Alega que as expressões usadas, embora contundentes, desagradáveis e agressivas, visaram a atuação do ofendido e demandante enquanto presidente de Câmara, o seu comportamento e atuação política e não ele mesmo como pessoa e cidadão, nem a sua vida pessoal. Pode dizer-se que assiste razão ao recorrente quanto a este aspeto, pelo menos até certo ponto. É verdade que muitas das afirmações e expressões proferidas pelo arguido e recorrente e acima transcritas se situam no âmbito da crítica a uma concreta atuação do ofendido e demandante na sua qualidade de presidente de Câmara. É o que se verifica quando aquele afirma que para resolver um problema, foi criado outro maior quando havia alternativas, que a solução encontrada era “asquerosa” e “hedionda” e que a sua apresentação como boa e humanista era “propaganda nojenta”. Quando se equipara tal solução ao tratamento das pessoas deficientes pelo regime nazi. E assim também quando se qualifica outras atuações do ofendido (identificando uma delas) como “nojeiras”. São afirmações e expressões agressivas, descorteses e eventualmente exageradas. Podem, por isso, ser criticáveis noutro plano. Não se demonstrou, porém, que fossem injustas (sendo que não é esta a sede própria para analisar esta questão) e poderá ser compreensível a reação do arguido, pela sua particular sensibilidade à situação dos doentes afetados com a medida em causa (por razões familiares e pela sua intervenção cívica nesse âmbito). Seja como for, parece-nos claro que até aqui estamos no domínio da crítica a uma concreta atuação do ofendido e demandante (que acessoriamente se alarga a outras) na sua qualidade de presidente de Câmara. Mas também pode dizer-se o arguido foi um pouco mais longe, ultrapassando a referida fronteira ao afirmar que todas as atuações em causa serão reveladoras do baixo “calibre moral” do ofendido e demandante e ao afirmar, referindo-se a este, que dá vontade de lhe chamar “Joseph Goebbels”. Aqui, já nos situaríamos no domínio do juízo sobre a pessoa como tal e do seu carácter. No entanto, também poderemos dizer, na linha do que salienta o Ministério Público junto desta instância, que estas expressões devem ser inseridas e corretamente interpretadas num contexto que se centra na crítica a uma concreta atuação. Com o uso dessas expressões (também elas particularmente agressivas e exageradas) o que se pretende é a crítica a tal atuação, não à pessoa do ofendido. Como que a dizer que essa atuação é própria da política do regime de nazi (própria de “Joseph Goebbels”) e é em si mesma de baixo “calibre moral”. Para além de saber se foi, ou não, ultrapassada a referida fronteira, é indubitável que estamos próximo dessa fonteira, estamos, como costuma dizer-se, numa situação “de fonteira”. Ora, nesta situação “de fonteira” é difícil concluir, com a necessária certeza, que o arguido tenha atuado com consciência de ilicitude e não convencido de que a sua atuação estava coberta pelo direito de livre crítica da atuação em causa. Deverá, por isso, ser o arguido absolvido do crime por que foi acusado e do pedido de indemnização civil contra si formulado pelo demandante. Assim, deverá ser concedido provimento ao recurso. V - Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso, absolvendo o arguido e recorrente da prática do crime de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 1, a) e b), e n.º 2, 184.º e 188.º. n.º 1, a), com referência ao artigo 132, n.º 2, i), todos do Código Penal, por que vinha acusado, assim como do pedido de indemnização civil contra ele formulado pelo demandante BB. Notifique. Porto, 22 de fevereiro de 2023(processado em computador e revisto pelo signatário) Pedro Vaz Pato Eduarda Lobo Castela Rio