I - O n.º 5 do artigo 52.º da LGT, que prevê a possibilidade de excepcionalmente ser admitida a substituição da “garantia prestada”, refere-se apenas às garantias que tenham sido prestadas pelo executado (maxime as previstas no n.º 1 do artigo 199.º do CPPT), não abrangendo a penhora. II - A substituição de bens penhorados por garantia bancária, sendo admissível, pressupõe que a garantia cubra a totalidade do crédito exequendo e acrescido, atenta a previsível duração do processo, pois que apenas a garantia da totalidade da dívida exequenda controvertida e acrescido garantem a suspensão da execução até à decisão do pleito.
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:- Relatório - 1 – A………, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 13 de Outubro de 2011, que indeferiu a reclamação judicial por si deduzida contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Almeirim, de 23 de Maio de 2011, apresentando para tal as seguintes conclusões: 1.ª A douta sentença recorrida julgou improcedente a reclamação deduzida contra o acto do órgão de execução fiscal que indeferiu a substituição da penhora de dois veículos automóveis por garantia bancária, abstendo-se de sindicar aquele acto à luz das normas legais aplicáveis à substituição da garantia, “principaliter”o disposto no artigo 52.º, n.º 5, da LGT. 2.ª No que concerne à tutela dos interesses do credor, essa norma da LGT deve ser interpretada no sentido, correspondente ao seu texto, de que a garantia poderá ser substituída quando tal não provoque diminuição ou perda do valor da garantia de que goze o credor tributário. 3.ª No caso dos autos está em causa a substituição da penhora de dois veículos automóveis, avaliados em € 19.000,00, por garantia bancária no mesmo valor, a qual foi recusada com o fundamento de que a garantia a prestar fosse, não no valor dos veículos, mas “de modo a garantir toda a restante dívida exequenda, juros de mora e custas do processo, acrescida de 25% da soma daqueles valores (…) pois só deste modo não viria a resultar prejuízo para o credor tributário”. 4.ª Esse entendimento não é de acolher porque o mesmo não tem qualquer apoio na letra da norma ou nos demais elementos interpretativos, constituindo uma interpretação completamente revogatória do sentido da norma. 5.ª De facto, a norma em causa pretende possibilitar ao devedor a substituição da garantia existente numa determinada execução quando tal facto não afecte os interesses do credor, ou, por outras palavras, os fins da execução. 6.ª O juízo a fazer-se, na ponderação dos interesses do credor tributário, não pode deixar de centrar-se na relação binária-comutativa entre duas grandezas: a garantia anterior à substituição – aí integrados os bens cuja substituição se requereu-, a existente, portanto, no momento em que é requerida a substituição; e a garantia que passará a existir após a substituição. 7.ª Será em função do resultado desse confronto que se terá de aferir da (in)existência de prejuízo para o credor, não sendo de acolher o entendimento de que esse prejuízo só não existirá se e no caso de a dívida ser toda ela garantida. 8.ª Ao condicionar a substituição da garantia requerida à prestação de garantia sobre a totalidade da dívida, o Tribunal incorre em erro de julgamento, introduzindo, ainda que implicitamente, um requisito não previsto na lei como condição da substituição da garantia existente numa determinada execução. Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser provido e, consequentemente, ser revogada a sentença recorrida, julgando-se procedente a reclamação com todas as consequências legais. 2 – Não foram apresentadas contra-alegações. 3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos: Objecto do recurso: sentença declaratória da improcedência de reclamação apresentada contra decisão de indeferimento de pedido de substituição de penhora por garantia bancáriaFUNDAMENTAÇÃO1. A suspensão da execução fiscal exige a prestação de garantia ou a realização de penhora que garanta a totalidade da dívida exequenda e do acrescido (art. 52.º n.º 2 LGT; art. 169º nº1 e 199º n.º4/5 CPPT) A garantia prestada pode ser, excepcionalmente, substituída, em caso de demonstração pelo executado de interesse legítimo na substituição (art. 52.º n.º 5 LGT) Pronunciando-se sobre a interpretação desta norma afirma doutrina qualificada: “ (…) como resulta dos termos desta disposição, tal substituição só poderá ocorrer em situações excepcionais, o que aponta no sentido de ela só ser possível em casos em que se verifiquem circunstâncias anormais e imprevisíveis no momento da prestação da garantia.” (Diogo Leite de Campos/ Benjamim Silva Rodrigues/ Jorge Lopes de Sousa “Lei Geral Tributária” comentada e anotada 2ª edição 2000 p. 206) A realização de penhora sobre os bens necessários para pagamento da quantia exequenda e do acrescido equivale à prestação de garantia idónea (art. 199º n.ºs 1 e 4 CPPT) 2. No caso sob análise o argumento da depreciação dos veículos automóveis resultante da penhora, invocado pelo executado como fundamento do pedido, não configura o circunstancialismo excepcional que pudesse justificar a substituição da penhora, equiparada à prestação de garantia idónea, porquanto: a) a depreciação do valor comercial dos veículos penhorados não é consequência da penhora, mas do inevitável decurso do tempo, após o ano da matrícula b) o executado poderá providenciar pelas necessárias intervenções de conservação, que minorem o desgaste da imobilização forçada, na qualidade de fiel depositário c) não existindo outros bens do executado susceptíveis de penhora, sendo o montante da garantia bancária de € 19 000,00 oferecida em substituição insuficiente para assegurar o pagamento do remanescente da dívida exequenda ainda não garantida (probatório al. G), os automóveis entregues ao executado seriam objecto provável de nova penhora d) a nova penhora a efectuar correria sério risco de insucesso, na medida em que a penhora efectuada resultou da conversão de arresto judicialmente decretado, por fundado receio da diminuição da garantia de cobrança dos créditos tributários (probatório al. b); art. 136º, nº1 CPPT)CONCLUSÃOO recurso não merece provimento. A sentença impugnada deve ser confirmada. Com dispensa dos vistos, dada a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência.- Fundamentação -4 – Questão a decidir É a de saber se, no caso dos autos, devia ter sido admitida a substituição da penhora incidente sobre os veículos automóveis por garantia bancária no valor dos bens penhorados, requerida pelo executado 5 – Na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria objecto do recurso foram fixados os seguintes factos: a) Em 07/12/2010 foi instaurada no Serviço de Finanças de Almeirim contra o aqui reclamante a execução fiscal n.º 194520100102920 e apensos, por dívida de IVA dos anos de 2006 a 2009 e IRS dos anos de 2006 a 2008, a que acrescem juros, no valor total de 530.525,25 (fls. 1 a 5, 123 a 128 e 129 a 135); b) Na sequência de decisão judicial foram arrestados vários bens do reclamante, cujo arresto foi depois convertido em penhoras (fls. 21, 22, 32, 63 a 92, 105 e 295 a 300); c) Entre os bens que foram arrestados encontram-se o veículo automóvel, marca Porsche, modelo Boxter Var:ka 12, com a matrícula ……… e o veículo ligeiro de mercadorias, marca Fiat, modelo Fiorino, com a matrícula ……… (cfr. fls. 112 e 113); d) O veículo automóvel, marca Porche, com a matrícula ……… foi avaliado em 26/04/2011 pelo valor de € 14.000,00 (fls. 112); e) O veículo automóvel, marca Fiat, com a matrícula ……… foi avaliado em 26/04/2011 pelo valor de € 5.000,00 (fls. 113); f) Por requerimento apresentado em 28/12/2010 o aqui reclamante requereu a substituição do arresto dos identificados veículos pela prestação de garantia bancária a favor da Administração Tributária no montante de € 19.000,00 (cfr. fls. 103 e 104). g) Sobre o requerimento referido na alínea anterior recaiu em 23/05/2011 despacho do chefe de Finanças com o seguinte teor «(…) Analisando os autos, verifica-se que a dívida constante nos mesmos não se encontra toda garantida (€629.519,83), mas apenas uma parte correspondente ao montante de €354.446,10, apurado face ao valor real atribuído aos bens penhorados (incluindo os veículos em causa); E ainda que consideremos que nos termos do art. 52.º, n.º 5 da LGT, é admitida a título excepcional, a substituição da garantia prestada, desde que daí não resulte prejuízo para o credor tributário e haja interesse legítimo na substituição, não podemos no entanto deixar de considerar o determinado nos n.ºs 2 e 3 do referido artigo. Assim, determino que apenas será de conceder o que agora vem solicitado pelo requerente/executado (levantamento da penhora dos veículos), se o mesmo proceder à entrega de garantia idónea, que poderá ser Bancária, como propõe, mas de modo a garantir toda a restante dívida exequenda, juros de mora e custas do processo, acrescida de 25% da soma daqueles valores, como estabelece o n.º 5 do artigo 199.º do CPPT, no prazo de 15 dias a que alude o n.º 6 daquele normativo, pois só deste modo, não viria a resultar prejuízo para o credor tributário e se daria igualmente cumprimento ao determinado no art. 169.º do CPPT.» (fls. 144 e 145); h) Em 08/06/2011, através do ofício 2170, datado de 31/05/2011 foi o Reclamante notificado do despacho referido na alínea anterior (fls. 146 e 146 verso); i) Em 21/06/2011, o reclamante apresentou a presente reclamação (cfr. carimbo aposto a fls. 149). 6 – Apreciando 6.1 Da admissibilidade da substituição da penhora por garantia bancária no valor dos bens penhorados A sentença recorrida, a fls. 370 a 378 dos autos, julgou improcedente a reclamação, mantendo a decisão do órgão de execução reclamada, fundamentando o decidido no disposto nos artigos 52.º n.º 1 e 2 da Lei Geral Tributária (LGT) e 169.º e 199.º do Código de Procedimento e de Processo tributário (CPPT), nos termos dos quais a suspensão da cobrança da prestação tributária no processo de execução fiscal depende da prestação de garantia idónea e a idoneidade da garantia assenta no critério da suficiência do bem para assegurar o pagamento da quantia exequenda e acrescido e considerando que os bens penhorados apenas garantem € 354.446,10 do valor total da quantia exequenda que ascende a € 629.519,83 e que de acordo com os factos alegados pelo reclamante, todo o seu património encontra-se penhorado nas execuções fiscais (cfr. sentença recorrida a fls. 376 a 378 dos autos). Mais considerou que mesmo que, por hipótese, fosse deferido o requerido pelo reclamante, os veículos automóvel em causa não estariam a salvo de uma nova penhora, por força do estatuído no artigo 169.º, n.º 2 do CPPT, uma vez que não existem outros bens do executado susceptíveis de penhora e a garantia bancária de € 19.0000,00 não garante o pagamento da dívida exequenda ainda não garantido, sem esquecer que os bens penhorados foram alvo de decisão judicial que decretou o seu arresto por fundado receio da diminuição de garantia de cobrança dos créditos tributários e ainda que para o efeito de garantia da dívida exequenda os veículos em utilização podem eventualmente deteriorar-se mais do que em caso de não utilização, não procedendo também o argumento da necessidade de inspecções periódicas atento o preceituado nos artigos 3º e 7º do Dec.-Lei n.º 554/99, de 16 de Dezembro e 168º do Código da Estrada (cfr. sentença recorrida a fls. 377 dos autos). Discorda do decidido o recorrente, alegando que a douta sentença recorrida absteve-se de sindicar aquele acto à luz das normas legais aplicáveis à substituição da garantia, “principaliter”o disposto no artigo 52.º, n.º 5, da LGT, nos termos da qual a garantia poderá ser substituída quando tal não provoque diminuição ou perda do valor da garantia de que goze o credor tributário, sendo que o juízo a fazer-se, na ponderação dos interesses do credor tributário, não pode deixar de centrar-se na relação binária-comutativa entre duas grandezas: a garantia anterior à substituição – aí integrados os bens cuja substituição se requereu-, a existente, portanto, no momento em que é requerida a substituição; e a garantia que passará a existir após a substituição, não sendo de acolher o entendimento de que esse prejuízo só não existirá se e no caso de a dívida ser toda ela garantida. Conclui o recorrente que ao condicionar a substituição da garantia requerida à prestação de garantia sobre a totalidade da dívida, o Tribunal incorre em erro de julgamento, introduzindo, ainda que implicitamente, um requisito não previsto na lei como condição da substituição da garantia existente numa determinada execução, pedindo, pois a revogação da sentença recorrida e a procedência da reclamação (cfr. as conclusões das suas alegações de recurso supra transcritas). O Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto junto deste Supremo Tribunal no seu parecer junto aos autos e supra transcrito pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento, porquanto nos termos do n.º 5 do artigo 52.º da LGT a substituição da garantia prestada apenas é admitida em casos excepcionais, não sendo o caso dos autos justificativo da excepcionalidade legalmente requerida. Vejamos. A norma ora invocada pelo recorrente para fundamentar a sua pretensão de substituição do arresto (cfr. requerimento de fls. 103 e 104 dos autos), depois convertido em penhora, pela prestação de garantia bancária no valor dos bens penhorados, é o n.º 5 do artigo 52.º da LGT, cuja redacção actual (que lhe foi conferida pela lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro e aplicável ao caso dos autos) é do seguinte teor: «A garantia pode, uma vez prestada, ser excepcionalmente substituída, em caso de o executado provar interesse legítimo na substituição e daí não resulte prejuízo para o credor tributário» (sublinhados nossos). Insurge-se o recorrente pelo facto de a sentença recorrida se ter abstido de sindicar o acto reclamado à luz das normas legais aplicáveis à substituição da garantia, “principaliter”o disposto no artigo 52.º, n.º 5, da LGT (cfr. conclusão 1.ª das suas alegações de recurso), norma esta que, alega, deve ser interpretada no sentido, correspondente ao seu texto, de que a garantia poderá ser substituída quando tal não provoque diminuição ou perda do valor da garantia de que goze o credor tributário (cfr. conclusão 2.ª das suas alegações de recurso). Entendemos também nós que a invocada norma deve ser interpretada no sentido correspondente ao seu texto, daí que, com RUI DUARTE MORAIS (cfr. A Execução Fiscal, Coimbra, Almedina, 2005, p. 85 e nota 185 de p. 87), entendamos que quando o legislador, no n.º 5 do artigo 52.º da LGT, prevê a possibilidade de excepcionalmente ser admitida a substituição da “garantia prestada”, se refere apenas às garantias que tenham sido prestadas pelo executado, e não também à concretização, por iniciativa do credor, em bens certos e determinados, da garantia geral de cumprimento das obrigações que constitui o património do devedor, razão pela qual o preceito não abrangerá na sua previsão a penhora, pelo facto de a penhora não ser propriamente uma garantia – pelo menos no sentido estrito em que o termo é utilizado no art. 52.º da LGT, o qual parece remeter directamente para o art. 199.º do CPPT -, não ser prestada pelo executado mas ser, antes do mais, um meio que a própria lei põe ao serviço do exequente, o primeiro passo no processo de pagamento coercivo obtido através do património do devedor e que só “acidentalmente”, até à alienação deste, funciona como garantia do crédito (cfr. RUI DUARTE MORAIS, op. cit., p. 85). Não pode, pois, legitimamente pretender-se substituir a penhora incidente sobre os veículos automóveis por garantia bancária no valor dos bens penhorados ao abrigo do n.º 5 do artigo 52.º da LGT, pois que a invocada norma não abrange na sua previsão senão as garantias prestadas pelo executado para suspender a execução. O facto de não considerarmos abrangida pela previsão do n.º 5 do artigo 52.º da LGT a substituição de bens penhorados por garantia bancária, não significa, porém, que tal substituição esteja legalmente vedada. Nem o está no actual processo executivo comum (cfr. a possibilidade de requerer, em oposição à penhora, a substituição da penhora por caução idónea que igualmente garanta os fins da execução, prevista no n.º 6 do artigo 834.º do Código de Processo Civil), nem o está também na execução fiscal, onde, como diz RUI DUARTE MORAIS (op. cit., p. 78), vigora um princípio geral de equivalência da caução, penhora e outras garantias idóneas, como a hipoteca (uma vez que, na presença de qualquer uma delas, a execução se suspende até á decisão da oposição deduzida). Contudo, para que tal substituição possa ser aceite, prossegue o mesmo autor (op. cit., p. 77), ponto é que a garantia em causa cubra a totalidade do crédito exequendo e acrescido, atenta a previsível duração do processo, pois que apenas a garantia da totalidade da dívida exequenda controvertida e acrescido garantem a suspensão da execução até à decisão do pleito. A sentença recorrida que assim julgou não merece, pois, censura, estando o recurso votado ao insucesso. - Decisão -7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, conformando a sentença recorrida. Custas pelo recorrente. Lisboa, 7 de Dezembro de 2011. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Valente Torrão.