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Acórdão TR Évora de 2022-11-22

183/22.9YREVR

TribunalTribunal da Relação de Évora
Processo183/22.9YREVR
RelatorCarlos de Campos Lobo
DescritoresExtradição, Audiência de Julgamento, Recusa Facultativa, Pressupostos
Data do Acordão2022-11-22
VotaçãoUnanimidade

Sumário

I – Em presença do plasmado nos incisos conjugados dos artigos 56º e 57º da Lei nº 144/99, 31 de agosto, tendo sido deduzida oposição, por princípio, seria de defender que teria lugar a produção de prova e a alegações, dentro do prazo de cinco dias, antes da prolação de decisão final. II – Emergindo claro dos autos que o extraditando, toda a prova que pretendeu carrear, o fez juntando diversos documentos e que não requereu e /ou ensaiou a produção de mais prova, nomeadamente testemunhal, a realização de alegações surge como um ato sem qualquer utilidade para se almejar a decisão final. III - Inexistindo outra prova a apresentar, estando já espelhadas nos autos as posições dos aqui intervenientes Mº Pº e Extraditando, o que consta de modo detalhado e preciso, mostra-se cabalmente exercitado o contraditório, tendo o tribunal os elementos necessários que ilustram o que aqueles entendem sobre a situação que aqui se apresenta. IV - Diferente seria se tivesse sido requerida a produção de prova, para além da documental já debitada, em que sendo necessário efetivar tal, míster também seria que houvesse pronunciamento sobre a mesma, no sentido de apurar o entendimento dos intervenientes. V – A extradição representa uma forma de cooperação judiciária internacional em matéria penal, onde um Estado (requerente) pede a outro (requerido) a entrega de uma pessoa que se encontre no território deste último, para efeitos de procedimento criminal, ou de cumprimento de pena ou de medida de segurança privativa da liberdade, por ilícito de cujo conhecimento são competentes os tribunais do primeiro, sendo que tal instituto, como forma de cooperação está sujeito a importantes pressupostos negativos, justificativos da recusa de cooperação, como a não observância das exigências da Convenção Europeia para Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e de outros instrumentos relevantes na matéria, ratificados por Portugal . VI – O crime de associação criminosa caracteriza-se por constituir um grupo / associação / organização destinada à prática de um ou mais ilícitos, juntando pelo menos três pessoas, atuando concertadamente durante um certo período de tempo, onde se denota como de crucial importância, na sua definição, a verificação de um elemento pessoal, um elemento temporal, um elemento de dinâmica organizacional e um elemento subjetivo, assumindo-se como membro, toda a pessoa que faz parte, todo aquele que por incorporação na organização, a cuja vontade se submete, desenvolve atividade de promoção dos fins criminosos da mesma, não sendo, nessa demanda, necessário que participe em todas as atividades do grupo. VII – Ora, despontando como suporte do pedido de extradição o envolvimento do Extraditando em crimes de associação para o tráfico internacional de drogas e associação criminosa, ao que parece os de maior gravidade, e ainda que se possa defender estar-se perante quadro de localização duvidosa ou desconhecida, à luz do quadro legal do ordenamento jurídico português, serão competentes os tribunais brasileiros - artigo 21º do CPPenal. VIII – A noticia dos ditos crimes aconteceu no Brasil, sendo ali que primeiramente se teve conhecimento de toda esta realidade e do envolvimento do Extraditando, sendo que no panorama factual que se exibe, associação criminosa para o tráfico de estupefacientes e associação criminosa, crucial será investigar e julgar toda a matéria existente em conjunto e não parcelarmente. IX – Diga-se, também, que não se aplicaria, no caso presente, o consignado nos artigos 18º, nº 1 e 32º, nº 1, alínea a) da Lei nº 144/99 pois, como claramente transparece, está-se na presença de retrato enquadrável no regime decorrente da Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, que sendo especial, é o aplicável nesta dimensão. X - Olhando para o texto da Convenção, designadamente o inciso que trata da recusa facultativa de extradição, onde se elencam as circunstâncias em que a extradição pode ser recusada, tal qual sucede com o n.º 2 do artigo 18º da Lei nº 144/99, de 31 de agosto, nada ali se prevê que afirme a possibilidade de recusa quando a extradição possa implicar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal e, ainda perante as alegadas más condições das cadeias brasileiras e a violação dos seus direitos fundamentais. XI – Sublinhe-se, também, que a República Federativa do Brasil, sendo um Estado de Direito, rege-se por quadro normativo eivado de princípios e regras que não permitem concluir que os cidadãos estarão à mercê de situações sem controlo e sem possibilidade de intervenção das autoridades competentes, pelo que eventuais ameaças contra a vida e integridade física do Extraditando, para além de não se mostrarem ancoradas em qualquer concretização e demonstração, não constituem motivo de recusa. XII – Face ao caráter taxativo das condições que obstam à extradição, o facto de o ora extraditando ter a sua vida em Portugal, com trabalho, casa e eventualmente ligações familiares não é, naturalmente, um direito absoluto e cede perante as exigências de prestar contas à justiça, o que mais se reforça estando em causa crimes da gravidade como os que aqui exorbitam. XIII - Podendo o deferimento do pedido de extradição implicar uma rutura do projeto de vida do Extraditando em Portugal, com custos no plano pessoal e afetivo e no plano profissional, essa é a consequência normal do afastamento "forçado" do território nacional implicada na extradição. XIV - Eventuais nefastas consequências que o deferimento do pedido possa implicar para a pessoa do visado, reclamadas para a denegação facultativa da cooperação internacional, nos termos do nº 2 do artigo 18.° da Lei nº 144/99, de 31 de agosto, não têm acolhimento na Convenção como supra se notou e não podem ser utilizadas generalizadamente como recusa de cooperação pois, seguir essa linha de defesa seria contrariar todos os ideais norteadores da sua existência, e refletidas no seu introito.


Texto Integral

Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta, em funções neste Tribunal da Relação de Évora, vem requerer a execução do presente Mandado de Extradição, emitido em 25 de abril de 2022, pelas autoridades competentes da ..., no âmbito do processo de inquérito nº ...00/PR, representação criminal nº ...00/PR da ... ..., Secção ..., em que é requerido o cidadão de nacionalidade ... AA, solteiro, operador de máquinas de carga e descarga, nascido a .../.../1989, em ..., ..., ..., filho de BB e de CC, portador do passaporte nº ..., válido até 09/02/2024, residente, antes de detido na Urbanização ... – .... * O Requerido foi detido em 20 de setembro de 2022, pelas 11h00 em cumprimento do referido mandado – fase provisória dos autos -, sendo que após nomeação de defensor oficioso se procedeu à sua audição a 21 de setembro 2022, observando o formalismo expresso nos normativos combinados dos artigos 38º e 40º da Lei nº 144/99, de 31 de agosto, e sequentemente, foi decidido manter a situação de detenção provisória. O pedido formal de extradição foi apresentado, oportunamente, às autoridades portuguesas pelas autoridades da ..., tendo a Senhora Ministra da Justiça, por despacho proferido em 24 de outubro de 2020, considerado o pedido admissível e autorizado a prossecução dos seus termos. * Sequentemente, tendo-se considerado viável o pedido de extradição e face ao pedido formulado pelo Digno Mº Pº, em 26 de outubro de 2022, teve lugar a audição do extraditando neste Tribunal – 3 de novembro de 2022 -, em conformidade com o estatuído no artigo 54º da supra referida Lei, na qual, tendo aquele reafirmado o anteriormente declarado, além de não ter renunciado ao princípio da especialidade, igualmente se opôs à sua extradição. Observando o que reza o nº 1 do artigo 55º da Lei nº 144/99, de 31 de agosto, foi concedido o prazo de 8 dias para ser deduzida oposição, por escrito. * Usando-se dessa faculdade contida no citado artigo 55º veio o arguido apresentar oposição escrita, invocando, em síntese: - Os factos de que o extraditando se encontra acusado foram praticados em solo português, país onde reside desde 1 de Julho de 2017, pelo que sendo Portugal um Estado soberano, com jurisdição e competência para o procedimento criminal por partes das suas autoridades judiciárias, o pedido de extradição deve ser negado pelo Estado Português. - Igualmente prevê o artigo 32º nº 1 al. a) da mesma lei que a extradição deve ser excluída quando o crime tiver sido cometido em território português, sendo que os factos indiciários de que o extraditando se encontra acusado pelo Estado requerente ocorreram em território português; - Ainda que se trate de uma suposta rede internacional no âmbito de tráfico internacional, o requerido considera que é em Portugal que deve ser julgado. - Por outro lado, o cumprimento do pedido de extradição implicaria a sujeição do extraditando a condições degradantes, dado que as prisões brasileiras não apresentam condições condignas. Prisões sobrelotadas, camas partilhadas, celas cheias de humidade e mofo, infestadas de piolhos, ratos e outros rastejantes, estas são algumas das condições que as prisões apresentam. - É de conhecimento geral, a constante violação dos direitos humanos ocorridos nas prisões brasileiras. - Acresce que o ... vem reclamar a entrega do requerido para procedimento criminal no âmbito do processo n.º ...96 que corre termos na 9.ª Vara .../PR, visando apenas e só assegurar a necessidade do requerido contestar a acusação que pende sobre si, fim este que pode ser efetivado mantendo-se este em Portugal. Assim é inútil proceder à sua extradição. - O extraditando tem conhecimento, através da sua irmã, que tem sido alvo de ameaças contra a vida e integridade física, no ..., sendo que algumas dessas mensagens constam do próprio processo e, nessa medida, o mesmo corre sérios riscos de vida. - Reside em Portugal desde 2017, aqui fixou residência definitiva desde o início de Julho desse ano, residindo actualmente na ..., Letra ..., em ..., Concelho ..., prédio arrendado pela entidade patronal (doc.1). - É trabalhador da empresa S... limitada, desde 2 de Julho de 2021, estando efectivo na empresa (doc.2 e 3). - Fez formação na área de operadores de equipamentos WD, que lhe permite exercer a sua actividade profissional na empresa. (doc.4 e 5). - Aufere mensalmente aproximadamente €1500,00 (doc. 6, 7 e 8), (mil e quinhentos euros), ajudando todos os meses a sua família que vive no ...; - Tem uma namorada e da qual tem perspectivas de contrair matrimónio e de constituir família em Portugal, beneficiando do apoio de três primos, residentes em ....*Em resposta, o Digno Mº Pº vem opinar, em síntese: - O pedido de extradição foi formulado ao abrigo da Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (doravante referida "Convenção de Extradição da CPLP" ou "Convenção"), assinada na Cidade da Praia, dia 23-11-2015 publicada no Diário da República nº 178, lª Série, de 15-’09-2008, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 49/2008, de 15-09, ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 67/2008, da mesma data, a qual se trata de uma lei especial. - A Convenção dispõe, no seu artigo 8º (epigrafado de «Direito de defesa»), que “A pessoa reclamada gozará, no Estado requerido, de todos os direitos e garantias que conceda a legislação desse Estado …”, direito esse conformado pelas normas constantes do artigo 55º («Oposição do extraditando») da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto. - Atento o disposto no nº 2 do referido artigo 55º “A oposição só pode fundamentar-se em não ser o detido a pessoa reclamada ou em não se verificarem os pressupostos da extradição.” - Como resulta do próprio Auto de Audição e o reafirma na oposição apresentada o oponente é a pessoa reclamada. - Por seu turno, os casos de inadmissibilidade da extradição, como os titula o artigo 3º nº 1 da CONVENÇÃO são os taxativamente elencados e nenhum deles ocorre, em concreto. - Acresce que o cidadão reclamado não é nacional português, sendo penalmente imputável, em razão da idade. - Igualmente não se verifica qualquer das causas de recusa facultativa de Extradição, não apresentando a oposição qualquer fundamento que seja suscetível de conduzir à recusa, obrigatória ou facultativa da Extradição. - Pretende ainda o Oponente que o pedido deve ser negado, porquanto «os factos indiciários de que o extraditando se encontra acusado pelo Estado requerente, todos ocorreram em território português. - Consta da matéria indiciária que o pedido de Extradição do Oponente resulta da sua identificação «no âmbito da operação “Risco Duplo”, como membro de uma organização criminosa que se dedica ao tráfico internacional de droga» e « A investigação revelou que AA está associado aos cabecilhas da organização criminosa investigada, sendo um dos que estão encarregados de receber a cocaína enviada do ... e transportada pelos “correios” recrutados pela organização, assim como da sua distribuição em território europeu.». - Está imputada a prática, em co-autoria material. dos crimes de Tráfico internacional de estupefacientes e Associação Criminosa, pp nos Artigos 35 e 40 da Lei 11 343/2006, Artigo 2 da Lei 12.850/2003. - O crime de associação criminosa configura-se como um crime de comparticipação necessária; para que a organização exista indispensável se torna a comparticipação de vários agentes, com ressalva da modalidade de acção traduzida na “promoção” - Figueiredo Dias, “Associações Criminosas”, pág. 65 e Comentário Conimbricense, § 43, pág. 1172. - Trata-se de um crime em que os contributos dos vários comparticipantes para o facto se dirigem, na mesma direcção, à violação do bem jurídico - Paulo Pinto Albuquerque “Comentário do CP, UCE, 2008, pág. 753”. - O Oponente efectuou as «tarefas» distribuídas e acordadas, de acordo com o plano comum, no alcance da solução global, sendo co-autor dos imputados crimes, devendo imputar-se-lhe toda a acção como se sua e própria; como se se tratasse de uma pessoa com muitas mãos, pés, muitas línguas …, no dizer de Fernanda Palma , citada no CP anotado por Miguez Garcia e Castela Rio, 172 . - Sendo a prática de todos os factos imputada a todos e cada um dos membros da Organização/Associação, todos têm de ser julgados no mesmo processo. - Os crimes estão a ser investigados na ..., no âmbito do Processo nº ...00, que corre termos na ... ..., Secção ..., no ... e, em Portugal não pende ou pendeu Processo pelos mesmos factos, nem há conhecimento de correr termos processo pelos factos respeitantes aos autos que requerem a extradição. - Em caso de pendência de Processos só seria caso de Recusa facultativa de extradição, «A pessoa reclamada estiver a ser julgada no território do Estado requerido pelos factos que fundamentam o pedido» - al c) do artº 4º da Convenção. - Ao contrário da pretensão do Oponente não ««É em Portugal que o extraditando deve ser julgado, segundo a Lei portuguesa. - A má condição das prisões brasileiras, não é motivo de recusa de Extradição. - Evocando o artº 6º nº 1 al a) da Lei nº 144/99, vem o Oponente referir que «Portugal, país respeitador dos direitos humanos e da DUDH e da CEDH, não pode sujeitar um cidadão residente no seu país, a sofrer ou a correr sérios riscos de sofrer violação dos seus direitos humanos, em consequência do pedido de extradição. - Trata-se de uma alegação genérica, sem especificação em concreto. - Por seu turno, no artº 3.º da Convenção não consta o funcionamento deficiente do sistema prisional, sendo certo que não vem alegado qualquer risco sério especificamente quanto à pessoa do extraditando). - Entende o Oponente que «sendo a extradição para efeitos de procedimento criminal, o fim visado pela mesma é apenas e só o assegurar a necessidade do requerido contestar a acusação que pende sobre si...”; - As Autoridades Judiciais da ... ao fazerem difundir pela INTERPOL um pedido de detenção provisória com vista à Extradição comprometeram-se apresentar o pedido formal no prazo consignado no nº 4 do artº 21º da Convenção, sendo que no referido prazo apresentaram pedido formal, não alterando a solicitação inicial ou a medida de coacção imposta. - Quanto às ameaças contra a integridade e a vida do Extraditando, no ..., sempre se dirá que se as mesmas ocorrerem, poderá apresentar queixa às Autoridades Judiciárias. - A ... é um Estado soberano de democracia institucionalmente instituída e consolidada, sendo que constitucionalmente garante no seu artº 1º a dignidade da pessoa humana, no artº 2º consagra a independência dos poderes legislativo, executivo e judiciário e no artº 4º descrimina os princípios por que se rege nas suas relações internacionais. - Também, no seu art.º 5º garante que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. - Quanto às relações familiares, não se encontra tal razão, consubstanciada como causa de recusa do pedido de Extradição - artigo 18.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31/8 – nem elencada como motivo de recusa na Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP - os artigos 3º e 4º. *Importa, desde já, ponderar uma nota prévia. Em presença do plasmado nos incisos conjugados dos artigos 56º e 57º da Lei nº 144/99, 31 de agosto, tendo sido deduzida oposição, por princípio, seria de defender que teria lugar a produção de prova e a alegações, dentro do prazo de cinco dias, antes da prolação de decisão final. Consultando os autos, emerge claro que o extraditando, toda a prova que pretendeu carrear, o fez juntando diversos documentos, não tendo requerido e /ou ensaiado a produção de mais prova, nomeadamente testemunhal. Nesta senda, a realização de alegações surge como um ato sem qualquer utilidade para se almejar a decisão final. Decididamente, inexistindo outra prova a apresentar, as posições dos aqui intervenientes Mº Pº e Extraditando, já se mostram espelhadas nos autos, decorrendo do pedido formulado pelo Digno Mº Pº, do posicionamento assumido pelo Extraditando, o que fez de modo detalhado e preciso, na oposição encetada, mostrando-se cabalmente exercitado o contraditório, tendo o tribunal os elementos necessários que ilustram o que aqueles entendem sobre a situação que aqui se apresenta. Diferente seria se tivesse sido requerida a produção de prova, para além da documental já debitada, em que sendo necessário efetivar tal, míster também seria que houvesse pronunciamento sobre a mesma, no sentido de apurar o entendimento dos intervenientes. E não se diga, em confronto à linha que aqui se perfilha, que por alguma forma se está a afastar o exercício pleno do contraditório, o qual se assume no hodierno processo penal com o sentido e o conteúdo das máximas audiatur et altera pars e nemo potest inauditu damnari, impondo que seja dada a oportunidade a todo o participante processual de ser ouvido e de exibir as suas razões antes de ser tomada qualquer decisão que o afete[1]. Revertendo ao caso dos autos, exulta que se mostra cumprido o princípio do contraditório. O Extraditando foi ouvido nos autos em 21 de setembro e em 3 de novembro de 2022, tendo sido nesta data notificado para deduzir oposição ao pedido de extradição, tal exercitou, juntando diversos documentos para sustentar o seu posicionamento, sem requerer quaisquer diligências de prova. Assim sendo, é-se de entendimento que in casu, inexiste razão para que haja lugar a alegações e, nessa medida, que se não mostra beliscado o disposto no artigo 56º do citado complexo legal, prosseguindo os autos de imediato, para a decisão final[2].*Colhidos os vistos, cumpre assim decidir.*Emergem como questões essenciais a ponderar: - Competência dos Tribunais Portugueses para julgar os factos apontados ao Extraditando; - Sujeição do Extraditando a condições degradantes face à situação das prisões brasileiras; - Inutilidade da extradição; - Perigo para a vida e integridade física do Extraditando; - Centro da vida do Extraditando em Portugal.*FUNDAMENTAÇÃO A) O circunstancialismo fáctico que se entende provado e com interesse para a decisão é o seguinte: 1.Na ..., corre os seus termos o processo de inquérito nº ...00/PR – representação criminal nº ...00/PR, da ... ..., Secção ... - no qual o Extraditando se encontra indiciado pela prática, em co-autoria, de factos integradores dos crimes de tráfico internacional de drogas, associação para o tráfico internacional de drogas e associação criminosa, p. e p., respetivamente, pelos artigos 33º, 35º, com referência ao artigo 40º, ponto I, todos da Lei 11343/2006 e 1º e 2º, parágrafo 4º, ponto V da Lei 12850/2003. 2.Aos aludidos ilícitos, de acordo com os normativos citados cabem, aos dois primeiros, as penas de 5 a 15 anos de prisão e 3 a 10 anos de prisão, podendo ser agravadas estas molduras de 1/6 a 2/3, sendo que ao último, a pena de 3 a 8 anos de prisão, podendo ser agravada em 1/6 a 2/3. 3.Os crimes imputados ao aqui extraditando têm correspondência no ordenamento jurídico português, assumindo-se como crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos normativos combinados dos artigos 21º e 24º, alínea f) do DL nº 15/93, de 22 de janeiro, ao qual cabe a pena de 5 a 15 anos de prisão, e de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 28º do mesmo complexo normativo, ao qual cabe a pena de 10 a 25 anos de prisão. 4.A autoridade ... emitente do mandado visa a extradição do visado para responder ao processo em referência, indicando que com tal pretende aplicar a prisão preventiva, tendo emitidos os respetivos mandados de prisão preventiva com o nº ...00/PR. 5.Os factos indiciados e apontados ao extraditando consistem em (…) Entre os dias 4 de Outubro de 2018 e 24 de Abril de 2022, na cidade .../PR, ... «AA, cidadão ... a residir em Portugal, foi identificado, no âmbito da operação “...”, como membro de uma organização criminosa que se dedica ao tráfico internacional de droga. O modus operandi da organização consiste em aliciar indivíduos jovens, com boa aparência, de baixos rendimentos e residindo, na sua maioria, nos bairros mais desfavorecidos da cidade ..., para transportar a cocaína na sua bagagem para a Europa, com promessas de dinheiro fácil e uma viagem à Europa paga pelos angariadores. A droga seria entregue a outros membros da organização na Europa. A investigação revelou que AA está associado aos cabecilhas da organização criminosa investigada, sendo um dos que estão encarregados de receber a cocaína enviada do ... e transportada pelos “correios” recrutados pela organização, assim como da sua distribuição em território europeu.» 6.O extraditando, também tratado como DD, foi identificado como estando ligado a um grupo que integrado por EE, FF o qual se dedica a traficar droga advinda do ... e disseminada pela Europa através de “mulas”. 7.Há indícios de que o extraditando por algumas vezes avisou o tal EE da prisão de algumas “mulas”, providenciando este por advogados. 8.O extraditando foi alvo de detenção provisória pela autoridade policial portuguesa em 20 de setembro de 2022, pelas 11horas, em cumprimento do Mandado de Detenção Internacional, inserido no Sistema da Interpol, com o nº 2022/61385, tendo sido o mesmo apresentado a interrogatório no dia 21 de setembro de 2010, na sequência do qual ficou o mesmo em detenção. 9.O pedido de extradição foi formalizado pelo ..., através do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, dirigido à Procuradoria Geral da República Portuguesa, tendo aqui obtido parecer favorável. 10.Por Despacho nº ...22 de 24 de outubro de 2022, a Exma. Senhora Ministra da Justiça declarou admissível o pedido de extradição de AA, nos termos do estipulado nos artigos 1º, 2º, nº 1 e 10º, nºs 1 e 3 da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, ainda 3º e 4º, a contrario da mesma Convenção e 6º a 8º a contrario e 48º, nº2 da Lei nº 144/99, de 31 de agosto. 11.No pedido de extradição mostram-se assumidas as seguintes garantias por parte da ...: i- não submeter o extraditando a prisão ou processo por facto anterior ao pedido de extradição; ii- computar o tempo da prisão que, no Estado requerido, foi imposta por força da extradição; iii- comutar a pena corporal, perpétua ou de morte em pena privativa da liberdade, respeitando o limite máximo de cumprimento de 30 (trinta) anos; iv- não entregar o extraditando, sem consentimento do Estado requerido, a outro Estado que o reclame; v- não considerar qualquer motivo político para agravar a pena; e vi- não submeter o extraditando a tortura, tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes, penas de morte, desterro, prisão perpétua ou confisco. 12.O pedido formal das autoridades do ... deu entrada nos presentes autos em 26 de outubro de 2022. 13. Desconhece-se a existência em Portugal de qualquer processo relativo aos factos aqui em causa. 14.O Extraditando vive em Portugal desde 2017, residindo na Urbanização ..., Letra ..., em ..., Concelho ..., prédio arrendado pela entidade patronal. 15.Trabalha na empresa S... limitada, desde 2 de julho de 2021, estando efectivo na empresa. 16.Frequentou uma formação na área de movimentação de cargas - operadores de equipamentos WD. 17.Aufere mensalmente aproximadamente €1500,00 (mil e quinhentos euros) compreendendo vencimento, alimentação e ajudas de custo, ajudando todos os meses a sua família que vive no .... 18.A casa onde vive é-lhe proporcionada pela entidade patronal. B) Não se consideram provados: 1.Tem uma namorada e da qual tem perspectivas de contrair matrimónio e de constituir família em Portugal; 2.Em Portugal, tem ainda o apoio de três primos, residentes em .... C) O Tribunal formou a sua convicção do seguinte modo: - Quanto á matéria provada, e relativa aos pontos 1 a 13, no exame e valoração conjunta dos documentos constantes dos autos, mormente o Fax e elementos anexos de fls.10 a 14, o Despacho da Exma. Senhora Ministra cuja cópia consta de fls. 49 e 50, o posicionamento da Exma. Senhora Procuradora Geral da República cuja cópia se encontra a fls. 51 e 52 e todo o pedido formal de extradição, junto a fls. 53 a 121, de onde se retira a materialidade que se imputa ao extraditando e, bem assim, as garantias que o ... se propõe cumprir; a factualidade respeitante ao ponto 14, nas declarações do extraditando que neste aspeto se revelaram claras e no documento de fls. 145, a relativa aos pontos 15, 17 e 18, nos documentos de fls. 139 a 145 e quanto ao facto referido em 16, no documento de fls.146. - Relativamente à matéria não provada, assim se concluiu por total ausência de elementos probatórios seguros e consistentes que a elucidassem. * APRECIAÇÃO Reputa-se inquestionável, pensa-se, que a extradição representa uma forma de cooperação judiciária internacional em matéria penal, onde um Estado (requerente) pede a outro (requerido) a entrega de uma pessoa que se encontre no território deste último, para efeitos de procedimento criminal, ou de cumprimento de pena ou de medida de segurança privativa da liberdade, por ilícito de cujo conhecimento são competentes os tribunais do primeiro[3]. Por seu turno, a sua admissibilidade, quando Portugal é o Estado requerido (extradição passiva) como no caso presente, mostra-se ancorada em tratados e convenções internacionais, e, na sua falta ou insuficiência, na lei relativa à cooperação internacional - Lei nº 144/99, de 31 de agosto, e ainda pelas disposições do CPPenal, como expressamente o menciona o artigo 229° do mesmo Código em consonância com o estipulado no artigo 3°, nºs 1 e 2, daquela Lei. Sublinhe-se, também, que a extradição como forma de cooperação está sujeita a importantes pressupostos negativos, justificativos da recusa de cooperação, como a não observância das exigências da Convenção Europeia para Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e de outros instrumentos relevantes na matéria, ratificados por Portugal[4]. In casu, tratando-se de pedido formulado pelas autoridades da ..., destinando-se o mesmo à extradição de cidadão ..., verifica-se que aquele se apresenta ao abrigo da Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (doravante referida abreviadamente por Convenção), assinada na Cidade ..., em 23 de novembro de 2015 publicada no Diário da República n° 178, lª Série, de 15 de setembro de 2008, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n° 49/2008, de 15 de setembro, ratificada pelo Decreto do Presidente da República n° 67/2008, da mesma data, a qual entrou em vigor, para a República Portuguesa, no dia 1 de março de 2010 (data do depósito do instrumento de ratificação, nos termos do artigo 24° da Convenção). Na ..., a Convenção de Extradição da CPLP foi aprovada pelo Decreto Legislativo n° 45, de 2009, vigorando nesse Estado, no plano jurídico externo, desde 1 de junho de 2009. Foi promulgada pelo Decreto Presidencial n° 7.935, de 19 de fevereiro de 2013, entrando em vigor no plano jurídico interno ... na data da publicação desse Decreto, em 20 de fevereiro de 2013 (Diário Oficial da União, Secção 1, n° 34, p. 28). Diga-se, ainda, que em tudo o que a afirmada Convenção não regular, há que apelar às regras insertas na já citada Lei nº 144/99, de 31 de agosto. Igualmente há a notar que a recusa da extradição, em situações como a que se apresenta, só pode fundar-se em alguma das causas taxativamente elencadas nos artigos 3 º - inadmissibilidade de extradição[5] -, e 4º - recusa facultativa de extradição[6] - e, também, pelos motivos consignados no artigo 55º, nº 2 da Lei nº 144/99, de 30 de agosto[7]. Tomando o aludido palco legal, a materialidade pertinente dada como assente e, bem assim, todo o opinado pelo Extraditando e pelo Digno Mº Pº, cumprirá então apurar das questões que aqui se suscitam.*a- Competência dos Tribunais Portugueses para julgar os factos apontados ao Extraditando Num primeiro momento vem o Extraditando defender, em breviário, que Os factos de que se encontra acusado foram praticados em solo português, país onde reside desde 1 de Julho de 2017, pelo que sendo Portugal um Estado soberano, com jurisdição e competência para o procedimento criminal por partes das suas autoridades judiciárias, o pedido de extradição deve ser negado pelo Estado Português (…)- Igualmente prevê o artigo 32º nº 1 al. a) da mesma lei que a extradição deve ser excluída quando o crime tiver sido cometido em território português, sendo que os factos indiciários de que o extraditando se encontra acusado pelo Estado requerente ocorreram em território português. Atentando na factualidade suporte do pedido apresentado pelas autoridades brasileiras, e a concatenando com os ilícitos que se apontam, mormente associação para o tráfico internacional de drogas e associação criminosa, é-se tentado a concluir que não assiste razão ao invocado, partilhando o posicionamento vertido pelo Digno Mº Pº. Parece insofismável que a associação criminosa se caracteriza por constituir um grupo / associação / organização destinada à prática de um ou mais ilícitos, juntando pelo menos três pessoas, atuando concertadamente durante um certo período de tempo, onde se denota como de crucial importância, na sua definição, a verificação de um elemento pessoal, um elemento temporal, um elemento de dinâmica organizacional e um elemento subjetivo[8]. Acresce, que assume a qualificativa de membro, pessoa que faz parte, todo aquele que por incorporação na organização, a cuja vontade se submete, desenvolve atividade de promoção dos fins criminosos da mesma, não sendo, nessa demanda, necessário que participe em todas as atividades do grupo[9] . Diga-se, também, que face a todo o relato constante do pedido de extradição, suporte existente para o caminho decisório nestes autos, os crimes de associação para o tráfico internacional de drogas e associação criminosa, ao que parece os de maior gravidade, e ainda que se possa defender estar-se perante quadro de localização duvidosa ou desconhecida, à luz do quadro legal do ordenamento jurídico português, serão competentes os tribunais brasileiros - crime de localização duvidosa ou desconhecida a que se refere o artigo 21º do CPPenal (…) Se o crime estiver relacionado com áreas diversas e houver dúvidas sobre aquela em que se localiza o elemento relevante para a determinação da competência territorial, é competente para dele conhecer o tribunal de qualquer das áreas, preferindo o daquela onde primeiro tiver havido notícia do crime (…) Se for desconhecida a localização do elemento relevante, é competente o tribunal da área onde primeiro tiver havido notícia do crime. Na verdade, a noticia dos ditos crimes aconteceu no ..., sendo ali que primeiramente se teve conhecimento de toda esta realidade e do envolvimento do Extraditando. Frisar, ainda, que no panorama factual que se exibe, associação criminosa para o tráfico de estupefacientes e associação criminosa, crucial será investigar e julgar toda a matéria existente em conjunto e não parcelarmente. Por outra banda, como o defendido pelo Digno Mº Pº (…) (e) m Portugal não pende ou pendeu Processo pelos mesmos factos, nem há conhecimento de correr termos processo pelos factos do Processo pendente no .... Importa ainda salientar, na esteira do propugnado pelo Digno Mº Pº, que não se aplicaria, no caso presente mesmo a seguir a linha de argumentação do Extraditando, o consignado nos artigos 18º, nº 1 e 32º, nº 1, alínea a) da Lei nº 144/99 pois, como claramente transparece, está-se na presença de retrato enquadrável no regime decorrente da Convenção, que sendo especial, é o aplicável nesta dimensão. E, nesta base, envergando esta uma normação própria, taxativa e explícita em matéria de causas de recusa da extradição, mormente de recusa facultativa, é esta que deverá ser seguida[10]. Ante todo o exposto, falece este segmento argumentativo.*b- Sujeição do Extraditando a condições degradantes face à situação das prisões brasileiras Este conspecto recursivo, atém-se na invocação de que (…) o pedido de extradição implicaria a sujeição do extraditando a condições degradantes, dado que as prisões brasileiras não apresentam condições condignas. Prisões sobrelotadas, camas partilhadas, celas cheias de humidade e mofo, infestadas de piolhos, ratos e outros rastejantes, estas são algumas das condições que as prisões apresentam, sendo do (…) conhecimento geral, a constante violação dos direitos humanos ocorridos nas prisões brasileiras. Cumpre no imediato referir que, ao que se pensa, não se poderá generalizar esta proposição, afirmando que em todas as prisões do ... o quadro relatado se verifica. Olhando para o texto da Convenção, designadamente o inciso que trata da recusa facultativa de extradição, onde se elencam as circunstâncias em que a extradição pode ser recusada, tal qual sucede com o n.º 2 do artigo 18º da Lei nº 144/99, de 31 de agosto, nada ali se prevê que afirme o aqui pretendido pelo Extraditando, ou seja, a possibilidade de recusa quando a extradição possa implicar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal[11]. O mesmo se diga quanto às alegadas más condições das cadeias brasileiras bem como sobre a invocada violação dos seus direitos fundamentais. A propósito, tem sido esta a linha que vem sendo seguida pela jurisprudência, mormente pelo STJ[12] pois, todas as causas de inadmissibilidade de extradição e de recusa facultativa estão previstas respetivamente nos artigos. 3.º e 4.º da Convenção. Nesta senda, não se prevendo nessa Convenção a possibilidade de recusa da extradição por o seu deferimento poder implicar consequências graves para o visado e pelas razões concretamente invocadas pelo recorrente, improcede esta alegação.*c - Inutilidade da extradição Pretende-se, por esta via, defender que a extradição visando apenas e só assegurar a necessidade do requerido contestar a acusação que pende sobre si, fim este que pode ser efetivado mantendo-se este em Portugal. Assim é inútil proceder à sua extradição. Respeitando sempre, melhor e mais avisada opinião contrária, crê-se que este segmento revidendo não tem qualquer suporte no todo processual que aqui atraca. Efetivamente, de todos os elementos fornecidos, parece resultar que o que está em causa é uma investigação, complexa, relativa a crimes de gravidade reconhecida, sendo que em relação ao Extraditando é pedida a sua prisão preventiva – cfr. fls. 53-vº. Transparece de todo o processado que a extradição do requerido não é, como se afirma, para a mera possibilidade de contestar, mas antes garantir e salvaguardar a investigação que decorre e, nessa linha, assegurar que todos os meios de prova não se dispersam nem dissipam. Nestes termos, e sem necessidade de outros considerandos, é de concluir pela inoperância, também aqui, do alegado.*d- Perigo para a vida e integridade física do Extraditando A suportar esta premissa, vem o Extraditando dizer que (…) tem conhecimento, através da sua irmã, que tem sido alvo de ameaças contra a vida e integridade física, no ..., sendo que algumas dessas mensagens constam do próprio processo e, nessa medida, o mesmo corre sérios riscos de vida. Salvo melhor e mais avisada opinião, nada transparece de todo o acervo probatório existente nos autos, incluindo o trazido pelo Extraditando, que tal alegação ilustre e minimamente esquadrinhe. Com efeito, cimenta o Extraditando a sua tese em considerações meramente conclusivas ao atribuir concreta e pessoalmente risco de vida, alegações essas que carecem de concretização e demonstração. Refere-se a uma mensagem que consta dos processado[13], o que por si só, pensa-se, não é o bastante para demonstrar o que se aduz, podendo ter as mais diversas leituras. Por seu turno, há que sublinhar que a ..., sendo um Estado de Direito, rege-se por quadro normativo eivado de princípios e regras que não permitem concluir que os cidadãos estarão à mercê de situações sem controlo e sem possibilidade de intervenção das autoridades competentes. Ao que soma que a recusa de extradição por razões de segurança não encontra acolhimento nesse sentido, quer seja na Convenção, quer noutras disposições subsidiárias[14]. Por fim, sempre se diga que o princípio de confiança mútua que subjaz e constitui o cerne da cooperação judiciária internacional funda-se na firme convicção de que todos os subscritores dos instrumentos daquela cooperação comungam de um conjunto de valores nucleares tributários dos direitos do Homem, estando sujeitos aos mesmos mecanismos específicos e comuns da garantia daqueles valores[15]. Em presença do acima dito, igualmente sucumbe esta vertente da oposição deduzida.*e - Centro da vida do extraditando em Portugal Por fim, opina o Extraditando que (…) Reside em Portugal desde 2017 (…) É trabalhador da empresa S... limitada, desde 2 de Julho de 2021, estando efectivo na empresa (…) (A)ufere mensalmente aproximadamente €1500,00, enfim tem em Portugal o seu centro de vida. Não se questionando que o Extraditando desde 2017, possa ter em Portugal o seu núcleo essencial de vida, cumpre no imediato reafirmar o caráter taxativo das condições que obstam à extradição, sendo, ao que parece pacífico, que o facto de o ora Extraditando ter a sua vida em Portugal, com trabalho, casa e eventualmente ligações familiares não é, naturalmente, um direito absoluto e cede perante as exigências de prestar contas à justiça[16], o que mais se reforça estando em causa crimes da gravidade como os que aqui exorbitam. De facto, mostra-se inquestionável que o deferimento do pedido de extradição, podendo implicar (…) uma ruptura do projecto de vida do extraditando em Portugal, com custos no plano pessoal e afectivo e no plano profissional (…) essa consequência é a consequência normal do afastamento "forçado" do território nacional implicada na extradição[17]. Eventuais nefastas consequências que o deferimento do pedido possa implicar para a pessoa do visado, reclamadas para a denegação facultativa da cooperação internacional, nos termos do nº 2 do artigo 18.° da Lei nº 144/99, de 31 de agosto, as quais não têm acolhimento na Convenção como supra se notou, não podem ser utilizadas generalizadamente como recusa de cooperação pois, seguir essa linha de defesa, seria contrariar todos os ideais norteadores da sua existência, e refletidas no seu introito - Desejosos de incrementar a cooperação judiciária internacional em matéria penal e convencidos da necessidade de a simplificar e agilizar; Reconhecendo a importância da extradição no domínio desta cooperação; Animados do propósito de combater de forma eficaz a criminalidade. Ante tal, resta concluir pela improcedência deste posicionamento E, nesse seguimento, sucumbe todo o pretendido pelo Extraditando. DISPOSITIVO Nestes termos, pelos fundamentos expendidos, acordam os juízes desembargadores da 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em deferir o Pedido de Extradição intentado pelo Digno Mº Pº e, em consequência, a) Autorizar a extradição para a ... de AA, solteiro, operador de máquinas de carga e descarga, nascido a .../.../1989, em ..., ..., ..., filho de BB e de CC, portador do passaporte nº ..., válido até 09/02/2024, residente, antes de detido na Urbanização ... – ...; b) Determinar que se mantenha a detenção provisória do Extraditando, nos termos já anteriormente fixados. Sem tributação. Notifique, sendo o Extraditando pessoalmente. Proceda às necessárias comunicações. Após trânsito, proceda-se à entrega no mais curto prazo possível, tendo-se em atenção o disposto no artigo 13º da Convenção. Évora, 22 de novembro de 2022 (o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94.º, nº 2, do C.P.P.) Carlos de Campos Lobo (Relator)) Ana Bacelar ( 1.ª Adjunta) Renato Barroso (2.º Adjunto) ___________________________________ [1] Neste sentido o Acórdão do STJ, de 05/12/2012, proferido no Processo nº 105/11.2TBRMZ.E1-A.S, disponível em www.dgsi.pt. [2] Neste sentido o Acórdão do STJ de 11/01/2018, proferido no Processo nº 1331/17.6YRLSB.S1 onde se pode ler (…) Não sendo determinada nem requerida a realização de diligências de prova, designadamente a inquirição de testemunhas, não existe razão que justifique a realização da audiência, mostrando-se respeitado o princípio do contraditório sobre a posição do MP com a notificação efectuada ao extraditando para deduzir oposição ao pedido de extradição (o que este efectuou, juntando documentos), ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06/10/2021, proferido no Processo nº 1627/21.2YRLSB-3. [3] Neste sentido, entre outros, o Acórdão do STJ de 01/08/2022, proferido no Processo nº 1113/22.3YRLSB.S1, disponível em www.dgs.pt. [4] GOMES CANOTILHO, José Gomes, VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, de 2007, volume I, p. 534. [5] Artigo 3.º Inadmissibilidade de extradição 1 — Não haverá lugar a extradição nos seguintes casos: a) Quando se tratar de crime punível com pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física; b) Quando se tratar de crime que o Estado requerido considere ser político ou com ele conexo. A mera alegação de um fim ou motivo político não implicará que o crime deva necessariamente ser qualificado como tal; c) Quando se tratar de crime militar que não constitua simultaneamente uma infracção de direito comum; d) Quando a pessoa reclamada tiver sido definitivamente julgada, indultada, beneficiada por amnistia ou objecto de perdão no Estado requerido com respeito ao facto ou aos factos que fundamentam o pedido de extradição; e) Quando a pessoa reclamada tiver sido condenada ou dever ser julgada no Estado requerente por um tribunal de excepção; f) Quando se encontrarem prescritos o procedimento criminal ou a pena em conformidade com a legislação do Estado requerente ou do Estado requerido. 2 — Para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 não se consideram crimes de natureza política ou com eles conexos: a) Os crimes contra a vida de titulares de órgãos de soberania ou de altos cargos públicos ou de pessoas a quem for devida especial protecção segundo o direito internacional; b) Os actos de pirataria aérea e marítima; c) Os actos a que seja retirada natureza de infracção política por convenções internacionais de que seja parte o Estado requerido; d) O genocídio, os crimes contra a Humanidade, os crimes de guerra e infracções graves segundo as Convenções de Genebra de 1949; e) Os actos referidos na Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1984 [6] Artigo 4.º Recusa facultativa de extradição A extradição poderá ser recusada se: a) A pessoa reclamada for nacional do Estado requerido; b) O crime que deu lugar ao pedido de extradição for punível com pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida; c) A pessoa reclamada estiver a ser julgada no território do Estado requerido pelos factos que fundamentam o pedido; d) A pessoa reclamada não puder ser objecto de procedimento criminal em razão da idade; e) A pessoa reclamada tiver sido condenada à revelia pela infracção que deu lugar ao pedido de extradição, excepto se as leis do Estado requerente lhe assegurarem a possibilidade de interposição de recurso, a realização de novo julgamento ou outra garantia de natureza equivalente [7] A oposição só pode fundamentar-se em não ser o detido a pessoa reclamada ou em não se verificarem os pressupostos da extradição. [8] Neste sentido, GARCIA, M. Miguez, RIO, J. M. Castela, Código Penal Parte geral e especial – Com Notas e Comentários, 2º Edição, 2015, Almedina, p. 1175. Na mesma linha o Acórdão do STJ de 18/02/2002, proferido no Processo nº 02P3217-JSTJ000, disponível em www.dgsi.pt - Na esteira da doutrina, tem sido entendido que os elementos típicos do crime de associação criminosa são: a pluralidade de pessoas (duas ou mais pessoas); uma certa duração ou permanência do grupo, organização ou associação; um mínimo de estrutura organizatória que sirva de substracto material à existência de algo que supere os agentes; uma qualquer formação de vontade colectiva; um sentimento de ligação por parte dos membros da associação. [9] GARCIA, M. Miguez, RIO, J. M. Castela, ibidem, p. 1176. No mesmo sentido, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora p. 1114 – membro (…) é aquela pessoa que integra as suas fileiras, engrossando o seu número de pessoas disponíveis (…) na disponibilidade do membro (…) reside a razão de se da censura penal (…) implica subordinação à vontade coletiva (…) não tendo o membro de conhecer todas as actividades da associação, nem sequer nelas participar. [10] Neste sentido o Acórdão do STJ referido na nota 3, ode se pode ler, I - O art. 4.º, al. c), da Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa permite a recusa facultativa da extradição quando a pessoa reclamada estiver a ser julgada no território do Estado requerido pelos factos que fundamentam o pedido. II - Para tanto, revela-se insuficiente a mera pendência de inquérito, tendo de estar em curso um julgamento pelos mesmos factos em que se baseia o pedido extradicional. III - A identidade de factos em investigação não impõe a denegação da extradição, já que se trata sempre de motivo facultativo de denegação da cooperação internacional. E sendo facultativa a denegação, impõe-se uma ponderação a tal propósito por parte do tribunal, que tome em consideração os próprios factos, os interesses em jogo, o exercício da soberania ou a sua eventual afectação. IV - A Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa não contém norma que permita ao Estado requerido controlar a proporcionalidade do impulso extradicional formulado pelo Estado requerente, ou avaliar a suficiência dos indícios ali colhidos na investigação. [11] Neste sentido o Acórdão do STJ, de 14/07/2022, proferido no Processo nº 16/22.6YRPRT-A.S1, disponível em www.dgsi.pt. [12] Os Acórdãos do STJ, de 30.10.2013, proferido no Processo n.º 86/13.8YREVR.S1 e do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06/10/2021, proferido no Processo nº 1627/21.2YRLSB-3 [13] O tal GG terá publicado no seu Instragram uma foto do Extraditando onde referiu “cara safado” e “que esperava ansioso por ele no ...”. [14] Neste sentido o Acórdão do STJ, de 24/0472021, proferido no Processo nº 4/21.0YREVR.S1, disponível em www.dgsi.pt. [15] Acórdão do STJ, de 22/04/2020, proferido no Processo nº 499/18.9YRLSB.S1, disponível em www.dgsi.pt. [16] Neste sentido o Acórdão do STJ, de 13/2/2019, proferido no Processo 65/14.8YREVR.S2, disponível em www.dgis.pt. [17] Acórdão do STJ, de 07/01/2016, proferido no Processo nº 3/15.0YRLSB.S1, disponível em www.dgsi.pt.

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