1- A causa de pedir nas acções de investigação de paternidade é constituída pelo acto gerador, já que se pretende atingir a verdade biológica, incumbindo ao Autor fazer a prova, na falta de presunção legal, de que a mãe, no período legal de concepção, só com o investigado manteve relações de sexo - jurisprudência obrigatória por força do assento do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/83, de 21 de Junho de 1983 2- A paternidade biológica pode hoje provar-se por qualquer meio, nomeadamente o científico, conforme dispõe expressamente o artigo 1801º do Código Civil 3- As provas não têm que criar no espírito do julgador uma certeza para além de todas as dúvidas, mas tão só a probabilidade bastante da existência do facto, tendo em consideração as regras de experiência comum. 4- Há que fazer uma interpretação restritiva do assento de 21/6/1983, por forma a entender-se não ser preciso a prova da exclusividade, pois hoje é possível, através de exame laboratorial, determinar, com um muito elevado grau de certeza, o vínculo biológico, por forma a poder atribuir-se a determinado indivíduo do sexo masculino a gravidez da mãe de certo menor; 5- Num caso em que o exame hematológico efectuado conclui por uma probabilidade de paternidade de 99,996%, mesmo não se provando a exclusividade, deverá concluir-se no sentido de tal ser bastante para se atribuir ao Réu a paternidade do menor.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça O Ministério Público veio intentar acção de investigação de paternidade contra A, solteiro, talhante, nascido a 30.08.71, natural de S. Pedro, Torres Novas, pedindo que se viesse a declarar que menor B, nascido a 15.05.95 na freguesia de Minde, Alcanena, registado como filho de C, solteira, residente em Covão do Coelho, à Rua do Matadouro, Minde, Alcanena, é também filho do Réu, ordenando-se, em consequência, o averbamento de tal paternidade no respectivo assento de nascimento. Alega, em síntese, que: . o menor é filho do Réu pois este e a C mantiveram relação sexuais de cópula completa dentro dos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do mesmo, · sendo que dos exames hematológicos efectuados no decurso do processo de averiguação oficiosa, resultou uma probabilidade de paternidade de 99,996%. Devidamente citado, veio o Réu contestar, tendo impugnado a paternidade que lhe é atribuída e alegando, em resumo, que: · no período legal de concepção a mãe do menor manteve relação de sexo com um namorado, de nome D, . constando mesmo no local onde reside que a C já vinha grávida do Canadá quando, em princípios de Agosto de 1994, regressara definitivamente a Portugal. Foi proferido despacho saneador, com elaboração da especificação e questionário. Uma vez notificado para indicar as respectivas provas, veio o Réu requerer que se procedesse a novo exame hematológico a realizar no Centro de Perícias Médico-Legais de Coimbra, requerimento esse que viria a ser indeferido, por se considerar que tal se tratava de uma mera diligência dilatória e ainda porque tal era inadmissível, uma vez que é o Instituto de Medicina Legal de Coimbra, o único organismo legalmente habilitado a realizar tais exames. Insatisfeito, veio o Réu interpor recurso de agravo, que foi admitido. Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente. Interposto pelo Réu recurso de apelação, veio o Tribunal da Relação de Coimbra a proferir o acórdão de fls. 114 a 124, no qual apreciou o agravo, que subira simultaneamente com a apelação, concedendo-lhe parcial provimento, tendo-se decidido: Revogar o despacho que indeferiu a perícia médico legal solicitada, ou seja, o exame hematológico do Réu, do menor e da mãe deste para indagação do nexo de paternidade, biológica, o qual deve ser substituído por outro que dê seguimento ao exame, mas a efectuar pelo Instituto de Medicina Legal competente para o efeito, com a anulação dos termos do processo. Não tomar, por prejudicado, conhecimento do objecto da apelação. Os autos baixaram, assim, à 1ª instância, tendo sido solicitado ao Instituto de Medicina Legal de Coimbra a realização do referido exame hematológico com vista à averiguação da paternidade do menor. Solicitado ao Instituto de Medicina Legal de Coimbra a realização do exame - a incidir apenas no Réu e no menor, por ser desconhecido o paradeiro da mãe deste - o mesmo não se chegou a realizar por o Réu, apesar de notificado, ter faltado injustificadamente nas três datas em que esteve marcado o referido exame. O processo seguiu, então para julgamento vindo a audiência a realizar-se com intervenção do tribunal colectivo, que respondeu à matéria de facto pelo acórdão de fls. 237, sem qualquer reclamação. Foram dados como provados os factos seguintes: 1. No dia 15 de Maio de 1995, na freguesia de Minde, Alcanena, nasceu o menor B, que apenas foi registado como sendo filho de C; 2. A presente acção foi julgada viável por despacho proferido nos autos de averiguação oficiosa de paternidade que correram termos no Tribunal Judicial de Alcanena sob o nº 3/95; 3. C, que tinha estado até então emigrada no Canadá, regressou a Portugal nos princípios de Agosto de 1994; 4. A referida C, que já conhecia o Réu, a partir de meados de Agosto de 1994 estabeleceu com ele laços de amizade e confiança; 5. Por via disso (do referido no número anterior), mantiveram um com o outro relações sexuais de cópula completa a partir de Agosto de 1994; 6. Das aludidas relações sexuais resultou a gravidez da C; 7. A "C" em 10.07.95 escreveu uma carta registada com aviso de recepção ao ora Réu, dando conhecimento do nascimento do filho, a qual, pelo menos até 20.07.95, não foi por aquele reclamada junto dos correios, tendo sido devolvida à remetente; 8. Em Agosto de 1994, a C manteve relações sexuais com D. Foi proferida sentença que julgou a acção procedente, declarando o menor B também filho do Réu A. Inconformado, veio o Réu a interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, que viria a proferir acórdão totalmente confirmatório da sentença proferida em sede de 1ª instância. Por se nos afigurar sem qualquer mácula o acórdão ora recorrido, será o mesmo confirmado sem reserva alguma. Passa a transcrever-se a parte decisória do mencionado acórdão: -A apreciação e decisão do recurso, delimitado, como se sabe, pelas conclusões da alegação do apelante (artigos 684º nº 3) e 690º do Cód. Processo Civil), passa pela análise das seguintes questões jurídicas colocadas a este tribunal: Podia o tribunal recorrido tomar conhecimento do resultado do exame hematológico efectuado no âmbito do processo de averiguação oficiosa de paternidade ? A prova produzida é suficiente para a decisão que o colectivo da 1ª instância tomou sobre a matéria de facto quesitada? Vejamos, começando pela questão primeiramente enunciada. Relembremos os factos pertinentes à sua apreciação: Com a petição inicial desta acção, o Ministério Público juntou o relatório de um exame realizado no Instituto de Medicina Legal de Coimbra para investigação da paternidade relativamente ao menor B, tendo o exame incidido sobre os pretensos pais D e A; Esse exame, em face do estudo dos marcadores genéticos do menor, da mãe deste e dos pretensos pais, concluiu pela exclusão do D da paternidade que lhe é atribuída; quanto ao A o exame não o excluiu da paternidade, e pelo contrário, concluiu pela probabilidade de paternidade de 99,996%, o que corresponde a uma paternidade praticamente provada, segundo a escala de Hummel. Após o despacho saneador, na indicação dos meios de prova, o Réu requereu a realização de um exame de investigação de paternidade a efectuar no Centro de Perícias Médico-Legais de Coimbra. Este pedido foi indeferido com base no entendimento de que o único estabelecimento habilitado a realizar o exame em causa é o Instituto de Medicina de Legal de Coimbra, sendo a diligência requerida pelo Réu meramente dilatória. Sob recurso do Réu este Tribunal da Relação no seu acórdão de fls. 114 e sgs decidiu, em resumo, o seguinte: Que o estabelecimento onde deve ser efectuado o exame é o Instituto de Medicina Legal, que integra a rede dos serviços médico-legais, não o podendo ser em estabelecimentos não incluídos no sistema e orgânica dos serviços médico-legais, por força do disposto no DL nº 11/98 de 24 de Janeiro; Que a realização de exame hematológico na averiguação oficiosa de paternidade não impede o pretenso pai do menor como réu na acção de investigação de paternidade requerer aí novo exame da mesma natureza. Só assim, diz-se no douto acórdão de fls. 114 e sgs., se garante ao réu, nestas acções o exercício legítimo do seu direito à prova. Ora, o que veio a passar-se no processo? Solicitado pela comarca ao Instituto de Medicina Legal de Coimbra a realização do exame hematológico requerido pelo Réu - e ordenado pelo Tribunal da Relação - aquele instituto designou uma data à qual o Réu, apesar de devidamente notificado, não compareceu, situação que veio a repetir-se por mais duas vezes. Perante a atitude do Réu, que configura uma recusa persistente, reiterada e sem fundamento plausível a efectuar o exame, o tribunal desistiu da realização do exame fazendo o processo prosseguir para julgamento. No julgamento, e na decisão da matéria de facto, o colectivo valorou a prova testemunhal, documental e ainda o resultado do exame hematológico junto aos autos. Poderia o tribunal considerar o resultado deste exame? Respondemos claramente que sim. Diga-se, desde já, que não corresponde à verdade a afirmação do apelante de que o Tribunal da Relação anulou o exame hematológico em causa. Este tribunal decidiu apenas reconhecer ao Réu/apelante o direito a requerer a realização de um novo exame, sem que em momento algum se tenha pronunciado pela invalidade do exame hematológico efectuado. Não se vê qualquer razão legal para que o resultado do exame não possa ser tomado em consideração, devendo valer, pelo menos, como princípio de prova art. 522º nº 1 do Cód. Processo Civil (Ac. do STJ de 30.06.98, CJ ACSTJ, ano VI, tomo 2, pág. 143), um contributo, portanto, para conjugado com outros elementos de prova, gerar no julgador a convicção de que o facto probando se verificou. Em sentido idêntico, pronunciou-se o Ac. da Relação do Porto de 18.05.92, BMJ 417/823, que decidiu: "O exame de sangue realizado no âmbito do processo tutelar de averiguação oficiosa de paternidade pode ser tomado em consideração na acção ordinária de investigação." Não ocorreu, assim, qualquer violação do caso julgado constituído pelo acórdão da Relação proferido nos autos. Na conclusão 6ª da sua alegação, sustenta o apelante que a não comparência da mãe do menor sempre impediria a realização do exame hematológico ordenado por este Tribunal da Relação, a ser feito nas pessoas do menor, à mãe deste e ao Réu Trata-se de uma afirmação infundada. Este Tribunal no seu acórdão de fls. 114 não disse que o exame hematológico teria de ser feito obrigatoriamente ao menor, à mãe deste e ao Réu, reconhecendo, apenas, ao recorrente o direito a requerer a realização de exame hematológico, a efectuar, em princípio, na pessoa dos três. A não comparência da mãe do menor no exame - por não ter sido possível notificá-la - não constituía nenhum obstáculo à realização do mesmo pois, como informou o IML (fls. 150), a sua comparência não era necessária, sendo tecnicamente possível apurar a paternidade biológica através de exames hematológicos realizados apenas na pessoa do menor e do indigitado pai. Concluímos, assim, que o tribunal podia tomar em consideração o resultado do exame hematológico efectuado no âmbito do processo de averiguação oficiosa, pelo que improcedem as conclusões 6ª e 10ª Vejamos agora o que resulta das conclusões 8ª e 9ª. Aqui o recorrente sustenta que a prova testemunhal produzida na audiência e indicada pelo tribunal como fundamento das respostas positivas aos quesitos não permite concluir que alguma vez o Réu tenha mantido relações de sexo com a mãe do menor e que este seja filho do Réu. Cumpre dizer que as respostas aos quesitos em causa não tiveram como único fundamento a prova testemunhal. Como resulta do acórdão sobre a matéria de facto, o tribunal considerou, além da testemunhal, a prova documental e o resultado do exame hematológico realizado na fase de averiguação oficiosa. Tenha-se ainda presente que a realização da audiência decorreu perante o tribunal colectivo, não tendo sido gravados os depoimentos das testemunhas. Não é, assim, possível a este tribunal apreciar se o colectivo fez uma correcta análise do conjunto da prova testemunhal produzida. Segundo o princípio da prova livre, consagrado no nº 1 do art. 655º do CPCivil, "o tribunal colectivo aprecia livremente a prova, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.". Só não será assim se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. No caso vertente, a questão de saber se a mãe do menor manteve relações de sexo com o Réu a partir de meados de Agosto de 1994, não exigia qualquer formalidade especial de prova, vigorando aqui, de pleno, o princípio da livre apreciação da prova. Ora, conforme ensinam o Prof. Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, pág. 436, "a prova assenta na certeza subjectiva da realidade de um facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida". E acrescentam: "A demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta, sob pena de o Direito falhar clamorosamente na sua função essencial de instrumento de paz social e de realização da justiça entre os homens. A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto." Expostos estes princípios já estamos em condições responder à questão colocada pelo apelante. Atendendo a que a prova testemunhal não foi gravada, não é possível a este tribunal fazer qualquer juízo sobre a forma como o tribunal colectivo apreciou esta prova. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, era lícito ao tribunal da 1ª instância apreciar todos os elementos de prova relevantes, e também a recusa do Réu a submeter-se a exame, o que, inequivocamente, significa que receava o resultado dessa diligência instrutória, e assim, chegar à certeza relativa - não uma certeza absoluta, que, como já vimos, não cabe aqui - de que o facto probando se verificou. Improcede, em consequência, também esta conclusão do recurso do apelante. Por último, vejamos se o facto de se ter provado que a mãe do menor, no período legal de concepção, manteve relações de sexo com outro homem para além do investigado, deverá levar à improcedência da acção. Desde já se adianta que a resposta é negativa. O significado desse facto é que não se provou a exclusividade do relacionamento sexual da mãe do menor, o que teria interesse se a acção se baseasse numa presunção de paternidade, art. 1871º do Cód. Civil, mas já não releva se se fizer directamente a prova da paternidade. E na verdade a paternidade provou-se, pois teve resposta positiva o quesito em que se perguntava, directamente, se das relações sexuais mantidas entre a mãe do menor e o Réu resultou a gravidez daquela. É hoje pacífico o entendimento de que um quesito desse teor é admissível, pois se trata de uma questão de facto passível de prova através de um exame científico (cf. Cons. Baltazar Coelho, CJ ACSTJ, ano VII, tomo 1, pág. 19, Antunes Varela, RLJ ano 117º pág. 56, e, entre outros, os Acórdãos do Supremo de 26.06.91 e de 16.04.98, BMJ 408/581 e BMJ 476/433). A prova desse quesito baseou-se no resultado do exame hematológico efectuado e ainda na apreciação que o tribunal fez na fase de averiguação oficiosa de paternidade e ainda na apreciação que o tribunal fez da recusa do Réu a fazer o exame, nos termos do disposto no art. 519º nº 2 do Cód. Processo Civil. O mesmo exame excluiu da paternidade o indivíduo com quem mãe da menor se relacionou sexualmente no período da concepção, D. Ora, como decidiu o Acórdão do STJ de 15.04.98, já citado: "A norma do assento nº 4/83 de 21.06.83, deve ser interpretada restritivamente, podendo proceder a acção de investigação de paternidade ainda que se não prove a exclusividade das relações sexuais entre o Réu e a mãe do menor; A circunstância de o exame hematológico concluir que as hipóteses de paternidade do Réu atingem uma probabilidade de 99,96% constitui indicação segura, mesmo tendo havido relações sexuais concorrentes, do reconhecimento da paternidade do Réu.". No mesmo sentido, o Prof. Antunes Varela, RLJ ano 117, pág. 56 e o Cons. Baltazar Coelho, artigo já citado. Improcedem, deste modo, as conclusões do apelante do que resulta a improcedência do recurso e a confirmação da sentença...". Continuando inconformado, veio o Réu interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo, atempadamente, apresentado as respectivas alegações, que foram concluídas pela forma seguinte: 1ª) O Digno Magistrado do Ministério Público na Comarca de Alcanena intentou contra o Réu, ora Recorrente, acção de impugnação de paternidade relativamente ao menor, B. 2ª) O Réu, na sua produção de prova, requereu perícia médico-legal a ele próprio, ao menor e à mãe deste, o que lhe foi indeferido por douto despacho, do qual foi interposto recurso de Agravo para o Tribunal da Relação de Coimbra. 3ª) Realizada a audiência de julgamento, foi a acção julgada procedente, de que o Réu recorreu para a Relação de Coimbra através da correspondente Apelação. 4ª) Ambos os recursos seguiram para este Tribunal da Relação, e foram decididos simultaneamente. 5ª) Por douto Acórdão desta Relação, já transitado, foi concedido parcial provimento ao Agravo, revogado o douto despacho que indeferiu a perícia médico-legal, ou seja o exame hematológico do Réu, do menor e da mãe deste, para indagação do nexo de paternidade biológico, o qual deve ser substituído por outro a efectuar pelo Instituto de Medicina Legal competente para o efeito, com anulação dos termos subsequentes do processo, não tomando conhecimento do objecto da Apelação, por prejudicado. 6ª) Esse exame, tal como ordenado pelo douto Acórdão desta Relação, devia ter sido efectuado na pessoa do Réu, do menor e da mãe deste, sendo certo que a mãe do menor se ausentara para parte incerta, e que a sua não comparência sistemática sempre impediria a realização do dito exame, sendo verdade que o Réu também não compareceu ao mesmo. 7ª) Foi realizada a audiência de julgamento e o Tribunal Colectivo respondeu aos quesitos constantes da base instrutória, fundamentando as suas respostas, na apreciação conjunta daqueles que foram parcialmente provados - 1, 2, 3, 4, 6, 8 e 10. 8ª) A fundamentação de tais respostas, dadas a esses quesitos e baseada no depoimento das testemunhas E, F, G, H e D, que o Tribunal Colectivo enunciou, jamais poderá servir de suporte às respostas dadas a esses quesitos, não permitindo concluir que alguma vez o Réu tivesse mantido relações sexuais com a mãe do menor e que este seja filho do Réu. 9ª) Pelo contrário, provado ficou na resposta ao quesito 10º que, em Agosto de 1994, a C manteve relações sexuais com D. 10ª) Acresce que o Tribunal, com base na inversão de prova imposta ao Réu, tomou conhecimento do resultado de um exame pericial hematológico feito anteriormente no Instituto de Medicina Legal de Coimbra, o que lhe estava vedado por douto Acórdão proferido neste Tribunal da Relação. 11ª) O douto Acórdão recorrido não analisou concretamente os fundamentos invocados pelo Tribunal da 1ª Instância na resposta que deu aos quesitos. 12ª) No mesmo Acórdão não foi tomado em linha de conta a não comparência da mãe para efectivação do exame hematológico por ausência no estrangeiro em parte incerta, o que obstaculizaria a realização do mesmo exame, violando-se o caso julgado. 13ª) Mostram-se, por isso, violados os artigos 655 nº 1, 519, 677 e 668 nº 1 alínea c) todos do C.P.C.. Foram apresentadas contra-alegações, onde se defende a bondade e manutenção do Julgado. Os autos correram os vistos legais. Cumpre decidir. Decidindo: Como é sabido são as conclusões das alegações do recorrente que delimitam o objecto do recurso, pelo que o tribunal ad quem, exceptuadas as que lhe cabem ex officio, só pode conhecer as questões contidas nessas mesmas conclusões - artigos 684º nº 3 e 690º do Código Processo Civil. Como supra já se deixou, expressamente, referido, o acórdão recorrido não nos merece a mais pequena censura. Ao invés, todas as conclusões das alegações ora apresentadas, ou assentam em bases menos correctos, ou são de todo infundadas. Começando pela 5ª (já que as primeiras quatro se limitam a fazer um historial do processado), diga-se, desde já, que assenta ela em bases incorrectas. De facto, não é verdade que o Acórdão da Relação de Coimbra em causa, o de fls. 114, tivesse determinado a anulação do exame hematológico efectuado no âmbito do processo de averiguação oficiosa (1) (portanto sem contraditório); meramente foram anulados "os termos subsequentes do processo". A não ser assim, tornar-se-ia ininteligível a decisão stricto sensu que foi tomada no dito acórdão, onde se pode ler "...o qual deve ser substituído por outro que dê seguimento ao exame, mas a efectuar pelo Instituto de Medicina Legal competente para o efeito, com anulação dos termos subsequentes do processo."(sublinhados nossos) Só que a referida e também ordenada substituição não foi possível de ser efectuada, por razões absolutamente alheias ao tribunal, mas antes por óbvia e não desculpável falta de cooperação por parte do Réu, de resto quem havia requerido um novo exame hematológico. Isto assim, porquanto o Réu, sempre de forma injustificada, por três vezes que, apesar de notificado para tal, faltou, nas datas marcadas, ao Instituto de Medicina Legal, para efectivação do exame que requerera. Com este seu procedimento, consideramos mesmo ter o Réu violado, frontalmente, o dever de cooperação para a descoberta da verdade, que lhe é imposto pelo artigo 519º do Código Processo Civil, que dispõe: "1 - Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados. 2 - Aqueles que recusem a colaboração devida serão condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal apreciara livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no nº 2 do artigo 344º do Código Civil.(2) 3 - A recusa é, porém, legítima se a obediência importar: a) Violação da integridade física ou moral das pessoas; b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações; c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no nº 4." Em suma, o procedimento do Réu, acima descrito, deverá ter como consequência a inversão da ónus da prova nos termos e pelas razões indicadas nos preceitos referidos e também transcritos. É consabido que o exame em causa constitui neste tipo de processos autêntica prova rainha; ou não pudesse o dito exame excluir por completo a possibilidade do ora recorrente ser o pai do menor...ou, pelo contrário, praticamente garantir que o seria. Se o Réu faltou ao exame, de forma injustificada, por três vezes...talvez ele receasse o resultado do mesmo. Então, pese embora o determinado no acórdão de fls. 114, o tribunal, "cansado" de tantas ausências do Réu (três)...viria a determinar a realização da audiência, mesmo sem efectivação do requerido e determinado exame hematológico. E bem, acrescentamos nós, sendo certo que nada obsta que o exame hematológico feito no âmbito do processo de averiguação oficiosa possa vir a ser considerado posteriormente, constituindo meio legal de prova na acção de investigação de paternidade, sendo que a respectiva força probatória deverá ficar sujeita à regra da livre apreciação do tribunal (cfr. artigo 655º do Código Processo Civil), não se devendo, porém, esquecer, que o mesmo não é, pela sua cientificidade, um qualquer elemento de prova que deva ser colocado em plena paridade com outros elementos de livre apreciação e valoração, como por exemplo a prova testemunhal. Na conclusão 6ª defende o recorrente que, tal como ordenado pelo dito Acórdão, o exame deveria "ter sido efectuado na pessoa do Réu, do menor e da mãe deste, sendo certo que a mãe do menor se ausentara para parte incerta, e que a sua não comparência sistemática sempre impediria a realização do dito exame, sendo verdade que o Réu também não compareceu ao mesmo.". É menos verdadeira esta alegação. É que tal acórdão não determinou que o exame houvesse de ser efectuado aos três, limitando-se como que a "recomendar" que por "via de princípio" fosse feito aos três. Só que a mãe...foi para parte incerta. O Réu, apesar de notificado... nunca compareceu (o que é aceite pelo próprio, de resto). Importante será notar que a fls. 150 dos autos consta um ofício do Instituto de Medicina Legal referindo que bastaria a presença no Instituto do menor e do Réu, o que terá sido determinante para o tribunal ordenar a continuação do processo, remetendo-o para julgamento. É óbvio que outra coisa não poderia ser feita. O tribunal não poderia ficar eternamente à espera que o Réu se dignasse a comparecer no Instituto de Medicina Legal para realizar um exame...que ele próprio requerera. As conclusões 7ª a 11ª improcedem claramente. O recorrente parece olvidar que, indubitavelmente, o Supremo Tribunal de Justiça é um tribunal de revista que, pelo menos por via de princípio, se limita a aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, conforme resulta do prescrito no artigo 729º, nº 1 do Código Processo Civil. E o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo nos dois casos especiais previstos na 2ª parte, do nº 2, do artigo 722º do Código Processo Civil, que aqui não ocorrem, porquanto não houve "ofensa duma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.". O que, está bom de ver, não se verifica in casu. E quanto a este particular, dispensamo-nos de fazer quaisquer outras considerações. No que concerne à conclusão 9ª, nesta alega o recorrente que ficou provado que, em Agosto de 1994, a C manteve relações sexuais com o já referido D. E é verdade, só que não é possível desse simples facto extrair as consequências jurídicas pretendidas pelo recorrente. Na verdade, a causa de pedir neste tipo de acções é constituída pelo acto gerador, já que se pretende atingir a verdade biológica, incumbindo ao Autor fazer a prova, na falta de presunção legal, de que a mãe, no período legal de concepção, só com o investigado manteve relações de sexo - jurisprudência obrigatória por força do assento do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/83, de 21 de Junho de 1983, publicado no Diário da República, I Série, de 27 de Agosto de 1983 - [(hoje com valor de jurisprudência uniformizadora - artigo 17º nº 2 do Dec-Lei nº 329-A/95, de 12.12) - (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6/1/1987, in Boletim do Ministério da Justiça nº 363, pág. 546)]. Todavia a paternidade biológica pode hoje provar-se por qualquer meio, nomeadamente o científico, conforme dispõe expressamente o artigo 1801º do Código Civil (cf. Pereira Coelho, Sumários das Lições do Direito Complementar de Ciências Jurídicas em 1977/1978, página 113). E note-se, que as provas não têm que criar no espírito do julgador uma certeza para além de todas as dúvidas, mas tão só a probabilidade bastante da existência do facto, tendo em consideração as regras de experiência (cfr. expressamente quanto à prova da "exclusividade", Antunes Varela, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 116º, páginas 338/339, e em geral Vaz Serra, Provas (Direito Probatório Material), Boletim do Ministério da Justiça nº 110, página 61 e seguintes, e Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, páginas 190/191 e voto de vencido do Senhor Juiz Conselheiro Campos Costa, lavrado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/12/1984, in Boletim do Ministério da Justiça nº 342, páginas 394/397). Assim, e como sustenta o Senhor Conselheiro Campos Costa, no aludido voto de vencido a página 397, há que fazer uma interpretação restritiva do assento de 21/6/1983, por forma a entender-se não ser preciso provar a exclusividade nestes casos, pois hoje é possível, através de exame laboratorial, determinar, com um muito elevado grau de certeza, o vínculo biológico, por forma a poder atribuir-se a determinado indivíduo do sexo masculino a gravidez da mãe de certo menor; e obviamente há-de ser àquele, a quem, como responsável da fecundação, se imputará a paternidade. O importante é que seja obtida uma prova suficientemente forte e segura que das relações sexuais havidas entre a mãe e o investigado resultou a procriação do filho, pese embora a inexistência da exclusividade. Em conclusão: o referido "assento", interpretado restritivamente, vai no sentido de que a procedência da acção de investigação de paternidade não se encontra necessariamente dependente da prova da exclusividade das relações de sexo por parte da mãe no período legal de concepção. Neste sentido os acórdãos deste Supremo Tribunal de 27-06-89, in Boletim do Ministério da Justiça nº 388; de 19-01-93, na Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, Tomo I, pág. 67. Neste mesmo sentido veja-se o Prof. Guilherme de Oliveira, Estabelecimento da Filiação, página 154 e o Prof. Antunes Varela, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 117, pág. 56. No caso vertente o exame efectuado conclui por uma probabilidade de paternidade de 99,996%, correspondente a uma paternidade praticamente provada. Assim há, segundo o exame efectuado, 99,996% de probabilidades de o investigado ser pai do investigante, sendo, esta paternidade, como se disse, praticamente provada, e logo bastante para se concluir ser o Réu, pai do menor Tiago, tendo sempre em linha de conta o que se disse, em sede de provas, quanto à inexistência de certeza absoluta de verificação de qualquer facto. E nem se esgrima com a margem de erro científico (como faz o acórdão da Relação de Coimbra de 9/12/87, in Colectânea de Jurisprudência, 1987, tomo 5, página 46), já que esta é infinitamente menor que a do julgador face à prova testemunhal, mesmo sem considerar as contingências que esta encerra. Relativamente à conclusão 12ª, apenas se dirá que o próprio Instituto de Medicina Legal se pronunciou no sentido da desnecessidade da comparência da mãe, tendo em vista a realização do exame em causa. A alegação da violação de caso julgado não tem qualquer cabimento, porquanto o acórdão de fls. 114 jamais determinou que, com carácter obrigatório, o dito exame hematológico devesse ser feito aos três (menor, sua mãe e réu), mas sim, que tal exame fosse efectuado "em princípio" aos três, facto este perfeitamente irrelevante porquanto e quando, segundo o próprio Instituto de Medicina Legal, bastaria a recolha de sangue do menor e do réu para obtenção dos resultados pretendidos. Finalmente será de referir que a invocação da nulidade prevista no artigo 668º nº 1 alª c) do Código Processo Civil (de resto sem qualquer conclusão a sustentá-la), não tem a mais pequena razão de ser. Minimamente se descortina no acórdão recorrido a mais pequena oposição entre a decisão e os respectivos fundamentos; ao invés, a coerência da fundamentação do acórdão e a decisão tomada, é flagrante. Improcedem, assim, de uma forma genérica, todas as conclusões das alegações de recurso. Termos em que ACORDAM os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista. Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido. Lisboa, 15 de Junho de 2004 Ponce de Leão Afonso Correia Ribeiro de Almeida ------------------------------ (1) Neste exame é que se concluiu no sentido da exclusão da paternidade do Marco Maneta e, ao invés, se concluiu pela probabilidade da paternidade por parte do Réu em 99,996%. (2) Note-se que a anterior redacção deste nº 2 não previa a possibilidade de se proceder, neste tipo de situações, à inversão do ónus da prova; tal faz inculcar a ideia de que o legislador quis mesmo sancionar o comportamento da parte em caso de não colaborar com a contraparte, quando sobre esta recaia o ónus de provar determinado facto. Era a seguinte a anterior redacção do comando em causa: "Aqueles que recusem a colaboração devida serão condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal apreciará livremente o valor da recusa para efeitos probatórios".