I - Em acção de reconhecimento judicial de paternidade a resposta negativa sobre a exclusividade das relações sexuais mantidas entre a mãe do Autor e o R. importa a falta de prova da filiação biológica. II - As presunções do art. 1871º nº 1 são dotadas de uma força probatória especial (face ao disposto no nº 2 do mesmo preceito), que não coincide com a força probatória normal das meras presunções judicias ou de facto nem se identifica com a força probatória típica das presunções legais. III - A nova presunção, prevista no art. 1871º e), se aplica às situações preexistentes.
Acordam no tribunal da Relação do Porto: I. B.......... instaurou a presente acção, com processo ordinário, contra C.......... . Pediu que se declare que é filho do R., ordenando-se o correspondente averbamento no respectivo registo de nascimento. Como fundamento, alegou, em síntese, ter nascido a 4 de Março de 1979, estando registado na respectiva Conservatória do Registo Civil, como sendo apenas filho de D.......... . Porém, o autor é também filho do réu, pois quando a mãe do autor tinha 16 anos de idade manteve com aquele relações sexuais de cópula. Nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do autor a sua mãe e o réu mantiveram relações sexuais de cópula, em resultado das quais veio a engravidar e deu à luz o autor. O réu contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação. Deduziu a excepção dilatória de caso julgado, por nestes autos o objecto, a causa de pedir e sujeitos serem idênticos aos da acção nº ../80, na qual foi proferida sentença que transitou em julgado. Impugnou ainda a matéria de facto alegada pelo autor. Concluiu pela improcedência da acção. O autor replicou. No saneador, foi julgada procedente a excepção de caso julgado, e em consequência o réu absolvido da instância, decisão que, confirmada nesta Relação, veio a ser revogada no STJ. Prosseguiu então a acção os termos normais, vindo, a final, a ser proferida sentença que julgou a acção procedente, tendo reconhecido que o A. é filho do R. Discordando desta decisão, dela interpôs recurso o R., de apelação, tendo apresentado as seguintes Conclusões: 1. O estabelecimento da paternidade depende da prova da verificação, no período legal de concepção, da existência de relações sexuais entre o pretenso pai e a mãe e, ainda, da exclusividade dessas mesmas relações. 2. Não resultou provado que "Nesse período (a mãe do autor) só com o réu manteve relações sexuais?" (resposta ao art. 8º da B.I.). 3. E ficou ainda provado, conforme consta na sentença proferida, que "A mãe do autor namorou E..........". 4. Da conjugação dos factos referidos supra com a carência de prova, por parte do Autor, da exclusividade das relações, resulta que o réu investigado alegou factos capazes de suscitar "dúvidas sérias", sendo que a verificação destas retira ao A. o beneficio da inversão do ónus probatório, colocando-o na necessidade de convencer o Tribunal da existência do vínculo biológico, isto é, na necessidade de provar o facto constitutivo do seu direito. 5. O Assento do STJ nº 4/83, de 21 de Agosto de 1983, define que: "a paternidade real ou se determina por meios técnico ou só pode ter-se por demonstrada quando a mãe, durante o período legal de concepção, apenas manteve relações sexuais senão com o investigado". 6. Na situação em apreço, não logrou o autor provar a exclusividade das relações mantidas entre sua mãe e o pretenso pai, pelo que, a decisão do tribunal a quo só podia ser idêntica à decisão primitiva, pois a resposta negativa sobre a exclusividade das relações sexuais da mãe com o pretenso pai em ambos casos importa a falta de prova da filiação biológica. 7. É que, conquanto tenha ficado demonstrado que o Réu manteve relações sexuais com a mãe do autor no período legal de concepção deste, o certo é que o autor não provou inexistência da exceptio plurium, prova essa que lhe competia. 8. O tribunal a quo não se podia eximir da aplicação de um assento com força obrigatória para os tribunais hierarquicamente subordinados, como é o caso do supra citado Assento (sem embargo da alteração ao art. 2° do CC) e, dessa forma, exonerar o autor da prova da exclusividade para a procedência da acção. 9. No âmbito da anterior acção intentada pelo Ministério Público, de averiguação oficiosa de paternidade, que correu termos pela .. Secção do Tribunal Judicial de .........., sob o nº ../80, o recorrente submeteu-se ao exame hematológico, 10. Cujo resultado assenta na suposição de que as frequências genéticas usadas para este cálculo correspondem às da população de que o verdadeiro pai faz parte e que o verdadeiro pai não seja aparentado com o acusado, ou seja, assenta em supostas probabilidades. 11. As conclusões de um exame desse natureza assentam numa formulação sempre negativa, resultando que não se pode excluir da hipótese de terem sido pais determinada percentagem dos indivíduos do sexo masculino, e não na formulação positiva que o Autor alegou na petição inicial da qual resultaria que "Em termos práticos, de todos os dias, significa isto que as probabilidades de o Réu não ser o pai do A são de 0,05% segundo as aquisições científicas da época de tal exame, portanto nulas". 12. Pelo carácter de incerteza, e inadmissibilidade como prova plena, daquele exame aquela acção improcedeu por falta de prova da exclusividade das relações sexuais entre a mãe do menor e o investigado durante o período legal de concepção. 13. Também no âmbito da acção sub judice o Réu, aqui recorrente, submeteu-se ao exame hematológico, à qual foi atribuída pelo Tribunal a quo diversa força probatória. 14. Este exame que considera a paternidade praticamente provada não significa ainda assim que a mesma está provada, uma vez que tal exame não pode ser tido como absoluto, pois não impõe um juízo de certeza. 15. Em acção de investigação da paternidade, o resultado do exame hematológico, por mais elevada que seja a percentagem de probabilidade da paternidade, não é suficiente para a procedência da acção, pois não constitui prova plena, sendo necessário para tanto o preenchimento de outros requisitos como a exclusividade das relações sexuais entre a mãe e o pretenso pai durante o período legal de concepção. 16. A segurança, certeza e paz jurídica, enquanto direitos fundamentais – art. 16° nº 1 da CRP – foram, com a decisão recorrida, violadas, na medida em que tal decisão, contrariando o princípio da segurança jurídica que subjaz ao art. 12° do CC, entendeu aplicar ao caso sub judice a presunção prevista na al. e) do art. 1871° do CC, atribuindo àquele normativo legal força retroactiva. 17. A paternidade do pretenso pai, não pode andar ao sabor da legislação vigente, pois, já existindo sentença, transitada em julgado, em sentido absolutamente contrário, em que foi o réu absolvido do pedido, vem agora a ser proferida sentença oposta em que se declara o Réu pai do Autor. 18. Com o aditamento ao art. 1871° da presunção de paternidade constante na alínea e), muitas das soluções jurídicas entretanto estabelecidas podem vir a ser ope legis alteradas. 19. O excesso de "pronuncia", por parte do legislador ao aditar (em 1998, 18 anos depois dos factos aqui em causa) ao art. 1871° CC aquela alínea presuntiva, permite ou, pela facilidade que a presunção representa, incentiva o seu uso abusivo, sujeitando as mais das vezes o pretenso pai a situações de injustiça sobretudo se o caso simplesmente já foi julgado. 20. Justiça essa que, para além da protecção da paternidade constitucionalmente consagrada, é também um dos princípios e fins da ordem constitucional, e naturalmente também dos direitos fundamentais. 21. Na administração da Justiça, devem os Tribunais julgar segundo a equidade, e interpretando e aplicando a lei, o que significa dar a um conflito a solução justa, atendendo apenas às características da situação e com recurso à lei eventualmente aplicável, pretendendo-se, com isso, a prossecução do objectivo de construção de uma "sociedade livre, justa e solidária". 22. Tal exigência não foi atendida na decisão em crise no que toca à aplicação da lei no tempo, e dessa forma frustrou a legitima expectativa do R. em ter uma decisão tal qual vem prevista no art. 2° do CPC. 23. O Tribunal a quo, para além da desacertada valoração que atribuiu ao exame hematológico a que o Réu se submeteu, limitou-se a concluir pela aplicação retroactiva daquela alínea e) sem atender às características da situação em concreto, designadamente a da ocorrência dos factos e da sua apreciação à luz da Lei vigente ao tempo da sua alegada prática. 24. Conforme dispõe o art. 9° da CRP, na sua alínea b), "São tarefas fundamentais do Estado (...) garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático", que com a interpretação atribuída ao art. 12° do CC, pelo tribunal a quo, e a final com aplicação retroactiva da presunção prevista na alínea e) do art. 1870° do CC, foi claramente violada. 25. A douta sentença em crise aplicou erradamente as disposições conjugadas dos arts. 4°, 8° nº 3, 12°, 343° nº 1, 344°, 389°, 1801° e 1871° nº 2 do CC, arts. 659° nº 2 e 3 e 655° do CPC, arts. 2°, 9° al. b), 16° nº 1, 202° nº 2 e 204° da CRP e, ainda, as determinações do Assento do STJ nº 4/83, de 21 de Agosto de 1983. Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogada a sentença recorrida, julgando-se a acção improcedente. O A. contra-alegou concluindo pela improcedência da apelação. Após os vistos legais, cumpre decidir. II. Questões a resolver: Está em questão no recurso saber se a paternidade atribuída ao réu deve ser reconhecida, apesar de não ter ficado provada a exclusividade do relacionamento sexual mantido com a mãe do autor. Para tal, importará decidir: - se é suficiente para esse reconhecimento o resultado do exame hematológico efectuado nos autos; - se esse reconhecimento pode assentar na presunção estabelecida na redacção actual do art. 1871º e) do CC; - se a resposta afirmativa a esta última questão envolve a inconstitucionalidade invocada pelo Recorrente. III. Na sentença recorrida foram considerados provados estes factos: 1. O autor nasceu a 4 de Março de 1979 - alínea a) dos factos assentes. 2. O autor está registado na Conservatória do Registo Civil do .......... como filho de D.......... e sem menção do nome do pai - alínea b). 3. A mãe do autor é filha de F.......... e de G.......... - alínea c). 4. O réu é filho de H.......... e de I.......... - alínea d). 5. A mãe do autor conheceu o réu, quando tinha 16 anos de idade e trabalhava como aprendiz de costura na casa de J.......... – resposta ao artigo 1°. 6. Após conhecer o réu, passou a contactar com ele, por este frequentar a casa da costureira onde a mãe do réu trabalhava - artigo 3°. 7. O réu e a mãe do autor mantiveram com frequência, relações sexuais de cópula - artigos 4° e 6°. 8. Nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do autor, a mãe do autor manteve relações sexuais com o réu - artigo 7°. 9. Em consequência das relações de cópula mantidas com o réu, a mãe do autor engravidou e deu à luz o autor - artigo 9°. 10. No Natal de 1978, o réu ainda escreveu à mãe do autor um cartão de boas festas - artigo 10°. 11. A mãe do autor namorou E.......... - artigo 13°. IV. Apreciemos as questões acima indicadas. 1. Defende o Recorrente que a resposta negativa sobre a exclusividade das relações sexuais mantidas entre a mãe do Autor e o R. importa a falta de prova da filiação biológica. Não tem razão. Estabelece o art. 1869º do Cód. Civil (como o serão os preceitos adiante citados sem outra menção) que o reconhecimento judicial da paternidade se obtém através de acção especialmente intentada para o efeito. O Assento do STJ nº 4/83, de 21 de Junho (com o valor reconhecido pelo art. 17º nº 2 do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro) fixou jurisprudência no sentido de que, na falta de presunção legal de paternidade, cabe ao autor, na acção de investigação, fazer a prova de que a mãe, no período legal de concepção, só com o investigado manteve relações sexuais. Tem sido entendido que este assento pode e deve ser interpretado restritivamente, no sentido de que apesar de não provada a aludida exclusividade, poderá ser reconhecida a paternidade se for de concluir com segurança jurídica que a procriação resultou das relações sexuais mantidas pelo pretenso pai. Assim, o entendimento desse assento, que impõe ao autor o ónus da demonstração da exclusividade, sob pena de improcedência do pedido, deve restringir-se aos casos em que não é possível fazer a prova directa do vínculo biológico, por meios laboratoriais [Guilherme Oliveira, RLJ 128-185; no mesmo sentido, Antunes Varela, RLJ 117-56, C. Lopes do Rego, O Ónus da Prova nas Acções de Investigação de Paternidade, em Comemoração dos 35 anos do CC, Vol. I, 781 e segs. e, entre outros, os acs. do STJ de 31.10.95, CJ STJ III, 3, 87, de 18.4.96, 18.6.96, 24.9.96, 26.9.96 e de 11.3.99, BMJ 456-334, 458-323, 459-543 e 548 e 485-418 e de 6.5.2003 e de 15.6.2004, estes em www.dgsi.pt (procs. nºs. 03A008 e 04A1974)]. Como se refere no Ac. do STJ de 18.4.96, essa interpretação restritiva impõe-se por razões de lógica, coerência e razoabilidade: não se quis rejeitar a prova por métodos científicos da paternidade, tal como é amplamente admitida pelo art. 1801º, na medida em que ela pudesse dar garantias da identidade do autor da cópula fecundante. Temos assim que, para determinar a paternidade, são possíveis três vias: - através das presunções legais previstas no art. 1871º, desde que não ilididas quando subsistirem dúvidas sérias sobre a paternidade do investigado; - por presunção judicial (arts. 349º e 351º) da exclusividade das relações sexuais da mãe com o pretenso pai durante o período legal da concepção - art. 1798º e interpretação do assento 4/83; - por prova directa, nomeadamente laboratorial - art. 1801º e interpretação actualista, restritiva, desse assento. É sabido que as provas não têm de criar no espírito do julgador uma certeza para além de todas as dúvidas, mas tão só a probabilidade bastante da existência do facto, tendo em consideração as regras da experiência. Como afirma Antunes Varela [Manual de Processo Civil, 421], a prova assenta numa certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no alto grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida. Ora, o exame hematológico, refere-se no citado Ac. do STJ de 6.5.2003, mau grado continuar a ver a sua força probatória sujeita à livre apreciação do tribunal – art. 389º – não pode ser encarado como um qualquer elemento de prova em paridade com quaisquer outros igualmente de livre apreciação e valoração. Com efeito, do que se trata é de prova por métodos científicos que, no actual estádio de desenvolvimento do conhecimento, bem distante dos tempos em que os exames apenas permitiam concluir pela rejeição de paternidade, não podem deixar de levar ao seu reconhecimento pela jurisprudência, atento o grau de quase certeza sobre o vínculo biológico que podem transmitir. Pode continuar a dizer-se, anota Guilherme Oliveira [Temas de Direito da Família, 1, 214], que a afirmação da paternidade ainda se funda numa probabilidade e não numa certeza; mas trata-se de uma probabilidade muito mais alta do que aquela que os tribunais usam, quotidianamente, para fundamentar todas as suas convicções e as suas sentenças. No caso, essa prova está feita, através de meios laboratoriais, atenta a conclusão de paternidade praticamente provada, ante a probabilidade de 99,9999999%. 2. Acrescentou-se na sentença recorrida que a acção deveria proceder também com base na presunção de paternidade estabelecida no art. 1871º nº 1 e), uma vez que se provou que o investigado teve relações sexuais com a mãe do Autor no período legal de concepção. Sustenta, contudo, o Recorrente que o Autor não provou a inexistência da exceptio plurium, prova essa que lhe competia. Sem razão, porém. Importa referir que, como é pacífico, a resposta de não provado a um quesito não conduz a ter-se por provado o contrário. Por outro lado, é sabido que as presunções do art. 1871º nº 1 são dotadas de uma força probatória especial (face ao disposto no nº 2 do mesmo preceito), que não coincide com a força probatória normal das meras presunções judicias ou de facto nem se identifica com a força probatória típica das presunções legais [Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, V, 307; cfr. também Guilherme Oliveira, Estabelecimento da Filiação, 157]. A exigência da seriedade das dúvidas envolve, como anotam Pires de Lima e Antunes Varela [Ob. Cit., 305], a criação de um grau intermédio de convicção do julgador, situado entre a simples contraprova e a prova do contrário. Assim, a lei desviou-se do regime geral consagrado no art. 350º nº 2 do CC, não exigindo ao investigado a prova do contrário; isto é, de que não é o pai biológico. Mas não basta a este suscitar qualquer pequena dúvida incapaz de abalar a certeza que resulta da presunção legal. Num caso como o dos autos, em que ficou demonstrado o relacionamento sexual entre o Réu e a mãe do autor no período legal de concepção, aquele, para afastar a presunção, teria de demonstrar a exceptio plurium, ou seja, que a mãe do autor teve relações sexuais com outro ou outros homens durante o mesmo período. Prova que o Réu não conseguiu, manifestamente, não bastando para tal, obviamente, a prova negativa aos quesitos 12º e segs. [Cfr. o Ac. do STJ de 28.5.2002, CJ STJ X, 2, 92; Rodrigues Bastos, Notas ao CC, Vol. VII, 96]. 3. Defende ainda o Recorrente que constituem tarefas fundamentais do Estado (...) garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático (art. 9° b) da CRP), o que, com a interpretação atribuída ao art. 12° do CC pelo tribunal a quo, e, a final, com aplicação retroactiva da presunção prevista na alínea e) do art. 1871° do CC, foi claramente violada. Vejamos. Importa notar que o princípio de que a lei só dispõe para o futuro não é absoluto, nem tem assento constitucional (só o terá no domínio da lei penal) – cfr., entre outros, o Ac. do TC nº 222/98, DR II Série de 25.7.98. Por outro lado, a interpretação do art. 12º, subjacente à decisão recorrida, pode considerar-se pacífica, resultando do seu nº 2 a aplicação ao caso sub judice do disposto no art. 1871º e), que não é verdadeiramente retroactiva. Na definição do conceito de retroactividade predomina a doutrina do facto passado, na formulação que lhe deu Nipperdey, que inspira o citado art. 12º [Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 232]. Afirma Baptista Machado que, desenvolvendo o princípio da não retroactividade nos termos da teoria do facto passado, o art. 12º nº 2 distingue dois tipos de normas: aquelas que dispõem sobre os requisitos de validade de quaisquer factos (1ª parte) e aquelas que dispõem sobre o conteúdo de certas situações jurídicas e o modelam sem olhar aos factos que a tais situações deram origem (2ª parte). As primeiras só se aplicam a factos novos, ao passo que as segundas se aplicam a relações jurídicas (melhor: situações jurídicas) constituídas antes da lei nova mas subsistentes ou em curso à data do seu início de vigência. Neste caso, não existe, pois, verdadeira retroactividade. Tem sido entendido, sem discrepância, que a nova presunção, prevista no art. 1871º e), se aplica às situações preexistentes [Cfr. os citados Acs. do STJ de 11.3.99, de 28.5.2002 e de 6.5.2003]. Trata-se, como se diz no citado Ac. do STJ de 6-5-2003, de uma norma respeitante a relação jurídica, de paternidade, que emerge de factos a que a lei atribui relevância, mas não é a estes que contempla directamente. Não é uma norma reguladora de factos, mas uma norma reguladora de direitos, sobre relações jurídicas. Não se cuida de consequências directas (efeitos) de factos, mas das suas consequências indirectas (cfr. Baptista Machado “Sobre a aplicação no tempo..., 352 e segs.; A. Varela, RLJ 120-151). Na verdade, como se afirma no douto Ac. de 11.3.99, a alteração legal apenas procedeu a uma modificação do conteúdo do conceito de presunção de paternidade. Os factos mantiveram-se e mantêm-se inalteráveis e a nova lei apenas tem reflexos nos efeitos futuros, a produzir. Ora, quando assim é, quando a lei disponha directamente sobre o conteúdo de relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, deve entender-se que abrange as relações jurídicas já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor – art. 12 nº 2. Improcedem, por conseguinte, as conclusões do recurso. V. Em face do exposto, julga-se a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pelo apelante. Porto, 12 de Maio de 2005 Fernando Manuel Pinto de Almeida João Carlos da Silva Vaz Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo