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Acórdão TR Lisboa de 2024-03-06

689/23.2YRLSB-6

TribunalTribunal da Relação de Lisboa
Processo689/23.2YRLSB-6
RelatorCristina Almeida e Sousa
DescritoresExtradição, Brasil, Ausência de Garantias, Falta de Condições Prisionais
Nº do DocumentoRL
Data do Acordão2024-03-06
VotaçãoMaioria com * Vot Venc
Meio ProcessualEXTRADIÇÃO
DecisãoNão Decretada Extradição

Sumário

Os valores da dignidade humana e as consequentes proibições de tortura e da inflição de penas ou outros tratamentos desumanos, cruéis e degradantes, por se referirem ao sistema internacional de protecção de direitos humanos, devem constituir motivos válidos de recusa da extradição, como uma causa de recusa facultativa de interesse e ordem pública a acrescer àquelas que se encontrem expressamente enumeradas em tratados bilaterais, ou multilaterais, mesmo que estes não contemplem normas expressas que prevejam a recusa da extradição com fundamento na existência de perigo de os extraditando vir a ser submetido a tortura ou a algum tipo de tratamento cruel, degradante ou desumano, em violação dos art.ºs 5º da DUDH, 7º do PIDCP, 3º da CEDH e 5º da CADH, dada a desnecessidade de uma tal previsão em face da preponderância de valores jurídicos e princípios gerais em matérias de direitos humanos que são universalmente reconhecidos como normas imperativas e garantias constitucionais dos Estados.


Texto Integral

Acordam os Juízes, na 3ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Lisboa: I - RELATÓRIO O Ministério Público junto deste Tribunal da Relação requereu a audição de: AA, operadora de vendas, nascida em 4 de Janeiro de 1981, em ..., com nacionalidade brasileira, filha de DA e de MA, titular do passaporte FP…, válido até 04/04/2026, emitido pelo Brasil, com residência declarada em Portugal na Rua …, em Lisboa, com vista à sua extradição para a República Federativa do Brasil, ao abrigo do disposto nos artigos 1º, 2º e 21º, da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Em 7 de Março de 2023, procedeu-se à audição da requerida, neste Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 54º da Lei nº 144/99 de 31/08, em cujo decurso foi validada a detenção efetuada e decidido que a requerida aguardasse os ulteriores trâmites procedimentais em liberdade, sujeita às seguintes medidas: a) T.I.R., já validamente prestado; b) Entrega do passaporte. c) Proibição de se ausentar do território português; d) Sujeição à obrigação de comparecer quinzenalmente no órgão de polícia criminal da área da sua residência; A requerida declarou que não dá consentimento à sua extradição, caso esta venha a ser formalmente solicitada pelo Estado requerente, a República Federativa do Brasil e declarou ainda que não renuncia ao benefício da regra da especialidade. Esse pedido formal de extradição da requerida veio a ser formulado pela República Federativa do Brasil. A requerida depois de regularmente notificada para o efeito, apresentou oposição ao pedido de extradição, alegando, em síntese, o seguinte: Os indícios que constam da Requerida são simplesmente o facto de ela ter trabalhado na empresa, o que não é de todo suficiente! Aliás dita a lei que o Estado Requerente deve descrever os factos imputados à pessoa reclamada, com indicação da data, local e circunstâncias da infracção e a sua qualificação jurídica, o que não foi feito, devendo ser recusada a extradição. Na decisão que decretou a prisão preventiva da Requerida é de salientar os seguintes aspectos: - “... está fora do Brasil, possivelmente em Portugal, mas sem qualquer notícia de onde possa ser localizado.” - “... um indício veemente de sua relevância no esquema e que fora colacionada pela autoridade policial é oferta de emprego e sua busca por brasileiros para trabalhar na ... (sublinhado nosso)” - “decreto a prisão preventiva para assegurar a aplicação da lei penal, já que se encontra em local incerto e não sabido” Ora, a Requerida nunca se escondeu, nunca esteve em lugar incerto e sempre se disponibilizou a prestar informações à Justiça Brasileira. Prova de tal é o facto do Agente da Polícia BB, Assistente nos autos, responsável pelo inquérito e que elaborou a portaria de instauração de inquérito policial junto dos presentes autos de extradição, enviar mensagens à Requerida (bem como a todos os funcionários, ex-funcionários, familiares dos mesmos, etc), assim como emails. Não tem qualquer fundamento, salvo melhor opinião, querer a prisão preventiva da Requerida se a mesma trabalha em Portugal, são conhecidas as moradas da mesma e até conversam com a mesma. Por outro lado, ao longo de toda a portaria de instauração de inquérito judicial e até na decisão que decretou a prisão preventiva, é referida a empresa ..., sendo certo que a Requerida trabalhava na Pineal Marketing Unipessoal, Lda, pelo que nunca recrutou ninguém para essa empresa, nem nunca trabalhou para tal empresa, tendo as queixas ter sido efectuadas contra esta empresa, como consta em tal documento (portaria de instauração de inquérito judicial). No dia 5 de Fevereiro de 2023, o Agente BB enviou email para a Requerida referindo “caso tenha integrado ou integre organização criminosa de mesma espécie, sugerimos contato para fornecimento de informações. Todos os envolvidos estão sujeitos a prisão e extradição.”, juntando links de sites onde constam notícias de detenções efectuadas (Cfr. Doc. 1 que se junta) No dia 7 de Março de 2023 (dia seguinte à detenção da Requerida) o mesmo Agente enviou email à Requerida com o seguinte teor: “1. Diversos integrantes da Pineal Marketing foram presos! Incluindo EE. Todos foram alertados por 3 vezes sobre a ilegalidade da atividade e continuaram a aderir à atividade criminosa. 2. Novas prisões serão efetivadas e todos que trabalharam na Pineal Marketing serão responsabilizados. Sabemos o nome e CPF de todos os brasileiros que trabalharam na empresa.”, juntando sites onde foi divulgada a detenção da Requerida e dos outros suspeitos (Cfr. doc 2 que se junta) No dia 13 de Março de 2023 o Agente BB voltou a enviar novo email: “1. Sabemos que vocês trabalhavam como gerentes da Pineal Marketing na cadeia hierárquica superior, o que para nós é indicativo de que sabiam do esquema fraudulento. Caso desejem exercer o seu contraditório façam contato neste email”, juntando uma lista de nomes de funcionários e prestadores de serviços da Pineal Marketing Unipessoal, Lda. (Cfr. doc 3 que se junta). Além de tais emails o Agente BB também envia mensagens no WhastApp para os funcionários, prestadores de serviços da Pineal Marketing e até para familiares destes onde são ditas frases como: “Você, CC e DD são os próximos.”, “Estão todos presos! Inclusive EE e vai ser extraditado!”, “Você é gerente da Pineal Marketing. Sabemos de sua ligação com os criminosos presos ontem. Foram formalmente entenda-se intimado para prestar sua versão. Você tem o direito de permanecer em silêncio, mas saiba que se encontra na lista de investigados.”, entre outras (Cfr. Doc. 4 que se junta). Certo é que tais mensagens começaram há diversos meses tendo sido o Tribunal informado em 04/10/2022 do abuso de autoridade, respondido pelo Agente BB de forma evasiva a 10 de Março de 2023 (5 meses depois), já após as detenções, (Cfr. Doc. 5 que se junta). Até à presente data não foi apurado o abuso de autoridade, tendo sido tal facto ignorado pela República Federativa do Brasil. A promiscuidade é tanta que o email da Requerida que consta do Mandato de Detenção Internacional é da rede televisiva Globo, como V. Exas. poderão verificar. Toda a forma como o processo está a ser tramitado no Brasil põe em causa os mais elementares direitos constitucionais, devendo ser recusada a cooperação internacional nos termos do artigo 6.º alínea a) da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto: (...) O Estado requerente (Brasil) é do conhecimento comum que se trata de um sistema judicial que está a adotar procedimentos incompatíveis com as constituições de estados de Direito mais “maduros” e desenvolvidos. Basta atentar-se no 19º Relatório dos Direitos Humanos no Brasil, publicado a 5 de Dezembro de 2018, donde resulta que em todas as análises realizadas pelo sistema interamericano de protecção dos direitos humanos, diante da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH), o Brasil foi considerado responsável por violações graves dos direitos humanos, sendo inadmissíveis essas violações, onde as mais recorrentes são a violência policial e a situação nos presídios, ao mesmo tempo que se questiona a aplicação das garantias processuais penais. Face ao exposto, entregar a extraditanda à justiça brasileira irá constituir uma violenta e irreparável agressão dos seus direitos fundamentais. Além de estarem em causa graves atropelos às mais elementares regras constitucionais e de direitos humanos, a extradição irá causar grave prejuízo para a extraditanda. A Requerida vive em Portugal, desde 26-06-2018, com o seu marido e filho menor estudante do 10.º ano de escolaridade. Em 2021 foi a mesma diagnosticada com apneia de sono tendo que dormir diariamente com um aparelho de nome CPAP e estando a ser acompanhada no Centro de Saúde de Sete Rios todos os 6 meses, tendo também lhe sido diagnosticado hipotiroidismo e pré-diabetes, precisando de tomar medicação diária. Desde que veio para Portugal, a Requerida exerceu sempre uma actividade profissional regular, nomeadamente, manicure, antes de ter sido contratada pela Pineal Marketing. Perspetiva a sua vida futura em Portugal, pretendendo, inclusivamente, vir a requerer a atribuição da nacionalidade portuguesa. Criou já raízes no nosso país, onde se encontra plenamente integrada social, familiar e profissionalmente. É uma cidadã cumpridora dos seus deveres e das normas legais, assim como das normas sociais, de conduta e costumes portugueses, sendo uma profissional respeitada. Nunca teve qualquer tipo de problema com a justiça, jamais tendo sido indiciada ou julgada por qualquer crime. A extradição da requerida implicaria, forçosamente, a total desagregação da família, com grave prejuízo para si e, consequentemente, para o seu marido e filho. A extradição implicaria a exposição da família a uma situação vulnerável e de risco que viola necessariamente o direito à vida privada e familiar, ao arrepio do disposto no artigo 8ºda Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Acarretando ainda, desta forma, a violação de direitos constitucionalmente consagrados, como seja o direito à família plasmado - designadamente - no artigo 67º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Razão pela qual, os factos que vêm de ser elencados não podem simplesmente qualificar-se como uma mera consequência "desagradável" da extradição na vida pessoal da requerida. O que, aqui, está verdadeiramente em causa é o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, nas suas várias vertentes, o qual reclama, nesta situação em concreto, a necessidade de aplicar a denegação facultativa da cooperação internacional. Por fim há que acrescentar que os factos constantes do pedido de extradição, alegadamente cometido pela requerida, foram cometidos em Portugal, devendo a extradição ser excluída nos termos do artigo 32.º, n.º 1 a) da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto. Juntou documentos e requereu a inquirição de testemunhas. Ministério Público requereu a inquirição de testemunhas e que se oficiasse ao DIAP a fim de se saber se existem processos pendentes em Portugal sobre os factos descritos no pedido de extradição e em caso afirmativo se a aqui requerida ali é arguida. As testemunhas arroladas foram inquiridas e as informações solicitadas foram juntas aos autos. Efectuada a notificação prevista no art.º 56.º, n.º 2 da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, para vista do processo por cinco dias e apresentação de alegações, tanto o MP, como a requerida apresentaram as suas alegações, apenas as do MP foram admitidas, tendo as da requerida sido consideradas extemporâneas e por isso não foram admitidas. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de Julho de 2023, foi autorizada a extradição, para a República Federativa do Brasil, de AA. Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Agosto de 2023, foi julgado provido o recurso interposto pela requerida e, em consequência, declarada a invalidade do acto de rejeição das alegações oferecidas pela extraditanda e, consequentemente, dos actos por ela afectados, entre os quais o acórdão recorrido, determinando o recebimento de tais alegações, seguindo-se os demais termos até final. Remetido o processo novamente a este Tribunal da Relação, por despacho de 30 de Novembro de 2023, foram pedidas à República Federativa do Brasil, garantias adicionais concretas de que a requerida não correrá qualquer risco de ser sujeita a tratamentos desumanos, degradantes ou cruéis nem a formas de trato atentatórias por qualquer meio de sua dignidade humana, ou que possam reconduzir-se ao conceito internacional de tortura. As autoridades brasileiras responderam que a requerida e os restantes arguidos «não ficarão sujeitos a qualquer tratamento prisional que possa ser considerado cruel, desumano ou degradante, pois, nos termos do artigo 5.º, inciso XLVII, da Constituição Federal, “não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art.º 84, XIX; b) de carácter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis». Dessa resposta, foram os sujeitos processuais notificados, tendo a requerida reiterado a sua pretensão de não ser extraditada. Cumpridos os vistos nos termos previstos no art.º 57º da Lei 144/99 de 31 de Agosto e realizada a conferência, nos termos previstos nos art.ºs 418º e 419º do CPP, ex vi do citado art.º 57º nº 2 da Lei 144/99, cumpre agora, deliberar e decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Os factos a considerar para a decisão são os seguintes: 1. AA foi detida pela Polícia Judiciária, no dia 6 de Março de 2023, às 11H00M, em sua casa, sita na ..., na área de jurisdição deste Tribunal da Relação. 2. A detenção havida sido pedida a título provisório, pelas autoridades judiciárias do Brasil, como acto prévio de um pedido formal de extradição, em conformidade com o disposto no artigo 21.º, da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CEEMCPLP). 3. A detenção foi efetuada com base no Mandado de Detenção Internacional, inserido, pelas autoridades judiciárias do Brasil, no Sistema da Interpol com o n.º 2023/12508 e o número de controlo A-1695/2-2023, na origem da Notícia Vermelha, emitido pela República Federativa do Brasil. 4. Com vista à extradição de AA para o Brasil, pelo cometimento dos crimes de apropriação ilegítima, de burla em comércio eletrónico, de branqueamento de capitais e de organização criminosa, p. e p. pelo art.º 171º, parágrafo 2-A, do Código Penal do Brasil, artigo 1º da Lei 9613/98 e artigo 1 da Lei 12850/13. 5. O pedido de detenção provisória, para extradição, teve lugar para efeitos de procedimento criminal pelos indicados crimes e foi formulado com o n.º 1006603- 86.2023.4.01.3400, de 09/02/2023, pela 10.a Vara Federal Criminal do DF - Brasil, assinado por GG. 6. Os factos que fundamentam o pedido, de acordo com a Notícia Vermelha, são os seguintes: «Em janeiro de 2022, a empresa de fachada ... foi constituída por EE com o objetivo de cometer fraudes financeiras eletrónicas relacionadas com falsos investimentos (BROKERS). A sociedade tem sede em Lisboa/Portugal, mas a atividade principal é no Brasil, onde existe o maior número de vítimas. Esta sociedade apresentava-se como empresa de publicidade, responsável por publicitar "Ghost Brokers". «Havia dois setores na referida empresa: o "Call Center, responsável por angariar clientes, e a "Fidelização", responsável por orientar as vítimas relativamente à transferência de montantes para operações fictícias. «AA - gestora do departamento "Venda", era responsável pelo primeiro contacto com as vítimas, apresentando propostas e divulgando também informações atualizadas sobre a bolsa de valores. EE, em janeiro de 2022, constituiu a sociedade denominada ..., com o objetivo de cometer fraudes financeiras eletrónicas relacionadas com falsos investimentos (BROKERS).” «A requerida, EE, HH, II, JJ e KK atuavam com o objetivo de se apropriarem de entregas em dinheiro, a que não tinham direito, que obtinham mediante engano, que criavam, com o qual induziam as vítimas a entregar-lhes quantias em dinheiro e faziam-no de forma organizada e estratificada. «Os demais indivíduos foram também objeto de pedido de emissão de Notícia Vermelha, no âmbito da qual foram detidos HH, II e JJ». 7. A requerida foi ouvida, neste Tribunal da Relação em 7 de Março de 2023, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 54º da Lei nº 144/99 de 31/08. 8. A extraditanda encontra-se atualmente em situação de liberdade, sujeita às medidas de coação de termo de identidade e residência, entrega de passaporte, proibição de se ausentar do território português e obrigação de comparecer quinzenalmente no órgão de polícia criminal da área da sua residência, determinadas nos presentes autos. 9. Chegou, entretanto, aos autos, em 10 de Abril de 2023, o pedido formal de extradição da requerida AA, segundo o qual, os factos de que a mesma se encontra indiciada são os seguintes: «Segundo relatado pela autoridade policial responsável pela investigação, EE, com a ajuda de um de seus sócios (KK) montou uma organização criminosa de fraudes eletrónicas sediada em Lisboa/Portugal com exclusiva finalidade de efectivar ataques a cidadãos brasileiros. Relata, ainda, que criaram diversas empresas de corretagem fantasmas (Brokers) e montaram um call center em que assediam centenas de pessoas, simulando números brasileiros, cadastrando uma conta, na qual as vítimas pensam ser de uma empresa idônea de investimentos. «A partir daí, os referidos investigadores passaram a investir em operações fictícias indicadas pelos “corretores” do esquema. A cada perda milionária, as vítimas eram induzidas a investir mais e encorajadas pelos criminosos a “reverter” as perdas. Quando as vítimas perdiam todo seu dinheiro, os criminosos bloqueavam o WhatsApp, desapareciam e deixavam as vítimas sem qualquer contato. «Consta da investigação, também, que os supostos investimentos nunca foram realizados e que o numerário obtido era depositado nas contas dos chefes deste esquema ilícito. «Apurou-se, também, que AA – gerente do departamento de “SALE” – era responsável pelo primeiro contacto com as vítimas, apresentando uma proposta e expondo informações atuais sobre o mercado de acções.» 10. O pedido veio instruído com o pedido de extradição formalizado pelas autoridades brasileiras e com cópia do despacho da Senhora Ministra da Justiça nº 44/MJ/2023 assinado em 5 de abril de 2023 que considerou admissível o pedido de extradição. 11. A Justiça brasileira pretende que a requerida seja extraditada para a República Federativa do Brasil para ser sujeita a procedimento criminal e colocada em prisão preventiva, enquanto aguarda os ulteriores termos do mesmo processo. 12. A requerida tem nacionalidade brasileira. 13. Não correu nem corre perante os tribunais portugueses qualquer processo criminal contra o extraditando pelos mesmos factos que fundamentam o presente pedido de extradição. 14. O procedimento criminal não se acha extinto, por efeito da prescrição, de acordo com o preceituado no artigo 118.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal de Portugal e artigos 109.º e 111.º do Código Penal do Brasil. 15. A requerida aufere 800 € mensais de retribuição acrescida de comissões que rondam cerca de 300 €. 16. A requerida vive maritalmente há cerca de 12 anos com LL, do qual tem um filho com 16 anos, que vive a seu cargo e do seu companheiro. 17. Vive em casa arrendada pela qual paga 700€ mensais. 18. O seu companheiro LL é barbeiro, auferindo cerca de 1000€ mensais. 19. Está em Portugal há cerca de 5 anos (com referência a 26-06-2018) com autorização de residência válida até dia 01-08-2023. 20. A requerida tem problemas de saúde. 21. A requerida e família vieram viver para Portugal há cerca de 5 anos para fugir da violência e insegurança que sentiam no Brasil. 22. Não pretendem voltar para o Brasil. 23. A requerida, estando ao serviço da Pineal Marketing, tomava conta da equipa que fazia os investimentos. 24. A empresa onde a requerida trabalha só empregava Brasileiros. 25. Os clientes são todos residentes no Brasil. 26. Na sequência do pedido de garantias acrescidas dirigido à República Federativa do Brasil, o sistema de justiça brasileiro respondeu: « (…) asseverando às autoridades portuguesas que os investigados a serem extraditados, inclusive HH, AA e II, não ficarão sujeitos a qualquer tratamento prisional que possa ser considerado cruel, desumano ou degradante, pois, nos termos do artigo 5º, inciso XLVII, da Constituição Federal, "não haverá penas: "a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art.º 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis"; «Remetam-se também os documentos apresentados pelo Ministério Público Federal (parecer de ID 1779600048 e formulários de visita trimestral aos estabelecimentos prisionais no Distrito Federal de ID 1779600049). Os quais esclarecem que a Procuradoria da República, nesta unidade da federação, tem por obrigação funcional tutelar tais direitos, incumbência que, efetivamente, vem cumprindo, inclusive, realizando inspeções trimestrais na Penitenciária Federal de Brasília - PFBRA, onde, a princípio, os referidos investigados, inclusive HH, AA e II, ficarão encarcerados, exercendo o controle externo da atividade policial, visando à correção de irregularidades, ilegalidades ou eventuais abusos de poder policial, na busca por um serviço de segurança pública que seja prestado com eficiência e respeito a todos os detentos. Não provado que: Os problemas de saúde da requerida sejam em concreto, apneia de sono, que lhe tenha sido diagnosticada em 2021, nem que tenha de dormir diariamente com um aparelho de nome CPAP e nem que esteja a ser acompanhada no Centro de Saúde de Sete Rios todos os 6 meses, tendo também resultado não provado que lhe sido diagnosticado hipotiroidismo e pré-diabetes, ou que precise de tomar medicação diária. * Não se provaram quaisquer outros factos e não existem quaisquer outros que relevem para a decisão. Motivação da decisão de facto: A convicção do Tribunal, quanto aos factos considerados provados, teve, por base os seguintes fundamentos: No que se refere aos motivos determinantes da detenção da requerida e as condições em que a mesma ocorreu, a que se referem os pontos 1. a 6., o requerimento apresentado pelo Mº. Pº., com a referência Citius 623062 e documentos anexos, assim como o auto de notícia elaborado pelo SEF com a referência Citius 623163; No que se refere ao estatuto jurídico processual definido para a requerida, após a sua audição, a que se referem os factos 7. e 8., o auto de audição de 07.03.2023, com a referência Citius 19750685 e o mandado de libertação com a referência Citius 19752388; Quanto ao pedido formal de extradição e à nacionalidade da requerida a que se referem os factos 9 a 12, o pedido formal de extradição apresentado por requerimento de 10.04.2023, com a referência Citius 629302 e documentos anexos e o passaporte da requerida, apenso por linha e fotografado em anexo ao auto de notícia do SEF com a referência 623163; No que se refere às informações constantes dos factos provados a conjugação da «Red Notice» anexa ao auto de notícia do SEF e ao pedido formal de extradição acima identificados e as informações prestadas pelo Ministério Público português, através dos ofícios com as referências Citius 635488 e 636790; No que se refere às condições de vida da arguida descritas em 15 a 23, resultam dos depoimentos das testemunhas LL, que vive em união de facto com a Requerida há vários anos, MM e NN, ambos amigos da requerida há vários anos e que convivem com ela com regularidade, tendo prestado depoimentos esclarecedores e convincentes e de forma serena e detalhada, sem hesitações (cfr. auto de inquirição de 11 de Maio de 2023, com a referência Citius 20010497). Quanto aos factos descritos em 24 e 25, o pedido formal de extradição apresentado por requerimento de 10.04.2023, com a referência Citius 629302 e documentos anexos; No que se refere à resposta do Estado requerente ao pedido de garantias adicionais, o despacho de 30 de Novembro de 2023, com a referência Citius 20557247 e a resposta integrada no requerimento do Mº. Pº. de 24 de Janeiro de 2024, de com a referência Citius 673467. Os factos não provados, foram assim considerados, porque não foram juntos aos autos quaisquer relatórios médicos ou outros meios de prova aptos a demonstrar tais doenças. Tal como já afirmado no acórdão proferido em 13 de Julho de 2023, neste Tribunal da Relação (referência Citius 20309964), «no que se refere aos alegados no requerimento de oposição apresentado pelo arguido, nos artigos 21 a 36, os mesmos não foram incluídos, nem na matéria de facto provada, nem na matéria de facto não provada, porque não são pertinentes para a decisão a proferir, neste processo, na medida em que se destina apenas a verificar se existe algum impedimento legal à entrega imediata da requerida à autoridade judicial brasileira Relativamente aos restantes factos relacionados com a imputada atuação da Polícia Brasileira, modo de funcionamento e credibilidade do sistema de Justiça, constituem alegações que não podem ser objecto de qualquer pronúncia por parte deste tribunal ou de qualquer outro, já que não é legitimo que um qualquer Estado aprecie o modo de atuação das autoridades de qualquer outro Estado soberano. O DIREITO A extradição é um instrumento de cooperação judiciária internacional em matéria penal, entre sistemas de Justiça de diferentes Estados aplicável à entrega de cidadãos estrangeiros (na acepção ampla de cidadãos de países situados fora do espaço geográfico da União Europeia) para prossecução de duas finalidades: a sujeição da pessoa procurada a um procedimento criminal, quando sobre ela recaiam suspeitas ou existam indícios da prática de ilícitos penais, ou a sua entrega para cumprimento de uma pena ou de uma medida de segurança privativas da liberdade, sempre, noutros Estados fora da união. «Constitui uma forma de cooperação judiciária internacional em matéria penal, através da qual um Estado (requerente) pede a outro (requerido) a entrega de uma pessoa que se encontre no território deste último, para efeitos de procedimento criminal, ou de cumprimento de pena ou de medida de segurança privativa de liberdade, por infracção cujo conhecimento seja da competência dos tribunais do Estado requerente» (Ac. do STJ de 03.05.2012, proc. 290/11.3YRCBR.S1. No mesmo sentido, os Acs. do STJ de 11.01.2018, proc. 1331/17.6YRLSB.S1 e de 8.03.2023, proc. 3410/22.9YRLSB.S1, todos in http://www.dgsi.pt). Os pressupostos e condições de admissibilidade de extradição, nomeadamente quando Portugal é o Estado requerido (extradição passiva), encontram-se regulados pelos tratados e convenções internacionais, e, na sua falta ou insuficiência, pela lei relativa à cooperação internacional (Lei 144/99 de 31.08), e ainda pelo CPP, conforme previsto no art.º 229º deste diploma e no art.º 3º nº 1 daquela Lei, do que resulta que aplicação da lei interna portuguesa é subsidiária. O Estado português aprovou para ratificação a Convenção Europeia de Extradição, assinada em Paris em 13.12.1957 pela Resolução da AR n.º 23/89, de 08.11.1989 (in DR Série I, n.º 191, de 21-11-1989), que também aprovou, para ratificação, os seus dois Protocolos Adicionais, feitos em Estrasburgo feitos em Estrasburgo, em 15.10.1975 e 17.03.1978, formulando, no art.º 1.º ao texto da Convenção, conforme facultado no seu art.º 26.º, três reservas, das quais deriva não poder a extradição ser decretada para julgamento ou cumprimento de pena por tribunal de excepção (al. a)); quando se prove que as pessoas serão sujeitas a processo que não oferece garantias jurídicas de que respeite as condições internacionais reconhecidas como imprescindíveis à salvaguarda dos direitos do homem ou que o cumprimento da pena seja em condições desumanas (al. b)); ou quando seja reclamada para cumprimento de pena ou medida de segurança de carácter perpétuo (al. c)). Por seu turno, a Resolução da Assembleia da República n.º 11/2019 de 25.01.2019, aprovou o Terceiro Protocolo Adicional à Convenção Europeia de Extradição, aberto a assinatura em Estrasburgo, em 10.11.2010 e a Resolução da Assembleia da República n.º 17/2019, de 06 de Fevereiro, o Quarto Protocolo Adicional à Convenção Europeia de Extradição, aberto a assinatura em Viena, em 20.09.2012. O objectivo do procedimento de extradição é somente a obtenção de uma decisão por parte do Estado requerido sobre a verificação dos pressupostos materiais da extradição. Não reconhece ao Estado da execução competências para emitir juízos de valor ou efectuar sindicâncias à decisão do Estado emissor quanto à pertinência, à adequação, à necessidade, ou à proporcionalidade do pedido de extradição, ou às finalidades de sujeição a processo penal ou ao cumprimento de pena ou medida de segurança privativas da liberdade, ou de qualquer modo, à sua correcção ou acerto. «O processo judicial de extradição visa decidir da legitimidade da entrega de um cidadão estrangeiro às autoridades de um Estado estrangeiro, para aí ser julgado por certo crime, ou para cumprir pena a que tenha sido condenado (...). É, portanto, um processo de escopo inquestionavelmente penal. No processo de extradição não se julga criminalmente nem se condena o extraditando, mas é manifesto que é através da extradição que o extraditado pode vir a ser julgado e condenado ou obrigado a cumprir uma pena. «Por conseguinte, o processo judicial de extradição tem a ver directamente com a liberdade pessoal do extraditando. Não apenas porque em consequência da extradição pode vir a ser condenado a prisão ou ter de cumprir a pena a que já tenha sido condenado, mas também, e desde logo, porque a extradição implica a sua saída forçada do país e a sua transferência para outro pais, o que tudo se traduz em sacrifícios da sua liberdade pessoal. Aliás, o processo de extradição integra naturalmente como acto necessário a prisão do extraditando (…).» (Acórdão do TC n.º 54/87, www.tribunalconstitucional.pt). No processo judicial de extradição, o Estado requerido não exerce propriamente o seu ius puniendi, porque a sua fonte está antes no poder-dever estadual de prestar auxílio judiciário em matéria penal, no âmbito do que se pode denominar jurisdição judicativa adjuvante (Pedro Caeiro Fundamento, conteúdo e limites da jurisdição penal do Estado. O caso português, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2010, p. 41 e ss.). É uma forma de cooperação entre dois Estados Soberanos em matéria penal, alicerçada na «solidariedade entre Estados na luta contra o crime (punire aut dedere)» ( Albino Azevedo Soares, Lições de Direito Internacional Público, Coimbra Editora, 1981, p. 243), particularmente relevante face ao princípio geral da territorialidade em matéria de aplicação da lei penal no espaço, que serve dois soberanos: “o Estado que requer a extradição do agente – e que, necessariamente, terá de ter competência para o punir de acordo com a sua lei nacional – consegue exercer o seu ius puniendi e, por outro lado, o Estado que extradita não alberga, no seu território, um agente criminoso” (Faria Costa, Noções Fundamentais de Direito Penal (Fragmenta iuris poenalis) 2, Coimbra Editora, p. 105). «Está em causa o exercício do ius puniendi por parte de outrem a quem se presta auxílio, o que aponta para uma conformação processual em que o Estado requerido confronta o extraditando com o objetivo de cumprir o pedido do Estado requerente. Ao incluir na reserva de juiz a decisão positiva de extraditar – a decisão negativa pode ser tomada previamente no processo administrativo (artigo 48.º da Lei n.º 144/99) – e ao fazê-lo no capítulo dos direitos liberdades e garantias, é a proteção do extraditando perante o Estado, no exercício por parte deste do poder-dever de prestar auxílio judiciário em matéria penal, que a CRP garante (artigo 33.º, n.º 7)» (Ac. do TC nº 90/2012, www.tribunalconstiticional.pt). A Lei 144/99 de 31 de Agosto consagra os princípios que foram desenvolvidos pelo Conselho da Europa nas suas convenções sectoriais, sendo certo que a sua aplicação sendo aplicável a todas as formas ali previstas para a cooperação judiciária penal, assume especial relevância no domínio da extradição, com destaque para os princípios da reciprocidade, da dupla incriminação, da subsidiariedade, do ne bis in idem e, sobretudo, o da especialidade. Porém, o Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa apresentou pedido de extradição, para efeitos de procedimento criminal, da requerida AA, cidadã de nacionalidade brasileira, ao abrigo da Convenção de Extradição entre Estados Membros da CPLP aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 49/2008, de 15 de Setembro, e da Lei 144/99, de 31 de Agosto, para a República Federativa do Brasil. O presente pedido de extradição foi formulado para eventual julgamento e condenação de AA, no âmbito do Processo n.º 1006603-86.2023.4.01.3400, que corre termos na 10ª Vara Federal Criminal da Secção Judiciária do Distrito Federal, no qual a mesma requerida é suspeita da prática de factos subsumíveis aos tipos legais de apropriação ilegítima, de burla em comércio eletrónico, de branqueamento de capitais e de organização criminosa, previstos e puníveis pelo disposto nos artigos 5º, 6º, 7º e 22º da Lei n.º 7492/86, com penas máximas abstratamente aplicáveis de 6 e 8 anos de prisão, nos artigos 171º, § 2º-A, com pena máxima abstratamente aplicável de 8 anos de prisão, e artigo 288º do Código Penal, com pena máxima abstratamente aplicável de 3 anos de prisão, e artigo 1.º da Lei 9613/98, com pena máxima abstratamente aplicável de 10 anos de prisão, praticados entre os anos de 2019 e 2023. Nesse processo, foi determinada a prisão preventiva da requerida. A Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), assinada na Cidade da Praia, em 23 de Novembro de 2005, aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 49/2008, de 15 de Setembro, ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 67/2008, de 15 de Setembro, e publicada no Diário da República, Iª série, nº 178, de 15 de Setembro de 2008, a qual se encontra em vigor para a República Portuguesa desde 1 de Março de 2010 e para a República Federativa do Brasil desde 1 de Junho de 2009 (cf. Aviso nº 183/2011, publicado no Diário da República, Iª série, nº 154, de 11 de Agosto de 2011). Nos termos do artigo 8º nº 2 da Constituição da República Portuguesa, as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem jurídica interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português, sendo, por isso, directamente aplicáveis pelo juiz nacional. Por seu turno, o artigo 3º nº 1 da Lei n.º 144/99 de 31 de Agosto que, sob a epígrafe prevalência dos tratados, convenções e acordos internacionais determina que as formas de cooperação a que se refere o artigo 1º (entre as quais a extradição), se regem pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português e apenas, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste diploma. Assim sendo, é, desde logo, à luz da Convenção CPLP que o presente pedido de extradição deve ser apreciado. A Convenção impõe aos Estados Contratantes, no seu art.º 1º, a obrigação recíproca de extraditar as pessoas que se encontrem nos seus respectivos territórios e que sejam procuradas pelas autoridades competentes de outro Estado Contratante, para fins de procedimento criminal ou para cumprimento de pena privativa da liberdade por crime cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente, de acordo com as regras e as condições estabelecidas na mesma Convenção. Os factos determinantes da extradição vêm previstos no art.º 2º, como os que forem tipificados como crime segundo as leis do Estado requerente e do Estado requerido, independentemente da denominação dada ao crime e que sejam puníveis em ambos os Estados com pena privativa de liberdade de duração máxima não inferior a um ano. Nos termos do nº 2 do mesmo art.º 2º, se a extradição for requerida para o cumprimento de uma pena privativa da liberdade, só será determinada se a parte da pena por cumprir for superior a seis meses. E o nº 3 estabelece que, se a extradição requerida por um dos Estados Contratantes se referir a vários crimes, respeitado o princípio da dupla incriminação para cada um deles, basta que apenas um satisfaça as exigências previstas no presente artigo para que a extradição possa ser concedida, inclusive com respeito a todos eles. Os art.ºs 3º e 4º regulam as causas obrigatórias e facultativas de recusa da extradição, respectivamente. Assim, o art.º 3º, sob a epígrafe «inadmissibilidade de extradição», diz que: 1 - Não haverá lugar a extradição nos seguintes casos: a) Quando se tratar de crime punível com pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física; b) Quando se tratar de crime que o Estado requerido considere ser político ou com ele conexo. A mera alegação de um fim ou motivo político não implicará que o crime deva necessariamente ser qualificado como tal; c) Quando se tratar de crime militar que não constitua simultaneamente uma infracção de direito comum; d) Quando a pessoa reclamada tiver sido definitivamente julgada, indultada, beneficiada por amnistia ou objecto de perdão no Estado requerido com respeito ao facto ou aos factos que fundamentam o pedido de extradição; e) Quando a pessoa reclamada tiver sido condenada ou dever ser julgada no Estado requerente por um tribunal de excepção; f) Quando se encontrarem prescritos o procedimento criminal ou a pena em conformidade com a legislação do Estado requerente ou do Estado requerido. 2 - Para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 não se consideram crimes de natureza política ou com eles conexos: a) Os crimes contra a vida de titulares de órgãos de soberania ou de altos cargos públicos ou de pessoas a quem for devida especial protecção segundo o direito internacional; b) Os actos de pirataria aérea e marítima; c) Os actos a que seja retirada natureza de infracção política por convenções internacionais de que seja parte o Estado requerido; d) O genocídio, os crimes contra a Humanidade, os crimes de guerra e infracções graves segundo as Convenções de Genebra de 1949; e) Os actos referidos na Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1984. Por seu turno, o art.º 4º prevê as condições da recusa facultativa da extradição, nos casos em que: a) A pessoa reclamada for nacional do Estado requerido; b) O crime que deu lugar ao pedido de extradição for punível com pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida; c) A pessoa reclamada estiver a ser julgada no território do Estado requerido pelos factos que fundamentam o pedido; d) A pessoa reclamada não puder ser objecto de procedimento criminal em razão da idade; e) A pessoa reclamada tiver sido condenada à revelia pela infracção que deu lugar ao pedido de extradição, excepto se as leis do Estado requerente lhe assegurarem a possibilidade de interposição de recurso, a realização de novo julgamento ou outra garantia de natureza equivalente. O presente pedido de extradição foi julgado admissível por despacho da Senhora Ministra da Justiça. Tem por objecto factos subsumíveis a crimes de apropriação ilegítima, de burla em comércio eletrónico, de branqueamento de capitais e de organização criminosa, p. e p. pelo art.º 171º, parágrafo 2-A, do Código Penal do Brasil, artigo 1º da Lei 9613/98 e artigo 1º da Lei 12850/13. O pedido de extradição está fundamentado, contém cópia de todos os documentos pertinentes e relevantes, satisfaz os requisitos do artigo 2º da Convenção CPLP, atesta a existência de ordem de detenção da extraditanda e foi regularmente transmitido, obedecendo aos requisitos de forma e de conteúdo previstos nos art.ºs 9º e 10º da mesma Convenção. A extraditanda é a própria e foi informada da matéria do pedido de extradição. Os crimes em causa são igualmente punidos pela ordem jurídica portuguesa, concretamente, pelos artigos 217º, 218º n.ºs 1 e 2, 269.º e 368.º-A, todos do Código Penal, como crimes de Burla, de Associação Criminosa e de Branqueamento (artigo 2.º, n.º 1 da CEEMCPLP), crimes puníveis com penas de prisão cujas molduras penais abstractas têm limites máximos superiores a um ano de prisão, ou seja, todos admitem a extradição. Não se verifica, no caso, nenhuma das causas de recusa obrigatória ou facultativa da extradição, de entre as previstas nos mencionados art.ºs 3º e 4º da Convenção CPLP. E, no entanto, a extradição da requerida AA não será determinada. É certo que nos termos do art.º 25º nº 1, a Convenção CPLP «substitui, no que respeita aos Estados aos quais se aplica, as disposições de tratados, convenções ou acordos bilaterais que, entre dois Estados Contratantes, regulem a matéria da extradição.» Também não se ignora que subjacente à Convenção CPLP se encontra a «ideia de cooperação judiciária internacional em matéria penal, tendo em vista o combate célere e eficaz da criminalidade, na base da confiança recíproca entre os Estados contratantes e do reconhecimento mútuo, princípios através dos quais se garante que as decisões judiciais de qualquer um dos Estados serão respeitadas e tomadas em consideração por todos os outros Estados nos precisos termos em que foram proferidas» (Ac. do STJ de 30.10.2013, proc. 86/13.8YREVR.S1, in http://www.dgsi.pt). Do mesmo modo se reconhece, sem qualquer dúvida, que o Brasil é um Estado de Direito democrático assente na soberania, na cidadania, na dignidade da pessoa humana e na separação de poderes, regendo-se nas suas relações internacionais pelos princípios da prevalência dos direitos humanos, tal como anunciado na sua Constituição da República garante, nos art.ºs 1º, 2º e 4º. Para além disso, o Brasil é um Estado Parte do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas (1966), que ratificou em 1992, bem como da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969). Mas daqui não se segue que o sistema penitenciário brasileiro assegure condições mínimas de segurança e de garantia de direitos fundamentais, como a integridade física, a saúde e a própria dignidade humana aos reclusos em geral e à requerida nestes autos, em particular. Em primeiro lugar, a decisão de extradição não se configura, nem nunca se deve configurar, como um procedimento quase automático, assente numa repetição de estereótipos, antes deve ser alicerçada numa rigorosa e cuidada equação das circunstâncias do caso (Ac. do STJ de 31.03.2011, proc. 257/10.9YRCBR.S1, in http://www.dgsi.pt). A definição do âmbito de aplicação da Convenção CPLPP vertida no seu art.º 25º não substitui, nem derroga, aliás, nem o poderia fazer, outros Tratados e Convenções Internacionais de âmbito mais alargado quer no que se refere às matérias seu objecto, quer aos Estados Partes, quer à sua área geográfica de vigência. Mesmo sendo taxativa a enumeração das causas de recusa obrigatória e facultativa da extradição previstas nos art.ºs 3º e 4º da Convenção CPLP (em sintonia com a regra de que em princípio, o pedido de extradição deverá ser atendido e só por razões excepcionais negado), jamais poderiam deixar de ser considerados outros motivos directamente relacionados com valores essenciais reconhecidos pelo Estado Português mediante compromissos assumidos no seio do Conselho da Europa que integra o mais importante mecanismo europeu de salvaguarda de direitos, liberdades e garantias fundamentais: o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que é a instância jurisdicional suprema em matéria de interpretação e aplicação das regras insertas na Convenção Europeia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e Liberdades Fundamentais [Roma, 4 de novembro de 1950] e dos seus 16 protocolos adicionais. Também jamais derrogariam o Direito da União Europeia de que Portugal faz parte, assim como outros instrumentos de direito internacional, igualmente assumidos pela República Federativa do Brasil, como é o caso da Convenção da ONU Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Segundo os princípios da unidade de sistema jurídico, bem como da primazia do direito europeu que faz parte integrante da ordem jurídica portuguesa, importa considerar, desde logo, que na reserva que a Assembleia da República formulou ao texto da Convenção Europeia de Extradição, constante do artigo 1.º, alínea b), da Resolução n.º 23/89, de 21 de Agosto, que aprovou a referida Convenção (Diário da República, I Série, n.º 191, de 21.08.1989), estabelece-se que Portugal não concederá a extradição de pessoas quando se prove que serão sujeitas a processo que não oferece garantias jurídicas de um procedimento penal que respeite as condições internacionalmente reconhecidas como indispensáveis à salvaguarda dos direitos do homem, ou que cumprirão a pena em condições desumanas, o que, de resto, está em plena harmonia com outros compromissos de direito internacional que fazem parte do ordenamento jurídico português, como é o caso da CEDH, cujo art.º 3º estabelece que «ninguém pode ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes». Esse é também o caso da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984), adoptada pela resolução n. 39/46 da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1984 aprovada para ratificação para Portugal pela Resolução da Assembleia da República n.º 11/88, de 21/05 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 57/88, de 20/07 e ratificada pelo Brasil em 28 de setembro de 1989. O art.º 3º desta Convenção estabelece no nº 1, que nenhum Estado-parte procederá à expulsão, devolução ou extradição de uma pessoa para outro Estado, quando houver razões substanciais para crer que a mesma corre perigo de ali ser submetida a tortura, prevendo o nº 2 que, a fim de determinar a existência de tais razões, as autoridades competentes levarão em conta todas as considerações pertinentes, inclusive, se for o caso, a existência, no Estado em questão, de um quadro de violações sistemáticas, graves e maciças de direitos humanos. Por sua vez o art.º 11º da mesma Convenção impõe a cada Estado-parte a obrigação de manter sistematicamente sob exame as normas, instruções, métodos e práticas de interrogatório, bem como as disposições sobre a custódia e o tratamento das pessoas submetidas, em qualquer território sob a sua jurisdição, a qualquer forma de prisão, detenção ou reclusão, com vistas a evitar qualquer caso de tortura. O Brasil é também, desde 1992, Estado Parte na Convenção Americana sobre Direitos Humanos subscrita na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos em San José Costa Rica em 22.11.1969. No art.º 5º está reconhecido o direito à integridade pessoal: 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. 2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido â dignidade inerente ao ser humano. E o art.º 11º estabelece a protecção da honra e da dignidade: 1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade. 2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrarias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais a sua honra ou reputação. 3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas. E a Corte Internacional dos Direitos Humanos já decidiu várias vezes, em processos instaurados contra o Brasil que «é um princípio básico do direito da responsabilidade internacional do Estado, amparado no Direito Internacional dos Direitos Humanos, que todo Estado é internacionalmente responsável por atos ou omissões de quaisquer de seus poderes ou órgãos em violação dos direitos internacionalmente consagrados, segundo o artigo 1.1 da Convenção Americana.» - Corte IDH. Caso Ximenes Lopes vs. Brasil. Sentença de 4 de julho de 2006. Série C Nº 149. No mesmo sentido, Corte IDH. Caso Garibaldi vs. Brasil. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 23 de setembro de 2009. Série C Nº 203; Corte IDH. Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil. Excepções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 24 novembro de 2010. Série C Nº 219, https://www.corteidh.or.cr/jurisprudencia-search.cfm?lang=pt). Segundo um relatório de 2017 da Comissão de Direitos Humanos da ONU, que alertou sobre as condições desumanas das prisões brasileiras, em diversos estabelecimentos prisionais, os presos preventivos são encarcerados juntamente com os condenados, em celas já superlotadas, sendo frequentes a ocorrência de tortura e de maus-tratos nas prisões, superlotação e controle das unidades penitenciárias por facções criminosas com a permissão tácita do Estado. O mesmo relatório dá notícia de abusos cometidos pela Polícia Militar (PM) contra suspeitos fora das prisões, assim como ineficiências do Instituto Médico Legal (IML) no registo desses abusos. Especialistas do Subcomitê sobre a Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes (SPT) das Nações Unidas visitaram 22 locais de detenção no Rio de Janeiro, Manaus, Recife e Brasília entre 19 e 30 de outubro de 2015. Este relatório foi entregue às autoridades brasileiras em 25 de novembro de 2016 e do seu teor resulta que nenhuma das 22 unidades visitadas tem mecanismos eficientes para que os presos denunciem torturas e maus-tratos, o que é uma violação de tratados internacionais assinados pelo Brasil. «Em muitas prisões, o subcomitê recebeu relatos de que detentos são frequentemente levados por outros presos a determinadas celas e áreas onde são alvo de tortura. Em diversas penitenciárias, os presos são transferidos para solitárias devido a ameaças de outros detentos, incluindo membros de facções criminosas que exercem abertamente o controle das prisões» (in https://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/frontpage/2017/01/relatorio-da-onu-alertou-governo-federal-em-novembro-sobre-problemas-nos-presidios-do-pais.html). Este trabalho da ONU corroborou uma decisão do Supremo Tribunal Federal Brasileiro de 9 de Setembro de 2015 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), na qual foi declarado o «estado inconstitucional de coisas», em que se encontrava então o sistema carcerário brasileiro. Na ocasião, o ministro Celso de Mello do STF, disse que o Brasil vive uma «ficção jurídica» na execução penal e que «a questão penitenciária é aflitiva». Por seu turno, o relator, o ministro Marco Aurélio, referiu que «no nosso sistema prisional ocorrem violações diárias dos direitos fundamentais dos presos». E, no voto que formulou, invocou algumas das situações a que os reclusos são submetidos, como decapitações, estripações, falta de condições mínimas de higiene, exposição a doenças infectocontagiosas e a superlotação das cadeias. O Plenário anotou que no sistema prisional brasileiro ocorria violação generalizada de direitos fundamentais dos presos no tocante à dignidade, integridade física e psíquica. As penas privativas de liberdade aplicadas nos presídios converter-se-iam em penas cruéis e desumanas. Nesse contexto, diversos dispositivos constitucionais (artigos 1º, III, 5º, III, XLVII, e, XLVIII, XLIX, LXXIV, e 6º), normas internacionais reconhecedoras dos direitos dos presos (o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos e Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes e a Convenção Americana de Direitos Humanos) e normas infraconstitucionais como a LEP e a LC 79/1994, que criara o Funpen, teriam sido transgredidas. E destacou, ainda que os cárceres brasileiros, além de não servirem à ressocialização dos presos, fomentam o aumento da criminalidade, pois transformam pequenos delinquentes em “monstros do crime”. A prova da ineficiência do sistema como política de segurança pública estaria nas altas taxas de reincidência. E o reincidente passaria a cometer crimes ainda mais graves. Consignou que a situação seria assustadora: «dentro dos presídios, violações sistemáticas de direitos humanos; fora deles, aumento da criminalidade e da insegurança social» (ADPF 347 MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9.9.2015. (ADPF-347) https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10300665 Esta violação massiva dos direitos fundamentais dos reclusos, fruto de tratamentos desumanos, no seio do sistema prisional brasileiro e consubstanciado num «estado de coisas inconstitucional» foi reafirmado entre outras, em posteriores decisões do STF brasileiro proferidas em 2016, 2017, 2019, 2021 e, mais recentemente em Outubro de 2023 ( cfr. as decisões de Recurso Extraordinário RE 841526, Órgão julgador: Tribunal Pleno, Relator(a): Min. Luiz Fux, Julgamento: 30/03/2016, Publicação: 01/08/2016 in https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?base=acordaos&is_repercussao_geral=true&is_repercussao_geral_merito=true&pesquisa_inteiro_teor=false&si, RE 580252 Órgão julgador: Tribunal Pleno, Relator(a): Min. Teori Zavascki, Redator(a) do acórdão: Min. Gilmar Mendes, Julgamento: 16/02/2017, Publicação: 11/09/2017, in https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?base=acordaos&is_repercussao_geral=true&pesquisa_inteiro_teor=false&sinonimo=true&plural=true&radicais; decisão de Habeas Corpus HC 165704 Extn-quadragésima primeiro, Relator(a): Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 13-04-2021, publicado em 18-08-2021 http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticar Documento.asp sob o código 37A0-11F3-C99F-9F54 e senha 36D6-0176-8884-97B6 Finalmente em 4 de Outubro de 2023, o Supremo Tribunal Federal brasileiro (o voltou a declarar a existência de um estado de coisas inconstitucional no sistema prisional daquele país face ao cenário de grave e massiva violação dos direitos fundamentais dos reclusos (ADPF 347, Relator Ministro Marco Aurélio, com o voto prevalecente do Ministro Luís Roberto Barroso. https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/1ADPF347InformaosociedadeV2_6out23_17h55.pdf Esta decisão foi proferida na sequência da propositura de uma ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental pelo Partido Socialismo e Liberdade — PSOL que visou não só a constatação da situação de violação de direitos humanos, mas, primordialmente, o estabelecimento de um plano, por parte do STF, integrando medidas com o objectivo de combater um problema estrutural de sistema penitenciário brasileiro. Nessa decisão foi, entre outras afirmações, exarado que: «1. Há um estado de coisas inconstitucional no sistema carcerário brasileiro, responsável pela violação massiva de direitos fundamentais dos presos. Tal estado de coisas demanda a atuação cooperativa das diversas autoridades, instituições e comunidade para a construção de uma solução satisfatória. «2. Diante disso, União, Estados e Distrito Federal, em conjunto com o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Conselho Nacional de Justiça (DMF/CNJ), deverão elaborar planos a serem submetidos à homologação do Supremo Tribunal Federal, nos prazos e observadas as diretrizes e finalidades expostas no presente voto, especialmente voltados para o controle da superlotação carcerária, da má qualidade das vagas existentes e da entrada e saída dos presos. «3. O CNJ realizará estudo e regulará a criação de número de varas de execução penal proporcional ao número de varas criminais e ao quantitativo de presos.». Na época desta decisão do Supremo Tribunal Federal de Setembro de 2015, o Brasil tinha 600 mil presos, segundo dados do Ministério da Justiça. Hoje, esse número está entre 730 mil e 812 mil, conforme a metodologia de pesquisa —o primeiro número é de pesquisa do Conselho Nacional do Ministério Público e corresponde a 2018; o segundo, do Conselho Nacional de Justiça, que criou o Banco de Monitoramento de Prisões por ordem do Supremo Tribunal Federal Brasileiro, na decisão «do estado inconstitucional de coisas» proferida em Julho de 2019. Conforme os dados do CNMP, o Brasil tinha, até 2018, 729.949 presos, mas só 437.912 vagas. Superlotação de 166%, portanto. E só naquele ano 1.424 pessoas morreram enquanto estavam encarceradas. No país, havia 832.295 pessoas presas no final de 2022, número que excede em 230.578 as vagas nas unidades prisionais, segundo a 17ª Edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, organizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. De acordo com observações do Comité contra a Tortura das Nações Unidas, de 19 e 20 de Abril de 2023, o sistema prisional brasileiro ainda apresenta dificuldades susceptíveis de colocarem em crise a dignidade humana e os direitos fundamentais dos cidadãos condenados em penas de prisão ou sujeitos a medidas de coacção privativas da sua liberdade individual enquanto aguardam a tramitação dos processos, em virtude dos problemas de sobrelotação, de violência no interior da maioria dos estabelecimentos prisionais, de falta de condições de higiene e de falta de acesso a cuidados de saúde. Esta caracterização do sistema penitenciário brasileiro resultou da avaliação que decorreu entre 2020 e 2023 e deu origem a várias conclusões e recomendações segundo o relatório do Brasil sobre a aplicação da Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes (consultável no seguinte site: https://tbinternet.ohchr.org/_layouts/15/treatybodyexternal/SessionDetails1.aspx?SessionID=2627&Lang=en e https://www.ohchr.org/en/news/2023/04/dialogue-brazil-experts-committee-against-torture-praise-reduction-provisional-prison. No mesmo sentido, o relatório “Alternative report to the second periodic review of Brazil before the United Nations Committee against Torture and other Cruel, Inhuman or Degrading Treatment or Punishment”, apresentado por cinco organizações - The National Agenda for Decarceration, Conectas Human Rights, Justiça Global, Pastoral Carcerária e World Organisation Against Torture (OMCT) no site: https://tbinternet.ohchr.org/_layouts/15/treatybodyexternal/Download.aspx?symbolno=INT%2FCAT%2FCSS%2FBRA%2F52171&Lang=en) e o relatório “Joint Report of Brazilian Society”, apresentado pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos, SMDH Em defesa da vida, Pastoral Carcerária, Comissão ARNS, Associação de Familiares de Presos de Rondônia e Assessoria Popular MF, no site: https://tbinternet.ohchr.org/_layouts/15/treatybodyexternal/Download.aspx?symbolno=INT%2FCAT%2FCSS%2FBRA%2F52420&Lang=en). Entre as conclusões do Comité das Nações Unidas contra a Tortura, segundo a tradução exarada nos Acs. do STJ de 31.05.2023, proc. 78/23.9YRCBR.S1 e de 13.09.2023, proc. 78/23.9YRCBR.S2 (in http://www.dgsi.pt), destacam-se as seguintes: «Condições de detenção «(…) Conforme reconheceu a delegação, o sistema penitenciário brasileiro enfrenta enormes desafios. O Comité toma nota dos esforços feitos pelo Estado Parte para reduzir a sobrelotação nas prisões, pois isso melhora as condições de detenção. No entanto, o Comité continua profundamente preocupado com os relatos de sobrelotação na grande maioria das prisões do Estado-Parte e com a taxa geral muito alta de encarceramento, inclusive em prisão preventiva, por delitos relacionados com drogas, em particular de jovens afro-brasileiros homens e mulheres. Está seriamente preocupado com a falta de medidas efetivas para abordar as causas profundas das taxas desproporcionais de encarceramento de afro-brasileiros, incluindo sobre policiamento, discriminação racial, discriminação racial sistémica dentro das agências de aplicação da lei e outras instituições envolvidas na administração da justiça e políticas que criminalizam a posse de drogas. Além disso, o Comité está preocupado com relatos de acordos de autogoverno, possibilitados pela falta de agentes de segurança em muitas das prisões do país, tumultos frequentes que resultam em mortes, violência entre os presos e medidas de segurança inadequadas em algumas prisões. Além disso, está preocupado com atos de corrupção cometidos por agentes penitenciários e outros funcionários penitenciários. Além disso, o Comité está preocupado com relatos de: (i) terríveis condições de detenção, incluindo a situação de mulheres, menores, pessoas com deficiência e lésbicas, gays, bissexuais e transgéneros (LGBT), na maioria dos estabelecimentos prisionais, que carecem de higiene e serviços sanitários, ventilação e luz natural, acesso a água potável e quantidade suficiente de alimentos adequados; (ii) falha em separar efetivamente pessoas condenadas ou aguardando julgamento; (iii) a insuficiência dos programas de reabilitação e reinserção social; (iv) acesso insuficiente a cuidados médicos, em particular para pessoas privadas de liberdade com doenças crónicas ou sintomas da doença de coronavírus (COVID-19), consumidores de drogas e pessoas com deficiência intelectual e/ou psicossocial e falta de pessoal médico, medicamentos e equipamentos médicos. Por último, o Comité está preocupado com relatos de agressão e violência sexual em centros de detenção, com uma incidência particularmente alta no caso de mulheres detidas (art.ºs 2, 11 e 16)». O Comité expressou ainda uma séria preocupação com as graves violações dos direitos humanos, particularmente execuções extrajudiciais, tortura e violência sexual, principalmente contra afro-brasileiros durante ataques altamente militarizados em favelas, realizados por funcionários responsáveis pela aplicação da lei de diversas entidades de segurança do Estado, incluindo militares polícia, a polícia civil e a polícia rodoviária federal e instou o Brasil a: Tomar medidas urgentes para desmilitarizar as actividades de aplicação da lei; Acabar com o uso excessivo de força, especialmente força letal, por autoridades policiais e militares, e fortalecer seus mecanismos de supervisão independentes; A eliminar a superlotação em todos os centros de detenção; A resolver quaisquer deficiências relacionadas às condições gerais de vida nas prisões para garantir o pleno cumprimento das Regras de Nelson Mandela; A rever minuciosamente e, se for o caso, alterar as leis, políticas e práticas existentes para abordar as causas profundas do encarceramento desproporcional de afro-brasileiros; A garantir a continuidade do tratamento médico na prisão. A Convenção Europeia dos Direitos Humanos, estabelece no art.º 3º que, «ninguém pode ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes», sendo esta uma proibição absoluta, assim declarada pelo TEDH, pelo menos, a partir da prolação do acórdão no caso Soering v. United Kingdom, nº 14038/88, de 7 de Julho de 1989. «Article 3 of the Convention enshrines one of the most fundamental values of a democratic society. It prohibits in absolute terms torture or inhuman or degrading treatment or punishment, irrespective of the circumstances and the victim’s behaviour (Labita v. Italy [GC], no. 26772/95, § 119, ECHR 6 de Abril de 2000-IV. No mesmo sentido, entre muitos outros, os casos Pretty v. the United Kingdom, no. 2346/02, § 52, ECHR, 29 de Julho 2002-III, Ananyev and Others v. Russia nos. 42525/07 e 60800/08, § 139 a 141, ECHR 10 de Janeiro de 2012, Neshkov and Others v. Bulgaria, nos. 36925/10, 21487/12, 72893/12, 73196/12, 77718/12 e 9717/13, § 226 a 230, ECHR, 1 de Junho de 2015, Azzolina and Others v. Italy, de 26 de outubro de 2017 e Ceesay v. Austria, n.º 72126/14, § 110 a 114, de 28 de Maio de 2018, Petrosyan v. Azerbaijan, no. 32427/16, § 66 a 69, ECHR, de 28 de Fevereiro de 2022. O mesmo se afirma no art.º 5º da Declaração Universal dos Direitos Humanos Adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10.12.1948, segundo o qual «ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante». Este princípio foi reafirmado no art.º 7º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, aprovado pela Resolução n. 2.200-A, na XXI Assembleia Geral das Nações Unidas, em 16.12.1966, ratificado pelo Brasil em 24.01.1992., que também ratificou em 28.09.1989, a Convenção Internacional contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotada pela Resolução n. 39/46, da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10.12.1984. Os valores da dignidade humana e as consequentes proibições de tortura e da inflição de penas ou outros tratamentos desumanos, cruéis e degradantes encontram-se expressamente proclamados em outros tratados internacionais que vinculam o Brasil, como é o caso da Convenção Americana de Direitos Humanos, adoptada e aberta à assinatura na Conferência Especializada Interamericana Sobre Direitos Humanos em San José da Costa Rica, em 22.11.1969 e ratificada pelo Brasil em 25.09.1992 (cfr. art.ºs 5º e 11º desta convenção) e inspiram o sistema constitucional brasileiro, pelo menos, desde a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988. E também inspiram o sistema constitucional português, como resulta evidente logo no art.º 1º da Constituição da República Portuguesa onde está proclamado que «Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana», estabelecendo o art.º 25º da mesma CRP, que «integridade moral e física das pessoas é inviolável«, no nº 1 e proibindo o nº 2 a sujeição seja de quem for a tortura, ou a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos. Por conseguinte, as questões da sobrelotação e de outras fragilidades significativas ao nível da organização e funcionamento do sistema carcerário de um país assim como a existência de condições existentes nas prisões do Estado requerente, geradoras de riscos para a saúde, a integridade física, a própria vida dos reclusos, por se referirem ao sistema internacional de protecção de direitos humanos, em atenção ao perigo de a extradição representar um tratamento cruel, desumano ou degradante em violação dos art.ºs 5º da DUDH, 7º do PIDCP, 3º da CEDH e 5º da CADH, devem constituir motivos válidos de recusa da extradição, como uma causa de recusa facultativa de interesse e ordem pública a acrescer àquelas que se encontrem expressamente enumeradas em tratados bilaterais, ou multilaterais, mesmo que estes não contemplem normas expressas que prevejam a recusa da extradição, dada a desnecessidade de previsão em face da preponderância de valores jurídicos e princípios gerais em matérias de direitos humanos que são universalmente reconhecidos como normas imperativas e garantias constitucionais dos Estados. No caso vertente, a República Federativa do Brasil não deu quaisquer garantias concretas na sequência do despacho proferido em 30 de Novembro de 2023, não sendo suficiente para o efeito, a afirmação genérica de que a requerida AA não será sujeita a qualquer tratamento prisional que possa ser considerado cruel, desumano ou degradante, só porque « nos termos do artigo 5º, inciso XLVII, da Constituição Federal, "não haverá penas: "a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art.º 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis», na medida em que essa previsão constitucional não foi, até ao momento actual, impedimento bastante para as recorrentes violações de direitos humanos fundamentais dos reclusos e do risco acrescido que a simples situação de reclusão representa para a sua própria vida, fruto da superlotação nas cadeias, da inexistência de número suficiente de guardas prisionais que garantam condições de segurança mínimas, nem preveniu os tumultos frequentes que resultam em mortes, violência entre os presos, nem asseguraram medidas de segurança inadequadas em algumas prisões, nem obviou à falta de pessoal médico, medicamentos e equipamentos médicos, bem assim, aos relatos de agressão e violência sexual em centros de detenção, com uma incidência particularmente alta no caso de mulheres detidas. Do mesmo modo, que os deveres funcionais da Procuradoria da República de controle externo da atividade policial, mesmo através das inspecções trimestrais, à Penitenciária Federal de Brasília - PFBRA, visando a correção de irregularidades, ilegalidades ou eventuais abusos de poder policial, na busca por um serviço de segurança pública que seja prestado com eficiência e respeito a todos os detentos, também não se mostrou até agora suficientemente eficaz para evitar tais abusos, até porque as autoridades judiciárias brasileiras, nem sequer garantiram que seja mesmo essa a penitenciária para a qual a requerida iria cumprir a medida de prisão preventiva (como resulta da alusão a «em princípio» contida na resposta ao pedido de garantias adicionais). Em face da situação sistémica do sistema prisional brasileiro ilustrada quer, nas declarações sucessivas do Supremo Tribunal Federal brasileiro do estado de coisas inconstitucional resultante das lesões massivas dos direitos humanos dos reclusos, quer nos sucessivos relatórios do Comité da ONU contra a tortura, por ser real e eminente o risco de a requerida, uma vez entregue ao sistema de justiça brasileiro, ser sujeita a tortura e a tratamentos cruéis, desumanos e degradantes que podem até colocar em risco a sua vida, a extradição terá de ser recusada. III – DECISÃO Termos em que decidem: Indeferir o pedido, recusando a extradição de AA para a República Federativa do Brasil. Sem Custas. Notifique e proceda às comunicações necessárias. * Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art.º 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pelos Mmos. Juízes Adjuntos. Tribunal da Relação de Lisboa, 6 de Março de 2024 Cristina Almeida e Sousa Carlos Alexandre Graça Santos Silva, com voto de vencida, nos termos que seguem: VOTO DE VENCIDA: Verificadas que estão todas as causas de que depende o deferimento do pedido de extradição, por força do disposto na Convenção de Extradição entre Estados Membros da CPLP e bem assim da legislação subsidiária, contida na Lei 144/99, a nossa discordância contem-se na apreciação feita, de que Brasil não deu garantias concretas de que a requerida não será sujeita a qualquer tratamento prisional que possa ser considerado cruel, desumano ou degradante, e à consequente recusa da extradição, pela consideração de que o sistema prisional Brasileiro não garante o respeito pelos direitos humanos (civis) dos presos, nos termos supra mencionados, em face da constatação dos diversos relatórios invocados e da consideração da insuficiência do controle externo, que na garantia prestada ficou a constar que está a ser exercido pela Procuradoria da República Brasileira. Para maior facilidade de entendimento, afirmamos, desde já, que seguimos de perto o entendimento que o STJ teve em dois acórdãos sucessivos, ambos tirados no processo 78/23.9YRCBR ( 1) de idêntica natureza, também eles relativo a extradição de cidadão brasileiro (não para sujeição a julgamento, como no caso em apreço, mas para cumprimento de pena). O processado relativo à prestação das garantias em causa é relevante para se perceber os contornos específicos deste processado. Assim: i- A 30/11/2023 foi lavrado despacho nos autos em que, a par da consignação de relatos de violação de direitos humanos nas prisões do Brasil, se concluiu que «Por conseguinte, as questões da sobrelotação e de outras fragilidades significativas ao nível da organização e funcionamento do sistema carcerário de um país, assim como a existência de condições existentes nas prisões de um Estado requerente, geradoras de riscos para a saúde, a integridade física, a autodeterminação sexual e a própria vida dos reclusos, por se referirem ao sistema internacional de protecção de direitos humanos, em atenção ao perigo de a extradição representar um tratamento cruel, desumano ou degradante, em clara violação dos art.ºs 5º da DUDH, 7º do PIDCP, 3º da CEDH e 5º da CADH, considerando, ainda, o preceituado nos art.ºs 6º al. b) e nº 3, 9º nº 1 e 32º nº 4 da Lei 144/99 de 31 de Agosto, determino se solicite ao Estado Requerente da extradição, a República Federativa do Brasil, a prestação de garantias concretas de que a requerida não correrá qualquer risco de ser sujeita a tratamentos desumanos, degradantes ou cruéis, nem a formas de tratamento atentatórias por qualquer meio de sua dignidade humana, ou que possam reconduzir-se ao conceito internacional de tortura». ii- Este despacho foi transmitido pela PGR às entidades Brasileiras, designadamente ao Departamento de Recuperação de Activos; Cooperação Jurídica Internacional; Coordenação de Extradição e Transferência de Pessoas Condenadas – Extradição em Brasília nos seguintes termos, que foram dados a conhecer nos autos: «Tenho a honra de informar V. Exa que o Tribunal requer a prestação de garantias -concretas de que a requerida não correrá qualquer risco de ser sujeita a tratamentos desumanos, degradantes ou cruéis, nem a formas de tratamento atentatórias por qualquer meio de sua dignidade humana, ou que possam reconduzir-se ao conceito internacional de tortura, conforme cópia da documentação que se junta. Assim solicita a V. Exa o envio das garantias pretendidas». iii- A Coordenação-Geral de Extradição e Transferência de Pessoas Condenadas; Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional; Secretaria Nacional de Justiça Ministério da Justiça e Segurança Pública do Brasil, fez o encaminhamento do Ofício - resposta, emitido pelo «Órgão Julgador» 10ª Vara Federal Criminal da SJDF, no processo respectivo, contido nos seguintes termos (são da nossa autoria todos os sublinhados que se seguem) : «DESPACHO Conforme já salientado pelo Ministério Público Federal nos presentes autos, OSI investigados que forem, efetivamente, extraditados, inclusive (…) AA e (…), não ficarão sujeitos a qualquer tratamento prisional que possa ser considerado cruel, desumano ou degradante. Assim, 1. encaminhe-se cópia do presente despacho, com força de ofício, à Coordenação de Extradição e Transferência de Pessoas Condenadas/DRCIT, em resposta aos ofícios nºs (…) asseverando às autoridades portuguesas que os investigados a serem extraditados, inclusive (…) AA e (…) , não ficarão sujeitos a qualquer tratamento prisional que possa ser considerado cruel, desumano ou degradante, pois, nos termos do artigo 5º, inciso XLVII, da Constituição Federal, (“ não haverá penas: “a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art.º 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis”; Remetam-se também os documentos apresentados pelo Ministério Público Federal (parecer de ID 1779600048 e formulários de visita trimestral aos estabelecimentos prisionais no Distrito Federal de ID 1779600049). Os quais esclarecem que a Procuradoria da República, nesta unidade da federação, tem por obrigação funcional tutelar tais direitos, incumbência que, efetivamente, vem cumprindo, inclusive, realizando inspeções trimestrais na Penitenciária Federal de Brasília - PFBRA, onde, a princípio, os referidos investigados, inclusive (…) AA e (…) , ficarão encarcerados, exercendo o controle externo da atividade policial, visando à correção de irregularidades, ilegalidades ou eventuais abusos de poder policial, na busca por um serviço de segurança pública que seja prestado com eficiência e respeito a todos os detentos». Temos, portanto, que considerar que o Brasil enviou ao processo a garantia, pessoalizada na arguida, nos precisos termos em que foi pedida. Portanto, em face aos termos desta garantia só há as seguintes hipóteses: - ou se passou a entender que era necessária uma garantia diferente, que porventura satisfizesse outro tipo de dúvidas surgidas quanto à não submissão da arguida a tratamentos prisionais degradantes, e deveria ter sido pedida mas não foi, podendo (devendo) sê-lo ainda; - ou o Tribunal se contentou com a garantia prestada, porque perfeitamente conforme ao solicitado; - ou, ainda, o Tribunal entende que quaisquer garantias prestadas pelo Estado Brasileiro nunca satisfarão os óbices que encontra a nível de relatórios de entidades diversas, sobre as condições de insegurança para a manutenção dos direitos fundamentais em qualquer prisão em território Brasileiro. Numa situação em tudo paralela, pronunciou-se o primeiro acórdão dos STJ acima referido, publicado sob a referência 78/23.9YRCBR.S1, considerando que o acórdão recorrido (proferido pelo Tribunal da Relação) tinha ocorrido em omissão de pronúncia, não por falta de adequada garantia, mas por falta de apreciação sobre a suficiência da mesma. Repare-se na similitude das garantias: Também na situação relatada pelo STJ consta que «As Autoridades da República Federativa do Brasil enviaram garantias, sustentadas pela respetiva legislação interna, de que (…) não submeterão o extraditando a tortura ou a outros tratamentos ou penas desumanos ou degradantes.». A propósito do teor da mesma ficou dito que «Estas garantias, de natureza genérica, baseadas no direito interno, não podem deixar de, nessa base, ser entendidas como um compromisso do Estado requerente de cumprimento das obrigações que lhe são impostas pelos instrumentos de proteção contra a tortura e tratamentos desumanos ou degradante.». É que o que conta para a recusa da entrega não é a constatação de «elementos que atestem deficiências, quer sejam sistémicas ou generalizadas, quer afetem determinados grupos de pessoas ou ainda determinados centros de detenção, no que respeita às condições de detenção» porque (mutatis mutandis, considerando agora o teor do 3.º da CEDH, idêntico ao 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia a que a transcrição se refere directamente, mas com expresso reporte para o CEDH e para o caso de uma extradição para o Brasil), repete-se «a análise que essas autoridades são obrigadas a efetuar, atento o seu caráter concreto e preciso, não pode ser sobre as condições gerais de detenção existentes no conjunto dos estabelecimentos prisionais desse Estado (…) em que a pessoa em causa poderá ficar detida»; «para garantir o respeito do artigo» «a autoridade judiciária de execução, que é confrontada com elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados que atestem a existência dessas deficiências, deve verificar, em seguida, de maneira concreta e precisa, se, nas circunstâncias do caso, existem motivos sérios e comprovados para considerar que, no seguimento da sua entrega a esse» Estado «essa pessoa correrá um risco real de ser sujeita, nesse Estado (…), a um tratamento desumano ou degradante, na aceção deste artigo, em razão das condições de detenção que se prevê aplicar‑lhe». Continuando, com sublinhado nosso: «a constatação da existência de um risco real de tratamento desumano ou degradante em razão das condições gerais de detenção no Estado‑Membro de emissão não pode conduzir, enquanto tal, à recusa da execução de um mandado de detenção europeu. Com efeito, a mera existência de elementos que atestem deficiências, quer sejam sistémicas ou generalizadas, quer afetem determinados grupos de pessoas ou ainda determinados centros de detenção, no que respeita às condições de detenção no Estado‑Membro de emissão, não implica necessariamente que, num caso concreto, a pessoa em causa seja sujeita a um tratamento desumano ou degradante em caso de entrega às autoridades desse Estado‑Membro (Acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru, C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.ºs 91 e 93)»; «Assim, para garantir o respeito do artigo 4.º da Carta no caso particular de uma pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu, a autoridade judiciária de execução, que é confrontada com elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados que atestem a existência dessas deficiências, deve verificar, em seguida, de maneira concreta e precisa, se, nas circunstâncias do caso, existem motivos sérios e comprovados para considerar que, no seguimento da sua entrega a esse Estado‑Membro, essa pessoa correrá um risco real de ser sujeita, nesse Estado‑Membro, a um tratamento desumano ou degradante, na aceção deste artigo, em razão das condições de detenção que se prevê aplicar‑lhe no Estado‑Membro de emissão (Acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru, C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.ºs 92 e 94). (…)». «Se, à luz das informações fornecidas (…) bem como de quaisquer outras informações de que a autoridade judiciária de execução disponha, esta autoridade concluir que existe, relativamente à pessoa sobre a qual recai o mandado de detenção europeu, um risco real de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da Carta, a execução desse mandado deve ser adiada mas não pode ser abandonada (Acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru, C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.º 98)». «A garantia fornecida pelas autoridades competentes do Estado‑Membro de emissão de que a pessoa em causa não sofrerá tratamentos desumanos ou degradantes devido às condições concretas e precisas de detenção seja qual for o estabelecimento prisional onde ficará encarcerada no Estado‑Membro de emissão é um elemento que a autoridade judiciária de execução não pode ignorar. Com efeito, (…) a violação desse compromisso, que vincula o seu autor, poderá ser invocada contra ele perante os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de emissão». Uma vez analisadas as garantias pelo Tribunal da Relação, e mediante a recolha de novas garantias que entendeu adequadas e que se reconduziram à especificação de diferentes forma de protecção dos direitos humanos, mas que não foram sugeridas e muito menos determinadas pelo Supremo Tribunal de Justiça, veio este, no segundo acórdão, tirado sob a designação de 78/23.9YRCBR.S2, deferir a entrega, mediante a adesão à argumentação contida na decisão recorrida e argumentação adicional que se transcreve: i- «Apreciando as garantias prestadas, tendo em conta os instrumentos internacionais aplicáveis, o direito nacional brasileiro e as “observações conclusivas” do Comité contra a Tortura, das Nações Unidas, de abril de 2023 (supra, 19), diz o acórdão recorrido: “k) Partimos agora para a apreciação concreta das garantias prestadas, tendo em vista a efectiva protecção, na prisão, da pessoa procurada contra a tortura, tratamentos desumanos ou degradantes, nos termos das disposições dos instrumentos internacionais de protecção dos direitos humanos aplicáveis, em virtude das condições prisionais, nomeadamente das descritas nas “observações conclusivas” do Comité contra a Tortura, das Nações Unidas, em resultado da avaliação do relatório de aplicação da Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes (Nações Unidas, 1984), de Abril de 2023) - cf. Ac. do nosso S.T.J. de 31-5-2023 que declarou a nulidade do anterior acórdão por nós proferido (…). O Estado que requer a extradição é a República Federativa do Brasil, cuja Constituição garante os princípios do Estado de Direito Democrático e o respeito pelos direitos humanos, sendo um país plenamente reconhecido na ordem internacional, membro da O.N.U., subscritor das convenções internacionais respeitantes aos Direitos Humanos, nomeadamente a Convenção de 1987 contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes. O art.º 1.º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, estabelece o princípio da dignidade da pessoa humana como princípio basilar do Estado Democrático de Direito, e o artigo 5º do mesmo diploma fundamental garante que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante. A Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execuções Penais), estabelece que ao condenado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei (art.º 3º), que os condenados serão classificados segundo os seus antecedentes e personalidade (art.º 5º), que a assistência ao preso é dever do Estado (art.º 10.º), concretizando-se a assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa (art.º 11.º), que a assistência material consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiénicas (art.º 12.º), estipulando-se o conteúdo da assistência à saúde a prestar (art.º 14.º), que será prestada assistência judiciária aos presos sem recursos financeiros (art.º 15.º), que será facultada assistência educacional (instrução escolar e formação profissional), assistência social (art.º 22.º), assim como assistência após a restituição à liberdade (art.º 25.º), que o trabalho do condenado será regulado e garantindo-se a sua remuneração e dignidade (art.ºs 28 e ss), impondo-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos presos (art.º 40.º). O art.º 41.º ainda da mesma Lei nº 7.210, sintetiza o conjunto de direitos do recluso concretizado nas restantes normas, designadamente: o direito à alimentação suficiente e vestuário, à atribuição de trabalho e sua remuneração, previdência social, à constituição de pecúlio, à proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, ao descanso e a recreação, ao exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas, à assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa, à protecção contra qualquer forma de sensacionalismo, à entrevista pessoal e reservada com o advogado, à visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos, ao chamamento nominal, à igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena, à audiência especial com o diretor do estabelecimento, à representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito, ao contacto com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura, ao atestado de pena a cumprir. l) Em suma, a um nível mais formal, da conformação político-constitucional da República Federativa do Brasil (Estado de Direito democrático, que proclama como essencial e estruturante o respeito pela dignidade da pessoa humana), da sua vinculação internacional (com realce para a Convenção Universal dos Direitos do Homem e da Convenção de 1987 contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis), e da sua legislação interna (com destaque para a acima escrutinada Lei das Execuções Penais), resulta a conclusão de que o ordenamento jurídico a considerar estabelece garantias de protecção, na prisão, do extraditando contra a tortura, tratamentos desumanos ou degradantes. E a um nível mais concreto, tendo a República Federativa do Brasil expressamente declarado que garante a efectiva protecção de AA em meio prisional contra a tortura, tratamentos desumanos ou degradantes, assegurando-lhe um tratamento digno, quer ao nível da sua segurança, quer das condições prisionais a que ficará sujeito (designadamente sanitárias, higiene, acesso a água portável, ventilação suficiente, luz natural, quantidade e adequação de alimentos, número adequado de reclusos por cela, acesso a cuidados médicos de que venha a necessitar, facultando-lhe o acesso a programas e proporcionando-lhe os contactos familiares, tendo em vista a respectiva ressocialização e reinserção social), tal permite avaliar tais garantias como satisfatórias, no sentido de afiançar que o cumprimento da pena decorrerá nas condições descritas; acresce que a eventual violação deste compromisso concreto ora assumido constituirá fundamento para reacção por parte do extraditando, designadamente junto das autoridades prisionais responsáveis pelo acompanhamento da execução, ou junto dos órgãos jurisdicionais competentes. m) Atenta a avaliação ora efectuada das garantias prestadas, e o princípio de confiança mútua, o qual constituí princípio central da cooperação judiciária internacional, resulta a convicção de que não existe o risco real de que o cumprimento da pena de prisão, solicitada neste processo de extradição, não decorrerá em condições não respeitadoras da dignidade humana, nomeadamente por sobrelotação, graves deficiências de organização e funcionamento colocando em risco a saúde, a segurança, a integridade física ou psicológica ou a vida do extraditando. n) Concluímos assim que o pedido de extradição preenche os requisitos formais e materiais exigidos pela Convenção de Extradição da CPLP, não se verificando nenhuma causa de recusa obrigatória, nem mesmo facultativa.” 24. Carece, assim, de fundamento a alegação de nulidade do acórdão “no que concerne ao Relatório elaborado pelas Nações Unidas e que era expressamente referido pelo STJ como sendo de referência para aquilatar da viabilidade da extradição”. 25. Para além disso, dado o seu grau de especificação por referência à pessoa condenada, não pode agora afirmar-se, como faz o recorrente, que as garantias prestadas pelas autoridades brasileiras “são vazias de sentido” por “contrariarem toda a literatura sobre o assunto, para além de contrariarem ainda os Relatórios elaborados pelas Nações Unidas, onde está inequivocamente assente que o sistema prisional brasileiro não está em condições para assegurar um tratamento que não seja desumano, independentemente de ser afirmado (sem prova) que se dá garantias do contrário”. Como anteriormente se referiu e detalhadamente se explicitou (supra, 13-18), a prestação de garantias justifica-se exatamente nos casos em que, como o dos autos (supra, 18-20), se revela um risco real de violação dos direitos humanos em virtude das más condições prisionais de natureza sistémica no Estado requerente. As garantias são aceitáveis se, por existir esse risco, numa “avaliação adequada”, se puder concluir que, não obstante esse risco, a pessoa cuja extradição é pedida ficará por elas protegida em virtude do particular compromisso assumido pelo Estado requerente em assegurar a segurança e as condições de dignidade e de vida nas prisões de acordo com os standards impostos pelo direito internacional de proteção dos direitos, em conformidade com o princípio da boa fé que se impõe na sua aplicação, ao qual, para além do mais, é conferida expressão jurídica na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (supra, 20). Neste quadro, tendo em conta as implicações deste princípio e o princípio da cooperação leal que se impõe na cooperação penal entre Estados, bem como os critérios de avaliação da qualidade e de aplicação prática, nomeadamente no que respeita à entidade que emite a garantia, à sua posição institucional, à sua força vinculativa e ao seu conteúdo, ao quadro legal de proteção contra a tortura e os maus tratos, à prática do Estado requerente neste domínio e às possibilidades de verificação e controlo do cumprimento e o direito de acesso a um tribunal (cfr. Acórdão Othman (Abu Qatada) c. Reino Unido, supra, 15), não se encontra motivo que coloque em crise a avaliação, pelo tribunal recorrido, da suficiência das garantias prestadas, em suprimento da nulidade declarada no anterior acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça. Como se conclui nessa avaliação, o Estado requerente encontra-se dotado de um sistema jurídico fundado no respeito pelos direitos humanos, que garante adequadamente a proteção contra a tortura e os tratamentos desumanos ou degradantes no interior das prisões, a que se encontra vinculado, mostrando-se formalmente documentado pelo “tribunal da sentença” (artigo 65.º da Lei de Execução Penal do Estado requerente – Lei n.º 7210, de 11.7.1984) que, no caso concreto, estão reunidas as condições de proteção da pessoa e dos direitos do extraditando durante a execução da pena, o que, traduzindo-se em obrigações particulares e concretas assumidas no processo de extradição, resulta em reforçada proteção dos direitos do requerente. Acresce que, como se notou, do relatório do Comité contra a Tortura, de abril de 2023, extrai-se que são de notar os esforços que estão a ser feitos no sentido da melhoria do sistema prisional do Estado requerente, o que não pode deixar de constituir um elemento relevante de apreciação neste contexto. Daqui se podendo razoavelmente afirmar, na presença de um quadro de proteção equivalente no Estado requerido e do Estado requerente, que carece de fundamento a afirmação do recorrente de que o tribunal recorrido não procedeu a “uma avaliação adequada da situação”. 26. Pelo exposto, não ocorrendo qualquer das nulidades assinaladas e em concordância com a avaliação a que procede no acórdão recorrido, no sentido de que as garantias prestadas são “satisfatórias”, se conclui pela improcedência do recurso nesta parte.»; ii- « Tendo em conta as implicações dos princípios da boa fé e da cooperação leal que se impõem na aplicação dos tratados internacionais e na cooperação penal entre Estados, bem como os critérios de avaliação da qualidade e de aplicação prática, nomeadamente no que respeita à entidade que emite a garantia e à sua posição institucional, à sua força vinculativa e ao seu conteúdo, ao quadro legal de proteção contra a tortura e os maus tratos, à prática do Estado requerente neste domínio e às possibilidades de verificação e controlo do cumprimento e o direito de acesso a um tribunal (cfr. acórdão Othman (Abu Qatada) c. Reino Unido), não se encontra motivo que coloque em crise a avaliação, pelo tribunal recorrido, da suficiência das garantias prestadas (…)»; É completa a nossa adesão à jurisprudência transcrita, melhor explanada nos acórdãos, acessíveis em www.dgsi.pt, para os quais apenas remetemos, porque entendemos que um voto de vencido deve ser o resumo mais apertado que for possível para exprimir o iter cognitivo que leva à discordância apresentada. Aliás, esta solução decorre do disposto no artigo 7º/1, da CRP, nos termos do qual «Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios (…) da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados (…). Aplicada a transcrita jurisprudência ao caso em análise, entendemos que só há dois caminhos possíveis: ou o Tribunal considera que distintas garantias são essenciais para a apreciação segura sobre a legalidade do incumprimento da Convenção de Extradição entre Estados Membros da CPLP, e tem que as pedir, em termos concretos e pormenorizados (porque considera insuficiente a garantia dada, nos precisos termos em que foi pedida, de não sujeição da arguida a tratamentos contrários aos direitos civis, designadamente tratamentos cruéis, desumanos e degradantes); ou aceita a garantia dada e, sob pena de estarmos a interferir nos assuntos internos do Brasil, defere o pedido de extradição. Consideramos que o deferimento da extradição é a solução adequada e que se impõe, no caso, aliás em consonância com o que já decidimos em processo nº 1669/23.3YRLSB, que corre neste Tribunal, relativo a outro membro do mesmo grupo alegadamente criminoso, não encontrando fundamento legal para alterar o entendimento então exarado, confirmado pelo STJ (que abordou expressamente a questão das condições das prisões Brasileiras) e acolhido pelo Tribunal Constitucional (na parte em que foi objecto de recurso para este, claro), onde correram recursos da decisão então proferida. _______________________________________________________ 1. Com as siglas finais de S1 e S2, respectivamente, e publicados em www.dgsi.pt.

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