A Magistrada do Mº Pº junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para efeitos dos artºs 146º nº1 do CPTA, vem emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos: I – O presente recurso vem interposto pelos então Autores e ora Recorrentes do despacho saneador/sentença de fls. 459 e segs., proferida pelo TAF de Sintra, que, na presente acção administrativa comum, decidiu pela procedência das excepções peremptórias da prescrição ao direito de indemnização dos autores quanto ao réu Centro Hospitalar de Cascais, absolvendo - o do pedido e de L ... e R ... quanto à ré A ... , absolvendo - a do pedido; pela procedência da excepção da ilegitimidade, absolvendo a ré A ... , da instância; improcederem os pedidos de condenação, respectivamente, do réu Centro Hospitalar de Cascais e dos autores por litigância de má - fé. Nas conclusões das suas alegações de recurso imputam à sentença recorrida violação dos arts. 320º, 323º, 326º e 498º do Código Civil e do art. 71º do CPP e incorrecta aplicação do disposto nos arts. 487º nº 2, 494º do CC. e do art. 4º do DL 48051 de 21/11/1967 e ainda dos arts. 2º e 3º nºs 1 e 2 deste último diploma. Apenas o então Réu, ora recorrido, Centro Hospitalar de Cascais, contra - alegou, pugnando pela manutenção do julgado. II – Na douta sentença em recurso foram considerados como provados, com interesse para a decisão, os factos constantes das als. a) a bb) do ponto III, de fls. 466 a 470, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos. III – Quanto à prescrição ou não à data do pedido de indemnização do respectivo direito dos Autores L ... e R ... relativamente à Ré A ... e de todos os AA. relativamente ao Centro Hospitalar de Cascais. Desde já se nos afigura assistir razão aos recorrentes, por tal direito não se encontrar prescrito, nomeadamente por a instauração do processo crime e a sua pendência ter interrompido o prazo de prescrição, que só se reiniciou com o desfecho final do processo, de acordo com o princípio da adesão do art. 71º do CPP e ex vi do art. 323º nºs 1 e 4 do CC. ( princípio esse invocado pelos AA. no ponto 57 da sua réplica, embora sem menção da disposição legal ). Com efeito, de acordo com a posição do STA, expressa no Acórdão de 02/12/2004, Rec. 0145/04, que passamos a citar « ... a posição dos recorrentes reconduz-se à questão de saber se a instauração e pendência de inquérito criminal, atento o princípio da adesão consagrado no artigo 71, do CP Penal - Artigo 71.º (Princípio de adesão) O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei., constitui ou não causa interruptiva do prazo da prescrição do direito à indemnização fixado no artigo 498, n.º 1, do C Civil. ... tal princípio comporta as excepções consagradas no artigo 72, n.º 1, do CP Penal - Artigo 72.º (Pedido em separado) 1 - O pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, quando: a) O processo penal não tiver conduzido à acusação dentro de oito meses a contar da notícia do crime, ou estiver sem andamento durante esse lapso de tempo; b) O processo penal tiver sido arquivado ou suspenso provisoriamente, ou o procedimento se tiver extinguido antes do julgamento; c) O procedimento depender de queixa ou de acusação particular; d) Não houver ainda danos ao tempo da acusação, estes não forem conhecidos ou não forem conhecidos em toda a sua extensão; e) A sentença penal não se tiver pronunciado sobre o pedido de indemnização civil, nos termos do artigo 82.º, n.º 3; f) For deduzido contra o arguido e outras pessoas com responsabilidade meramente civil, ou somente contra estas haja sido provocada, nessa acção, a intervenção principal do arguido; g) O valor do pedido permitir a intervenção civil do tribunal colectivo, devendo o processo penal correr perante tribunal singular; h) O processo penal correr sob a forma sumária ou sumaríssima; i )O lesado não tiver sido informado da possibilidade de deduzir o pedido civil no processo penal ou notificado para o fazer, nos termos dos artigos 75.º, n.º 1, e 77.º, n.º 2. que permitem a formulação do pedido de indemnização em separado da acção penal. Os recorrentes, apoiando-se em Jurisprudência dos Tribunais da Relação que citam, sustentam que a instauração e pendência do inquérito determina a interrupção do prazo de prescrição para a instauração da acção indemnizatória, tanto mais que a propositura da mesma tem como efeito a renúncia ao direito de queixa e acusação no processo penal em curso. Sobre esta questão assiste ao recorrente razão. Na verdade, embora tal causa de interrupção não conste do elenco do artigo 323, do C Civil, o que é certo é que, nos termos do artigo 71, do CPPenal, a pendência de processo crime impede, em princípio, a propositura da acção cível em separado. Como se escreve no acórdão do STJ de 21-05-2003, proferido no Proc.º n.º 03B4084, a propósito de uma situação idêntica à dos presentes autos, “ não é, ... , de aceitar que a pendência do processo crime correspondente não assuma relevância como facto interruptivo da prescrição do direito de indemnizar. O instituto da prescrição pressupõe que a parte possa opor - se ao exercício de um direito quando este não for exercitado durante o tempo fixado na lei. Trata-se, a um tempo, de punir a inércia do titular do direito em fazê-lo valer em tempo útil e de tutelar os valores da certeza e segurança das relações jurídicas pela respectiva consolidação operada em prazos razoáveis. O que implica que a prescrição não corra ou não opere enquanto o direito não puder ser exercido pelo respectivo titular, tal como postula o n.º 1 do artigo 306º do C. Civil. (...) No fundo, a pendência do processo crime (inquérito) como que representa uma interrupção contínua ou continuada («ex vi», do artº 323, nºs 1 e 4, do C. Civil), quer para o lesante, quer para aqueles que (...) com ele são solidariamente responsáveis pela reparação dos danos, interrupção esta que cessará naturalmente quando o lesado for notificado do arquivamento (ou desfecho final) do processo crime adrede instaurado. Não é, ademais, razoável que o início da contagem prescricional para o exercício do direito de indemnização possa ocorrer durante a pendência do inquérito. Admitir o contrário, representaria, em certos casos, negar, na prática, o exercício da acção cível ao lesado que visse o processo crime ser arquivado decorridos que fossem mais de três anos sobre a verificação dos factos danosos, apesar desse processo (penal) ter estado sempre em andamento "normal" durante aquele período de tempo. Poderia mesmo (e sob outro prisma) coarctar-se ao lesado o exercício do direito de queixa ou de acusação, na medida em que, dependendo o procedimento criminal de queixa do ofendido, a dedução à parte do pedido de indemnização perante o tribunal cível implicaria, de per si, a renúncia ao direito de queixa - nº 2 do artº 72º do CP 82. Destarte, só depois de esgotadas as possibilidades de punição criminal ficará o lesado habilitado a deduzir, em separado, a acção de indemnização, face ao disposto no nº 1 do artº 306º do C. Civil – “ o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido “- conf., neste sentido, e entre outros, o Ac deste Supremo Tribunal de 15-10-98, in proc. 988/97 – 2ª Sec. O que tudo significa que com a participação dos factos (em abstracto criminalmente relevantes) ao Mº Pº ou às entidades policiais competentes, se interromperá o prazo de prescrição contemplado no nº 1 do artº 498º do C. Civil, não começando, de resto, este a correr enquanto se encontrar pendente o processo penal impeditivo da propositura da acção cível em separado.” Nestes termos, e considerando que a interrupção é oponível aos responsáveis meramente civis - cfr., neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2-12-86, in BMJ nº 362, 514; de 22-2-94, in CJSTJ, Tomo I, pág. 126; e de 8-10-98, in Proc. 627/98, 2ª Secção ., “ neles se incluindo os entes públicos demandados na acção quando haja danos causados a terceiros pelos seus órgãos, agentes ou representantes embora tal ente não possa responder criminalmente” – acórdão do STA de 15-01-2004, Proc.º n.º 1035 ... ». No caso dos autos, mesmo considerando o conhecimento do direito pelos AA. como reportado à data de 11/07/1992 ( data do falecimento ) e tendo em conta o prazo prescricional de 5 anos (art. 498º nº 3 do CC ), o certo é que, conforme als. p) e w) dos factos assentes, em 1996 foi instaurado processo - crime, sob o nº 505/96.6TACSC, cujo desfecho apenas ocorreu com o Acórdão do STJ lavrado em 16/11/2000. Ora, na consideração do expendido no Acórdão do STA, atrás transcrito, e nos ali citados, o prazo de prescrição contemplado no nº 1 do artº 498º do C. Civil, interrompeu - se com o processo crime, não recomeçando, este a correr enquanto pendente, ou seja até à data do Ac. do STJ em 2000, ou mesmo da sua notificação, “ por a pendência do processo crime representar como que uma interrupção contínua ou continuada («ex vi», do artº 323, nºs 1 e 4, do C. Civil) “, sendo a mesma interrupção oponível ao Centro Hospitalar de Cascais, como ente público responsável meramente civil, já que os danos foram causados por um dos seus agentes. Assim sendo, que, desde logo – mesmo sem considerar a data da acção cível proposta com o nº 359/02 no 1º Juízo Cível do Tribunal de Cascais em 2002, ou o disposto no art. 320º do CC. – à data da propositura da presente acção de indemnização, em 20/04/2004, o direito à mesma pelos AA. não se encontrasse prescrito. Pelo que, ao assim não ter decidido, em nosso entender, a sentença recorrida violou, por erro nos pressupostos de facto e de direito, o disposto nos arts. 323º e 498º nº 1 do CC e 71º do CPP. IV – Quanto à incorrecta aplicação do disposto nos arts. 487º nº 2, 494º do CC e do art. 4º do DL 48051 de 21/11/1967 e ainda dos arts. 2º e 3º nºs 1 e 2 deste último diploma, pela errada qualificação da culpa e decisão da ilegitimidade da Ré A ... Dispõe o art. 2º do DL 48051 de 21/11/1967: « 1. O Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício. (sublinhado nosso). 2. Quando satisfizerem qualquer indemnização nos termos do número anterior, o Estado e demais pessoas colectivas públicas gozam do direito de regresso contra os titulares do órgão ou os agentes culpados, se estes houverem procedido com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se achavam obrigados em razão do cargo. ». E, determina o art. 3º do mesmo diploma: « 1. Os titulares do órgão e os agentes administrativos do Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pela prática de actos ilícitos que ofendam os direitos destes ou as disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, se tiverem excedido os limites das suas funções ou se, no desempenho destas e por sua causa, tiverem procedido dolosamente. ( sublinhado nosso ). 2. Em caso de procedimento doloso, a pessoa colectiva é sempre solidariamente responsável com os titulares do órgão ou os agentes. » Por sua vez, ainda o nº 1 do art. 4.º do citado diploma estipula que: « 1. A culpa dos titulares do órgão ou dos agentes é apreciada nos termos do artigo 487.º do Código Civil. ». Quer da matéria dada como provada, quer dos documentos juntos, quer da própria petição dos AA. não resultam factos demonstrados e mesmo alegados que consubstanciem uma conduta dolosa da Ré A ... dirigida à produção do resultado, nem sequer nunca lhe foi imputada qualquer responsabilidade a esse título. Por outro lado, ao contrário do invocado pelos recorrentes, a conduta da Ré A ... não se consubstancia, a nosso ver, no excesso dos limites das suas funções, mas ao contrário, foi por não ter exercido os princípios e regras de prudência comuns e das normas regulamentares quanto à prática de actos médicos, em regime de estágio, a que o exercício das suas funções a obrigava, que a sua conduta é censurável. Assim, que a responsabilidade da Ré tenha decorrido do deficiente/negligente exercício das suas funções que não do seu excesso ou de prática dolosa. Daí que, não se mostrem preenchidos os requisitos do disposto no art. 3º nº 1 do Dec. Lei nº 48051, para que a Ré A ... possa ser civil e pessoalmente responsabilizada, tendo a sentença recorrida bem decidido ao considerá - la parte ilegítima na presente acção. V – Em face do exposto e em conclusão emito parecer no sentido da ser concedido parcialmente provimento ao recurso, revogando - se a sentença recorrida na parte do despacho saneador que decidiu pela procedência das excepções peremptórias da prescrição do direito de indemnização dos AA. quanto aos RR. – embora quanto à Ré A ... tal questão se mostre prejudicada pela sua ilegitimidade passiva na presente acção, baixando os autos à 1ª instância para aí prosseguirem.