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Acórdão STJ de 2018-02-14

483/16.7YRLSB-B.S1

TribunalSupremo Tribunal de Justiça
Processo483/16.7YRLSB-B.S1
Nº Convencional3ª SECÇÃO
RelatorVinicio Ribeiro
DescritoresHabeas Corpus, Extradição, Trânsito em Julgado, Prisão Ilegal, Notificação
Data do Acordão2018-02-14
VotaçãoUnanimidade
Privacidade1
Meio ProcessualHABEAS CORPUS
DecisãoImprocedência. Não Decretamento
Área TemáticaDireito Processual Penal – Prova / Meios de Prova / Declarações do Arguido – Medidas de Coacção e de Garantia Patrimonial / Medidas de Coacção / Modos de Impugnação
Doutrina-António da Silva Henriques Gaspar e outros, Código de Processo Penal Comentado, 2.ª edição, 2016, Almedina, p. 858; -António Manuel Beirão, As alterações de 2015 e 2017; -Maria João Matias Fernandes, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, 2014, Universidade Católica Editora, p. 60; -Rui Manuel Moura Ramos, As alterações recentes ao direito português da nacionalidade—Entre a reparação histórica, a ameaça do terrorismo islâmico e a situação dos netos de portugueses nascidos no estrangeiro, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 145, Setembro-Outubro de 2015, p. 4 e ss..
Legislação NacionalCÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 141.º, 222.º E 223.º, N.º 1. LEI DA NACIONALIDADE, REDACÇÃO DA LEI ORGÂNICA N.º 9/2015: - ARTIGO 1.º. LEI DA COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL (LOJIMP), APROVADA PELA DA LEI N.º 144/99, DE 31-08: - ARTIGO 61.º.
Referências InternacionaisCONVENÇÃO DE EXTRADIÇÃO ENTRE OS ESTADOS MEMBROS DA COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA (CPLP): - ARTIGO 13.º. CONVENÇÃO DE PALERMO (CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE CRIMINALIDADE TRANSNACIONAL ORGANIZADA), DE 15-11-2000: - ARTIGO 2.°, 5.º, 6.º, 8.º E 23.°. CONVENÇÃO SOBRE MATÉRIA DE EXTRADIÇÃO ENTRE PORTUGAL E BRASIL, APROVADA PELA RESOLUÇÃO DA AR N° 49/2008 DE 18/7- DR N° 178 DE 15.09.2008.
Jurisprudência NacionalACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 07-07-2005, PROCESSO N.º 04P3992; - DE 20-12-2006, PROCESSO N.º 06P4705; - DE 01-02-2007, PROCESSO N.º 07P353; - DE 31-07-2008, PROCESSO N.º 2536/08; - DE 25-02-2009, PROCESSO N.º 595/09; - DE 11-02-2010, PROCESSO N.º 21/07.2SULSB‑E.S1; - DE 26-02-2014, PROCESSO N.º 6/14.2YFLSB.S1; - DE 26-03-2014, PROCESSO N.º 5918/06.4TDPRT.P1; - DE 08-01-2015, PROCESSO N.º 130/14.1YFLSB.S1; - DE 21-01-2015, PROCESSO N.º 1545/07.7TASNT-F.S1; - DE 11-02-2015, PROCESSO N.º 18/15.9YFLSB.S1; - DE 08-10-2015, PROCESSO N.º 1052/05.2TAVRL; - DE 11-02-2016, PROCESSO N.º 326/12.0JELSB-E.S1, - DE 17-03-2016, PROCESSO N.º 289/16.3JABRG; - DE 30-03-2016, PROCESSO N.º 37/15.5GOBVR.S1; - DE 10-05-2016, PROCESSO N.º 30/16.0YFLSB.S1; - DE 21-07-2016, PROCESSO N.º 216/16.8PKLSB-A.S1; - DE 12-08-2016, PROCESSO N.º 216/16.8YRPRT-A.S1; - DE 04-01-2017, PROCESSO N.º 1/17.0YFLSB.S1; - DE 19-01-2017, PROCESSO N.º 2705/14.0T3AMD-B; - DE 10-05-2017, PROCESSO N.º 1969/14.3TAMTS-A.S1; - DE 11-05-2017, PROCESSO N.º 163/15.0JACBR-D.S1. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: - ACÓRDÃO N.º 146/2001, IN DR II S., DE 22 DE MAIO DE 2001. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: - DE 30-09-2014, PROCESSO N.º 89/06.9GCSTB-A.E1.

Sumário

I - Relativamente à cooperação internacional, há um princípio, que se encontra consagrado no texto de diversos diplomas, segundo o qual a nacionalidade é apreciada no momento em que é tomada a decisão sobre a extradição. II - No caso dos autos seguiu-se este princípio, pois quando foi tomada a decisão pela Relação (em Dezembro de 2016) ainda o requerente, era um cidadão português naturalizado em Dezembro de 2011 e só em Janeiro de 2018, muito tempo depois da prolação do acórdão da Relação, é que passou a ser um português originário de acordo com o art. 1.º da Lei da Nacionalidade (redacção da LO 9/2015). III - Tendo o acórdão de determinou a extradição, transitado em julgado, o caso julgado formado tornou a decisão definitiva. IV - Em sede habeas corpus não se está a sindicar o mérito do acórdão da Relação, o que aliás já foi feito, no âmbito dos recursos ordinários, por este STJ, pelo que, saber, por exemplo, se o requerente deve (ou devia) ou não ser extraditado, ou se deve ser sujeito a interrogatório nos termos do art. 141.º do CPP, bem como a questão derivada da aquisição de nacionalidade originária por parte do requerente, é algo que escapa a este processo de habeas corpus, por ser da competência do processo principal. V - Considerando que, quer no âmbito do enquadramento do art. 61.º da Lei 144/99, de 31-08, invocada nos mandados, quer no âmbito do art. 13.º da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP, se porventura se defender a sua aplicabilidade, se verifica que os prazos de entrega do requerente (que foi preso, em 03/02/2018) não foram, ultrapassados, forçoso é considerar que a prisão do requerente, não é ilegal, nem patente, grosseira, arbitrária ou chocante, não se verificando o fundamento de habeas corpus previsto na al. b) do n.º 2 do art. 222.º do CPP. VI - A informação prestada pelo Juiz relator ao abrigo do disposto na 2.ª parte do art. 223.º, n.º 1, do CPP, não tem de ser notificada ao requerente, sendo o contraditório quanto à mesma assegurado pela realização da audiência de julgamento do habeas corpus.


Texto Integral

I. RELATÓRIO a) Pedido AA, identificado nos autos acima referenciados, requereu, através do seu Ilustre patrono, a Providência Excepcional de Habeas Corpus, nos moldes a seguir transcritos: «AA, nacional português de origem, residente na Rua ..., vem requerer a Vossa Excelência, nos termos do disposto no artigo 31.º da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.) e artigos 222.º e 223.º do Código de Processo Penal, Petição de Habeas Corpus, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes: 1. O Req.te (Req.te) encontra-se “em prisão preventiva, nos termos do disposto no art.º 202.º, n.º 1 a) e 204.º, ambos do C. P. Penal, com vista à Extradição para o Brasil nos termos do art.º 60.º da Lei 144/99” (cf. “mandados de detenção e condução (para prisão preventiva)” que ontem, 3 de Fevereiro, recebeu cópia no momento da sua detenção e se junta como Documento 1, que se dá por integralmente reproduzido). 2. Tal prisão é gravemente ilegal, por três razões: · Primeiro, porque foi decretada com vista à extradição do Req.te para o Brasil e tal extradição é proibida pela Lei e Constituição da República Portuguesa (e brasileira), porque se não verifica a reciprocidade exigida: o Req.te é cidadão português de origem, desde o nascimento (cfr. certidão do seu assento de nascimento emitida pela Conservatória dos Registos Centrais, no passado dia 10 de Janeiro – Documento 2, que se junta e se dá por integralmente reproduzido) e o Brasil não extradita cidadãos brasileiros de origem, não podendo, pois garantir a reciprocidade exigida. Cfr. a este respeito a acção de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias – cuja petição inicial se junta como Documento nº 3 – e todos os documentos, requerimentos e pareceres com ela juntos. · A segunda ilegalidade é que tal medida de coacção desrespeita todos os prazos previstos no artigo 52º da Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal. · Finalmente, e essa a terceira ilegalidade da prisão, a prisão de modo alguma se justifica, porque o Req.te sempre cumpriu escrupulosamente todas as suas obrigações processuais perante a Justiça portuguesa e perante a Justiça brasileira, apenas tendo estado impossibilitado de se apresentar desde o dia 24 de Dezembro de 2017 na esquadra policial pelas razões médicas muito graves e muito fortes que oportunamente apresentou no Tribunal da Relação de Lisboa, e que até agora nunca foram apreciadas. 3. Regressando à primeira ilegalidade da prisão preventiva do Req.te, subsume-se, pois, à alínea b) do n.º 2 do artigo 222.º do C.P.P.,  uma vez que foi “motivada por facto pelo qual a lei a não permite”. 4. De forma resumida, o ora Req.te não pode ser detido ou preso no âmbito do presente processo de extradição, porque o facto que motivou a sua detenção e prisão preventiva (ou seja, a entrega do Req.te às autoridades brasileiras e sua extradição para o Brasil), é proibido pela Lei e pelas Constituições portuguesa e brasileira e pelas Convenções Internacionais aplicáveis cujo princípio basilar, em que se fundam, é, como o da própria lei portuguesa de cooperação judiciária internacional em matéria penal, o princípio da reciprocidade. 5. O Req.te é cidadão nacional português originário, ou seja, desde o nascimento, o que inviabiliza a sua extradição para o Brasil, 6. Assim, uma vez que a C.R.P. e a Lei proíbem em absoluto extraditar o Req.te, não pode o mesmo ser detido e preso preventivamente para efeitos de extradição e entrega às autoridades brasileiras. 7. Tal entrega, “o facto que motiva” a prisão, viola de forma patente o direito fundamental – rectius o Direito, Liberdade e Garantia – do Req.te a não ser extraditado, sendo por isso ilegal. 8. Seria mesmo a primeira vez que um nacional português de origem seria detido e preso para ser entregue às autoridades brasileiras: o facto que motiva a prisão é tão flagrantemente ilegal, que é caso inédito! 9. Em respeito do seu direito fundamental a não ser extraditado, tem  necessariamente o Req.te de ser restituído à liberdade, porque a prisão para extradição é ilegal e não pode manter-se. 10. O procedimento de extradição, aliás, só foi admitido no pressuposto errado de que o Req.te era nacional naturalizado. 11. Portugal aceitou parcialmente a extradição do Req.te no pressuposto errado de que este seria cidadão português “apenas” naturalizado e de que, por isso, em reciprocidade com o previsto na Constituição brasileira, poderia ser extraditado para o Brasil por factos anteriores à aquisição dessa nacionalidade portuguesa derivada. 12. E o que cumpre aqui sublinhar, a traço grosso, é que até hoje, por razões puramente formais e processuais a possibilidade de extradição do Req.te à luz da sua nacionalidade de origem nunca foi apreciada. Razões determinadas por atrasos imputáveis exclusivamente ao Governo (à Ministra da Justiça, que atrasou quase dois anos a entrada em vigor da lei que atribui nacionalidade originária ao Req.te e se prevaleceu desse atraso para continuar a tratar o Req.te como se este fosse apenas português naturalizado e para admitir parcialmente a extradição; e Conservatória dos Registos Centrais, que demorou 5 meses a averbar a entrada em vigor dessa norma legal atribuidora da nacionalidade ao Req.te no seu assento de nascimento) e aos Tribunais (que continuam sem analisar os efeitos da atribuição de nacionalidade originária ao Req.te sobre o processo de extradição, atrasando a apreciação dessa questão e assim prejudicando de forma que pode ser irreversível direitos, liberdades e garantias do Req.te – designadamente, a proibição de extradição do Req.te à luz da atribuição de nacionalidade portuguesa originária, que motiva o presente habeas corpus. 13. É, aliás, porque tal não sucedeu até ao dia de hoje, dia 4 de Fevereiro de 2018, que no dia 2 de Fevereiro de 2018 o ora Req.te intentou uma acção de Intimação para protecção de direitos, liberdade e garantias, que assume carácter urgente uma vez que, como bem se compreenderá, quando os Tribunais efectuarem aquela apreciação à luz da atribuição de nacionalidade portuguesa originária, desde o nascimento, já seria tarde demais: o Req.te já terá sido entregue às autoridades brasileiras, sem qualquer possibilidade jurídica ou fáctica de retorno a Portugal; o seu direito fundamental terá sido violado de forma irreparável; a determinação do Supremo Tribunal de Justiça, de que a questão da nacionalidade de origem do Req.te deveria ser apreciada nos autos de extradição terá sido definitivamente desrespeitada. 14. De todo o modo, hoje, dia 4 de Fevereiro de 2018, é manifesto que a prisãoão sofrida pelo Req.te é ilegal, dado que essa prisão foi efectuada para entrega do mesmo ao Brasil, o que é não só ilegal como directamente violador da C.R.P. 15. O facto que motiva a presente prisão − a entrega do Req.te às autoridades brasileiras −  representaria uma agressão gravíssima, irreversível e irreparável aos seus direitos, liberdades e garantias mais fundamentais, enquanto nacional português de origem (nacionalidade originária até hoje nunca considerada). 16. Seria, aliás, importa reiterá-lo, a primeira vez que Portugal ou o Brasil extraditam cidadãos nacionais de origem, neste caso, através de uma decisão absolutamente inédita – que enferma de nulidade e outros vícios evidenciados no Parecer do Professor Doutor Paulo Otero. 17. Em apenso do processo de extradição, será agora apreciada a proibição de extradição de um nacional de origem (o Req.te) para o Brasil, facto evidente e incontroverso para a Administração e para os Tribunais, que aceitaram a extradição no pressuposto de que o Req.te seria apenas cidadão naturalizado – pressuposto errado como o prova de forma plena o Doc. nº 1. 18. Com a referida intimação, o Req.te não pretendeu que o Juiz destinatário da mesma apreciasse e afirmasse a evidente proibição constitucional de extraditar um nacional de origem para o Brasil, − esta questão será apreciada e decidida pela Relação de Lisboa e pelo Supremo Tribunal de Justiça. 19. O Req.te pretendeu tão só garantir a tutela efetiva e em tempo útil do seu direito, liberdade e garantia a não ser extraditado para o Brasil, visto que os meios de reação em causa são insuficientes, quer porque têm uma tramitação mais complexa e morosa, quer porque não suspendem a execução da decisão de extradição. 20. Ou seja, a referida Intimação visa assegurar que o direito fundamental deste nacional de origem a não ser extraditado para o Brasil não seja violado de forma irreparável, sem que antes os tribunais e a administração tenham a oportunidade de apreciar e proteger esse direito, de forma efectiva. 21. Daí que o pedido efectuado tenha sido, precisamente, o de intimar o Ministério da Justiça a suspender a execução da extradição e a abster-se de entregar o Req.te às autoridades brasileiras, até decisão definitiva pelos Tribunais das questões emergentes da atribuição da nacionalidade originária ao Req.te (Doc. nº 1), facto essencial até hoje nunca considerado e que proibindo em absoluto a extradição, não pode nem deve ser apreciado pelos Tribunais, apenas quando essa apreciação for totalmente inútil e inefectiva, com o Req.te já no Brasil e sem qualquer possibilidade jurídica ou fáctica de retorno a Portugal. 22. Atenta a breve súmula efectada, torna-se evidente que a presente prisão é “motivada por facto pelo qual a lei a não permite”, visto que o Req.te é cidadão português de origem e por isso não pode ser extraditado para o Brasil e como tal não pode ser sequer detido e muito menos preso, para o efeito de ser enviado para o Brasil. 23. A prisão em causa é, pois, ilegal, nos termos do artigo 31.º da C.R.P. e atento o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 222.º do C.P.P. 24. O Req.te tem, pois, de ser imediatamente restituído à liberdade, para que os Tribunais apreciem a possibilidade de extradição do Req.te, à luz da sua nacionalidade de origem. 25. A detenção e prisão ora impugnadas foram motivadas pela entrega do Req.te ao Brasil, no âmbito de um processo de extradição, pelo que se torna imperativo perceber porque é que este facto é ilegal, porque é que, como tal, não permite qualquer detenção e prisão. 26. O Req.te nunca se afastará da ideia de que o que está em causa na presente petição de Habeas Corpus é comprovar a ilegalidade da prisão, pelo que demonstrará de forma cabal que o facto que a motiva (a extradição e entrega do Req.te) é ilegal. 27. Na verdade, é incontroverso que um cidadão português originário não pode ser entregue ao Brasil. 28. Para todos os efeitos, o Req.te é nacional português de origem, conforme resulta da certidão do registo civil junta (doc. nº 1 junto com a intimação[1]). 29. Nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1, do Código do Registo Civil, esta certidão prova, de forma plena, que o Req.te é nacional português de origem: − “A prova resultante do registo civil quanto aos factos que a ele estão obrigatoriamente sujeitos e ao estado civil correspondente não pode ser ilidida por qualquer outra”. 30. De tal forma, que o averbamento da nacionalidade originária do Req.te nem sequer pode ser impugnado em Tribunal −“Os factos registados não podem ser impugnados em juízo sem que seja pedido o cancelamento ou a rectificação dos registos correspondentes.” (artigo 3º, nº 2, do Código do Registo Civil). 31. Tendo sido atribuída ao Req.te a nacionalidade portuguesa de origem, o Req.te é nacional português desde a data do nascimento, nos termos do artigo 11º da Lei da Nacionalidade (Lei nº 37/81: “a atribuição da nacionalidade portuguesa produz efeitos desde o nascimento”. 32. Na verdade, o Req.te é neto de portugueses, tendo-lhe sido atribuída por Lei da Assembleia da República a nacionalidade portuguesa originária, nos termos do artigo 1º, nº 1, alínea d), da Lei da Nacionalidade, na versão da Lei Orgânica n° 9/2015, de 29 de julho. 33. De acordo com o determinado nos artigos 4º e 6º desta Lei Orgânica nº 9/2015, esta norma (o artigo 1º, nº 1, alínea d), da Lei da Nacionalidade) – que, em bom rigor jurídico (e conforme pareceres juntos), era diretamente aplicável ao Req.te a partir da publicação da citada Lei Orgânica (isto é, desde 29 de julho de 2015) – entraria em vigor com a publicação das alterações do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, as quais deveriam ter sido emanadas pelo Governo “no prazo máximo de 30 dias a contar da publicação da presente Lei” (art. 4º da Lei Orgânica nº 9/2015). 34. Por evidente violação pelo Governo (concretamente pelo Ministério da Justiça) desta determinação da Assembleia da República, o artigo 1º, nº 1, alínea d), da Lei da Nacionalidade só entrou em vigor no dia 1 de julho de 2017 (primeiro dia útil do mês seguinte à publicação do Decreto-Lei nº 71/2017, de 21 de junho[2], que alterou o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, em conformidade com a Lei Orgânica nº 9/2015), ou seja, quase dois anos depois do prazo[3] determinado pela Assembleia da República! 35. No dia 11 de julho de 2017, o Req.te pediu à Conservatória dos Registos Centrais a inscrição no registo civil (por averbamento) dessa atribuição legal de nacionalidade originária, que (como já vimos e é demonstrado nos pareceres juntos dos Professores Moura Ramos e Paulo Otero)  resultava “ex lege” do artigo 1º, nº 1, alínea d), da Lei da Nacionalidade (doc. nº 2 junto com a intimação). 36. Tal requerimento só foi satisfeito no passado dia 9 de janeiro de 2018 (ou seja, mais uma vez, em violação de todos os prazos aplicáveis, apesar dos pedidos de urgência formulados pelo Req.te-doc. nº 3), data em que a Conservatória dos Registos Centrais averbou finalmente ao seu Assento de Nascimento, que o Req.te tem “nacionalidade portuguesa nos termos do artigo 1º, nº 1, alínea d) da Lei nº 37/81 de 3 outubro” (doc. nº 4 junto com a intimação). 37. Nacionalidade originária, conforme resulta claramente do artigo 1º, nº 1, alínea d: “São portugueses de origem: Os indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente de nacionalidade portuguesa do 2º grau na linha reta (…)”, 38. E da própria epígrafe desse mesmo artigo 1º, que prevê a “Nacionalidade originária”. 39. O mesmo resulta ainda do título do capítulo em que aquela norma se insere, relativo à “atribuição da nacionalidade”, e não à sua aquisição por efeito da vontade, da adopção ou da naturalização (epígrafes, respetivamente, das secções 1, 2 e 3 desse capitulo II da Lei em análise), 40. e é confirmado pela certidão do registo civil (junta como doc. 1), que faz fé pública de que ao Req.te “foi atribuída a nacionalidade portuguesa nos termos do artigo 1º, nº 1, alínea d) da Lei nº 37/81 de 3 de outubro”. 41. Como vimos – e como não poderia deixar de ser, visto que a origem das pessoas é o nascimento, nos termos do artigo 66º do Código Civil −, tendo-lhe sido atribuída por Lei a nacionalidade portuguesa de origem, o Req.te é nacional português desde a data do nascimento, nos termos do artigo 11º da Lei da Nacionalidade (Lei nº 37/81: “a atribuição da nacionalidade portuguesa produz efeitos desde o nascimento, 42. Refira-se, ainda, que o Req.te já havia adquirido a nacionalidade portuguesa por naturalização, em 14 de dezembro de 2011, nos termos do nº 4 do artigo 6.º da Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, na versão então em vigor (v. doc. nº 1) – e que pela Lei Orgânica nº 9/2015 foi, precisamente, substituída pela atual norma da alínea d) do nº 1 do artigo 1º da mesma Lei nº 37/81, que atribuiu ao Req.te a nacionalidade portuguesa originária. 43. Como nacional português de origem, por nascimento, o Req.te é titular de um direito fundamental a não ser extraditado para um Estado que não admita (reciprocamente) a extradição de nacionais de origem. 44. É o que resulta claramente da cláusula constitucional de reciprocidade prevista no artigo 33º, nº 3, da C.R.P: “A extradição de cidadãos portugueses do território nacional só é admitida, em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional (...)”, 45. Direito fundamental que, no caso concreto do Req.te, é ainda amparado pelo seu direito fundamental como cidadão português a não ser discriminado em função do território de origem (artigo 13º nº 2 da Constituição da República Portuguesa), 46. Donde resulta, em concreto, um direito, liberdade e garantia do Req.te, nacional português de origem, a não ser extraditado para o Brasil, Estado que não admite a extradição de nacionais de origem. 47. Na verdade, o artigo 5º, LI, da Constituição da República Federativa do Brasil dispõe o seguinte: “nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei”. 48. Foi, aliás, por esta razão, que num caso bem conhecido e tristemente gravado na memória dos Portugueses, envolvendo um brasileiro conhecido como “Padre Frederico”, condenado por um Tribunal português pelos crimes de homicídio e abuso sexual de menor, o Brasil recusou a extradição, por se tratar de um nacional brasileiro de origem (V. notícias juntas como doc. nº 5 à intimação). 49. Refira-se, apenas, que o Req.te não foi condenado, nem julgado e nem sequer acusado e muito menos é suspeito de crimes tão graves como os referidos (“crimes de sangue” e “crimes contra a vida”): os crimes por que está denunciado são crimes patrimoniais (de corrupção e branqueamento de capitais). 50. Além disso, o Req.te quer ser julgado pelos factos que lhe são imputados, mas, no exercício dos seus direitos, liberdades e garantias a não ser extraditado para o Brasil, pretende ser julgado em Portugal (País de que é nacional de origem), por um sistema judicial que lhe dá garantias, actualmente inexistentes no Brasil, muito concretamente no processo em causa, onde o Juiz que presidiu ao inquérito ­− que investigou − é o mesmo Juiz que já julgou o processo, depois de o separar dos seus co-arguidos, já condenou os restantes arguidos e pretende condenar também o Req.te (cfr. o Parecer do Professor Doutor Geraldo Prado, ora junto, em que se evidenciam as violações de direitos processuais básicos de defesa, no processo em que o Req.te seria julgado). 51. Refira-se, ainda, que é pelas mesmas razões de reciprocidade, que noutro caso bem conhecido – caso cuja gravidade é incomparável com os factos patrimoniais apontados ao Req.te, visto que, como o do referido cidadão brasileiro conhecido por “Padre Frederico”, também envolve um homicídio −, a justiça portuguesa recusa entregar ao Brasil o cidadão Duarte Lima, precisamente por este ser nacional português de origem e não se verificar a reciprocidade exigida pela Constituição da República Portuguesa e pela Convenção dos Países da CPLP que foi (bem ou mal) considerada aplicável a um e a outro caso (V. notícias juntas como doc. nº 6 à intimação). 52. Portanto, não há dúvida de que um nacional português de origem tem um direito fundamental, reconhecido no artigo 33º, nº 3, da C.R.P., a não ser extraditado para o Brasil, por se tratar de um Estado que não admite (reciprocamente) a extradição de nacionais de origem. 53. E, porque assim é, regressando sempre à ideia central da presente petição de Habeas Corpus, não podendo o Req.te ser extraditado, não sendo admitido o motivo em que se baseia a prisão, não pode o Req.te ser detido por aquele motivo, ou seja, para o  efeito de ser entregue ao Estado brasileiro. 54. Daí que tenha o mesmo que ser imediatamente restituído à liberdade. 55. Refira-se, por fim, que, além de resultar claramente do artigo 33º, nº 3, da C.R.P., o direito, liberdade e garantia dos nacionais portugueses de origem a não serem extraditados, salvo em condições de reciprocidade, é reconhecido de modo pacífico, por toda a Doutrina. Assim, por exemplo: − Gomes Canotilho, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, , 4ª edição revista, Coimbra editora, anotação ao artigo 33º: “O direito a não ser expulso (nº 1) é, hoje (depois da Revisão de 1997, que passou a admitir a extradição de cidadãos portugueses), um dos direitos que marca a diferença de estatuto entre cidadãos portugueses e cidadãos estrangeiros. Os cidadãos nacionais não podem ser expulsos do território nacional para outro Estado (nº 1), nem impedidos de regressar ou de se estabelecerem em território nacional (cfr. art. 44º)” (pág. 531) “O nº 3 admite, em casos excepcionais, a extradição de cidadãos portugueses, embora estabeleça requisitos particularmente restritivos: (1) reciprocidade de tratamento por parte do Estado Req.te (…)” (pág. 532) “Quando no âmbito subjectivo de protecção destas garantias contra a expulsão ou extradição do território nacional, há uma clara diferença entre cidadãos nacionais e estrangeiros. Os primeiros não podem ser expulsos e, salvo algumas excepções também não podem ser extraditados (nos 1 e 3)” (pág. 537). − Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ª edição: “Também no procedimento de extradição se tem de distinguir entre cidadãos nacionais e não nacionais. Com efeito, e quanto à extradição de cidadãos nacionais (n.º 3), a Constituição apenas a admite excepcionalmente (na medida em que o princípio de proibição de extradição de nacionais foi, por assim dizer, um princípio natural de qualquer Estado e que, até à revisão Constitucional de 1997, estava também consagrado na nossa Constituição). Pressupostos de admissão de extradição de nacionais são, por um lado, a existência de um crime tipificado como terrorismo ou criminalidade internacional organizada, por outro, uma base de reciprocidade para extradição de nacionais (…)” (pág. 750). 56. A proibição de extradição de um nacional português de origem para o Brasil, sob pena de violação do direito fundamental consagrado no artigo 33º, nº 3, da C.R.P. é incontroversa e pacificamente aceite pela Administração, nomeadamente, em ofício da Senhora Ministra da Justiça relativo ao pedido de extradição (doc. nº 7 junto à intimação), onde se pode ler o seguinte (no Ponto IV do doc. nº 7): “1. Nos termos do artº 33º nº 3 da CRP só é admitida a extradição de nacionais: -Quando esteja estabelecida em condições de reciprocidade em convenção internacional; -Quando os crimes imputados sejam os de terrorismo ou de criminalidade internacional organizada; -Que a ordem jurídica do Estado requisitante consagre garantias de um processo justo e equitativo. 2. A CRP Brasileira no seu art. 5º proíbe a extradição de nacionais brasileiros embora admita a extradição de cidadãos estrangeiros, naturalizados brasileiros, se o pedido recair sobre factos puníveis como crime comum praticados antes da naturalização. 3. O nosso ordenamento jurídico não estabelece, no entanto, qualquer distinção entre portugueses de origem e naturalizados. 4. De acordo com a informação subscrita pelo Ministério Público Federal [no pressuposto de que o Req.te era cidadão português naturalizado] junta aos autos «Se Portugal pedir a extradição de um brasileiro nato, esta será negada com base no artº 5º, inciso I.I primeira parte da CRP Brasileira. Por outro lado, se Portugal pedir a extradição de um naturalizado (comoAA o é em relação a Portugal) a extradição de tal pessoa poderá ser concedida. Para isto basta que os factos criminosos sejam anteriores à data da naturalização. Ou seja, de novo a reciprocidade esta presente». 5. Terá sido esta garantia associada à nota verbal da Embaixada do Brasil em Lisboa entregue no MNE, na qual se referia que «para o Ministério da Justiça do Brasil, em tese, é possível a extradição de brasileiros naturalizados, em caso de crime comum praticado antes da naturalização ou comprovado envolvimento em trafico ilícito de entorpecentes e drogas afins, sendo vedada constitucionalmente a extradição de brasileiros natos», que permitiu concluir pela verificação de reciprocidade reconhecida pela PGR, enquanto Autoridade Central, e Ministra da Justiça.” 57. Como veremos, foi com base no pressuposto de que o Req.te era cidadão português naturalizado e não nacional de origem − pressuposto em que se baseou o pedido de extradição formulado e a garantia de reciprocidade prestada pelo Brasil e, bem assim, o parecer da PGR – que foi tomada a decisão da Senhora Ministra da Justiça que admitiu a extradição por factos anteriores à naturalização, bem como a decisão do Tribunal da Relação que a concedeu e a decisão do Supremo Tribunal de Justiça que a confirmou. 58. Isto é, até hoje, a Administração e os Tribunais nunca apreciaram a extradição do Req.te, à luz da sua nacionalidade de origem: nunca apreciaram o direito fundamental do Req.te, enquanto nacional de origem, a não ser extraditado, nem (noutra perspectiva) apreciaram a proibição constitucional de extraditar o Req.te, por este ser nacional de origem (artigo 33º, nº 3, da C.R.P.). 59. Por isso é que na Intimação apresentada no Tribunal Administrativo de Círculo, se menciona estar apenas em causa impedir a consumação da extradição do Req.te para o Brasil, sem que os Tribunais tenham a possibilidade de apreciar e de garantir a tutela efetiva e em tempo útil (cf. artigo 20º nº 5 da Constituição da República Portuguesa), deste direito fundamental do Req.te (artigo 33º, nº 3, da C.R.P.), e de impedir a sua lesão irreversível: uma vez que seja extraditado pelas autoridades brasileiras, o Req.te e o próprio Estado Português não terão, jamais, possibilidade jurídica e prática de fazer reverter a extradição ou garantir o seu regresso a Portugal, país de que é nacional originário. DA RELEVÂNCIA EM SEDE DE HABEAS CORPUS DA AMEAÇA DE OFENSA IMINENTE AO DIREITO, LIBERDADE E GARANTIA DO REQ.TE, ENQUANTO NACIONAL DE ORIGEM, A NÃO SER EXTRADITADO PARA O BRASIL 60. Apesar de tudo o que se mencionou, torna-se evidente que o Req.te está na iminência de sofrer uma lesão total e irreversível do seu direito fundamental a não ser extraditado para o Brasil e de outros direitos e garantias fundamentais. 61. A inadmissibilidade da extradição, impede, porque violadora da lei e da C.R.P, a concreta prisão do ora Req.te. 62. O Req.te está envolvido num processo de extradição, em que por motivos meramente formais e kafkianos, ainda não foi tida em conta a sua nacionalidade de origem, que, como vimos, resulta do registo civil e impede a sua extradição. Vejamos: 63. A República Federativa do Brasil requereu a Portugal, em 2016, a extradição do Dr. AA para o Brasil, uma vez que, entretanto, este passou a residir em Portugal (v. o doc. nº 8 junto com a intimação, que se refere ao pedido e em que se conclui que “a ordem constitucional brasileira é induvidosamente contrária à extradição de brasileiros natos”). 64. Em 26 de abril de 2016, a Ministra da Justiça, cumprindo a cláusula constitucional de reciprocidade (artigo 33º da Constituição da República Portuguesa) e uma vez que, como vimos, a ordem jurídica brasileira só admite a extradição de cidadãos estrangeiros naturalizados por crimes cometidos antes da naturalização, considerou “admissível o pedido de extradição”, limitado apenas aos factos praticados até 14 de dezembro de 2011, isto é, até ao momento em que o Dr. AA adquiriu a cidadania portuguesa por naturalização (doc. nº 9 junto com a intimação). 65. É o seguinte o teor do Despacho da Ministra da Justiça: − “Considerando a exigência de reciprocidade inscrita no artigo 33º da Constituição da República Portuguesa e o facto de das disposições conjugadas dos artigos 5º, inciso LI e 12º. Da Constituição da República Federativa do Brasil e artigo 77º, inciso I do Estatuto do Estrangeiro − lei nº 6.815 de 19 de agosto de 1980, resultar que o Governo brasileiro, relativamente a cidadãos estrangeiros naturalizados, apenas admite a respectiva extradição por crimes cometidos antes da naturalização, nos termos do artigo 48º, n.º 2, da lei n.º 144/99, de 31 de agosto, considero admissível o pedido de extradição efectuado pela Republica Federativa do Brasil relativamente a AA, pelos factos praticados até 14 de dezembro de 2011” (doc. nº 9). 66. Ora, é com base na mesmíssima exigência constitucional de reciprocidade que, em abril de 2016, levou a Ministra da Justiça a considerar inadmissível o pedido de extradição por factos posteriores à data em que o Req.te adquiriu a nacionalidade portuguesa por naturalização, que o Req.te não pode agora ser extraditado, visto que é nacional português de origem e o Brasil não admite a extradição de nacionais de origem. 67. E, se não pode ser extraditado, por violação directa e imediata do seu direito fundamental, não pode, natural e logicamente, ser o Req.te detido e preso preventivamente para ser entregue ao Estado requerido! 68. Como já mencionado, na intimação que aqui se acompanha de perto o que foi aí peticionado foi precisamente que tendo em conta a nacionalidade de origem do Req.te, fosse suspensa a extradição do Req.te, obstando à sua entrega às autoridades brasileiras e consequentemente impedindo a lesão irreversível do direito fundamental do Req.te a não ser extraditado, até que seja definitivamente apreciada pelos Tribunais a possibilidade de extradição do Req.te, à luz da nacionalidade originária deste, o que até hoje nunca sucedeu. 69. Na sequência da decisão da Ministra supra transcrita (doc. nº 9), o Tribunal da Relação de Lisboa e o Supremo Tribunal de Justiça confirmaram a decisão de extradição do Req.te, enquanto cidadão português naturalizado, não tendo o Despacho da Ministra nem as referidas instâncias, em momento algum, apreciado o referido pedido à luz da nacionalidade de origem do Req.te, pelas seguintes razões: 70. O Despacho da Ministra foi emitido em 26 de abril de 2016 e o Acórdão da Relação de Lisboa foi proferido em 29 de junho de 2016, ou seja, após a aprovação do artigo 1º, nº 1, alínea d), da Lei da Nacionalidade (pela Lei Orgânica nº 9/2015, de 29 de julho), que atribui a nacionalidade de origem ao Req.te, mas antes da entrada em vigor desta norma, o que só aconteceu em 1 de julho de 2017, com a alteração ao regulamento da nacionalidade − alteração que, por determinação do próprio legislador deveria ter sido aprovada, no prazo de trinta dias após a Lei Orgânica nº 9/2015, isto é, o mais tardar, até ao final de agosto de 2015 (?!) − v. o Acórdão da Relação de Lisboa junto como doc. nº 10 à intimação. 71. O STJ – proferido em Setembro de 2017, ou seja, após a entrada em vigor da Lei da Nacionalidade, mas antes do averbamento, em 9 de janeiro de 2018, da nacionalidade originária do Req.te, no registo civil (doc. nº 1) −, também não conheceu da nacionalidade originária do Req.te, entendendo que estaria em causa uma questão nova, que, como tal, não poderia ser apreciada naquele recurso, conforme decorre do seguinte trecho:       − “em causa está a apreciação em via de recurso de uma decisão tomada por instância inferior em termos de orgânica judiciária e não o julgamento de qualquer nova questão, antes não apreciada, como a ora carreada, da nacionalidade portuguesa originária”, notando-se ainda que “a sindicância da decisão recorrida há-de partir dos pressupostos (ou falta deles) em que assentou, sem necessidade de convocar novas ou futuras circunstâncias” e concluindo-se que “os recursos não visam criar novas decisões, mas reapreciar a bondade, ou não, das anteriormente tomadas” − v. a pág. 3 do Acórdão, junto como doc. nº 11 à intimação. 72. Por fim, o Tribunal Constitucional decidiu do mesmo modo relegar a apreciação desta nova questão – que igualmente considerou extravasar o objecto do recurso interposto pelo arguido, que nem sequer apreciou – para os Tribunais hierarquicamente inferiores, nenhuma apreciação, pois, tendo feito do direito fundamental invocado pelo Req.te, enquanto cidadão nacional de origem, a não ser extraditado para o Brasil (doc. nº 12 junto à intimação). 73. Em suma, pelos motivos formais que acabámos de expor, determinados todos, como vimos e é patente, pela violação pelo Governo do prazo para a entrada em vigor das alterações determinadas pela Lei Orgânica nº 9/2015 da Assembleia da República, até hoje, o direito, liberdade e garantia do Req.te, enquanto nacional português de origem, a não ser extraditado para o Brasil, não foi minimamente apreciado nem tido em conta no processo de extradição. 74.  Sucede que, apesar de não ter apreciado a extradição à luz da nacionalidade de origem do Req.te, o Supremo Tribunal de Justiça reconheceu expressamente que a nacionalidade de origem é uma questão relevante para a extradição deste para o Brasil e que deveria ser apreciada, posteriormente, com as devidas consequências, afirmando o seguinte: − “A questão da nacionalidade originaria não deixa de ser uma questão nova, conforme foi entendido no despacho reclamado, que não fez parte do thema decidendum e porque o recurso não e uma nova instância para discussão da causa, o processo não poderia ser suspenso até à decisão que eventualmente concedesse essa forma de nacionalidade (…) Se a mesma lhe vier a ser concedida, tal constituirá uma questão nova e autónoma que não deixará de ser prontamente suscitada e apreciada nos autos, com as consequências que então houver que retirar” – v. a pág. 3 do Acórdão do STJ junto como doc. nº 11. Em total transparência processual, junta-se, também, o Acórdão do STJ, que manteve a decisão de extradição, sem apreciar a questão da nacionalidade originária – doc. nº 13 junto à intimação. 75. Esta reserva do próprio Supremo Tribunal de Justiça será efectivamente desrespeitada e a apreciação da nacionalidade de origem do Req.te – questão nova e autónoma que nas palavras do próprio STJ “não deixará de ser prontamente suscitada e apreciada” − totalmente inútil, caso a prisão seja mantida e o Req.te seja entregue ao Brasil para ser extraditado para Curitiba. 76. Por isso, sendo também imperativa a não entrega do Req.te às autoridades brasileiras, a sua prisão  para assegurar essa ilegal entrega é também claramente ilegal. 77. Seriam iminentes quer a violação radical e irreversível do direito fundamental do Req.te a não ser extraditado para o Brasil quer o desrespeito efectivo à reserva formulada pelo Supremo Tribunal de Justiça. 78. Acresce que ninguém duvida de se tratará de uma lesão irreparável de um direito fundamental, na medida em que uma vez transferido para o Brasil, o Req.te não mais será devolvido a Portugal – nem há meios jurídicos ou forma de sequer o requerer. 79. Mais se deve notar, no contexto descrito, que no dia 4 de dezembro de 2017, o Req.te dirigiu um requerimento à Senhora Ministra da Justiça e ao Tribunal da Relação de Lisboa, com vista à imediata suspensão do processo de extradição e à reapreciação desta, tendo em conta que o Req.te era nacional de origem, nos termos do artigo 1º, nº 1, alínea d) da Lei da Nacionalidade (introduzido pela Lei Orgânica nº 9/2015, de 29 de julho) e que o averbamento da atribuição de nacionalidade de origem no registo civil se apresentava iminente (docs. nºs 15 e 16 juntos à intimação). 80. No passado dia 10 de janeiro, logo que recebeu a certidão do registo civil junta como doc. nº 1, o Req.te dirigiu novo requerimento à Senhora Ministra da Justiça, com vista à imediata suspensão do processo de extradição (doc nº 17), tendo em conta a nacionalidade de origem do Req.te, averbada no registo civil, no passado dia 9 de janeiro e que produz efeitos, desde a data do nascimento do Req.te, nos termos do artigo 11º da Lei da Nacionalidade. 81. O Req.te recebeu há dias a resposta àquele Requerimento, com as seguintes conclusões (doc. nº 7 junto à intimação): “Conclusões 1. O Despacho da Senhora Ministra da Justiça de 26 de Abril de 2016 encerrou a fase administrativa e deu início à fase judicial do processo de extradição de AA. 2. A partir daquele momento todas as decisões passaram a estar sob controlo jurisdicional e sujeitas a garantias legais e constitucionais. 3. Cabe as autoridades judiciais e só a estas, apreciar no momento da tomada de decisão sobre a extradição, a qualidade de nacional (art. 32º, nº 6 da Lei 144/99 de 31.8). 4. E revogar a decisão, a pedido do Ministério Público, do suspeito, do arguido ou do defensor, quando na pendência do processo, se verificarem as situacões contempladas no art. 86º da Lei 144/99 de 31.8. 5. Iniciada a fase judicial está vedado ao Ministro da Justiça intervir na mesma, direta ou indiretamente, inexistindo qualquer suporte legal para a reabertura da fase administrativa para eventual ponderação dos “factos novos” alegados por AA. 6. Por outro lado, face aos sucessivos recursos e decisões judiciais, cabe ao Tribunal apurar se existiu caso julgado no presente processo de extradição e, em caso afirmativo, proceder a execução da respectiva decisão. 7. O facto resultante da atribuição de nacionalidade portuguesa originária a AA, averbada em 9 de janeiro de 2018 na sequência  do novo quadro legal emergente da Lei Orgânica nº 9/2015, apenas pode ser valorado pelo Tribunal, atento o disposto nos arts. 86º e 32º nº6 da Lei 144/99, de 31 de Agosto, não afectando a validade e eficácia  jurídica  do despacho  de S. Exª a Ministra da Justiça de 26.4. 2016”. 82. Ou seja, a própria Ministra da Justiça conclui, no seu Despacho, que: i) “o facto resultante da atribuição de nacionalidade portuguesa originária” ao Req.te há de ser valorado; ii) cabe aos Tribunais fazer essa valoração; iii) mesmo que a decisão de extradição já tivesse transitado em julgado, caberia aos Tribunais revogar essa decisão, nos termos do artigo 86º da Lei nº 144/99. 83. Foi precisamente para assegurar toda essa apreciação que o Req.te intentou a acção para intimação. 84. Contudo, essa apreciação, pelos Tribunais, será totalmente inútil, se entretanto o Req.te for entregue às autoridades brasileiras, lesando de forma irreversível o seu direito de nacional de origem a não ser extraditado. 85. Daí que, uma vez mais, a presente prisão seja manifestamente ilegal, corporizando e visando a mesma a entrega do Req.te às entidades brasileiras, que é ilegal atento tudo o que já se expôs. 86. Conforme escreve o Professor Doutor Paulo Otero, no Parecer que ora se junta: “É certo que, encontrando-se em tramitação o processo judicial de extradição, a intervenção dos tribunais administrativos no sentido de tutelar materialmente a posição do Dr. AA pode envolver uma urgência que, normalmente, tais meios contenciosos elencados se mostram insuscetiveis de garantir. Mostra-se admissível, num tal contexto, a utilização da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, pois aquilo que esta em causa é, precisamente, a necessidade de emissão célere de uma decisão judicial de mérito que, sem poder ser realizada por via de providencias cautelares, «imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa que se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil» do direito de o Dr. AA ver reconhecida a sua cidadania portuguesa originária, enquanto elemento que obstaculiza ou neutraliza a respetiva extradição do território nacional.” – Parecer junto à presente intimação. 87. A prisão e a pretendida entrega determinam a lesão irreversível do direito fundamental do Req.te a não ser extraditado, enquanto não for apreciada pelos Tribunais a possibilidade constitucional e legal de extraditar para o Brasil um nacional português de origem, como o Req.te, o que, até ao presente momento, nunca sucedeu. 88.  Repare-se que bastaria a simples dúvida séria sobre a titularidade pelo Req.te, enquanto nacional português de origem de um direito fundamental a não ser extraditado para o Brasil, para que esse direito fosse assegurado em tempo útil até que os Tribunais apreciassem a extradição do Req.te à luz da nacionalidade de origem deste, o que, como referido, sublinhando-se a traço muito grosso, até hoje nunca sucedeu. 89. Ora, no caso do Req.te, não há uma simples dúvida séria, antes há a prática certeza de que, sendo ele nacional português de origem, tem o direito fundamental a não ser extraditado para o Brasil, em face das exigências constitucionais de reciprocidade, que são pacificamente aceites, no processo de extradição, pelas autoridades portuguesas e brasileiras. 90. Recorde-se que foi o mesmo direito fundamental do Req.te baseado nas mesmas exigências constitucionais de reciprocidade, que levou a Ministra da Justiça em abril de 2016 a considerar inadmissível o pedido de extradição por factos posteriores à data em que o Req.te adquiriu a nacionalidade portuguesa por naturalização,  e que impede agora o Req.te de ser extraditado, visto que este é nacional português de origem, desde a data do nascimento (v. certidão do registo civil e o artigo 11º da Lei da Nacionalidade). 91.  Assim, a presente prisão não pode manter-se, até porque, visando a mesma a entrega do Req.te ao Brasil, é motivada por facto que a lei não a admite, dado que a rejeição da extradição do Req.te não é “apenas” exigida por respeito pela Lei, pela Constituição e pelas Convenções Internacionais, é também exigida pelo respeito que os Tribunais portugueses devem a si próprios, não podendo proceder à entrega às autoridades brasileiras de um nacional português de origem que é apenas suspeito de crimes patrimoniais, no Brasil, quando as autoridades brasileiras se recusam a entregar a Portugal os nacionais brasileiros condenados por crimes como o homicídio ou o abuso sexual de menores (caso “Padre Frederico”) – se os Tribunais portugueses não se derem ao respeito, quem os respeitará? 92. Mas tal rejeição é antes de tudo e sobretudo exigida pelo necessário respeito do direito fundamental do Req.te e do determinado pelo próprio Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de que a nacionalidade de origem do Req.te “nao deixará de ser prontamente suscitada e apreciada nos autos, com as consequencias que entao houver que retirar”. 93. Caso nada fosse feito, e caso se mantenha a prisão, será violado, de forma evidente e inapelável, um direito fundamental do Req.te, com a entrega deste às autoridades brasileiras. A NECESSÁRIA PREVALÊNCIA DA SUBSTÂNCIA SOBRE A FORMA – A VERDADE MATERIAL E A TUTELA EFECTIVA DO DIREITO FUNDAMENTAL DO REQ.TE – IMPRESCINDÍVEL CONSIDERAÇÃO EM SEDE DE HABEAS CORPUS 94. A entrega do Req.te pelo Estado português ao Brasil, atento todo o contexto descrito, configuraria sempre uma inaceitável violação do princípio da prevalência da substância sobre a forma. 95. O que configura justificação adicional para rejeição da presente prisão e consequente concessão da petição de habeas corpus. 96. Uma vez mais: a prisão em causa é ilegal, agora por violação do princípio referido. 97. Senão vejamos: 98. Este princípio geral do Direito assume relevo especial, no âmbito do direito sancionatório (substantivo e adjectivo) e da actividade administrativa, maxime quando está em causa a protecção de direitos fundamentais. 99. O Req.te é pessoa de carne e osso, deste mundo, real e concreto, e não uma abstracção jurídica em torno da qual se vão configurando soluções meramente formais e processuais, sem qualquer consideração do regime, concreto, de protecção reforçada dos seus Direitos, Liberdades e Garantias. 100. O Req.te é, pois, sujeito e destinatário in action dos Direitos, Liberdades e Garantias reforçadamente previstos na Constituição da República Portuguesa. 101. Deter, prender preventivamente e extraditar o Req.te é, nem mais nem menos, aceitar colocar este cidadão português, num avião em viagem sem regresso para o Brasil, esquecendo e passando por cima de um facto incontornável: trata-se de um cidadão português originário, por nascimento. 102. A manter-se a prisão, não será apenas extraditado o Req.te mas de forma que tão pouco permite correcção nem regresso atrás, o Estado de Direito português e os Direitos, Liberdades e Garantiasde todos os cidadãos portugueses. 103. Por isso é imperativo aceitar o peticionado no presente habeas corpus. 104. É o que é também exigido pelo princípio da prevalência da substância sobre a forma, na veste de princípio da descoberta da verdade material atento o contexto processual penal e também na veste de princípio da consideração da realidade material, atendendo a que a actividade administrativa (máxime através de actos de entrega do Req.te às autoridades brasileiras) poderá violar irreversivelmente direitos fundamentais do Req.te. 105. Verdade material significa aqui, como bem se sabe, aquela que é própria de um Estado de Direito Material e Democrático, alcançada em homenagem e respeito não só dos Direitos, Liberdades e Garantias mas, na essência, da dignidade da pessoa humana. 106. Pessoa que não é objecto coisificável mas verdadeiro sujeito activo de direitos, como tem de suceder com o Req.te. 107. Se, neste preciso sentido, ainda se acreditar que o Homem é a medida de todas as coisas, se o Homem nunca será um meio mas um fim em si mesmo, então o concreto Req.te, cidadão português originário desde o nascimento, medida de todas as coisas e fim em si mesmo, tem o concreto e efectivo direito a ser tratado como substância e não mero objecto formal. 108. Ou seja, tem o impostergável direito de ver retirada da sua qualidade de cidadão português originário, desde o nascimento, todos os efeitos que tal estado e qualidade implicam, independentemente de critérios formais que (ainda que errados) pudessem ser avançados para a desconsideração de tal estado e qualidade, tais como: “A fase processual já não o admite”; “a decisão é definitiva”; “o caso julgado formou-se”; “não há meio processual próprio para essa consideração dessa concreta matéria” (?!). 109. Se esta argumentação formal, oca e totalmente desrespeitadora da substância da matéria em análise e da verdade material pudesse proceder, então os Direitos, Liberdades e Garantias dos sujeitos e destinatários do Direito transformar-se-iam em meras abstracções genéricas, em proclamações vazias, sem qualquer adesão ao mundo real, sem qualquer protecção efectiva de Homens de carne e osso. 110. Atendendo a tudo o que se expôs, relembra-se que: - As alterações do Regulamento da nacionalidade portuguesa deveriam ter sido emanadas, no prazo de 30 dias após a publicação da Lei Orgânica n.º 9/2015, de 29 de Julho; - Essas alterações apenas foram efectuadas dois anos depois, por absoluta e indesculpável inércia e laxismo do Estado português, maxime do seu Governo, comportamento inaceitável num Estado de Direito Democrático; Repete-se, dois anos depois (?!); - Assim, o artigo 1º, nº 1, alínea d), da Lei da Nacionalidade entrou em vigor no dia 1 de julho de 2017, primeiro dia útil do mês seguinte à publicação do Decreto-Lei nº 71/2017, de 21 de Junho; - Logo após tal entrada em vigor, no dia 11 julho de 2017, o Req.te pediu à Conservatória dos Registos Centrais o reconhecimento e inscrição no registo civil da nacionalidade originária do Req.te, que resultava “ex lege” do artigo 1º, nº 1, alínea d), da Lei da Nacionalidade; - Após requerimentos suscitando urgência na análise de tal pedido, só no passado dia 9 de janeiro de 2018 a Conservatória dos Registos Centrais efectuou um averbamento ao registo, em que reconhece que o Req.te tem “nacionalidade portuguesa nos termos do artigo 1º, nº 1, alínea d) da Lei nº 37/81 de 3 outubro”; -  Recorde-se ainda que, por força do artigo 11º da Lei da Nacionalidade, o Req.te é cidadão português originário desde o nascimento. 111. Perante isto e em primeiro lugar, numa análise breve e rápida, torna-se óbvio que tal atribuição da cidadania originária ex lege esteve apenas condicionada à álea da passagem do tempo, enquanto o Estado português permanecia na sua injustificável e inaceitável conduta de incumprimento de uma obrigação legislativa de legislar em 30 dias, tendo cumprido tal obrigação apenas após 2 anos! 112. Atraso que se manteve, após o requerimento efectuado pelo Req.te em 11 de Julho de 2017, sendo que a sua pretensão apenas foi cumprida 6 meses depois!! 113. Quando o prazo para o efeito era de 10 dias! 114. Quer tudo isto dizer que, caso o Estado português tivesse cumprido a obrigação que a si mesmo impôs, então o artigo 1º, nº 1, alínea d), da Lei da Nacionalidade teria entrado em vigor ainda no ano de 2015!! 115. O que significa que o Req.te teria feito (como fez) imediatamente o seu pedido o qual, mesmo que só apreciado após 6 meses pela Conservatória, em violação do prazo de 10 dias, teria sido decidido a meio do ano de 2016. 116. Ou seja, caso o Estado português tivesse cumprido a sua obrigação, então ao Req.te teria sido atribuída cidadania originário portuguesa, ex lege, desde o nascimento, em meados de Junho de 2016. 117. Isto é, antes da primeira decisão judicial do Tribunal da Relação. E, muito provavelmente, também antes sequer do pedido inicial efectuado pelo Brasil a Portugal e da decisão da Ministra da Justiça, que só ocorreu em 2016!! 118. Não relevar devidamente estes factos e admitir que se pudesse atacar o direito fundamental reforçado do Req.te de não ser extraditado, por razões meramente formais e que nunca se sobreporão ao facto de o Req.te ser português de origem com efeitos desde o nascimento, ou seja, à verdadeira substância da matéria em discussão, constituiria também uma intolerável decisão que não se pode aceitar. 119. Em concreto, a concreta prisão e a concreta entrega do Req.te viola claramente tal princípio. 120. Como vimos, como nacional português de origem, o Req.te é titular de um direito fundamental a não ser extraditado para um Estado que não admita (reciprocamente) a extradição de nacionais de origem, o que resulta claramente da cláusula constitucional de reciprocidade prevista no artigo 33º, nº 3, da C.R.P., e é pacificamente aceite pelo Estado Req.te da extradição e pela Ministra da Justiça, no seu despacho de 26 de abril de 2016, a admitir a extradição, apenas por factos anteriores à naturalização do Req.te. 121. Como bem se sabe, o artigo 33.º da C.R.P. encontra-se previsto no catálogo dos Direitos, Liberdades e Garantias, estando as entidades judiciais e todas as entidades administrativas vinculadas a proteger e respeitar esse direito do Req.te, nos termos do disposto nos artigos 17.º e ss., em especial, atento o disposto no artigo 18.º da C.R.P. 122. Trata-se de um regime reforçado, constitucionalmente previsto, de protecção dos direitos previstos nos artigos 24.º a 57.º da C.R.P. 123. Mais, o direito de valor constitucionalmente reforçado deste concreto Req.te de não ser extraditado atenta a configuração do caso concreto é um direito que se insere nos Direitos, Liberdades e Garantias pessoais. 124. Assim, aquele regime reforçado constitucionalmente previsto e cuja aplicação é convocada no caso concreto tem não só aplicação directa e imediata como, além disso, vincula todas as entidades públicas e privadas (incluindo, naturalmente, o Ministério da Justiça). 125. Em suma, como cidadão português de origem, desde o nascimento (art. 11º da Lei da Nacionalidade), o Req.te tem o direito de não ser extraditado pra o Brasil, o qual se impõe, directa e imediatamente, a todos os destinatários passivos de tal direito. 126. E também a este Supremo Tribunal, para ordenar a imediata libertação do reuqrente – não sendo admissível a extradição, a prisão também não se justifica e não pode manter-se. 127. Como bem se sabe, a função primacial dos Direitos, Liberdades e Garantias é a de defesa, isto é, de absoluta proibição de agressão por parte de entidades públicas e privadas, direito de defesa do Req.te, que se desdobra em dois planos: 128.  No plano jurídico-objectivo, através da proibição em termos absolutos de quaisquer ingerências injustificadas e ilegais dos poderes públicos na esfera individual dos cidadãos, logo deste concreto Req.te. 129. No plano jurídico-subjectivo, através do poder de qualquer cidadão, logo deste concreto Req.te, de exigir omissões dos poderes públicos por forma a evitar lesões dos seus direitos fundamentais, no sentido da conhecida liberdade negativa. 130. Esta é, enfim, a substância, do caso em análise: o Req.te, cidadão português de origem desde o nascimento, tem o direito fundamental, maxime, o Direito, a Liberdade e a Garantia de não ser extraditado para o Brasil, sob qualquer forma, atenta a inexistência absoluta de reciprocidade, conforme amplamente descrito. 131. É evidente que não há qualquer argumento formal ou processual, que possa pôr em causa aquele direito. 132. É evidente que não pode ser o Req.te detido nem preso para ser entregue ao Estado requerido. 133. Mesmo que considerássemos, atenta a arquitectura do caso concreto em análise, que a nacionalidade de origem seria um facto novo superveniente – o que não corresponde à verdade, conforme o Req.te demonstrará na sede processual própria −, a verdade é que: - Ninguém, nenhuma entidade pública analisou esta questão a esta luz, conforme já referido; -  É iminente e real o risco de o Req.te ser extraditado, sendo urgente tal análise; - Caso a análise não se efectue ou, como previsível, só se efectue após a efectivação da extradição, então o direito fundamental do Req.te encontrar-se-á ferido de morte; - A materialidade substantiva do direito fundamental do Req.te sobrepõe-se a tudo o resto, inclusive a um suposto caso julgado de decisões, que nunca analisaram o seu direito fundamental. - A prisão  é ilegal. - Este Supremo Tribunal é destinatário da protecção convocada pela C.R.P. dos direitos fundamentais do Req.te 134.  É por demais evidente que a prevalência da substância sobre a forma impõe que se impeça a lesão irreversível do direito fundamental do Req.te. POR MOTIVOS FORMAIS E EM VIOLAÇÃO DO DETERMINADO PELO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, OS TRIBUNAIS AINDA NÃO APRECIARAM O DIREITO FUNDAMENTAL DO REQ.TE, TORNANDO IMINENTE UMA LESÃO IRREPARÁVEL 135. Como vimos, até hoje, a Administração e os Tribunais nunca apreciaram a extradição do Req.te, à luz da sua nacionalidade de origem, nunca apreciaram o direito fundamental do Req.te, enquanto nacional de origem, a não ser extraditado; quando o fizerem (reconhecendo o óbvio) já será tarde, com o Req.te definitivamente entregue a outro Estado e irreversivelmente lesado no seu direito fundamental,  o que só pode ser impedido com o decretamento da presente intimação (artigo 33º, nº 3, da C.R.P.). 136. Por isso não pode o Req.te ser preso preventivamente para ser entregue às autoridades brasileiras. 137. Quando os tribunais portugueses apreciarem a proibição de extradição do Req.te à luz da sua nacionalidade de origem, já terá sido definitivamente desrespeitada a determinação deste Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 29 de Setembro de 2017, no sentido de que a nacionalidade nova do Req.te haveria de ser apreciada nos autos, com as devidas e legais consequências: − “A questão da nacionalidade originária não deixa de ser uma questão nova, conforme foi entendido no despacho reclamado, que não fez parte do thema decidendum e porque o recurso não e uma nova instância para discussão da causa, o processo não poderia ser suspenso até à decisão que eventualmente concedesse essa forma de nacionalidade (…) Se a mesma lhe vier a ser concedida, tal constituirá uma questão nova e autónoma que não deixará de ser prontamente suscitada e apreciada nos autos, com as consequências que então houver que retirar” (doc.nº 11). 138. Na verdade, quando os Tribunais reconhecerem a óbvia proibição de extradição de um nacional de origem para o Brasil, já não haverá quaisquer “consequências que retirar”: o Req.te estará definitivamente entregue ao Estado Req.te e irreversivelmente lesado no seu direito fundamental. 139.  Assim, a prisão e entrega do Req.te é ilegal, por tudo o que a mesma significa em termos de violação dos direitos fundamentais daquele. 140.  Relembre-se, neste contexto, que desrespeita a própria determinação da Ministra da Justiça, no sentido de que os Tribunais hão-de valorar a atribuição de nacionalidade portuguesa originária ao Req.te: − “O facto resultante da atribuição de nacionalidade portuguesa originária a AA, averbada em 9 de janeiro de 2018 na sequência do novo quadro legal emergente da Lei Orgânica nº 9/2015, apenas pode ser valorado pelo Tribunal, atento o disposto nos arts. 86º e 32º nº6 da Lei 144/99, de 31 de Agosto, não afectando a validade e eficácia  jurídica  do despacho  de S. Exª a Ministra da Justiça de 26.4. 2016” 141. Na verdade, que valoração do direito fundamental resultante da nacionalidade portuguesa originária vão os Tribunais efectuar, se este direito já tiver sido definitiva e irreversivelmente violado? Nenhuma, como é óbvio! 142. Quando os tribunais portugueses apreciarem a proibição de extradição do Req.te à luz da sua nacionalidade de origem, já terá sido definitivamente desrespeitada a seguinte conclusão e afirmação da Procuradoria Geral da República, em ofício de 20 de dezembro de 2017: “o novo quadro de nacionalidade apresentado pelo extraditando tem ainda relevo e será, por certo, devidamente apreciado aquando da prolação da decisão do Tribunal Constitucional para o qual o extraditando, de igual forma, remeteu requerimento” (doc. nº 18 junto com a intimação). 143. Ora, como vimos, o Tribunal Constitucional nem sequer conheceu do recurso interposto pelo arguido, não tendo apreciado a sua nacionalidade de origem; Como poderá relevar-se e apreciar-se devidamente o direito fundamental resultante do “novo quadro de nacionalidade apresentado pelo extraditando”, se este direito já tiver sido definitiva e irreversivelmente violado?! 144. Em bom rigor, a prisão destinada à extradição subjacente não permite assegurar a efectividade e utilidade do determinado por este Supremo Tribunal de Justiça, pela Ministra da Justiça e afirmado pela própria Procuradoria Geral da República: a apreciação judicial do direito fundamental do Req.te, a não ser extraditado para o Brasil, à luz da sua nacionalidade originária. 145. Em dois despachos recentes, o Juiz Relator da Relação de Lisboa continua sem apreciar o direito fundamental do Req.te a não ser extraditado para o Brasil e torna absolutamente iminente a lesão irreversível deste direito: 146. No despacho de 19 01 2018, o Juiz Relator limita-se a afirmar que nos dois requerimentos (aí classificados como “prolixidade de requerimentos”) em que o Req.te pediu ao Tribunal a reapreciação da decisão de extradição à luz da sua nacionalidade de origem, este teria “vindo alegar factos e razões de direito que, com todo o respeito mais não são do que tentativas anómalas de obstar ao cumprimento das decisões tomadas e confirmadas em todas as instâncias” (doc. nº 19), sendo assim patente que a nacionalidade de origem do Req.te não é aí objecto de qualquer apreciação. 147. Mais, nesse Despacho, o Juiz Relator determina que “O expediente apresentado [relativo à atribuição de nacionalidade de origem ao Req.te e à consequente proibição deste], porque alheio à tramitação normal do processo, deve ser autuado como apenso e não incorporado nos autos principais”, concluindo que se “impõe a extradição do arguido para o Brasil” (doc. nº 19 junto com a intimação). 148. Ou seja, uma vez mais, o referido Despacho não analisa o facto de o Req.te ser cidadão português originário desde o nascimento e como tal não poder ser extraditado, antes remete a apreciação judicial da questão para um tão inútil como inefectivo apenso, a decidir, quando aquele direito fundamental já tiver sido irreversivelmente violado… 149. Repare-se que o Tribunal da Relação não afirma que a questão da nacionalidade de origem do Req.te é irrelevante ou impertinente para a extradição – afirmação que nenhum jurista no seu perfeito juízo poderia alguma vez efectuar − , antes determina que essa questão seja conhecida mais tarde, na decisão do apenso. 150. Ora, uma prisão como a que ora se analisa é claramente ilegal, determinada por facto que a lei não permite dado que o Req.te, sendo insusceptível de ser extraditado, não pode também ser detido e preso para efeitos de extradição! 151. Também no Despacho de 24 01 2018, o Juiz da Relação de Lisboa persiste em não apreciar o direito fundamental resultante da nacionalidade originária do Req.te (processualmente “congelado” no apenso), escudando-se mais uma vez em razões puramente processuais, mais concretamente que “a decisão de extraditar o arguido AA transitou em julgado e por consequência impõe-se a execução da mesma” e ainda que “o poder jurisdicional deste Tribunal no processo se encontra esgotado” (doc. nº 20). 152. Neste Despacho, o Juiz “ordena a emissão de mandados de detenção (para prisão preventiva)” do Req.te, “com vista à sua entrega às autoridades do país Req.te, Brasil”, assim confirmando a iminência da lesão do direito do Req.te a não ser extraditado, na sua qualidade de nacional de origem, direito que a administração e os tribunais portugueses ainda não apreciaram, no processo de extradição. 153. Em termos simples: o estado português, pelo seu Governo, pela própria Ministra da Justiça, e pela mais alta instância judicial, o Supremo Tribunal de Justiça reconhece expressamente que a questão da possibilidade de extradição do Req.te à luz da sua nacionalidade de origem é uma questão relevante e que deve ser apreciada pelos Tribunais; mas, até hoje, nenhuma entidade judicial ou administrativa analisou esta questão absolutamente nuclear no processo de extradição do Req.te. 154.  Assim, se a presente prisão preventiva ilegal se mantiver, traduzir-se-á a mesma em inquestionável violação do direito fundamental do Req.te a não ser extraditado, enquanto português de origem desde o nascimento. 155. Repare-se bem no horror processual (verdadeiramente kafkiano) em que o Req.te se vê envolvido: em face da aprovação da Lei Orgânica nº 9/2015 (que prevê a sua nacionalidade originária), o Req.te foi sempre suscitando a questão do seu direito fundamental enquanto nacional de origem a não ser extraditado, ao longo das várias instâncias (muito antes do trânsito em julgado da decisão do Tribunal Constitucional de não admissão do recurso) e, de facto, todas as instâncias reconheceram a relevância da questão, embora nenhuma delas se tenha pronunciado sobre a mesma, antes optaram por remeter essa apreciação, para momento em que a nacionalidade de origem do Req.te fosse averbada, no registo civil. 156. Depois de averbada a nacionalidade de origem, a Ministra da Justiça afirma que a apreciação da questão cabe aos Tribunais e o Juiz da Relação de Lisboa remete essa apreciação para uma intempestiva e portanto inútil e inefectiva decisão de um apenso, a proferir depois de irreversivelmente violado o direito do Req.te a não ser extraditado…Francamente! 157. Como é óbvio, o Req.te reagiu através de Intimação que se acompanha no presente pedido de habeas corpus. 158. Mas, efectivada agora a prisão em questão com base no motivo ilícito da extradição e entrega do Req.te, antes da decisão da referida intimação, torna-se agora este Tribunal de Instrução Criminal directo garante dos direitos fundamentais do Req.te, pelo que a prisão é ilegal e não pode manter-se, dado que visa a mesma entregar o Req.te ao Brasil, assim se corporizando aquela violação. 159. O Req.te reagirá ainda contra o descrito absurdo processual, através de uma reclamação do despacho do juiz relator, e subsidiariamente, de um recurso de revisão e/ou de um incidente de revogação da decisão de extradição e de recusa de entrega do extraditando, em que será por fim analisada (e certamente afirmada) a impossibilidade de extradição do Req.te à luz da sua nacionalidade originária. 160. Contudo, neste preciso momento e nesta petição de habeas corpus, o que releva é que tendo sido efectivada a prisão em causa, ninguém duvidará que a mesma é ilegal porque foi motivada por facto não permitido pela lei, ou seja, a entrega de um português originário ao Brasil, quando este mesmo país não o faz reciprocamente! 161. Não há dúvida de que a detenção e prisão se baseiam em motivo que a lei não permite: a extradição de um nacional português de origem para o Brasil, por violação da exigência constitucional de reciprocidade. 162. Aliás, este próprio S.T.J. afirmou que a possibilidade de extradição à luz da nacionalidade originária deveria ser apreciada mais tarde, quando a mesma estivesse averbada no assento de nascimento. Pelo que só faltaria que o STJ permitisse uma detenção e prisão com vista à entrega, sem aquela questão ser apreciada. 163. Na verdade, deixa-se também registado que aquele despacho do juiz da Relação padece de vícios e erros graves: − quando sofre de manifesta incompetência do Senhor Relator para decidir por si só, quando tal decisão compete ao Coletivo; − quando afirma que os pareceres não teriam considerado o caso julgado – como o poderiam quando o mesmo não se verificava, bastando para o efeito olhar para as datas em que os mesmos foram proferidos? − quando afirma que a decisão de extradição teria transitado em julgado em 09 01 2018 (ou seja, no dia em que foi averbada a nacionalidade originária ao Req.te, no registo civil), quando o que transitou nessa data foi a decisão do Tribunal Constitucional, ainda se encontrando pendente de decisão pelo Tribunal da Relação o requerimento de 4 de Dezembro em que o Req.te alegara e comprovara a sua nacionalidade originária; − quando afirma que esse suposto transito em julgado, nessa data, impediria a reapreciação da decisão de extradição, numa lamentável prevalência da forma sobre a substância; − quando se refere, de modo desajustado e incompreensível ao artigo 29º, nº 5, da C.R.P. − quando não toma conhecimento da necessária revogação da decisão da Ministram atento o facto de o Req.te ser cidadão português de origem desde o nascimento... – quando, por fim, persiste em não analisar os efeitos da atribuição da nacionalidade ao Req.te, o que determinaria a extradição deste, em frontal violação da exigência constitucional de reciprocidade. 164. Estes erros e vícios e a proibição de extradição do Req.te resultante da sua nacionalidade de origem serão analisados na sede processual própria, não se pretendendo obviamente pedir essa análise a V. Exª. 165. Nesta sede, na presente petição de habeas corpus, o que importa referir é que a prisão do Req.te é ilegal porque a mesma visa entregar um cidadão português em condições não admitidas pela lei e pela Lei Fundamental. 166. Manter a prisão ilegal e proceder à ilegal entrega do Req.te, traduz-se num inaceitável e definitivo apagar dos direitos fundamentais do Req.te. 167. A sua análise posterior, após efectivação da extradição, significa também abandonar um português à mercê incompreensível de um país que, ele próprio, recusa extraditar cidadãos originários seus! 168. O Req.te, português de origem, não pode ser abandonado pelo Estado Português! 169.  O Estado Português, e este concreto Tribunal de Instrução Criminal, não podem abandonar o Req.te e, como que de uma proclamação vazia se tratasse, afirmar que toda a matéria dos Direitos Fundamentais será analisada posteriormente! 170. Quando aí se concluiria que a extradição, afinal não seria legal, sendo que em tal momento tornar-se-ia impossível fazer regressar o Req.te do Brasil para Portugal. 171. Estando assim, aniquilados todos os referidos Direitos Fundamentais – rectius, Direitos, Liberdades e Garantias – do Req.te. 172.  O cidadão português de origem tem, pois, de ser restituído à liberdade. 173. Não o fazer traduz-se em reduzir o núcleo do direito fundamental do Req.te a zero, em crassa violação do regime reforçado previsto no n.º 3 do artigo 18.º do C.R.P. Estaríamos perante uma decisão irreparável e em absoluta violação da tutela jurisdicional efectiva consagrada no n.º 5 do artigo 20.º também da C.R.P. 174.  A prisão em causa com vista à extradição tem de ser revogada e o Req.te restituído à liberdade. 175. Só assim se impedirá que esta prisão ilegal permita o consumar de uma injustiça irreparável. TERMOS EM QUE, Nos termos do artigo 223º, nº 4, alíneas d) e b), do Código de Processo Penal, requer a esse Supremo Tribunal de Justiça: a) Declare ilegal a prisão e ordene a libertação imediata; Subsidiariamente e caso assim não se entenda b) Mande colocar o Req.te, imediatamente, à ordem do Supremo Tribunal de Justiça, nomeando um Juiz para proceder a averiguações sobre a legalidade da prisão. JUNTA: 3 Docs (Mandados de detenção para prisão preventiva com vista à extradição, certidão do registo civil e intimação para defesa de direitos, liberdade e garantias, acompanhada dos 20 documentos aí juntos e a que se foi fazendo referência na presente petição de habeas corpus, procuração, substabelecimento e Pareceres jurídicos dos Professores Gomes Canotilho, Paulo Otero e Geraldo Prado.» b) Informação             Pelo Mmo Juiz Desembargador da Relação de Lisboa foi prestada, em 5/2/2018, a informação prevista no n.º 1 do art. 223.º do CPP do seguinte teor:             «Fls. 2623: Quanto à promoção do digno Magistrado do Ministério Público, face à detenção do arguidoAA, entretanto efectuada, fica a mesma sem efeito.             Fls. 2630: Informe a Polícia Judiciária de que não há neste caso lugar a interrogatório de arguido nos termos do artº 141º do cód. proc. penal, uma vez que a detenção de AA foi ordenada em cumprimento de uma decisão final transitada em julgado, visando a sua extradição para o Brasil.             Fls. 2648: Informe o DCIAP que o arguido se encontra detido no Estabelecimento Prisional da Polícia Judiciária.                         Considerando que o Tribunal Constitucional apenas emitiu e remeteu a este Tribunal da Relação a certidão de trânsito em julgado em 18.Janeiro.2018, (cfr. fls. 2512), e que o arguido deixou de fazer apresentações na P.S.P. após a última decisão do TC que indeferiu as suas reclamações do acórdão que lhe negou provimento e ainda que, para além disso o mesmo nunca mais foi localizado na sua morada constante do TIR, tendo a própria esposa manifestado ao Agente da PSP que não sabia onde estava, tendo o mesmo andado foragido e só localizado em 03.Fevereiro.2018, bem longe da residência, (Sardoal), não se aplicam desde já os prazos a que alude o artº 60º nº 2 da Lei 144/99, por impossibilidade material e porque o próprio arguido deu causa a essa impossibilidade. Para além disso, sempre prevaleceria neste caso o regime previsto no artº 13º da Convenção da CPLP, por força do artº 3º nº 1 da Lei 144/99.             Tendo em conta que o arguido interpôs o pedido de Habeas Corpus, nos termos do artº 222º nº 2 do cód. proc. penal, não se emitem desde já os mandados de desligamento e entrega do extraditando às autoridades brasileiras, aguardando-se pela decisão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça.             O arguido aguardará os ulteriores termos do processo na situação em que se encontra, de detenção, face ao manifesto perigo de fuga, ao abrigo do disposto nos artº 193º, 202º al. a) e 204º al. a) todos do cód. proc. penal, não podendo deixar de se ter em consideração que o arguido foi detido em execução de uma decisão transitada em julgado, que esgotou todos os recursos, sendo de salientar que nos termos do artº 49º nº 3 da Lei 144/99 de 31.08, este processo só admite recurso da decisão final e estes foram esgotados.             Notifique e junte cópia deste despacho ao pedido de habeas corpus.»               ********* ********* Convocada a secção criminal, notificados o Ministério Público e o defensor, realizou-se audiência, tudo em conformidade com o disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 223.º do CPP. Terminada a audiência, a secção reuniu para deliberar (artigo 223.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPP), fazendo-o nos termos que se seguem. II. FUNDAMENTAÇÃO Matéria fáctica             Os factos a considerar são os que constam da informação prestada pelo Mmo Juiz, e dos presentes autos que se condensam, nomeadamente, conforme segue. ⁕ O arguido adquiriu, através de naturalização, a nacionalidade portuguesa em 14/12/2011 (cfr. averbamento n.º 1 de 21/12/2011 anexo ao assento de nascimento da Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa, junto aos autos). ⁕ Foi ouvido em 22/3/2016 no Tribunal da Relação de Lisboa, ficando os autos a aguardar a formalização do pedido de extradição por parte do Estado requerente, o que aconteceu em 4/4/2016. ⁕ Em 26/4/2016 foi proferido o despacho pela Ministra da Justiça, que declarou admissível o pedido de extradição pelos factos praticados até ao dia 14/12/2011, data em que o arguido adquiriu a nacionalidade portuguesa. ⁕ Tendo o MP promovido em 29/4/2016 o cumprimento do pedido de extradição, a Relação de Lisboa, primeiramente por acórdão de 29/6/2016 deferiu o pedido com as assinaladas restrições derivadas do princípio da especialidade e pelos factos cometidos até 14/12/2011. Tal acórdão foi substituído, por questões relacionadas com o número de composição do colectivo de juízes, por um outro de 7/12/2016, sanando-se a nulidade decorrente do número de juízes, que deferiu nos mesmos moldes a extradição. ⁕ Deste aresto de 7/12/2016, interpôs recurso o requerente para este Supremo Tribunal de Justiça. ⁕ O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 7/9/2017 (onde se referem outros incidentes de percurso), negou provimento ao recurso. ⁕ Desse acórdão foram arguidas irregularidades, tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por aresto de 28/9/2017, indeferido a pretensão do arguido. ⁕ Deste acórdão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, tendo este proferido Decisão Sumária n.º 679/2017 onde não conheceu do recurso. ⁕ Novamente inconformado, o arguido reclamou para a conferência, tendo o Tribunal Constitucional, através do Ac. n.º 824/2017, decidido que: «Mantém-se, pois, a impossibilidade de conhecer do objeto do recurso interposto.». ⁕ De novo inconformado, o recorrente dirige-se, mais uma vez, ao Tribunal Constitucional apresentando «novo requerimento, intitulado “Reclamação para o Pleno da Secção para Intervenção do Plenário e com pedido de aclaração”», tendo o TC, através do Ac. 5/2018, de 9/1/2018, decidido nos seguintes moldes:  «Deste modo, em face do anteriormente decidido nos presentes autos de recurso de constitucionalidade, interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de setembro de 2017, e tendo presente que as pretensões do reclamante ora apresentadas apontam, claramente, no sentido de estarmos perante incidentes pós-decisórios manifestamente infundados, e portanto com mero intuito dilatório, justifica-se que o requerimento apresentado seja processado em separado, nos termos previstos no artigo 670.º do Código de Processo Civil, por remissão do artigo 84.º, n.º 8, da LTC. 7. Assim, o processo prosseguirá os seus termos no tribunal recorrido, sem aguardar pela decisão relativa aos requerimentos apresentados, os quais serão proferidos no traslado, a extrair após contadas e pagas as custas da sua responsabilidade. III. Decisão Pelo exposto, determina-se: a) Após extração de traslado dos presentes autos e contado o processo, remetam-se de imediato os autos ao tribunal recorrido, a fim de prosseguir os seus termos; b) Seja dado seguimento no traslado aos incidentes suscitados pelo recorrente, depois de pagas as custas da sua responsabilidade.».       ⁕ De acordo com a certidão do Tribunal Constitucional de 18/1/2018, constante dos autos, o Ac. TC 824/2017 transitou em julgado em 9/1/2018. ⁕ O requerente adquiriu em 2018 a nacionalidade portuguesa, nos termos do art. 1.º, n.º 1, al. d), da L 37/81, de 3 de Outubro (cfr. averbamento n.º 5 de 9/1/2018 anexo ao assento de nascimento da Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa, junto aos autos). ⁕ Ao longo dos autos, o arguido dirigiu vários requerimentos ao Tribunal da Relação de Lisboa, onde corre o processo de extradição, à Procuradoria-Geral da República e à Ministra da Justiça (cfr. os artigos 79.º e 80.º da petição do presente Habeas Corpus, atrás transcrito), pretendendo, no fundo, que fosse indeferida a extradição através da informação e despacho desfavoráveis, respectivamente, da PGR e da Ministra da Justiça. ⁕ Tal pretensão não foi acolhida, nem pela Relação de Lisboa (cfr., nomeadamente, despachos de 19, 24 e 25/1/2018, onde se faz apelo ao caso julgado da decisão), nem pela pela PGR (cfr. ofício n.º 152727.17 de 20/12/2017-DA n.º 2581/17, constante dos autos), nem pela Ministra da Justiça (cfr. as conclusões da Ministra da Justiça no artigo 81.º da petição do Habeas Corpus), que consideraram, quer a PGR, quer a MJ, não ter poderes para tal, dado que o processo já tinha ultrapassado a fase administrativa. ⁕ Com a presente petição de Habeas Corpus, o requerente veio juntar em 9/2/2018 pareceres dos Professores Paulo Otero (de 27/11/2017) e Moura Ramos (de 18/12/2017). ⁕ O requerente intentou também junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa uma Acção de Intimação do Ministério da Justiça para protecção de Direitos, Liberdades e Garantias (arts. 109.º a 111.º do CPTA) (está junta cópia nos autos). ⁕ Encontra-se também nos autos cópia de um Requerimento de ilegalidade endereçado aos Juízes Desembargadores da Relação de Lisboa onde é pedida a reapreciação, em conferência, da revogação da decisão de 7 de setembro, no sentido da absoluta inadmissibilidade do procedimento, acompanhado de um anexo com requerimento endereçado aos Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional onde é deduzido um incidente de falsidade da certidão de trânsito. ⁕ Endereçado ao Juiz Conselheiro Relator do presente Habeas Corpus, o arguido juntou um requerimento com o seguinte cabeçalho: «AA, Petitionante (“Pet.te”) da providência de habeas corpus à margem referenciada, tendo sido ontem notificado, cerca das 17 horas, no Estabelecimento Prisional da Polícia Judiciária em Lisboa, do despacho de 5 de fevereiro (anteontem) do Senhor Juiz Desembargador Relator, que, conforme “mandados de detenção e condução” (documento nº 1 da petição de Habeas Corpus) ordenou a “prisão preventiva nos termos do disposto no art.º 202º, nº 1, al. a) e 204º, ambos do C.P.P, com vista à extradição para o Brasil” –, requer a Vossa Excelência lhe seja permitido exercer aqui o seu contraditório acerca daquele último despacho, o que faz nos termos seguintes: Primeiro e antes de mais, o Pet.te requer a Vossa Excelência, se digne ordenar lhe seja notificado o teor da “informação” a que se refere a segunda parte do artigo 223º nº 1 do Código de Processo Penal, por dela carecer para a sua defesa.  (…)» terminando o mesmo do seguinte modo: «Ora, face à oficial entrada em vigor dessas alterações, no dia 1 de julho de 2017 (data da entrada em vigor também do referido decreto), dúvidas não parece haver que, ao contrário do que resulta do despacho de 5 de fevereiro, a própria substância, as mesmas razões e os exatos fundamentos de tal despacho “determina[m] uma alteração superveniente do pressuposto de facto do Despacho da Senhora Ministra da Justiça de 26 de abril de 2016 (...)” tornando “inadmissível, até pela natureza retroactiva ao nascimento da cidadania originária, a sua extradição, (...), determina[m] que todos os factos de que vem acusado o (Pet.te) se encontram excluídos de alicerçar a extradição” ([4]). No fundo, a questão que esta petição põe é muito simples: o Pet.te foi preso única e exclusivamente para ser extraditado para o Brasil; provado de forma plena que o Pet.te é nacional de origem, e como tal, que a sua extradição para o Brasil é ilegal, provado fica que a sua prisão é ilegal. Espera deferimento e Junta: despacho de 5 de fevereiro, ontem notificado ao Pet.te» ⁕ Na sequência de emissão de mandados de detenção e condução (para prisão preventiva) em 26/1/2018, o arguido foi capturado em 3 de Fevereiro de 2018. Apreciação do pedido Cumpre apreciar. O STJ tem um entendimento consolidado relativamente à figura da providência de Habeas Corpus[1], como ressalta da sua jurisprudência (cfr., a título de exemplo, Acs. STJ de 20 de Dezembro de 2006, Proc. 06P4705, Rel. Sousa Fonte, sumariado na nota 1, de 1 de Fevereiro de 2007, Proc. 07P353, Rel. Pereira Madeira, sumariado na nota 1,de 31 de Julho de 2008, Proc. 2536/08‑3.ª, Rel. Armindo Monteiro, sumariado na nota 1,de 8 de Janeiro de 2015, Proc. 130/14.1YFLSB.S1, Rel. Raul Borges, de 11 de Fevereiro de 2015, Proc. 18/15.9YFLSB.S1, Rel. Pires da Graça, de 17/3/2016, Proc. 289/16.3JABRG, Rel. Manuel A. Matos, de 30 de Março de 2016, Proc. 37/15.5GOBVR.S1, Rel. Oliveira Mendes).  A mesma é encarada como medida extraordinária, excepcional e remédio de urgência perante ofensas graves à liberdade, que se traduzam em abuso de poder, ou por serem ofensas sem lei ou por serem grosseiramente contra a mesma, não constituindo recurso dos recursos e ainda menos um recurso contra os recursos. Não se destina a sindicar decisões judiciais, nomeadamente a impugnar nulidades ou irregularidades processuais, que só em recurso ordinário devem ser apreciadas. Conforme se escreve no Ac STJ de 30 de Março de 2016, Proc. 37/15.5GOBVR.S1, Rel. Oliveira Mendes, a propósito desta providência excepcional de habeas corpus «este Supremo Tribunal vem enfaticamente afirmando[5], não constitui um recurso sobre actos de um processo, designadamente sobre actos através dos quais é ordenada e mantida a privação de liberdade do arguido, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis, estes sim, os meios ordinários e adequados de impugnação das decisões judiciais. Por outro lado, como este Supremo Tribunal também tem referido em vários acórdãos[6], está-lhe vedado substituir-se ao tribunal que ordenou a prisão que está na base da petição de habeas corpus em termos de sindicar os fundamentos que a ela subjazem, ou seja, de conhecer da bondade da respectiva decisão, visto que se o fizesse estaria a criar um novo grau de jurisdição, igualmente lhe estando vedado apreciar eventuais anomias processuais situadas a montante ou a jusante da decisão que ordenou a prisão, a menos que a situação de privação da liberdade subjacente ao pedido de habeas corpus consubstancie um inequívoco abuso de poder ou um erro grosseiro na aplicação do direito.». (idem, do mesmo Relator, Ac STJ de 21 de Julho de 2016, Proc. 216/16.8PKLSB-A.S1). Refere o artigo 222.º do Código de Processo Penal: «1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus. 2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de: a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.».        Segundo a Lei da Nacionalidade[2] (L 37/81, de 3/10, com diversas alterações, a última das quais, a sétima, através da LO 9/2015, de 29/7, que alterou a redacção da alínea d) do n.º 1 e o n.º 3 do art. 1.º e revogou o n.º 4 do art. 6.º):      TÍTULO I      Atribuição, aquisição e perda da nacionalidade      CAPÍTULO I      Atribuição da nacionalidade Artigo 1.º Nacionalidade originária 1 - São portugueses de origem: a) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no território português; b) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro se o progenitor português aí se encontrar ao serviço do Estado português; c) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro se tiverem o seu nascimento inscrito no registo civil português ou se declararem que querem ser portugueses; d) Os indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente de nacionalidade portuguesa do 2.º grau na linha reta que não tenha perdido essa nacionalidade, se declararem que querem ser portugueses, possuírem laços de efetiva ligação à comunidade nacional e, verificados tais requisitos, inscreverem o nascimento no registo civil português; e) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros, se pelo menos um dos progenitores também aqui tiver nascido e aqui tiver residência, independentemente de título, ao tempo do nascimento; f) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros que não se encontrem ao serviço do respetivo Estado, se declararem que querem ser portugueses e desde que, no momento do nascimento, um dos progenitores aqui resida legalmente há pelo menos cinco anos; g) Os indivíduos nascidos no território português e que não possuam outra nacionalidade. 2 - Presumem-se nascidos no território português, salvo prova em contrário, os recém-nascidos que aqui tenham sido expostos. 3 - A verificação da existência de laços de efetiva ligação à comunidade nacional, para os efeitos estabelecidos na alínea d) do n.º 1, implica o reconhecimento, pelo Governo, da relevância de tais laços, nomeadamente pelo conhecimento suficiente da língua portuguesa e pela existência de contactos regulares com o território português, e depende de não condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa. (a negrito as alterações da LO 9/2015) Refere o art. 4.º da LO 9/2015, com a epígrafe Regulamentação, que: O Governo procede às necessárias alterações do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de dezembro, no prazo de 30 dias a contar da publicação da presente lei.       E o art. 6.º da mesma LO com a epígrafe Entrada em vigor, que: A presente lei entra em vigor na data de início de vigência do diploma referido no artigo 4.º        O DL 71/2017, de 21/6, que regulamenta a referida LO 9/2015, refere no seu art. 6.º que: O presente decreto-lei entra em vigor no primeiro dia útil do mês seguinte ao da sua publicação.             Ora tendo o DL 71/2017 entrado em vigor em 3 de Julho de 2017 (segunda feira; primeiro día útil do mês seguinte ao da publicação), só nessa data é que entraram em vigor as alterações da LO 9/2015, de 29/7, isto é quase 2 anos após a sua publicação (o requerente foca, incisivamente, esse aspecto nos arts. 33.º, 34.º e 110.º da presente petição de HC criticando «a absoluta e indesculpável inércia e laxismo do Estado Português») ******* ******* O arguido fundamenta o seu pedido de Habeas Corpus na ilegalidade da sua prisão (alínea b), do n.º 2 do cit. art. 222.º do CPP), derivada da circunstância de ser um português de origem, um «cidadão nacional português originário, ou seja, desde o nascimento, o que inviabiliza a sua extradição para o Brasil» (art. 5.º da petição). O arguido, como vimos supra, adquiriu em 2018 a nacionalidade portuguesa originária, ao abrigo do art. 1.º, n.º 1, al. d), da L 37/81, de 3 de Outubro, na versão da LO 9/2015.              Em seu entender, nunca poderá ser extraditado por tal o não consentir o princípio da reciprocidade. Na verdade, o Brasil não extradita nenhum cidadão brasileiro, salvo o naturalizado (art. 5.º LI da Constituição Brasileira).             E de acordo com o art. 33.º da C.R. Portuguesa (CRP): «3. A extradição de cidadãos portugueses do território nacional só é admitida, em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional, nos casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada, e desde que a ordem jurídica do Estado requisitante consagre garantias de um processo justo e equitativo.». Ora, sendo o requerente um português originário (e não um português naturalizado) desde o seu nascimento e não admitindo o Brasil a extradição de cidadãos brasileiros originários, não se verifica o princípio da reciprocidade, motivo absolutamente impeditivo da sua extradição para aquele país. Conforme explicita no art. 43.º da petição «Como nacional português de origem, por nascimento, o Req.te é titular de um direito fundamental a não ser extraditado para um Estado que não admita (reciprocamente) a extradição de nacionais de origem.» ****** ****** ♥ Todavia, como também o reconhece o próprio requerente no art. 57.º da petição, «foi com base no pressuposto de que o Req.te era cidadão português naturalizado e não nacional de origem − pressuposto em que se baseou o pedido de extradição formulado e a garantia de reciprocidade prestada pelo Brasil e, bem assim, o parecer da PGR – que foi tomada a decisão da Senhora Ministra da Justiça que admitiu a extradição por factos anteriores à naturalização, bem como a decisão do Tribunal da Relação que a concedeu e a decisão do Supremo Tribunal de Justiça que a confirmou.». ♥ A decisão da Relação de Lisboa baseou-se no quadro legal vigente à data da sua prolação, sendo, naturalmente, alheia aos diversos incidentes legislativos que se sucederam no tempo e que o requerente tão bem descreve em vários passos da sua douta petição (cfr., nomeadamente, os arts. 33.º a 36.º e 110.º a 113.º). Nem poderia basear-se no quadro hipotético traçado pelo impetrante nos arts. 111.º a 117.º da petição. ******* ******* A Relação de Lisboa, no aresto em causa, explicita bem o seu percurso na sua parte estritamente jurídica, donde se extrai o segmento imediatamente transcrito:  «DO DIREITO Em causa nos presentes autos, está o pedido de extradição formulado pelas autoridades do Brasil às autoridades de Portugal, relativamente ao cidadão de naturalidade e nacionalidade Brasileira, AA, que é desde 14.12.2011 tambem cidadão português por deferimento do pedido para o efeito apresentado. Para apreciação da questão fundamental que nos é colocada, importa ter em conta a análise conjugada dos textos constitucionais de ambos os países, os tratados e convenções internacionais, a convenção subscrita pelos países que compõem a CPLP e os tratados bilaterais celebrados entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa. Entendeu Sua Excelência, a Sra Ministra da Justica, que no caso concreto a legislação aplicável permitia a extradição para o Brasil do cidadão AA, embora com as limitações que adiante melhor explicitaremos, referindo o seguinte: ·"Como resulta do expediente junto, designadamente o pedido apresentado (mandado de detenção n.º 503153-49.2015.4.04.7000/PR emitido em 25 de Agosto de 2015 pelo 13° Tribunal Federal de Curitiba/PR, assinado pelo Juiz Federal ...) e inserido no Sistema da Interpol, o cidadão em causa e procurado no âmbito do processo daquele Tribunal denominado no Brasil de "Operação LavaJato" · O procedimento criminal tem por objecto os factos descritos no campo 2 da «Noticia Vermelha» integrantes dos crimes de corrupcao, branqueamento de capitais e organizacao criminosa, previstos e puniveis pelos artigos 2882, 317° e 333° do Codigo Penal Brasileiro e art. 1° da Lei 9.613/988 (Lei de Lavagem de Dinheiro), cometidos entre 2009 e 2013 e aos quais e aplicavel pena de prisão ate 12 anos. · O pedido de detenção satisfaz os requisitos do art. 2° da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP aprovada pela Resolução da AR n° 49/2008 de 15 de Setembro, posto que os factos que lhe são imputados são tambem puniveis pela legislação portuguesa - art. 373.º, 374.°, 374.°-A, 368.°-A e 299.° do Código Penal". O Ministério Público junto deste Tribunal subscreveu a posição da Sra Ministra da Justica e considerou admissível o pedido de extradição efectuado pela República Federativa do Brasil, relativamente a AA, pelos factos praticados até 14 de Dezembro de 2011, por se mostrarem preenchidas todas as condições para que seja concedida a extradição pelos factos cometidos pelo requerido em data anterior a da sua naturalização coma cidadão português. O requerido AA opôs-se a extradição, considerando inconsistente e em desconformidade corn as disposições legais aplicáveis a posição do Estado Português e do Ministerio Público, pelas seguintes razões que assim resumiu: ·"A inexistência de condições de reciprocidade que permitam excepcionar o direito fundamental à não extradição de nacionais sem violação dos básicos principios constitucionais basilares e estruturantes do nosso ordenamento juridico; ·A impossibilidade de, ainda que assim não fosse, cumprir a limitação imposta no Despacho de Sua Ex.ª a Senhora Ministra da Justica, par inexistirem factos temporalmente delimitados que permitam distinguir os crimes que são imputados ao Extraditando em data anterior a sua naturalização; ●O não enquadramento dos factos imputados ao Extraditando no âmbito da criminalidade international organizada e a inexistência de crime de organização criminosa no Estado Requerente em data anterior à naturalização do Extraditando; ·A não existência de garantias de um processo justo e equitativo no caso concreto; ·A omissão de descrições factuais, temporalmente delimitadas, que permitam aquilatar o cumprimento da regra da especialidade, em particular atenta a limitação imposta no Despacho de Sua Ex.ª a Senhora Ministra da Justica; ·A violação do princípio da dupla incriminacao pela irrelevância penal dos factos constantes do pedido de extradição face ao ordenamento português; ·A atribuição do julgamento no Estado Requerente a um tribunal que, ao não ser o competente, funcionará como um tribunal de excepção". Vejamos. O caso em analise apresenta algumas especificidades que não podemos ignorar e que são realçadas de forma enfática pela defesa do requerido, impondo-se por isso apreciar todas elas de modo a que fique clara a posição deste tribunal e se alcance a melhor justica. (…………………………………………………………………………………) Quanto ao princípio da reciprocidade, em matéria de extradição, refere a Constituição da República Portuguesa no art. 33.° n.° 3 que: - «A extradição de cidadãos portugueses de territorio nacional só e admitida em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional, nos casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada, e desde que a ordem juridica do Estado requisitante consagre garantias de um processo justo e equitativo». Por sua vez, acerca deste princípio consagrou a Lei 144/99 de 31/1, (Lei de Cooperação Judiciaria lnternacional em Matéria Penal) no art.° 4.° que: 1. A cooperação internacional em matéria penal regulada no presente diploma releva do principio da reciprocidade. 2.O Ministério da Justica solicita uma garantia de reciprocidade se as circunstâncias o exigirem e pode prestá-la a outros Estados, nos limites deste diploma. 3. A falta de reciprocidade não impede a satisfação de um pedido de cooperação desde que essa cooperação: a)Se mostre aconselhável em razão da natureza do facto ou da necessidade de lutar contra certas formas graves de criminalidade; b)Possa contribuir para melhorar a situação do arguido ou para a sua reinserção social; c)Sirva para esclarecer factos imputados a um cidadão português». Importa ainda salientar o que se consagrou no art.° 8.º da CRP em materia de Direito Internacional: «1. As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português. 2.As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna apbs a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionahnente o Estado Portugues. 3.As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos. 4.As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das seas instituições, no exercicio das respectivas competências, são aplicaveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, corn respeito pelos principios fundamentais do Estado de direito democrático». Como se vê, nos casos restritos em que a Constituição Portuguesa admite a extradição de nacionais, tem de existir adicionalmente, uma convenção internacional que vincule o Estado português, e tambem o Estado requerente, em termos de reciprocidade e direito a um julgamento justo e equitativo. Subjacente a esta exigência está o princípio da igualdade entre Estados, de acordo com o qual um Estado não colabora com outro Estado que não admite juridicamente dar a sua colaboração em circunstâncias idênticas. Em matéria de extradição importa ter em conta Convenção de Palermo (Convenção das Nações Unidas sobre criminalidade transnacional organizada), assinada em 15.11.200043, da qual se retira no seu art.º 2.° o conceito de criminalidade organizada e crime grave, individualizando-se nos art. 5.º, 6.º, 8 e 23.° quais os crimes abrangidos pela referida Convenção. No caso de existir uma convenção interestadual entre os dois estados, requerente e requerido, deverão relevar as disposições nela expressamente acordadas, sem prejuizo do que se dispõe na convenção de Palermo (cfr. art° 16.º). No que respeita a extradicão de cidadãos entre paises de lingua oficial portuguesa (CPLP), entre eles, Portugal e Brasil, foi subscrita em 23.11.2005, uma  Convenção sobre matéria de Extradição, aprovada entre nós pela Resolução da AR n° 49/2008 de 18/7- DR n° 178 de 15.09.2008, que entrou  em vigor em 01.03.2010 (vigorando par forca do disposto no art° 8.º 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa), sendo ratificada no Brasil em 01.05.2009. Nos termos do art. 3.° Lei 144/99 de 31/1, relativo à cooperação judiciária internacional em matéria penal, sob a epígrafe "prevalência dos tratados, convenções e acordos internacionais" refere-se que: - «1. As formas de cooperação a que se refere o artigo 1 ° regem-se pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Portugues e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste diploma. 2. São subsidiariamente aplicáveis as disposições do Código de Processo Penal» . Anteriormente aos atuais regimes, no campo especifico das relações bilaterais entre Portugal e o Brasil, vigorava o Tratado de Extradição assinado em 7 de Maio de 1991, em Brasília. Este tratado, ratificado por Decreto do Presidente da Republica n° 3/94 e aprovado pela Resolução da Assembleia da Republica n° 5/94, foi publicado no D.R.I-A, n.º 28, de 3/2/1994, vigorando a partir de 1/12/1994, consagrava expressamente no seu art.° 6 uma norma referente ao princípio da especialidade. Nos termos do art.° 4.° da Convenção da CPLP refere-se o seguinte: -« A extradição poderá ser recusada se: a)A pessoa reclamada for nacional do Estado requerido; b)0 crime que deu lugar ao pedido de extradição for punivel com Pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade corn carácter perpétuo ou de duração indefinida; c)A pessoa reclamada estiver a ser julgada no território do Estado requerido pelos factos que fundamentam o pedido; d)A pessoa reclamada não puder ser objecto de procedimento criminal em razão da idade; e)A pessoa reclamada fiver sido condenada a revelia pela infracção que deu lugar ao pedido de extradição, excepto se as leis do Estado requerente lhe assegurarem a possibilidade de interposição de recurso, a realização de novo julgamento ou outra garantia de natureza equivalente». Embora ao arguido assista o direito de recusar a extradição44, o que fez, sem prescindir da renúncia ao principio da especialidade45, ainda assim, da conjugação das normas citadas, entendemos que a extradição do requerido é possivel pelas razões que passaremos a expor. Com efeito, ao contrário do defendido pelo Exm° Advogado do extraditando nas suas alegações, bem como no douto Parecer do Prof. António Ulisses Cortes, entendemos ser possivel estabelecer um iter de ligação conducente a verificação da reciprocidade no caso concreto, embora com as limitações ja referidas. A Constituição da República Federativa do Brasil, consagra no seu art. 5° LI o seguinte: - «Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a inviolabilidade do direito a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade, nos termos seguintes (...) «LI. - Nenhum brasileiro sera extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilicito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei». O requerido é cidadão Português desde 14.12.2011, e não sendo originariamente portugues, de acordo com o conceito constitucional brasileiro é um "cidadão naturalizado ", na terminologia do art. 5.º LT da CRFB. Este conceito não está previsto no nosso ordenamento, não sendo admitido, nem excluido, pela previsão do art° 33.º da CRP. Não se ignora que a Constituição Portuguesa, no seu art.º 4.º, não faz qualquer distinção entre cidadãos originários de Portugal e naturalizados, no entanto, tal não obsta a que para efeitos de aplicação do principio de reciprocidade entre cidadãos dos dois países, o conceito da Constituição Brasileira, conjugado com a demais legislação aplicável, nomeadamente os tratados que vimos referindo, não possamos considerar verificadas as condições que permitam a extradição deAA, restrita aos factos cometidos antes da obtenção da nacionalidade portuguesa, ou seja ao momento em que era apenas cidadão brasileiro. Não se trata aqui de aplicar o conceito da constituição brasileira, inexistente no nosso ordenamento, mas apenas e só, estabelecer um paralelismo da situação de facto, real que permite considerar verificada a reciprocidade. Por exemplo, se um cidadão português, naturalizado brasileiro se encontrasse naquele pals e fosse requerida a sua extradição, para vir responder por factos criminosos (mesmo de crime comum) cometidos em Portugal antes da obtencao da nacionalidade brasileira, a lei daquele país (Brasil) permitia sem duvidas a sua extradição para Portugal. Situação idêntica é a que defendemos no caso, desde que os demais requisitos exigidos se verifiquem. Não constitui qualquer obstáculo a inexistência de distinção na constituição portuguesa, entre cidadãos originários e naturalizados. O que importa no caso, e que o art° 33° n° 3 da CRP excepciona o principio da não extradição relativamente ao tipo de crime imputado ao cidadãoAA. A questão, resume-se a saber o que é mais relevante neste caso, se a data de obtenção da nacionalidade portuguesa ou se a data da prática dos crimes indiciados no Brasil antes de ver reconhecida a cidadania portuguesa. Numa abordagem imediata e simplista, pode parecer que sendo o extraditando a data do pedido já cidadão português deveria ser este factor a prevalecer e não qualquer outro. Todavia, se seguirmos essa linha de raciocínio fica aberta a porta para que a obtenção de nacionalidade seja utilizada como forma de a alta criminalidade organizada e transnacional, cada vez mais crescente, com muitos meios económicos e por vezes até com apoios de outra natureza, fugir aos crimes praticados nos seus países, que na maioria dos casos podem vir a ficar impunes, aumentando assim as cifras negras. E um facto que, a não ser extraditado, o requerido poderia ser julgado em Portugal, todavia atenta a complexidade dos crimes em causa, o envolvimento de numerosas pessoas, que dificilmente poderiam ser trazidos a Portugal (é certo que sempre se poderia recorrer aos meios tecnológicos para a audição a distância, porém, a experiência mostra que esta não cumpre de forma eficaz os princípios da imediação e da oralidade) e a múltipla documentação probatória que se presume constitua grande parte do processo, poderiam ser um obstáculo a um julgamento eficaz, sendo de concluir que, o apuramento da verdade material se tornaria indubitavelmente dificil. Somos acérrimos defensores da prevalência do princípio da verdade material sobre a verdade formal, sem, obviamente, nunca permitir que a preterição de um qualquer formalismo vá colidir com os direitos fundamentais do cidadão. No caso concreto, nenhum dos temores evidenciados pelo requeridoAA tem razão de ser, nomeadamente o eventual risco de ser julgado por factos posteriores à obtenção da nacionalidade portuguesa, tendo em conta que o mesmo declarou "não renunciar ao princípio da especialidade"46, (cfir. fls. 62) e por outro lado, este acordão faz uma outra delimitação temporal, que é a data de aquisição da nacionalidade portuguesa em 14.12.2011.» (fim de transcrição). ****** ******             ♥ Relativamente à cooperação internacional, há um princípio, que se encontra consagrado no texto de diversos diplomas[3], segundo o qual a nacionalidade é apreciada no momento em que é tomada a decisão sobre a extradição.             No caso dos autos seguiu-se este princípio.             Quando foi tomada a decisão pela Relação de Lisboa (em Dezembro de 2016) ainda o requerente, como vimos na matéria de facto, era um cidadão português naturalizado em Dezembro de 2011. Só em Janeiro de 2018, muito tempo depois da prolação do acórdão da RL, é que passou a ser um português originário de acordo com o artigo 1.º da Lei da Nacionalidade (redacção da LO 9/2015) acima transcrito. E relativamente aos efeitos da aquisição da qualidade de português originário refere a Lei da Nacionalidade, no seu Capítulo V (Efeitos da atribuição, aquisição e perda da nacionalidade), o seguinte: Artigo 11.º Efeitos da atribuição               A atribuição da nacionalidade portuguesa produz efeitos desde o nascimento, sem prejuízo da validade das relações jurídicas anteriormente estabelecidas com base em outra nacionalidade. Artigo 12.º Efeitos das alterações de nacionalidade               Os efeitos das alterações de nacionalidade só se produzem a partir da data do registo dos atos ou factos de que dependem. ♥ Segundo informação que consta dos autos, o Ac. da Relação de Lisboa transitou em julgado. O caso julgado[4] torna a decisão definitiva. Todavia realça-se que nunca é demais frisar, ou sublinhar, que nestes autos de Habeas Corpus não se está a sindicar o mérito do acórdão da Relação de Lisboa, o que aliás já foi feito, no âmbito dos recursos ordinários, por este Supremo Tribunal (cfr. a resenha fáctica supra). Assim, saber, por exemplo, se o requerente deve (ou devia) ou não ser extraditado[5], ou se deve ser sujeito a interrogatório nos termos do art. 141.º do CPP, bem como a questão derivada da aquisição de nacionalidade originária por parte do requerente, é algo que escapa, por ser da competência do processo principal, a este processo de habeas corpus. O âmbito desta providência excepcional está bem delimitado no art. 222.º do CPP atrás transcrito. No domínio destes autos de habeas corpus, que tem como fundamento a alínea b) do n.º 2 do art. 222.º do CPP[6], cumpre apenas, e só, apreciar se a prisão do requerente é legal ou ilegal. No primeiro caso mantém-se, no segundo, caso seja considerada ilegal, tem como consequência a libertação do requerente.   Nos mandados de detenção e condução (para prisão preventiva) de 26/1/2018 referem-se os arts. 202.º, n.º 1, al. a) e 204.º do CPP «com vista à Extradição para o Brasil nos termos do art. 60.º da Lei 144/99». Relativamente a prazos de entrega refere a L 144/99 o seguinte: Artigo 60.º Entrega do extraditado                1 - É título necessário e suficiente para a entrega do extraditado certidão da decisão, transitada em julgado, que ordenar a extradição.             2 - Após o trânsito em julgado da decisão, o Ministério Público procede à respectiva comunicação aos serviços competentes do Ministério da Justiça para os efeitos do artigo 27.º, disso dando conhecimento à Procuradoria-Geral da República. A data da entrega é estabelecida até ao limite de 20 dias a contar do trânsito. Artigo 61.º Prazo para remoção do extraditado               1 - O extraditado deve ser removido do território português na data que for acordada nos termos do artigo 60.º               2 - Se ninguém aparecer a receber o extraditado na data referida no número anterior, será o mesmo restituído à liberdade decorridos 20 dias sobre aquela data.               3 - O prazo referido no número anterior é prorrogável na medida exigida pelo caso concreto, até ao limite máximo de 20 dias, quando razões de força maior, designadamente doença verificada nos termos do n.º 3 do artigo 35.º, impedirem a remoção dentro desse prazo.               4 - Pode deixar de ser atendido novo pedido de extradição da pessoa que tenha deixado de ser removida no prazo referido no n.º 2 ou, havendo prorrogação, decorrido o prazo desta.              5 - Após a entrega da pessoa são efectuadas as necessárias comunicações ao tribunal e à Procuradoria-Geral da República. Sobre a mesma questão, refere a Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP (Res. AR 49/2008, de 15/9) o seguinte: Artigo 13.º Decisão e entrega 1 - O Estado requerido comunicará sem demora, ao Estado requerente, a sua decisão com respeito à extradição. 2 - A recusa total ou parcial do pedido de extradição deverá ser fundamentada. 3 - Quando a extradição for concedida, os Estado Contratantes acordarão a data e o lugar da entrega a efectuar pelas autoridades competentes para a sua execução. 4 - Se no prazo de 45 dias seguidos, contados a partir da data de notificação, o Estado requerente não retirar a pessoa reclamada, esta será posta em liberdade, podendo o Estado requerido recusar posteriormente a extradição pelos mesmos factos. 5 - Em caso de força maior ou de enfermidade grave, devidamente comprovadas, que impeçam ou sejam obstáculo à entrega da pessoa reclamada, tal circunstância será informada ao outro Estado Contratante, antes do vencimento do prazo previsto no número anterior, podendo acordar-se uma nova data. 6 - O Estado requerente poderá enviar ao Estado requerido, com a anuência deste último, agentes devidamente autorizados que auxiliarão no reconhecimento do extraditando e na condução deste ao território do Estado requerente, os quais estarão subordinados às autoridades do Estado requerido. Quer no âmbito do enquadramento da L 144/99, invocado nos mandados, quer no âmbito da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP, se porventura se defender a sua aplicabilidade, verifica-se que os prazos de entrega (o requerente foi preso, como vimos supra, em 3/2/2018) não foram, ainda estão longe disso, ultrapassados.                             A prisão em causa, pelo exposto, não é ilegal, nem patente, grosseira, arbitrária ou chocante (casos em que a providência de habeas corpus funciona).                                                      ******* ******* Quanto ao requerimento Endereçado ao Juiz Conselheiro Relator do presente Habeas Corpus, a que fizemos referência na matéria fáctica, onde se pretende fazer o contraditório relativamente ao despacho de 5/2/2018, do Relator do processo da Relação de Lisboa, o arguido, além do mais, pede: Primeiro e antes de mais, o Pet.te requer a Vossa Excelência, se digne ordenar lhe seja notificado o teor da “informação” a que se refere a segunda parte do artigo 223º nº 1 do Código de Processo Penal, por dela carecer para a sua defesa. Não é esta a sede para a feitura de contraditório de despachos do Mmo Desembargador da Relação de Lisboa, Relator dos autos. Como vimos, não compete nestes autos de habeas corpus sindicar o mérito ou a forma do processo daquela Relação. Relativamente ao teor da “informação” a que se refere a segunda parte do artigo 223º nº 1 do Código de Processo Penal, a mesma é constituída pelo referido despacho de 5/2/2018, que o requerente, como se vê da leitura do requerimento em análise, bem conhece. Sendo, porém, certo que o contraditório, conforme escreve Maia Costa[7] sempre «será assegurado pela realização da audiência de julgamento».       III. DELIBERAÇÃO             Atento o exposto, delibera-se indeferir o pedido de habeas corpus, apresentado por AA, por falta de fundamento bastante (art. 223.º, n.º 4, alínea a) do CPP).               Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC (artigo 8.º, n.º 9 e Tabela III anexa ao RCP—DL 34/2008, de 26/2, na redacção do DL 52/2011, de 11 de 13 de Abril).                   Supremo Tribunal de Justiça, 14 de Fevereiro de 2018 Vinício Ribeiro (Relator) ------------------------------------ [1] Por facilidade de exposição, passam-se a indicar os documentos pela numeração dos mesmos na intimação. [2] V. o artigo 6º deste Decreto-Lei. [3] Expressamente disposto nos artigos 4º e 6º da referida Lei Orgânica nº 9/2015. [4] Cf. Parecer Professor Paulo Otero, páginas 15 e seguintes. [1]Selecção de jurisprudência efectuada também com auxílio da Assessoria Jurídica da Área Penal. Negritos nossos. • I — A providência de habeas corpus, enquanto medida excepcional e remédio de urgência perante ofensas graves à liberdade, que se traduzam em abuso de poder, ou por serem ofensas sem lei ou por serem grosseiramente contra a lei, não constitui no sistema nacional um recurso dos recursos e muito menos um recurso contra os recursos. II — Tal não significa que a providência deva ser concebida, como frequentemente o foi, como só podendo ser usada contra a ilegalidade da prisão quando não possa reagir‑se contra essa situação de outro modo, designadamente por via dos recursos ordinários (cf. Ac. do STJ de 29‑05‑02, Proc. n.º 2090/02‑3.ª Secção, onde se explana desenvolvidamente essa tese). III — Com efeito, a excepcionalidade da providência não se refere à sua subsidiariedade em relação aos meios de impugnação ordinários das decisões judiciais, mas antes e apenas à circunstância de se tratar de «providência vocacionada a responder a situações de gravidade extrema ou excepcional», com uma celeridade incompatível com a prévia exaustação dos recursos ordinários e com a sua própria tramitação. IV — A providência visa, pois, reagir, de modo imediato e urgente, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal, ilegalidade essa que se deve configurar como violação directa, imediata, patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação. (Ac. STJ de 20 de Dezembro de 2006, Proc. 06P4705, Rel. Sousa Fonte) • I — A providência excepcional de habeas corpus não se substitui nem pode substituir‑se aos recursos ordinários, ou seja, não é nem pode ser meio adequado de pôr termo a todas as situações de ilegalidade da prisão. Está reservada, quanto mais não fosse por implicar uma decisão verdadeiramente célere — mais precisamente «nos oito dias subsequentes» ut art. 223.º, n.º 2, do Código de Processo Penal — aos casos de ilegalidade grosseira, porque manifesta, indiscutível, sem margem para dúvidas, como o são os casos de prisão «ordenada por entidade incompetente», «mantida para além dos prazos fixados na lei ou decisão judicial», e como o tem de ser o «facto pela qual a lei a não permite». (…)(Ac. STJ de 1 de Fevereiro de 2007, Proc. 07P353, Rel. Pereira Madeira) • I — O processo de habeas corpus assume‑se como de natureza residual, excepcional e de via reduzida: o seu âmbito restringe‑se à apreciação da ilegalidade da prisão, por constatação, e só, dos fundamentos taxativamente enunciados no art. 222.º, n.º 2, do CPP. II — Reserva‑se‑lhe a teleologia de reacção contra a prisão ilegal, ordenada ou mantida de forma grosseira, abusiva, por chocante erro de declaração enunciativa dos seus pressupostos, estando fora do seu propósito assumir‑se como um recurso dos recursos ou contra os recursos. III — É pacífico o entendimento por parte do STJ de que este Tribunal não pode substituir‑se ao juiz que ordenou a prisão em termos de sindicar os seus motivos, com o que estaria a criar um novo grau de jurisdição (cf. Ac. do STJ de 10‑10‑1990, Proc. n.º 29/90‑3.ª). IV — E a afirmação da inexistência de relação de litispendência ou de caso julgado entre o recurso sobre medidas de coacção e a providência de habeas corpus, independentemente dos seus fundamentos, em face do estipulado no art. 219.º, n.º 2, do CPP, na alteração traduzida pela Lei 48/2007, de 29‑08, reforça aquela proibição de sindicância, reservando‑a às instâncias em processo ordinário de impugnação das decisões judiciais. (Ac STJ de 31 de Julho de 2008, Proc. 2536/08‑3.ª, Rel. Armindo Monteiro) • VI - É uma providência excepcional para situações excepcionais; para as questões ditas normais, perfilam-se os modos de normal impugnação. VII - É pacífico o entendimento por este STJ de que está fora do âmbito da providência sindicar procedimentos processuais ou discutir a bondade das decisões, particularmente quando a coberto do caso julgado ou quando em tempo útil os interessados tiveram oportunidade de recorrer aos meios ordinários, normais, de impugnação do decidido, subvertendo as regras do recurso, criando mais um grau de impugnação. (Ac. STJ de 25-02-2009, Proc. n.º 595/09, Rel. Armindo Monteiro) • I - O habeas corpus não é o meio próprio de impugnar as decisões processuais ou de arguir nulidades e irregularidades eventualmente cometidas no processo, ou para apreciar a correção da qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido, decisões essas cujo meio adequado de impugnação é o recurso ordinário. II - O habeas corpus também não pode revogar ou modificar decisões, ou suprir deficiências ou omissões do processo. Pode, sim, e exclusivamente, apreciar se existe, ou não, uma privação ilegal da liberdade motivada por algum dos fundamentos legalmente previstos para a concessão de habeas corpus (art. 222.º, n.º 2, do CPP), e, em consequência, determinar, ou não, a libertação imediata do recluso. III - A prisão por facto pelo qual a lei a não permite – al. b) do n.º 2 do art. 222.º do CPP – abrange uma multiplicidade de situações, nomeadamente: a não punibilidade dos factos imputados ao preso, a prescrição da pena, a amnistia da infração imputada, a inimputabilidade do preso, a falta de trânsito da decisão condenatória, a inadmissibilidade legal de prisão preventiva. O que importa é que se trate de uma ilegalidade evidente, de um erro diretamente verificável com base nos factos recolhidos no âmbito da providência confrontados com a lei, sem que haja necessidade de proceder à apreciação da pertinência ou correção de decisões judiciais, à análise de eventuais nulidades ou irregularidades do processo, matérias essas que não estão compreendidas no âmbito da providência de habeas corpus, e que só podem ser discutidas em recurso ordinário. (Ac STJ de 26 de Fevereiro de 2014, Proc. 6/14.2YFLSB.S1 - 3.ª, Rel. Maia Costa)  • II - No caso dos autos, encontramo-nos perante uma decisão de 1.ª instância oportunamente proferida e confirmada pelo Tribunal da Relação. Recorreu o requerente para o STJ e, não sendo admitido tal recurso, recorreu para o TC que, sobre o objecto de tal recurso e sucessivos pedido de aclaração ou de arguição de patologias, proferiu decisão sumária e diversos acórdãos, no último dos quais, se determina expressamente que o processo seja imediatamente remetido ao tribunal recorrido nos termos do art. 720.ºdo CPC, considerando-se o mesmo acórdão transitado em julgado com a extracção do traslado. Independentemente de qualquer consideração de natureza dogmática sobre a natureza, e o conceito de trânsito em julgado, o certo é que a partir daquele momento o acórdão do TC transitou e tal trânsito implica que a decisão condenatória deixou de poder ser impugnada, consolidando-se a força do caso julgado. III - A decisão condenatória tornou-se, assim, definitiva e imutável, pelo que o requerente se encontra em cumprimento de pena e não em prisão preventiva, como é pressuposto do seu pedido de habeas corpus, não existindo, pois, qualquer situação de prisão ilegal que justifique o deferimento do mesmo. (Ac. STJ de 21-01-2015, Proc. n.º 1545/07.7TASNT-F.S1, Rel. Santos Cabral) • I - A providência de habeas corpus tem uma natureza excepcional destinando-se a assegurar o direito à liberdade, mas não é um recurso. É um remédio único a ser usado quando falham as demais garantias do direito de liberdade mas não pode ser utilizado para impugnar quaisquer deficiências ou irregularidades processuais que tenham no recurso a sua sede própria de apreciação. (Ac. STJ de 11-02-2016, Proc. n.º 326/12.0JELSB-E.S1, Rel. Nuno Gomes da Silva) • I - O crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 3, do CP, punível com pena de prisão de 2 a 8 anos de prisão, integra o conceito de criminalidade violenta, previsto no art. 1.º, do CP, pelo que, o prazo máximo de prisão preventiva, em causa nos autos, é de 2 anos, nos termos do art. 215.º, n.º 1, al. d) e n.º 2, do CPP, e não de 1 ano e 6 meses como invocado pelo requerente. II - Formou-se caso julgado quanto ao despacho judicial que precisou em 2 anos o prazo de prisão preventiva, ou seja, formou-se caso julgado no que concerne a essa definição temporal, pelo que pressupondo a manutenção dos seus pressupostos não pode ser agora colocada em causa pela presente providência de habeas corpus. (Ac. STJ de 10-05-2016, Proc. n.º 30/16.0YFLSB.S1, Rel. Santos Cabral) • I -- A providência de habeas corpus tem os seus fundamentos previstos, de forma taxativa, nos arts. 220.º, n.º 1, e 222.º, n.º 2, ambos do CPP, consoante o abuso de poder derive de uma situação de detenção ilegal ou de uma situação de prisão ilegal, respectivamente. A ilegalidade da prisão pode provir (art. 222.º, n.º 2): a) ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial. II – Esta providência está processualmente configurada como uma providência excepcional, não constituindo recurso sobre actos do processo, designadamente sobre actos através dos quais é ordenada ou mantida a privação de liberdade do arguido, nem sendo um sucedâneo dos recursos admissíveis, estes sim, os meios adequados de impugnação de decisões judiciais. III - A detenção do requerente foi efectivada ao abrigo dos arts. 39.º da LCJI e art. 21.º da Convenção de Extradição entre os Estados membros da CPLP, no âmbito de um pedido de extradição formulado por autoridade judiciária estrangeira. Trata-se de uma detenção provisória admitida pelo art. 38.º da LCJI e pelo citado art. 21.º da Convenção, como acto inserido no procedimento de extradição a desencadear. A qualidade de nacional do requerente é apreciada no momento em que seja tomada, pelo Tribunal da Relação, a decisão sobre a extradição. IV - Não cabe em sede de providência de habeas corpus discutir a questão da admissibilidade ou não admissibilidade da extradição do requerente. Não pode o STJ, nesta sede, emitir pronúncia quanto às questões que se podem colocar quanto à compatibilidade do art. 4.º da Convenção de Extradição com o art. 33.º da CRP que admite a extradição de cidadãos portugueses do território nacional nas condições prescritas no seu n.º 3, pois tal compete ao tribunal competente para apreciar e decidir do pedido de extradição. Só em fase de recurso o STJ terá de intervir (cf. art. 49.º da LCJI). V - Independentemente da admissibilidade ou não da extradição pedida pelas autoridades brasileiras, questão que não compete ao STJ apreciar e decidir no âmbito da providência de habeas corpus por carecer de competência, não se podendo sobrepor a uma decisão a adoptar oportunamente pelo Tribunal da Relação, e sobre a qual o STJ poderá ser chamado a intervir em instância recursória, o certo é que ao requerente é imputada a prática de um crime de homicídio, p. e p. pelo art. 131.º do CP, cujo crime admite prisão preventiva; foi aplicada por autoridade judicial competente, fundando-se em razões que constam do despacho proferido, por se reconhecer inadequadas e insuficientes outras medidas e ainda não decorreu o prazo previsto no art. 21.º, n.º 4 da Convenção referida em III. Carece assim de fundamento legal a providência requerida. (Ac. STJ de 12-08-2016, Proc. n.º 216/16.8YRPRT-A.S1, Rel. Manuel Augusto de Matos) • I - O STJ vem entendendo que na providência de habeas corpus, não incumbe à providência do habeas corpus julgar e decidir sobre a natureza dos actos processuais e sobre a discussão que os sujeitos processuais possam desencadear no processo, no momento próprio, nomeadamente sobre a questão de mérito, mas sim, e apenas, aceitar o efeito, que os diversos actos produzam num determinado momento, retirando daí as consequências processuais que tiverem para os sujeitos implicados, não constituindo um recurso sobre actos de um processo em que foi determinada a prisão do requerente, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis, e determinar, quando o fundamento da petição se refira a uma dada situação processual do requerente, se os actos de um determinado processo, produzem alguma consequência que se possa acolher aos fundamentos da petição referidos no art. 222.º, n.º 2 do CPP. II - Há apenas que determinar, quando o fundamento da petição se refira a uma dada situação processual do requerente, se os actos de um determinado processo, valendo os efeitos que em cada momento produzam no processo, e independentemente da discussão que aí possam suscitar e decidir, segundo o regime normal dos recursos, produzem alguma consequência que se possa acolher aos fundamentos da petição referidos no art. 222.º, n.º 2 do CPP. III - A providência de habeas corpus não se destina a sindicar ou ajuizar sobre o mérito do despacho declarativo de especial complexidade, pois para tal serve o recurso ordinário. IV - Tendo a prisão preventiva das arguidas peticionantes sido ordenada pela autoridade judiciária competente (JIC), por facto pelo qual a lei permite (prática de factos integradores do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º do DL 15/93, de 22-01), e, mantendo-se a prisão preventiva dentro do prazo máximo de duração dessa medida de coacção na fase em que o processo ora se encontra (1 ano, sem que tenha havido acusação, face à declaração de excepcional complexidade, atento o disposto no art. 215.º, n.º 1, al. c), e n.ºs 2 e 3 do CPP), é óbvio que não se encontra o requerente em situação de prisão ilegal, não se prefigurando a existência dos pressupostos de concessão da providência extraordinária de habeas corpus, inexistindo, por isso, qualquer ilegalidade, abuso de poder ou inconstitucionalidade, que imponha o deferimento da providência. (Ac. STJ de 4/1/2017, Proc. 1/17.0YFLSB.S1, Rel. Pires da Graça) • I - Não é admissível recurso ordinário para o STJ, nos termos da al. e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, do acórdão do Tribunal da Relação que julgou improcedente o recurso interposto pelo requerente, da decisão de 1.ª instância, que o condenou, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão. II - Por isso, o acórdão da Relação transitou em julgado, quanto ao requerente, decorridos dez dias após a respectiva notificação (prazo para arguição de nulidades ou pedido de aclaração do acórdão e prazo de recurso para o Tribunal Constitucional), motivo pelo qual, recebidos os autos na 1.ª instância foi determinada a passagem de mandados de detenção e de condução do requerente ao estabelecimento prisional para cumprimento da pena de 4 anos e 6 meses de prisão. III - Transitado em julgado o acórdão da Relação, as questões que o requerente convoca na petição de habeas corpus de falta de apreciação da reclamação e do requerimento de interposição de recurso - quanto ao despacho proferido pelo Tribunal da Relação que lhe indeferiu um requerimento para prorrogação do prazo de recurso, por 15 dias, por se ter considerado estar já transitado em julgado o acórdão da Relação - não é adequada a pôr em causa a legalidade da prisão. IV - A irregularidade que essa omissão pudesse consubstanciar, ainda que tempestivamente arguida, não teria qualquer repercussão no trânsito em julgado do acórdão da relação. V - Estando transitado em julgado o acórdão da relação havia que executar a pena de 4 anos e 6 meses de prisão em que o requerente fora condenado, pelo que, a legalidade da prisão do requerente, em cumprimento dessa pena, não pode, ser contestada. VI - Sendo a prisão do requerente ordenada por entidade competente [o juiz do processo da condenação], motivada por facto pelo qual a lei a permite [o acórdão condenatório transitado em julgado] e mantendo-se a mesma dentro dos prazos fixados na decisão judicial, a legalidade da prisão não pode ser questionada impondo-se o indeferimento da petição de habeas corpus, por falta de fundamento bastante (art. 223.º, n.º 4, al. a), do CPP). (Ac. STJ de 19-01-2017, Proc. n.º 2705/14.0T3AMD-B, Rel. Isabel Pais Martins) • I - A providência de “habeas corpus” não constitui um recurso sobre actos de um processo, designadamente sobre actos através dos quais é ordenada e mantida a privação de liberdade do arguido, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis, estes sim, os meios ordinários e adequados de impugnação das decisões judiciais. II - A este STJ está vedado substituir-se ao tribunal que ordenou a prisão que está na base da petição de “habeas corpus” em termos de sindicar os motivos que a ela subjazem, visto que se o fizesse estaria a criar um novo grau de jurisdição, igualmente lhe estando vedado apreciar eventuais anomias processuais situadas a montante ou a jusante da decisão que ordenou a prisão, a menos que a situação de privação da liberdade subjacente ao pedido de habeas corpus consubstancie um inequívoco abuso de poder ou um erro grosseiro na aplicação do direito. III - Por isso, em situações como a vertente em que o peticionante se encontra em cumprimento de pena de prisão, a função do STJ consiste em verificar se a prisão tem a sua legalidade assegurada por quem de direito e está a ser cumprida dentro dos limites da decisão proferida. IV - Encontrando-se o peticionante preso desde o dia 27-04-2017 em cumprimento da pena de 66 dias de prisão subsidiária, que lhe foi imposta no processo, após transito em julgado de despacho judicial determinativo do cumprimento daquela pena por conversão da pena de 100 dias multa por que foi condenado, sem que antes tenha havido pagamento da multa respectiva, é notório que a prisão a que se encontra sujeito não foi efectuada ou determinada por entidade incompetente, motivada por facto pelo qual a lei a não permite ou mantida para além dos prazos fixados na lei ou por decisão judicial, ou seja, a situação de prisão a que se acha submetido o peticionante não se enquadra em qualquer um dos fundamentos legais de “habeas corpus”, sendo, ao invés, perfeitamente legal. V - Tendo transitado em julgado a decisão judicial que determinou o cumprimento da pena de 66 dias de prisão subsidiária, por conversão da pena de 100 dias de multa na qual o peticionante foi condenado, certo é que qualquer eventual invalidade anteriormente verificada se encontra coberta pelo caso julgado. (Ac. STJ de 10-05-2017, Proc. n.º 1969/14.3TAMTS-A.S1, Rel. Oliveira Mendes) • I - O acórdão do Tribunal da Relação não alterou a condenação em 1.ª instância, todavia foi prolatado sem que se tivesse pronunciado sobre a reclamação, apresentada pelo arguido, do despacho de exame preliminar proferido pelo Juiz Relator. O acórdão foi notificado ao arguido a 03.05.2017, pelo que ainda decorre o prazo para a interposição de recurso. II - Enquanto não for prolatada qualquer decisão, em sede de recurso, daquele acórdão do Tribunal da Relação, o que temos é uma decisão, em sede de 2.ª instância, que manteve a condenação do arguido na pena única de prisão de 18 anos e 6 meses. Pelo que, não se pode considerar esgotado o prazo de prisão preventiva atento o disposto no art. 215.º, n.º 6, do CPP. III - Considerar que em sede de petição de habeas corpus compete a este STJ decidir aquilo que pode consubstanciar um pedido de recurso da decisão do Tribunal da Relação é impor ao requerente/recorrente que apresente argumentos de recurso antes de terminado o prazo para a sua interposição, o que seria ilegal, não só por força do disposto no art. 438.º, n.º 1, do CPP, como por força do art. 32.º, n.º 1, da CRP, dado que assim se estava a limitar o direito ao recurso do arguido que, de modo indireto, via apreciada a decisão que poderia ser objeto de recurso antes de o ter interposto, e correndo o risco de em momento posterior se considerar que já havia caso julgado. IV - Não estamos perante uma prisão ilegal - determinada por motivo não legalmente previsto (o arguido está em prisão preventiva após prolação de acórdão do Tribunal da Relação que manteve inalterada a decisão de primeira instância que o condenou na pena única de 18 anos e 6 meses de prisão), ou para além dos prazos estabelecidos (uma vez que ainda não foi revisto, em sede de recurso, o acórdão proferido em 2.ª instância, nos termos do art. 215.º, n.º 6, do CPP, o prazo máximo ainda não foi ultrapassado), ou determinada por autoridade incompetente (o arguido está em prisão preventiva deliberada por juiz). V - O que obsta à libertação do arguido é a sua condenação por acórdão de 1.ª instância e não modificada por acórdão de 2.ª instância; quanto à alegação de que houve prolação do acórdão antes de passado o prazo de reclamação do despacho de exame preliminar constitui argumento para avaliação intrínseca daquela decisão ainda objeto de recurso e nessa sede, pelo que será esse o meio adequado para reagir. Outra conclusão seria considerar que esta providência urgente constituiria igualmente um meio recursório para contra-alegar sobre uma decisão ainda não transitada em julgado. VI - Não cabe, pois, a este tribunal analisar detalhadamente a situação para verificar se foi corretamente prolatada a decisão do Tribunal da Relação - o que poderá ser objeto de recurso -, mas tão só concluir se, atento o consagrado nos autos, estão preenchidos os requisitos legais para considerar ainda estar em prazo a prisão preventiva aplicada. (Ac. STJ de 11-05-2017, Proc. n.º 163/15.0JACBR-D.S1, Rel. Helena Moniz). [2] Sobre o Direito da Nacionalidade é certamente o Prof. Rui Manuel Moura Ramos quem, entre nós, mais o tem estudado. Acerca das recentes alterações introduzidas pelas LO 8 e 9/2015 ainda pouco se escreveu, merecendo destaque os escritos do Prof. Rui Manuel Moura Ramos, As alterações recentes ao direito português da nacionalidade—Entre a reparação histórica, a ameaça do terrorismo islâmico e a situação dos netos de portugueses nascidos no estrangeiro, estudo publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 145, Setembro-Outubro de 2015, págs. 4 e ss.) e de António Manuel Beirão, Procurador da República, As alterações de 2015 e 2017 ao regime jurídico da nacionalidade portuguesa: o terrorismo, os netos de portugueses e as presunções de ligação efectiva à comunidade nacional, disponível em https://www.verbojuridico.net/ficheiros/doutrina/administrativo/antoniobeirao_regimejuridiconacionalidadeportuguesa.pdf. [3] Por exemplo, de acordo com o n.º 6 do art. 32.º da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, Lei 144/99, de 31/8 (alt. pelas L 104/2001, de 25 de Agosto; L 48/2003, de 22 de Agosto; L 48/2007, de 29 de Agosto; L 115/2009, de 12 de Outubro) «A qualidade de nacional é apreciada no momento em que seja tomada a decisão sobre a extradição»; igualmente de acordo com a alínea c), do n.º 1, do art. 6.º da Convenção Europeia de Extradição (Res. AR 23/89, de 21/8), «A qualidade de nacional será apreciada no momento em que seja tomada a decisão sobre a extradição. No entanto, se esta qualidade só for reconhecida entre o momento da decisão e a data prevista para a entrega, a Parte requerida poderá igualmente prevalecer-se do disposto na alínea a) do presente número.» (sublinhados nossos) [4] Assim, por exemplo, o conhecimento dos incidentes processuais, irregularidades, nulidades, nulidades insanáveis, não pode ter lugar a todo o tempo, mas apenas enquanto durar o procedimento, ou seja, enquanto permanecer a relação processual, não podendo ser declaradas uma vez transitada em julgado a decisão final (Ac. TC 146/2001, DR II S., de 22 de Maio de 2001 e Acs. STJ de 7 de Julho de 2005, Proc. 04P3992, Rel. Pereira Madeira; de 11 de Fevereiro de 2010, Proc. 21/07.2SULSB‑E.S1, Rel. Arménio Sottomayor; no que concerne à inexistência já a situação é diferente e impeditiva da formação de caso julgado: cfr. Ac. STJ de 8/10/2015, Proc. 1052/05.2TAVRL, Rel. Oliveira Mendes; Ac. RE 30/9/2014, Proc. 89/06.9GCSTB-A.E1, Rel. António João Latas). O problema do caso julgado não foi apreciado nos dois pareceres juntos aos autos. É verdade que o caso julgado sempre pode ser atacado em casos excepcionais e por meio de recursos também excepcionais No domínio criminal, também se afigura excepcional o regime do caso julgado, nas hipóteses de aplicação de lei no tempo mais favorável, consagrado no n.º 4 do art. 2.º do CP. E é excepcional, porque a regra geral, no caso da aplicação de leis no tempo, é a da observância do caso julgado. Na verdade, conforme escreve Maria João Matias Fernandes, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, 2014, Universidade Católica Editora, anotação ao art. 11.º, sobre a aplicação das leis no tempo, a pág. 60, «Aos limites constitucionais referidos em VI supra e ademais, materialmente circunscritos, importa aditar dois outros. Por uma parte, o que se prende com o respeito pelas decisões judiciais firmes, um princípio de intangibilidade do caso julgado sendo descortinável a partir da solução alojada na primeira parte do n.º 3 do artigo 282.º da CRP. Por outra, o que relaciona com o princípio da confiança legítima que as pessoas devem poder depositar na ordem jurídica…». A propósito do equilíbrio entre os valores da justiça e da segurança e do caso julgado, respiga-se, por elucidativo, do Ac. STJ de 26-03-2014, Proc. n.º 5918/06.4TDPRT.P1, Rel. Santos Cabral, o seguinte trecho: «Conforme já tivemos ocasião de referir – Acórdão de 7 de Outubro de 2009- dispõe o nº 6 do artigo 29.° da Constituição que os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão de sentença e à indemnização pelos danos sofridos. Uma decomposição do normativo revela o facto de o mesmo pretender atingir o equilíbrio entre dois conceitos caros ao processo penal: -por um lado o direito a uma decisão justa, que faz parte do património de qualquer cidadão, e, por outro, a necessidade de revestir a mesma decisão judicial da estabilidade que conforta a certeza e segurança da definição jurídica e social. Por alguma forma Figueiredo Dias nos dá notícia da necessidade de superação desta antinomia referindo que a justiça é, por certo, fim do processo penal, no sentido de que este não pode existir validamente se não for presidido por uma directa intenção ou aspiração de justiça. Isto não obsta, porém, a que institutos como o do «caso julgado», ou mesmo princípios como “o in dubio pro reo”, indiscutivelmente de reconhecer em processo penal, possam conduzir, em concreto, a condenações e absolvições materialmente injustas. Continuar a afirmar, perante hipóteses destas, que a justiça foi, em absoluto, fim do processo penal respectivo, pode ser, ainda, ideal e teoreticamente justificável- v. g. porque se argumente que as exigências de segurança surgem ainda como particular modus de realização do Direito e, por conseguinte, do «justo», quando este se lança no contexto amplo de todos os interesses sociais conflituantes -, mas é também, seguramente, renunciar à obtenção de um critério prático adequado de valoração das normas e problemas processuais. Mais adianta o mesmo Mestre que também a segurança é fim do processo penal O que não impede que institutos como o do «recurso de revisão» contenham na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se poderia erigir a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser só, no fundo, a força da tirania aos puros valores da «justiça» e da «segurança», não cedendo à tentação fácil de os absolutizar: é um facto comprovado nada haver de mais perigoso que a absolutização de valores éticos singulares, pois aí se inscreverá a tendência irresistível para uma santificação dos meios pelos fins. Importa sim reconhecer que se está aqui, como em toda a autêntica «questão-de-direito», mesmo no cerne de uma ponderação de valores conflituantes, cujo resultado há-de corresponder ao ordenamento axiológico do Direito, há-de constituir a síntese das antinomias entre justiça e segurança encontrada no degrau mais elevado da ordem jurídica. De novo, porém, surge a pergunta: como tirar desta verificação um critério prático prestável para a valoração das singulares normas e problemas processuais? Se persistirmos em traduzir numa fórmula o resultado da ponderação de valores que no processo penal conflituam, cremos que, com razoável exactidão, poderemos ver o fim do processo penal em obstar à insegurança do direito que necessariamente existe «antes» e «fora» daquele, declarando o direito do caso concreto, i. é, definindo o que para este caso é, hoje e aqui, justo. O processo penal, longe de servir apenas o exercício de direitos assegurados pelo direito penal, visa a comprovação e realização, a definição e declaração do direito do caso concreto, hic et nunc válido e aplicável.[1] Esta necessidade de justiça no caso concreto e de superação de situação que encerra uma insuportável violação da mesma leva o legislador á consagração do recurso de revisão, prevendo a quebra do caso julgado e, portanto uma severa limitação ao princípio de segurança jurídica inerente ao Estado de Direito. Porém, como se referiu só circunstâncias “substantivas e imperiosas” devem permitir a quebra de caso julgado por forma a que este recurso extraordinário não se revele numa apelação “disfarçada”[2]». [5] Cfr. o Ac. STJ de 12/8/2016, Rel. Manuel A. Matos, sumariado na nota 1. [6] A propósito desta alínea, cfr. o sumário n.º III do Ac. STJ de 26-02-2014, Proc. 6/14.2YFLSB.S1 - 3.ª, Rel. Maia Costa, constante da nota1. [7] António da Silva Henriques Gaspar e outros, Código de Processo Penal Comentado, 2.ª ed., 2016, Almedina, pág. 858, anotação de Maia Costa ao art. 223.º. --------------------------------------------------------- I A não extradição de cidadãos nacionais é, com reserva dos países anglo-saxónica, um princípio cuja validade é afirmada de forma permanente. Sobre o mesmo princípio, recorrendo às palavras de Miguel João Costal, há duas formas essenciais de fundamentar tal causa de recusai-a primeira conceptualiza um interesse dos Estados em reprimirem os factos cometidos pelos seus nacionais no estrangeiro. Argumenta-se que a relação l/umbilical" que liga o Estado e os seus nacionais não se quebra com a actuação destes para além das suas fronteiras e que essa relação envolve um dever de lealdade destes em relação àquele, dispondo o mesmo como que de um "direito de vigilância", Em síntese, e face a tal posicionamento, os Estados consideram a nacionalidade activa uma base de jurisdição tão intensa que quiseram garantir o seu exercício. Numa outra perspectiva invoca-se que existe um dever ou, ao menos, um direito, dos Estados de protegerem os seus cidadãos, inclusive contra sistemas sancionatórios de outros Estados. Esta ideia emerge da afirmação de uma relação umbilical entre o Estado e os cidadãos afirmando uma solidariedade do Estado em relação aos seus nacionais Ainda na perspectiva do autor citado esta última concepção é a única capaz de explicar que a causa de recusa "nacionalidade do extraditando" tenha assento no catálogo constitucional dos direitos, liberdades e garantias pessoais e, por outro lado, que conheça as excepções que hoje conhece (e.g, no domínio do MDE) . É ela, também, a única capaz de explicar que a nacionalidade relevante para o preenchimento da regra da nacionalidade activa se refira ao momento da prática do facto, mas que a nacionalidade relevante para o preenchimento da causa de recusa "nacionalidade do extraditando" se refira ao momento da decisão sobre o pedido de extradição II Em causa nos presentes autos, e em face dum decisão de extradição oportunamente emitida em 7/12/2016 e confirmada por este Supremo Tribunal de Justiça em 7/9/2017, determinar sobre a atendibilidade dum facto jurídico superveniente àquela decisão el nomeadamente, sobre a relevância da atribuição do estatuto de nacionalidade portuguesa originária ao requerente, o que se verificou já no ano de 2018 (averbamento nº5 de 9/01/2018). Na argumentação do mesmo requerente refere-se que como nacional português de origem, é titular de um direito fundamental a não ser extraditado para um Estado que não admita (reciprocamente) a extradição de nacionais de origem, o que resulta claramente da cláusula constitucional de reciprocidade prevista no artigo 33º, nº 3, da C.R.P., e é pacificamente aceite pelo Estado Req. te da extradição. Verdadeiramente, não está em causa o trânsito em julgado da decisão de extradição, mas sim decidir se, em face de tal trânsito, qual a atendibilidade dum facto superveniente que envolve o núcleo dos pressupostos da concessão de tal extradição No que concerne importa precisar que a Convenção de Extradição dos países que integram a CPLP ( DR 1ª Serie Nº178 e 15 de Setembro de 2008) elenca no artigo 4º nºl alínea a) a possibilidade de extradição dos nacionais do Estado requerido, dispondo apenas a recusa facultativa do Estado requerido quanto a esta hipótese. Por seu turno no domínio da legislação brasileira, e no que concerne ao instituto da extradição, o eixo fundamental é determinado pelo princípio da não extradição de nacionais, conforme o art. 5.º, da Constituição Federal Brasileira. Face a tal normativo pode-se concluir que a possibilidade de extraditar cidadão brasileiro está condicionada à existência de mera naturalização e, ainda, que o crime tenha sido cometido anteriormente à naturalização pelo crime de tráfico de drogas. Relativamente aos cidadãos natos é diferente o estatuto legal face à extradição pois que, como refere a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal do Brasil “o brasileiro nato, quaisquer que sejam as circunstâncias e a natureza do delito, não pode ser extraditado, pelo Brasil, a pedido de Governo estrangeiro, pois a Constituição, em cláusula que não comporta excepção, impede, em carácter absoluto, a efectivação da entrega extradicional daquele que é titular, seja pelo critério do jus soli, seja pelo critério do jus sanguinis, de nacionalidade brasileira primária ou originária. Esse privilégio constitucional, que beneficia, sem excepção, o brasileiro nato (CF, arte. 5.º, LI), não se descaracteriza pelo fato de o Estado estrangeiro, por lei própria, haver-lhe reconhecido a condição de titular de nacionalidade originária pertinente a esse mesmo Estado (CF, arte. 12, § 4.º, II, a)”. Como lucidamente aponta Saulo Furquim 2 a extradição do nacional brasileiro, somente é possível ao adquirente da nacionalidade brasileira por meio da naturalização……Diante dessas considerações, conclui-se que a legislação brasileira não abre a hipótese de extradição de seus nacionais (os ditos brasileiros natos). Destarte, o Estado brasileiro em regra sempre recusará com base na sua Constituição a possibilidade de extradição de seus nacionais, cuja Convenção de extradição da CPLP cita como uma recusa facultativa dos Estados Membros. Relativamente ao estatuto do cidadão português a Constituição da República Portuguesa consagra o princípio base nesta matéria no seu art. 33.º, n. 3 que refere “A extradição de cidadãos portugueses do território nacional só é admitida, em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional, nos casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada, e desde que a ordem jurídica do Estado requisitante consagre garantias de um processo justo e equitativo" Consequentemente, a extradição de nacionais portugueses só poderá ser permitida se houver reciprocidade, estabelecida em convenção internacional, nos casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada. Acresce a condição de existência de garantia de um processo justo e equitativo. A extradição de nacional português implica, necessariamente, a existência de condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional. Pronunciando-se sobre o conceito de reciprocidade referem Gomes Canotilho e Vital Moreira que tia reciprocidade implica que a extradição de cidadãos nacionais do território português tenha sido expressamente pactuada em tratados, convenções ou acordos que Portugal faça parte3 Consequentemente, o Estado português, com base na reciprocidade estabelecida em Convenções e na cooperação internacional em matéria penal, pode extraditar seus nacionais respeitando os limites inscritos no art. 33.º da Constituição Portuguesa. Face a tal pressuposto, e exigência; de tratamento recíproco, perante a inexistência de tratados consagrando a reciprocidade para a extradição de nacionais entre Brasil e Portugal, e vigorando na Constituição Brasileira o princípio da não extradição de seus nacionais (brasileiros natos), é liminar a conclusão de que, face ao artigo 33 nº3 da Constituição da República Portuguesa, é de recusar a extradição de um nacional português (nato) para o Brasil Significa o exposto que, muito para além da mera constatação da existência duma decisão de extradição com trânsito em julgado e o efeito directo deste trânsito, o caso vertente convoca uma questão distinta, e nova, que é a relevância da superveniente atribuição do estatuto de cidadão português originário em momento ainda anterior à concretização da extradição. A resolução de tal questão tem implícita uma outra que são os reflexos da alteração da Lei de Nacionalidade, e da ausência da sua regulamentação, imposta pela mesma lei em função do referido estatuto, bem como da vigência do princípio da solidariedade entre o Estado e o cidadão, que está subjacente à possibilidade de recusa de extradição. Questões novas que, como efectivamente foi reconhecido por este Supremo Tribunal de Justiça em acórdãos de 07/09/2017 e 28/09/2017, focam exactamente o mesmo tema proposto pelo requerente, referem que A questão da nacionalidade originária não deixa de ser uma questão nova, conforme foi entendido no despacho reclamado, que não fez parte do thema decidendum e porque o recurso não e uma nova instância para discussão da causa, o processo não poderia ser suspenso até à decisão que eventualmente concedesse essa forma de nacionalidade ( .. .) Se a mesma lhe vier a ser concedida, tal constituirá uma questão nova e autónoma que não deixará de ser prontamente suscitada e apreciada nos autos, com as consequências que então houver que retirar" Não temos dúvidas que o requerente tem todo o direito a ver equacionadas e decididas as questões que agora suscita em relação àquela circunstância superveniente sob pena, se tal não acontecer, se infirmarem os princípios que informam um processo justo e equitativo e negar o acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva garantido pelo artigo 20 da Constituição da Republica Portuguesa. III Face a tal conclusão a questão que então se coloca é decidir se a providência de habeas corpus é o meio adequado para resolver tais questões. Com tivemos ocasião de referir em decisão proferida em 16-03-2015 na providência de habeas corpus 2/13.TELSB-l.Sl: A petição de habeas corpus contra detenção ou prisão ilegal, inscrita como garantia fundamental no artigo 31º da Constituição, tem tratamento processual nos artigos 220º e 222º do CPP, Estabelecem tais preceitos os fundamentos da providência, concretizando a injunção e a garantia constitucional. Nos termos do artigo 222º do CPP, que se refere aos casos de prisão ilegal, a ilegalidade da prisão que pode fundamentar a providência deve resultar da circunstância de i) a mesma ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; ii) ter sido motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou iii) se mantiver para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial - alíneas a), b) e c) do nº 2 do artigo 222º do CPP. A providência de habeas corpus não decide, assim, sobre a regularidade de actos do processo com dimensão e efeitos processuais específicos, não constituindo um recurso das decisões tomadas numa tramitação processual em que foi determinada a prisão do requerente ou um sucedâneo dos recursos admissíveis Conforme se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de 2 de Fevereiro de 2005, “no âmbito da decisão sobre uma petição de habeas corpus, não cabe, porém, julgar e decidir sobre a natureza dos actos processuais e sobre a discussão que possam suscitar no lugar e momento apropriado (isto é, no processo}, mas tem de se aceitar o efeito que os diversos actos produzam num determinado momento, retirando daí as consequências processuais que tiverem para os sujeitos implicados". Nesta providência há apenas que determinar, quando o fundamento da petição se refira a uma determinada situação processual do requerente, se os actos de um determinado processo - valendo os efeitos que em cada momento ali se produzam e independentemente da discussão que aí possam suscitar, a decidir segundo o regime normal dos recursos - produzem alguma consequência que se possa reconduzir aos fundamentos da petição referidos no artigo 222º, nº 2 do CPP. A providência em causa assume, assim, uma natureza excepcional, a ser utilizada quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade, para estancar casos de detenção ou de prisão ilegais. Por isso, a mesma não pode ser utilizada para sobrestar outras irregularidades ou para conhecer da bondade de decisões judiciais que têm o recurso como sede própria para reapreciação. Na verdade, a essência da providência em causa reside numa afronta clara, e indubitável, ao direito à liberdade. Deve ser demonstrado, sem qualquer margem para dúvida, que aquele que está preso não deve estar e que a sua prisão afronta o seu direito fundamental a estar livre. É exactamente nessa linha que se pronuncia Cláudia Santos, referindo, nesta senda que "confrontamo-nos, pois, com situações clamorosas de ilegalidade em que, até por estar em causa um bem jurídico tão precioso como a liberdade, ambulatória (...) a reposição da legalidade tem um carácter urgente". Também Cavaleiro Ferreira avança que "o habeas corpus é a providência destinada a garantir a liberdade individuai contra o abuso de autoridade" No caso vertente tal excepcionalidade, retratada nos fundamentos da providência, inscritos no citado artigo 222, não se verificam pelo que se concorda com a decisão proferida no sentido de que não é este o meio adequado para o requerente fazer valer a sua pretensão. IV Face a tal conclusão a questão que então nos interpela é a de qual o meio adequado para que o requerente veja equacionada, e decidida, a questão nuclear que suscita nos presentes autos. Na verdade, consumado o ciclo que se consuma com a decisão de extradição o respectivo trânsito em julgado não se projecta nas questões supervenientes que venham a emergir e que têm vida própria. Tais vicissitudes referem-se normalmente a factos posteriores que eclodem em sede de cumprimento da pena subjacente ao pedido de extradição (como é o caso do principio da especialidade v,g, caso Abu Salem Processo 111/11.7YFLSB Acórdão de 11-01-2012), mas podem reportar-se aos próprios pressupostos da decisão que incidiu sobre o pedido de extradição (Conforme recurso de revisão Processo 041828 Acórdão de 12-06-2011) No que respeita à questão que agora se suscita importa acentuar que já no acórdão de 29 de Setembro de 2017 se apontava que Se a mesma lhe vier a ser concedida, tal constituirá uma questão nova e autónoma que não deixará de ser prontamente suscitada e apreciada nos autos, com as consequências que então houver que retirar.Tal decisão aponta de forma linear para uma decisão nos próprios autos e face à superveniência ora equacionada pelo requerente. Admitindo tal procedimento não podemos de salientar uma vez mais o nosso entendimento sobre a aptidão do recurso de revisão previsto no artigo 449 do Código de Processo Penal para a apreciação de factos novos. Na verdade, seguindo o escrito de Conde Correia 4 as decisões condenatórias (acórdãos, sentenças ou despachos) constituem o alvo prioritário da revisão propter nova. Todavia, embora tradicionalmente fosse fácil identificar a decisão objecto de revisão (aquela que tivesse decidido a questão de facto) com o progressivo abandono do binómio facto/direito e a extensão da revisão propter nova a outras causas de injustiça, parece ser, cada vez mais, difícil determinar qual a decisão a impugnar. Já não está, apenas, em causa um simples erro na determinação da matéria de facto............. Continuar a impugnar apenas a decisão que a tenha julgado (questão de facto) será, em muitos casos, insuficiente: o problema pode estar o jusante no pronunciamento que recaiu sobre ela em fase de recurso. Em última análise diremos que, para além das sentenças ou acórdãos, fonte exclusiva das condenações clássicas, surgiram outras formas de resolução do processo penal, não menos agressivas para os direitos individuais. As novas realidades processuais, desconhecidas à data da concepção do modelo tradicional, também carecem de tutela que, em nosso entender, pode ser alcançada através do recurso de revisão. Termos em que, concordando com a decisão de indeferimento ora proferida, uma vez que o meio empregue não é o adequado, se entende, também, que existe uma situação nova, e superveniente, carecida de apreciação em sede própria porquanto tal é imposto pelo catálogo de direitos que, face à Constituição da Republica, assistem ao requerente como cidadão português. A resolução de tal questão, relativa à relevância do estatuto de nacionalidade originária, é, necessariamente, prévia à efectivação da extradição pois que, em nosso entender, tem virtualidade para que seja decretada a sua inadmissibilidade jurídica. Santos Cabral ------------------------ lMiguel João Costa Dedere aut judicare? A Decisão de Extraditar ou Julgar á Luz do Direito Português, Europeu e Internacional, edição do Instituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 214 pag 53 e seg 2 Saulo Ramos Furquim Os aspectos da extradição entre Brasil e Portugal sobre a óptica da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa Revista Liberdades Edição nº20 Setembro/Dezembro de 2015 IBCCRIM pag. 66 e seg 3 Constituição da Republica Portuguesa Anotada Coimbra Editora pag 207 pag 523 4 «Mito do Caso julgado» e a Revisão Propter Nova, edição de Woltexs Kluwer Portugal/Coimbra Editora, Coimbra, 2010, p. 500 e seg.

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