O disposto no art. 33º do CPC aplica-se em caso de não constituição inicial de advogado. À falta de advogado que ocorra no decurso do processo, aplica-se, em caso de revogação ou renúncia do mandato, a norma do art. 39° do CPC. A superveniente falta de advogado traduzida na impossibilidade de exercer o mandato a que aludem os arts. 276°, n° l, al. b), e 278° do CPC conduz à suspensão da instância.
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.1. O Ministério Público recorre da decisão que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, nos autos de impugnação judicial deduzida por A……, declarou extinta a instância e absolveu da mesma a Fazenda Nacional. 1.2. O recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes: I - Recorre o Ministério Público da aliás douta sentença proferida de fls. 124 a 126 dos autos, e mediante qual foi determinada a extinção da instância e a absolvição da mesma da R. Fazenda Pública por falta de constituição de novo mandatário por parte do Administrador da Insolvência da firma Impugnante, A……, II - Entendeu-se, na sentença, que essa falta de constituição de novo mandatário traduzia excepção dilatória, e importava, como consequência a extinção da instância, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 33°, 288°, nº 1, alínea e), 493°, n° 2, e 494°, alínea h), todos do Código de Processo Civil. III - A questão a apreciar no presente recurso, exclusivamente em matéria de direito, consiste pois em saber se a inércia na falta de constituição de novo mandatário integra excepção dilatória e importa na consequência decidida pela Mma. Juiz a quo. IV - A nosso ver a disposição do artigo 33°, do CPC, na qual se baseou a decisão, apenas é aplicável no caso de falta de constituição inicial de advogado, ou ainda no caso de, e estando suspensa a instância, a parte contrária fazer uso do mecanismo processual a que alude o artigo 284°, nº 3, do CPC. V - Ou seja, se a outra parte vier requerer que a parte sem mandatário seja notificada para vir constituir novo advogado em prazo a fixar, e com a cominação referida no mencionado artigo 284°, nº 3, do CPC, ou seja, a de que a sua falta de constituição terá os mesmos efeitos que a falta inicial, a absolvição da R. da instância (artigo 33°, do CPC). VI - Deste modo, e no caso presente, estando suspensa a instância e não tendo a Fazenda Pública apresentado o requerimento a que alude o artigo 284°, nº 3, do CPC, e com a expressa cominação aí referida, a inércia do Administrador da Insolvência da firma Impugnante em constituir novo mandatário não tem a virtualidade de determinar a absolvição da R. da instância. VII - O que sucede é que a manter-se tal inércia do Administrador da Insolvência seria, posteriormente, de determinar a interrupção da instância em função da paragem do processo por mais de 1 ano por falta de qualquer impulso (artigo 285°, do CPC), e, ainda posteriormente, e caso nada mais fosse igualmente requerido seguir-se-ia a deserção (interrupção por mais de 2 anos, cfr., artigo 291°, do CPC) e a consequente extinção da instância (artigo 287°, alínea c), do CPC). VIII - Do que fica exposto resulta pois que a sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação das disposições dos artigos 33°, 288°, nº 1, alínea e), 493°, nº 2, e 494°, alínea h), todo do CPC. IX - Assim sendo, deverá pois ser revogada a sentença em recurso, e, em consequência, ser mantida a suspensão da instância, e de aguardar por eventual impulso da mesma nos termos legais referidos. 1.3. Não foram apresentadas contra alegações. 1.4. Sendo recorrente, o MP não emitiu Parecer. 1.5. Colhidos os vistos legais, cabe decidir. FUNDAMENTOS 2. A decisão recorrida é do teor seguinte: «Por requerimento de fls. 115, veio a ERFP requerer a extinção da instância, nos termos da alínea e) do n°1 do artigo 288°, conjugado com o preceituado no n° 2 do artigo 493° e alínea h) do artigo 494°, todos do CPC. Notificado o Administrador da Insolvência da Impugnante para se pronunciar, nada veio dizer. O DMMP emitiu o parecer de fls. 122, no sentido de não ser a FP absolvida da instância. Vejamos. Compulsados os presentes autos, verificamos que, por despacho de fls. 110, foi declarada a suspensão da instância, por falta de constituição de mandatário. Dispõe o n° 3 do artigo 39° do CPC que “Nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias, suspende-se a instância, se a falta for do autor”. Da conjugação do n° 1 do artigo 6° do ETAF com o n° 1 do artigo 6° do CPPT resulta ser obrigatória a constituição nas causas cujo valor exceda o décuplo da alçada do tribunal tributário de 1ª instância, ou seja, de valor superior a € 12.500,00. Por outro lado, prescreve a alínea h) do artigo 494° do CPC (aplicável ex vi artigo 2°, alínea e) do CPPT), que constitui excepção dilatória “a falta de constituição de advogado por parte do autor, nos processos a que se refere o n° 1 do artigo 32°, e a falta, insuficiência ou irregularidade do mandato judicial por parte do mandatário que propôs a acção.” Do estatuído no artigo 32° do CPC retiramos que é obrigatória a constituição de advogado nas causas de competência de tribunais com alçada em que seja admissível recurso ordinário. No artigo 6° do CPPT estabelece-se a obrigatoriedade de constituição de advogado nas causas judiciais cujo valor exceda o décuplo da alçada do tribunal tributário de 1ª instância. Por seu turno, tendo também em conta o preceituado no n° 4 do artigo 280° do CPPT, é de concluir que in casu, atento o valor do presente processo de impugnação judicial – € 2.129.375,52 – não só é obrigatória a constituição de advogado, como da decisão eventualmente proferida caberia recurso. Ora, não obstante ter sido notificado para o efeito, o Administrador da Insolvência da Impugnante não constituiu novo mandatário judicial no prazo legal, o que determina o não prosseguimento da presente Impugnação Judicial, por falta de constituição de advogado, nos termos do preceituado no artigo 33° do CPC, o que constitui excepção dilatória, conforme previsto na alínea h) do artigo 494° do CPC, conjugado com a alínea e) do n° 1 do artigo 288° do mesmo código, o que conduz à absolvição da instância, nos termos do n° 2 do artigo 493° do citado código. Assim, tendo em conta o supra exposto, o Tribunal decide levantar a suspensão decretada no despacho de fls. 110 e declarar extinta a presente instância, absolvendo-se a Fazenda Nacional da mesma. Custas a cargo da Impugnante.» 3. Conforme decorre do teor das Conclusões do recurso, a questão a decidir é a de saber se a sentença recorrida sofre do erro de julgamento que o MP lhe imputa, por errada interpretação e aplicação do disposto nos arts. 33°, 288°, nº 1, al. e), 493°, nº 2, e 494°, al. h), todo do CPC ao decidir pela absolvição da Fazenda Pública da presente instância de impugnação judicial. Ou seja, reconduz-se à de saber se a falta de constituição de novo mandatário integra excepção dilatória e importa, como consequência, a absolvição da instância. Vejamos. 4.1. Segundo a factualidade ínsita na decisão recorrida, - Por requerimento de fls. 115 (entrado em 8/4/2011), a Fazenda Pública requereu a extinção da presente instância de impugnação judicial, nos termos da al. e) do n° 1 do art. 288°, conjugado com o preceituado no n° 2 do art. 493° e al. h) do art. 494°, todos do CPC. - Notificado o Administrador da Insolvência da Impugnante para se pronunciar, nada veio dizer. - Por despacho de 22/3/2011 (fls. 110) foi declarada a suspensão da instância, por falta de constituição de mandatário, nos termos seguintes: «Compulsados os presentes autos verifico que o Administrador da Insolvência da Impugnante, notificado para o efeito, não veio constituir novo mandatário, pelo que determino a suspensão da instância. Notifique». 4.2. E da tramitação dos autos colhe-se, igualmente o seguinte: À presente impugnação foi atribuído o valor de 426.901.452$00, tendo a respectiva Petição Inicial sido subscrita por mandatário com procuração que consta a fls. 46. Em 16/6/2008 (fls. 71) foi junto aos autos requerimento subscrito por B……, na qualidade de administrador da insolvência da impugnante, a correr termos no 2º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, sob o nº 1271/06.4TYLSB, pedindo a confiança do presente processo de impugnação. Por despacho de 22/9/2009 (fls. 77) foi ordenado se solicitasse ao Tribunal de Comércio de Lisboa informação quanto à identidade do administrador de insolvência da impugnante, no referido processo. - Por requerimento de 20/9/2010 (fls. 87) o administrador da insolvência informou os autos de que o respectivo processo continua em fase de liquidação. Por despacho de 22/9/2010 (fls. 89) ordenou-se que se solicitasse ao Tribunal de Comércio de Lisboa informação sobre se no dito processo foi decretada a insolvência da impugnante. Da certidão (fls. 96 a 105) emitida em 17/2/2011 e remetida aos autos pelo 2º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa consta que ali correm termos os autos de insolvência pessoa colectiva (Requerida) da Insolvente A……., NIF ……, com o nº de processo 1271/06.4TYLSB, apresentado em juízo em 7/12/2006, tendo sido proferida sentença que transitou em julgado em 27/6/2007. Em 24/2/2011 (fls. 107) foi proferido nos autos o despacho de teor seguinte: Compulsados os presentes autos, verifico que, da certidão do Tribunal de Comércio de Lisboa, 2º Juízo junta aos autos a fls. 96 e segs., consta que a ora Impugnante foi declarada insolvente por decisão transitada em julgado, tendo sido nomeado Administrador da Insolvência o Sr. B……. Uma vez que, por força da decisão que declarou a Impugnante insolvente cessa o Mandato conferido nos presentes autos, notifique o Administrador da Insolvência, Sr. B……, para vir informar se pretende constituir novo mandatário. Prazo: Dez dias. Notifique». 4.3. No caso, a sentença entendeu que a falta de constituição de novo mandatário, sendo obrigatória a constituição de advogado, determina o não prosseguimento da impugnação judicial, nos termos do disposto no art. 33°, do CPC, e que tal constitui excepção dilatória e conduz à absolvição da instância, nos termos do disposto na al. h) do art. 494°, conjugado com o também disposto na al. e) do nº 1 do art. 288°, e do nº 2 do art. 493°, todos do mesmo CPC. Daí que a sentença recorrida tenha determinado o levantamento da suspensão da instância, antes decretada, e declarado extinta a instância e absolvido da mesma a Fazenda Pública. Não é este, todavia, o regime que decorre da lei. 4.4. Com efeito, os arts. 81º, 110° e 112º do CIRE dispõem: «Artigo 81º - Transferência dos poderes de administração e disposição 1 - Sem prejuízo do disposto no título X, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência. 2 (…) 3 - Não são aplicáveis ao administrador da insolvência limitações ao poder de disposição do devedor estabelecidas por decisão judicial ou administrativa, ou impostas por lei apenas em favor de pessoas determinadas. 4 - O administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência. 5 - A representação não se estende à intervenção do devedor no âmbito do próprio processo de insolvência, seus incidentes e apensos, salvo expressa disposição em contrário.» «Artigo 110º - Contratos de mandato e de gestão 1 - Os contratos de mandato, incluindo os de comissão, que não se mostre serem estranhos à massa insolvente, caducam com a declaração de insolvência do mandante, ainda que o mandato tenha sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, sem que o mandatário tenha direito a indemnização pelo dano sofrido. 2 - Considera-se, porém, que o contrato de mandato se mantém: a) Caso seja necessária a prática de actos pelo mandatário para evitar prejuízos previsíveis para a massa insolvente, até que o administrador da insolvência tome as devidas providências; b) Pelo período em que o mandatário tenha exercido funções desconhecendo, sem culpa, a declaração de insolvência do mandante. 3 – (…) 4 - O disposto nos números anteriores é aplicável, com as devidas adaptações, a quaisquer outros contratos pelos quais o insolvente tenha confiado a outrem a gestão de assuntos patrimoniais, com um mínimo de autonomia, nomeadamente a contratos de gestão de carteiras e de gestão do património.» «Artigo 112º - Procurações «l - Salvo nos casos abrangidos pela alínea a) do n° 2 do artigo 110°, com a declaração de insolvência do representado caducam as procurações que digam respeito ao património integrante da massa insolvente, ainda que conferidas também no interesse do procurador ou de terceiro. 2 - Aos actos praticados pelo procurador depois da caducidade da procuração é aplicável o disposto nos nºs. 6 e 7 do artigo 81°, com as necessárias adaptações. 3 - O procurador que desconheça sem culpa a declaração de insolvência do representado não é responsável perante terceiros pela ineficácia do negócio derivada da falta de poderes de representação.» 4.5. Daqui resulta, pois, que (contrariamente ao que se dispunha no art. 167º do CPEREF), o actual art. 110º do CIRE contempla, com a declaração de insolvência, uma regra da caducidade dos contratos de mandato, incluindo os de comissão, que não se mostrem serem estranhos à massa insolvente, caducando as procurações que digam respeito ao património integrante da massa insolvente. No caso, o pressuposto de que o mandato forense caducou e não subsiste, só será de reconhecer pelo facto de se considerar aplicável a excepção a que se refere a transcrita al. a) do nº 2 do art. 110º. A admitir-se que o mandato caducou e que, como alega o recorrente, o disposto no art. 33º do CPC se aplica em caso de não constituição inicial de advogado (cfr., Lebre de Freitas et al. CPC Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 2ª ed., 2008, p. 73), verifica-se, então, falta de advogado ocorrida no decurso do processo, que tem outro enquadramento jurídico que não aquele. Por outro lado, em caso de revogação ou renúncia do mandato é de aplicar a norma do art. 39°, do CPC, o que determina que sendo do lado do autor a inércia na constituição de novo mandatário conduz à suspensão da instância de acordo com a disposição do n° 3 de tal preceito. Ora, no caso vertente, a superveniente falta de advogado (porque o mandato judicial que fora conferido inicialmente, ao mandatário, caducara com a declaração de insolvência da firma Impugnante), traduz-se na impossibilidade de exercer o mandato a que aludem os arts. 276°, n° l, al. b), e 278° do CPC, conduzindo, igualmente, à suspensão da instância (cfr. A. Reis, Comentário, III, p. 246). Daí que a consequência resultante da não constituição de novo advogado haja determinado, como, aliás, se decidiu no despacho de 22/3/2011 (fls. 110) acima referido, tal suspensão da respectiva instância. Mas, assim sendo, e não tendo este despacho sido questionado, a extinção da instância apenas poderia vir a ser decretada, com a inerente cessação da suspensão, no caso de a parte contrária fazer uso do mecanismo processual a que alude o nº 3 do art. 284° do CPC. Só a parte contrária (a Fazenda Pública) poderia ter vindo requerer que o Administrador da Insolvência da Impugnante fosse notificado para, em certo prazo, constituir novo advogado, e com a cominação referida nesse mesmo normativo, ou seja, de que a sua falta teria os mesmos efeitos que a falta inicial: a absolvição da instância. Mas, no caso, nada tendo sido requerido, deve manter-se a suspensão da instância, como fora efectivamente decidido, e posteriormente caso se mantenha a inércia do Administrador da Insolvência ou da parte contrária, poderá ocorrer a interrupção da instância em função da paragem do processo por mais de l ano por falta de qualquer impulso (art. 285°, do CPC), e posteriormente, caso nada mais seja requerido, seguir-se-á a deserção (interrupção por mais de 2 anos, cfr., art. 291° do CPC) e a consequente extinção da instância (al. c) do art. 287° do CPC). Pelo que, ao ter decidido, nos preditos termos, pela absolvição da Fazenda Pública da instância, a decisão recorrida fez errada interpretação e aplicação das disposições dos arts. 33°, 288°, n° l, al. e), 493°, n° 2, e 494°, al. h), todo do CPC, subsidiariamente aplicáveis ao caso. DECISÃO Termos em que se acorda em, dando provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, mantendo-se, pois, a suspensão da instância, nos termos anteriormente decididos. Sem custas. Lisboa, 7 de Dezembro de 2011. - Casimiro Gonçalves(relator) - Dulce Neto - Pedro Delgado.