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Acórdão TCA Sul de 2011-12-07

06921/10

TribunalTribunal Central Administrativo Sul
Processo06921/10
SecçãoCA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão2011-12-07
RelatorPaulo Pereira Gouveia
DescritoresOmissão de Pronúncia – Execução – Ato Renovável - Indemnização Devida Pela Inexecução

Sumário

1. Omissão de pronúncia significa ausência de posição expressa ou de decisão expressa do tribunal sobre as matérias que os sujeitos processuais interessados submeteram à apreciação do tribunal em sede de pedido, causa de pedir e excepções (exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras), bem como sobre as que sejam de conhecimento oficioso. 2. Como o conteúdo concreto da execução varia em função do acto anulado e dos vícios que determinaram a sua anulação, cabe apurar se o acto anulado é do tipo renovável ou irrenovável, isto é, se pode ou não ser renovado, com respeito pelo caso julgado, substituindo-o por idêntico acto isento dos vícios determinantes da anulação. 3. A anulação contenciosa do acto que, extinguindo a relação de emprego, impediu o funcionário de prestar serviço durante o intervalo de tempo decorrido entre o inicio da eficácia daquele acto e a data do trânsito em julgado de acórdão anulatório, não pode legitimar o abono de vencimentos não recebidos; só o critério da teoria da indemnização é que assegura adequadamente a compensação pelos danos concretamente sofridos pelo interessado em consequência do acto ilegal que determinou o seu afastamento no período em questão. 4. Há que distinguir a indemnização devida pela inexecução da indemnização devida pela prática do acto ilegal, visto tratarem-se de indemnizações autónomas e diferenciadas.


Texto Integral

Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I.RELATÓRIO A..., com os sinais dos autos, intentou no TCAS, ao abrigo do disposto no artigo 176º, nº 2 do CPTA, e por apenso ao Processo de Recurso Contencioso nº 1822/02, que correu termos neste Tribunal, um processo de execução da sentença contra o MINISTÉRIO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE SOCIAL e o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P., visando o acórdão ali proferido, que anulou o despacho da Sra. Secretaria do Estado da Segurança Social que, em processo disciplinar, lhe aplicara a pena de demissão. Considerando que a Administração não deu execução ao dito acórdão, o exequente começou por pedir a sua “ Reintegração, com colocação em lugar do Centro Distrital de Segurança Social do Porto compatível com a sua categoria”, o “Pagamento dos vencimentos devidos desde a data da sua demissão, e respectivos juros legais”, bem como a “Reconstituição da sua situação contributiva na Caixa Geral de Aposentações”. Por decisão proferida no dia 17 de Janeiro de 2008, o TCA-Sul declarou-se hierarquicamente incompetente para dirimir o litígio e ordenou a remessa dos autos ao TAC de Lisboa, por o considerar o competente. Já no TAC de Lisboa, e na sequência de nova decisão punitiva que lhe foi imposta, o exequente, ora recorrente, viu-se forçado a reformular o seu pedido inicial, deduzindo novo pedido de execução do julgado anulatório, solicitando, agora, o “pagamento dos vencimentos devidos desde 26 de Agosto de 2002 a 28 de Fevereiro de 2007, e respectivos juros legais”, e a “ reconstituição da sua situação contributiva na Caixa Geral de Aposentações, relativamente ao período decorrido de 26 de Agosto de 2002 e 24 de Julho de 2007”. Por sentença daquele tribunal de 09.03.2010 foi decidido: “julgar improcedente o presente pedido executivo de pagamento de vencimentos e juros moratórios sobre eles, por tais pedidos não caberem no âmbito da execução do julgado ou decidido”. Inconformado, vem o EXEQUENTE, recorrer para este T.C.A.-Sul, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: a) Contrariamente ao fixado na matéria de facto apurada na sentença, o ora exequente não se conformou com a segunda decisão punitiva de que foi alvo, tendo-a impugnado através da competente acção administrativa especial, conforme deu conta nos autos; b) Tem pois toda a legitimidade, ética e jurídica, para requerer a execução integral do douto acórdão que anulou o primeiro despacho de demissão, tanto mais que continua seguro de que, apreciadas as questões de fundo, igualmente o será a nova decisão punitiva; c) Na presente execução, ultrapassado de momento o pedido de reintegração, mantêm-se os pedidos de pagamento das importâncias correspondentes aos vencimentos não pagos, com a efectivação dos descontos para a Caixa Geral de Aposentações; d) O apuramento do montante dessas importâncias deve por certo estar sujeito ao crivo da "teoria da indemnização", mas não tem que ser feito em acção autónoma, como se decidiu na sentença sob recurso; e) O desacerto desta decisão é patente, dado nenhuma oposição ter sido deduzida a esse respeito pela entidade executada, não se suscitando pois qualquer contradita - e sendo assim uma flagrante ofensa ao princípio da economia processual obrigar à instauração dessa inútil acção; f) A douta sentença, ao menos implicitamente, não considerou admissível a requerida efectivação dos descontos para a Caixa Geral de Aposentações, ou, pelo menos, omitiu pronúncia a seu respeito; g) Deve porém ser admitida essa possibilidade de efectivação de descontos, em sede de execução de sentença, mesmo que os montantes de vencimentos recebidos tenham sido corrigidos nos termos da dita teoria de indemnização, de forma a evitar um enriquecimento ilícito; h) Essa possibilidade está garantida pelas regras constitucionais sobre a efectividade da tutela jurisdicional; i) No presente caso, não havendo lugar a nenhuma correcção, e tendo até já ocorrido o pagamento de vencimentos relativos a parte do período de afastamento, uma vez mais se mostra totalmente injustificada a decisão.” O Instituto da Segurança Social, I.P., CONTRA- ALEGOU, concluindo, como segue: “1. Em execução do Acórdão 01.03.2007, A instrutora do processo disciplinar notificou o arguido para no prazo de dez dias se pronunciar sobre o meio de prova. 2. Foi operada a devida reformulação do procedimento e elaborado novo relatório final com proposta de aplicação da pena de demissão. 3. Por Despacho de 24.07. 2007, proferido pela entidade competente, foi aplicada ao arguido a pena de demissão. 4. O arguido foi notificado da pena disciplinar aplicada em 16 de Agosto de 2007. 5. Considerando-se que in casu a execução do julgado anulatório se esgota na prática de um novo acto expurgado do vicio que determinou a anulação ou declaração de nulidade do primeiro. 6. O Acórdão anulatório de uma pena disciplinar de demissão por vício passível de sanação, só obrigaria a administração a pagar ao funcionário os vencimentos não auferidos se tivesse existido ou fosse possível o exercício efectivo das correspondentes funções. 7. A reconstituição peticionada é impossível em termos de facto pois a contrapartida do vencimento, ou seja, o exercício das respectivas funções, como prestação sinalagmática que é, não é passível de reconstituição. 8. Para casos como o descrito nos Autos, onde em termos práticos é inviável a reconstituição da situação de facto, existe o instituto da responsabilidade civil do Estado, na qual deverá ser considerada também a inércia processual do Autor que não intentou a providência cautelar devida. 9. A fundamentação de direito que sustenta a douta decisão do Tribunal a quo encontra-se amplamente documentada, o ora Autor poderia vir requer uma indemnização pela existência do vicio formal que durante o lapso de tempo inquinou a pena disciplinar que lhe fora aplicada, mas jamais poderá vir exigir o pagamento de vencimentos sem a contrapartida o trabalho devido.” * O Exmº Representante do Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado para, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º do CPTA, se pronunciar sobre o mérito do recurso (art. 146º nº 1 do CPTA). * Os vistos dos Mmºs. Juizes-Desembargadores-Adjuntos ocorreram nos termos legais. Importa agora, em conferência, apreciar e decidir. * I. FUNDAMENTAÇÃO I.1. OS FACTOS A factualidade declarada provada pelo tribunal de 1ª instância foi a seguinte: a) O aqui exequente interpôs, no TCA de Lisboa, em 02.12.2002, recurso contencioso de anulação do despacho da Senhora Secretária de Estado da Segurança Social de 26.08.2002 que, a final de processo disciplinar, lhe aplicou a pena de demissão. b) Nesse processo foi proferido Acórdão datado de 01.03.2007, no qual se acorda dar provimento ao recurso e anular o acto recorrido - fls. 215-225 do processo principal. c) Tal acórdão foi notificado e dele não foi interposto recurso pelo que o mesmo transitou em julgado. d) Neste aresto elencaram-se vários vícios, conhecendo de alguns dos que vinham imputados ao acto recorrido, quais fossem: os decorrentes de deficiências na instrução e vícios da nota de culpa; da "falta de audiência do arguido", da "insuficiente individualização em artigos de acusação" e da "omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade. - citado acórdão; e) Mas foi pelo invocado "... vício consistente na falta de notificação ao arguido da inquirição (ou declarações) da referida Magda ..." que naquele acórdão se considerou procedente o recurso por tal omissão da audiência do arguido sobre os elementos complementares oficiosamente colhidos pelo instrutor configurarem nulidade insuprível por falta de audiência do arguido prevista no artigo 42°, n°1do ED e, por isso, violada esta disposição legal, com anulação do despacho recorrido, acrescentando-se ali que ficava prejudicado o conhecimento de outros vícios invocados, ibidem; f) Na sequência, o aqui exequente, em 29.03.2007, por intermédio do seu advogado, requereu ao Director do Centro Regional de Segurança Social do Porto que lhe fosse indicado o local exacto onde se deveria apresentar em face daquele acórdão anulatório - doc. l a fls. 6 destes; g) Não lhe foi indicado qualquer local para se apresentar. - acordo; h) Em 07.05.2007 o exequente foi notificado por parte da instrutora do processo disciplinar da reformulação deste processo e era ouvido em sede de audiência prévia, nos termos do artigo 64°, n°2 do ED., para se pronunciar quanto aos elementos complementares de prova que haviam sido recolhidos oficiosamente - doc. 2 a fls. 8 destes; i) Depois dessa audição o executado ISS, IP, sob proposta da instrutora, procedeu à prática de novo acto no qual produziu decisão punitiva de sentido idêntico à que fora tomada no acto anulado pelo TCA-S, ou seja a pena de demissão. j) Em 16.08.2007, o aqui exequente foi notificado dessa pena disciplinar demissão aplicada na sequência do procedimento anterior e no âmbito do mesmo processo disciplinar. k) Não consta que o ali arguido, aqui exequente, tenha impugnado esta pena disciplinar. (Este facto K) é de eliminar, como veremos) I.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO O âmbito do recurso jurisdicional, cujo objecto é a decisão recorrida, é delimitado pelo Recorrente nas conclusões (sintéticas e com a indicação das normas jurídicas violadas) das suas alegações (sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso), apenas podendo incidir sobre questões que tenham sido ou devessem ser anteriormente apreciadas e não podendo confrontar o tribunal ad quem com questões (coisa diversa das considerações, argumentos ou juízos de valor) novas ou cobertas por caso julgado - v arts. 684º-3-4, 716º e 668-1-d do CPC. a. O tribunal a quo entendeu: “ (…) Estando perante uma execução de sentença, ou de julgado, importa apurar se, face aos termos do decidido, a entidade aqui demandada cumpriu o assim julgado ou se falta cumprir alguma parte dele. Temos que a "execução deverá pois entender-se que consiste na prática, pela Administração, dos actos jurídicos e operações materiais necessários à reintegração efectiva na ordem jurídica violada, mediante a reconstituição da situação que existiria, se o acto ilegal não tivesse sido praticado". - cf. DIOGO FREITAS DO AMARAL in "A execução das sentenças nos Tribunais Administrativos", 2a edição, pg. 45. Ou como agora resulta do disposto no artigo 173°, n° 1 do CPTA: "Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo acto administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um acto administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto arruado não tivesse sido praticado, bem como o de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado". A propósito do conteúdo do dever de executar por parte da Administração, previsto neste n° 1, referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS FERNANDES CADILHA in Comentário ao ..., 2a edição revista, 2007, a fls. 984, que os efeitos da anulação se podem situar em três planos: «(a) reconstituição da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado, mediante a execução do efeito repristinatório da anulação; (b) cumprimento tardio dos deveres que a Administração não cumpriu durante a vigência do acto ilegal, porque este acto disso a dispersava; (c) eventual substituição do acto ilegal, sem reincidir nas ilegalidades anteriormente cometidas. Note-se que a eventual substituição do acto ilegal por outro com idêntico conteúdo, quando possível, pode ter o alcance de dispensar, total ou parcialmente, a Administração de cumprir aquele primeiro tipo de dever; porém, na medida em que essa substituição não tenha lugar prevalece o efeito repristinatório da anulação com o consequente dever de reconstituição da situação jurídica anterior», (fim de citação). Já no que respeita ao modo de determinação do conteúdo da execução, continua o Professor FREITAS DO AMARAL: "Para uns, tem de partir-se do princípio de que a anulação contenciosa do acto ilegal é retroactiva e portanto produz efeitos ex tunc. Daí que se torne necessário eliminar todas as consequências do acto ilegal entretanto verificadas, em ordem a restabelecer a situação que existia imediatamente artes da prática do acto ilegal." (...)// /Para outros, o que há a fazer é analisar a sentença exequenda e definir o conteúdo da execução em harmonia com os fundamentos e com a decisão daquela. Entendem estes autores, nomeadamente, que cumpre deduzir dos fundamentos o conhecimento dos vícios que determinaram a anulação, pois será em função deles que variará, de caso para caso, o conteúdo da execução. (...)". - DIOGO FREITAS DO AMARAL, in obra citada a fls. 49/50. Expondo este autor a sua opinião no sentido de que "(...) a fim de apurar em cada caso concreto quais os actos e operações necessários para executar uma dada sentença anulatória, importa sempre ter presente um conceito e, interpretando a sentença, fazer a aplicação de dois princípios." E acrescenta: "esse conceito é o próprio conceito de execução, como prática dos actos e operações necessários à reintegração efectiva na ordem jurídica violada, mediante a reconstituição da situação actual hipotética. (...)/ /O primeiro princípio a aplicar é o da retroactividade da anulação contenciosa, ou seja, o princípio de que o acto anulado há-de reputar-se como nunca tendo existido na ordem jurídica./ /Deste princípio resulta, à luz do conceito de execução de que se parte, que importa eliminar da ordem jurídica tanto os efeitos que o acto ilegal tenha produzido, como os actos que em consequência hajam sido praticados./ /O segundo princípio a aplicar é o da limitação da eficácia do caso julgado aos vícios determinantes da anulação, ou seja, o princípio de que o respeito do caso julgado não impede a substituição do acto anulado por um acto idêntico, se a substituição se fizer sem repetição dos vícios determinantes da anulação. / Deste princípio resulta, segundo o conceito de execução adoptado, que a execução a realizar pode consistir, conforme os casos, ou na substituição do acto anulado por outro legal de sentido contrário ou, diferentemente, na substituição do acto anulado por outro acto legal idêntico, em que todavia se não repitam os vícios determinantes da anulação." - idem opus citada a fls. 54. Seguindo estes ensinamentos, parece-nos indubitável estarmos perante a segunda situação acima descrita, ou seja, perante um acto renovável, pois se permite a repetição do acto desde que sem o vício de falta de audiência do arguido. A propósito destes actos, configura o mestre que vimos citando a fls. 90 e sgs., uma situação similar à dos autos, um caso de pena de demissão anulado contenciosamente por falta de audiência do arguido. Nestes casos parece certo, como sustenta tal autor, que a execução do julgado exige a prática de novo acto pela Administração que defina a situação jurídica não podendo conter-se pela inacção. "... a Administração tem o dever de, em execução de sentença, definir de novo a situação jurídica ou a do particular interessado, mas agora de harmonia com a lei" - fls, 93. E, quanto a esta parte da execução do julgado, verificamos que a Administração cumpriu, pois refez o acto, retomando o procedimento com audição do arguido e voltando a decidir, definindo a situação jurídica em causa, na qual acabou por chegar à mesma conclusão anterior com a aplicação ao arguido da pena disciplinar de demissão. A questão coloca-se em saber se, em casos como o dos autos, "anulada a demissão do funcionário, as quantias que a Administração se ache obrigada a pagar-lhe são devidas como vencimentos e a título de execução da sentença anulatória, ou se não será mais exacto, diferentemente, reputá-las devidas como indemnização e a título de responsabilidade civil pelos danos causados com a demissão ilícita", como se questiona este autor na obra citada a fls. 71. Acrescentando que a doutrina e a jurisprudência estrangeira têm discutido muito esta questão, invoca as teses em confronto e acaba, à luz do direito português e da nossa jurisprudência, por se orientar no sentido de que "na ausência de serviço efectivamente prestado, a Administração não tem, em princípio, o dever de pagar ao funcionário os correspondentes vencimentos" (fls. 73-74). "A jurisprudência é unânime, nestes casos, em dar a sentença por integralmente executada, remetendo o interessado, no que se refere a pretensões dirigidas a prestações de conteúdo pecuniário, para a propositura de acção autónoma de responsabilidade por facto ilícito" — Citando a vasta jurisprudência do STA, neste sentido, cf. fls. 74 citadas e rodapé. Admitindo o autor que possa igualmente o interessado socorrer-se do pedido de responsabilidade civil sem que tenha de invocar a culpa da Administração, ou seja, também com fundamento em acto lícito - obra citada a fls. 76. E, como argumento decisivo para daquela solução, aponta o facto de "...o princípio segundo o qual a Administração tem o dever de executar, por forma integral, as sentenças dos tribunais administrativos colide com aquele princípio de harmonia com o qual o vencimento corresponde ao efectivo exercício do cargo em que o funcionário esteja provido." E, em termos de sensibilidade comum, parece-nos que as coisas se passam assim. Pois, se por um lado, parece injusto que o exequente venha a beneficiar do vencimento relativamente aos anos em que não prestou qualquer serviço, por ter sido afastado com a pena de demissão que veio a ser anulada, o que constituiria um "benefício" ou um "bónus" para si, porquanto não prestou a actividade laboral, por regra sinalagma do vencimento, podendo até, em termos de hipótese, ter, nesse período de tempo, auferido contrapartidas pela prestação do seu trabalho, o que redundaria num eventual enriquecimento ilícito, podendo até ter arranjado uma actividade melhor remunerada. Acrescendo ser defensável argumentar-se que o funcionário sempre disporia de mecanismo processual da providência cautelar para impedir o seu afastamento do Serviço enquanto durasse o processo principal, isto, claro está se se verificassem os respectivos pressupostos. E ainda porque, como é o caso, o funcionário veio a ser punido com a "mesma" pena disciplinar de demissão e com a qual concordou. Por outro lado não deixa de se entender que também a Entidade Demandada poderia usar, ao menos em parte, do mecanismo da suspensão preventiva do arguido nos termos do artigo 54° do ED, e poderia ter, ao menos à cautela, revogado o seu acto, retomando-o com a audição do arguido e assim suprindo, de “ motu próprio", o vício que veio a considerar-se existir e que levou à anulação do acto, e agora com alguns anos decorridos. Podendo ter evitado correr este risco de ver anulada uma decisão e das implicações que tal pudesse acarretar, como aqui se discute e incluindo a demora com o processo. E isto sem que ao arguido possa ser imputável aquele falta procedimental, que gerou o vício determinante da anulação da decisão administrativa, e então também parece "injusto" que seja este a sofrer as consequências dessa falha que não cometeu. São pois estas, no essencial, as questões que se colocam. E, sendo assim, nos parece ser mais equilibrado o mecanismo segundo o qual não há lugar, sem mais e em sede executiva, ao pagamento dos vencimentos deixados de auferir exactamente porque não houve a contrapartida de prestação de serviço efectivo, não obstante, garante-se ao funcionário que se ache lesado pelos efeitos do acto que possa ser indemnizado pelo prejuízo que efectivamente lhe tenham advindo da situação decorrente do acto que veio a ser anulado por ilegal. E, por isso, que daqui decorra o outro entendimento de que, em casos como o aqui em análise, a execução de sentença não seja o meio adequado a reconstituir a situação que existiria se não tivesse existido o acto anulado na medida em que, havendo consequências jurídicas derivadas desse facto, como seja o não recebimento do vencimento de funcionário, também não existiu a prestação de serviço efectivo. O TCA-Sul pronunciou-se sobre caso semelhante no recente Acórdão de 15.10.2009, recurso 03571/08, tomando e aplicando este mesmo entendimento. Sumaria-se nele: «I - O Acórdão anulatório de uma pena disciplinar de inactividade só obriga a Administração a pagar ao funcionário os vencimentos não auferidos se tiver existido exercício efectivo de funções. II - Os vencimentos e abonos não auferidos no período do cumprimento da pena, na ausência de serviço prestado, são ressarcíveis mediante a propositura de una acção autónoma de responsabilidade civil por facto ilícito (teoria da indemnização). III - Renovado o acto que havia sido anulado por vício de forma, o interessado só o pode impugnar mediante recurso autónomo, e não no âmbito da mesma execução instaurada para fazer cumprir o Acórdão anulatório inicial.» Louvando-se este aresto na jurisprudência unânime e que cita, entre ela: «...nestes casos, em dar a sentença por integralmente cumprida, remetendo, no que se refere a pretensões dirigidas a prestações pecuniárias, para a propositura de uma acção autónoma de responsabilidade civil" (Freitas do Amaral, op. citada); Ac. STA (TP) de 9.02.99, in Acórdãos Doutrinários 448º/533; Ac. STA de 19.05.2004, P. n°222/04).». Porque nestes autos o exequente veio delimitar o objecto da execução ao pagamento dos vencimentos no período em que esteve afastado, e não pago, nos juros e na reconstituição dos descontos para a aposentação - cf. requerimento de 21.04.2009. Ora, como se disse, estes pedidos não procedem em sede de execução. No mais que o autor pedia, veio a decair, aceitando a redução do pedido no que respeita à questão da sua reintegração, considerando-se que nessa medida a entidade demandada cumpriu o caso julgado, redefinindo a situação jurídica em causa, eliminando o vício que afectou a anterior decisão administrativa. Acresce dizer que esta solução não contende com a suscitada questão da irretroactividade dos efeitos do novo acto, irretroactividade que, como sustenta o exequente, entendemos não defensável mormente nos termos defendidos pela entidade demandada. Efectivamente entende-se que o disposto no artigo 128°, n° 1, alínea b), ressalva a possibilidade dos actos renováveis, como é o caso, poderem ter efeitos retroactivos, até porque se trata de decisão punitiva, lesiva, por isso, dos direitos do funcionário, não lhe podendo sequer ser atribuído tal efeito retroactivo por parte do autor do acto como resulta excluído pela alínea a) do n°2 deste mesmo preceito, e que devem ser interpretados de harmonia com o disposto no n°2 do artigo 173° do CPTA (cf. neste entendimento o Ac. STA-P de 02.07.2008, rec nº 01328A/03) (…)” b. Reagindo contra tal decisão, o exequente, agora nas vestes de recorrente, insurge-se contra o ali julgado, alegando, em síntese útil, que o tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento de direito e de facto, ao defender, em flagrante ofensa ao princípio de economia processual, que a procedência da sua pretensão executiva só pode ser satisfeita em acção autónoma, quando é patente que a entidade executada não contraditou o pedido de pagamento das importâncias correspondentes aos vencimentos não pagos, nem a requerida efectivação dos descontos para a C.G.A., questão esta, refere, sobre a qual o tribunal “a quo” não chegou sequer a pronunciar-se, como também não deu o devido relevo ao facto, já conhecido, de o recorrente ter impugnado judicialmente a segunda decisão punitiva de que foi alvo. Vejamos, então, de que lado está a razão. Como se viu, o Recorrente imputa à sentença sob censura a nulidade de omissão de pronúncia, acusando-a de não abordar a questão da reconstituição da sua situação contributiva na Caixa Geral de Aposentações. Não tem razão. c. A omissão de pronúncia significa ausência de posição expressa ou de decisão expressa do tribunal sobre as matérias que os sujeitos processuais interessados submeteram à apreciação do tribunal em sede de pedido, causa de pedir e excepções (exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras), bem como sobre as que sejam de conhecimento oficioso (isto é, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual) – v. arts. 668º-1-d) e 660º-2 CPC. Cfr. assim: Ac. do Supremo Tribunal Administrativo de 7-6-2005, P. nº 1110/04; ANTUNES VARELA, in RLJ 122º, p. 112; ALB. DOS REIS, CPC Anot., V, p. 143; LEBRE DE FREITAS et al., CPC Anot., 2º, 2ª ed., anot. nº 2 ao art. 660º e anot. nº 3 ao art. 668º. Ora, no caso dos autos, a sentença recorrida emite clara pronúncia sobre a questão que o Recorrente diz silenciada, ao afirmar que os pedidos consubstanciados no “ … pagamento dos vencimentos no período em que esteve afastado, e não pago, nos juros e na reconstituição dos descontos para a aposentação - cfr. requerimento de 21.04.2009, (…..) não procedem em sede de execução”. O recorrente poderá, é certo, queixar-se de que a fundamentação utilizada é parca ou mesmo inexistente relativamente à questão proposta, só que não sendo essa a nulidade invocada, e não havendo lugar ao seu conhecimento oficioso ou a convolação do tipo de vício arguido, impõe-se, portanto, concluir que não ocorre a invocada omissão de pronúncia (cfr. art.º 668.º-1-d)). d. Alega também que a matéria de facto levada ao probatório sob a alínea k), é não só inverídica, quando afirma que não impugnou a segunda decisão punitiva de que foi alvo, como ainda influiu na sentença recorrida ao ponto de se entender que no âmbito de execução do julgado é inadmissível pedir que se pague os vencimentos não recebidos e se regularize a situação contributiva para a CGA, que deixaram de ser processados por força do acto anulatório. Neste 2º ponto, é manifesto que o recorrente não tem razão. A outra eventual anulação nada tem a ver com a questão de introduzir nesta execução de julgado o pagamento dos salários ou a indemnização pela anulação da 1ª decisão (anulada). Quanto ao 1º ponto, a verdade é que tal facto deve ser eliminado do probatório, porque não foi alegado nos articulados. e. Recordemos que o recorrente interpusera neste TCA recurso contencioso anulatório do despacho de 23.08.2002, da autoria da Secretária de Estado da Educação, que lhe tinha aplicado a pena disciplinar de demissão, ao qual foi concedido provimento por acórdão de 01-03-2007. O vício que aí foi considerado procedente foi o de violação do artigo 42º, nº1, do Estatuto Disciplinar [Dec-Lei nº24/84, de 16 de Janeiro], com o fundamento na falta de audição do arguido em diligência complementar de prova. O Acórdão deste TCA resolveu a questão submetida a julgamento no recurso contencioso de anulação e adquiriu o valor de caso julgado, pois que tornou certos os factos ou direitos verificados no processo, conferindo-lhes o valor de verdade [cfr. MARCELO CAETANO, in “Manual de Direito Administrativo”, Vol. II, 10ª ed., pág.1395]. Assim, ao anular o acto administrativo por julgá-lo ilegal, o Tribunal fá-lo desaparecer do mundo jurídico, desde o seu nascimento e impõe à Administração que não pratique outro que directa ou indirectamente colida com o assim decidido, sob pena de incorrer em nulidade [cfr. art. 133.º, n.º 2, al. h), do CPA]. O provimento do recurso contencioso, produz, assim efeito anulatório e efeito executório, ambos de natureza substantiva. O primeiro consiste na eliminação retroactiva do acto administrativo, ou seja, retroagindo os efeitos da sentença ao momento da prática do acto, tudo se passando como se este nunca tivesse existido. O dever executório traduz-se no dever jurídico imposto à Administração de executar a sentença decretada pelo tribunal administrativo, ou seja extrair todas as consequências jurídicas da anulação decretada. A execução das sentenças dos tribunais administrativos transitadas em julgado é, actualmente, regulada nos artigos 157º(1) a 161º e 173º(2) a 179º do CPTA. Segundo o Prof. FREITAS DO AMARAL, in “Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos”, 2ª edição, página 45, a execução “consiste na prática pela Administração activa, dos actos e operações materiais necessários à reintegração efectiva da ordem jurídica violada, mediante a reconstituição da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado”. O conteúdo do dever de executar, ou seja, a definição em concreto dos actos e operações jurídicas necessários à reintegração efectiva da ordem jurídica violada é feita mediante a aplicação de dois princípios: i) o da retroactividade da anulação contenciosa, reputando-se o acto como se nunca tivesse existido na ordem jurídica, o que determina que tenham de ser eliminados os efeitos produzidos pelo acto ilegal e os actos praticados em consequência deste, e; ii) o da limitação da eficácia do caso julgado aos vícios determinantes da anulação, o que não impede a substituição do acto anulado por outro de conteúdo de sentido idêntico ou de sentido contrário, desde que não se repitam os vícios determinantes da anulação. Ficam, assim, definidas as operações em que se esgota o conteúdo da execução, a saber: Ø a substituição do acto anulado por outro válido, Ø a supressão dos seus efeitos e, por último, Ø a eliminação dos actos consequentes [cfr. ob. e Autor citados, que continuamos a seguir de perto, pág. 54 e 58]. Mas, como o conteúdo concreto da execução varia em função do acto anulado e dos vícios que determinaram a sua anulação, cabe apurar se o acto anulado é do tipo renovável ou irrenovável, isto é, se pode ou não ser renovado, com respeito pelo caso julgado, substituindo-o por idêntico acto isento dos vícios determinantes da anulação. In casu, não temos dúvida alguma em afirmar que se está perante um acto de tipo renovável: o despacho punitivo de 23.08.2002 foi anulado for falta de audição do arguido em diligência complementar de prova realizada em momento posterior à realização da sua defesa, e, por isso, com inteiro respeito pelo caso julgado, o autor do acto pode substitui-lo por novo acto expulsivo ou não expulsivo, desde que o expurgue da ilegalidade de que ele padecia. E foi o que veio a suceder, a Entidade executada entendeu proceder “motu proprio” à execução do julgado anulatório, retomando o processo disciplinar e notificando o arguido para, no prazo de dez dias, se pronunciar sobre os fundamentos da diligência complementar de prova realizada em momento posterior ao da apresentação da sua defesa [omissão que havia conduzido à anulação do despacho punitivo, de 23.08.2002]. E elaborou novo relatório final, onde propôs a aplicação da mesma pena que havia sido aplicada pela deliberação anulada [demissão]. Dito por outras palavras, o que ocorreu foi que a anulação do acto punitivo não impediu a renovação do acto sancionador, isto é, não teve por resultado a eliminação pura e simples da sanção, antes permitiu a sua substituição por outra – neste caso idêntica – no quadro do mesmo procedimento disciplinar, já que tratando-se, claramente, dum acto renovável, a entidade competente podia de novo exercitá-lo, expurgando-o, porém, do vício formal que tinha inquinado o anterior. E já no decurso dos presentes autos, o Instituto da Segurança Social, I.P. liquidou, por cheque nº 0830391800, da conta existente na CGD, o valor de 5.539, 29€ (cinco mil quinhentos e trinta e nove euros e vinte e nove cêntimos) correspondente aos vencimentos que o recorrente deixou de auferir no período compreendido entre a data do trânsito do Acórdão anulatório e a data da notificação do segundo despacho punitivo (cfr. fls. 74, 110 a 113 dos presentes autos), tendo concluído que foi dado integral execução ao aludido Acórdão 01-03-2007. Todavia, o recorrente não partilha deste entendimento, pois considera que a substituição do acto anulado e o pagamento dos vencimentos desde o trânsito do Acórdão anulatório, até à data em que foi notificado da segunda decisão punitiva, são insuficientes, uma vez que não reconstituem a situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal, pois que não abrangem a supressão dos efeitos do acto anulado, ou seja, o pagamento dos vencimentos devidos e a “reconstituição da sua situação contributiva na Caixa Geral de Aposentações, relativamente ao período decorrido de 26 de Agosto de 2002 a 24 de Julho de 2007”. Desde já, sublinhemos que este 2º aspecto pecuniário depende directamente do pagamento dos vencimentos. O funcionário tem direito a indemnização pelos prejuízos sofrido pelo acto ilícito da Administração, indemnização que tem de ser pedida e provada, podendo não coincidir com o valor dos vencimentos não recebidos, dado o princípio da compensatio damni cum lucro. A anulação contenciosa do acto [despacho de 26-8-2002] que, extinguindo a relação de emprego, impediu o funcionário de prestar serviço durante o intervalo de tempo decorrido entre o inicio da eficácia daquele acto e a data do trânsito em julgado de acórdão anulatório, não pode legitimar o abono de vencimentos não recebidos; só o critério da teoria da indemnização é que assegura adequadamente a compensação pelos danos concretamente sofridos pelo interessado em consequência do acto ilegal que determinou o seu afastamento no período em questão. Não olvidamos que o não recebimento do vencimento é um dos efeitos negativos do acto anulado, a eliminar, por assim o exigir a tutela do interessado, ou seja, o ora recorrente. Neste sentido vai a jurisprudência do STA e deste TCA. Veja-se a título de mero exemplo o Ac. do STA de 2-2-1995, Procº 17036-A, onde se doutrina, “... Na situação de afastamento, o funcionário não presta qualquer serviço, pelo que só deve ter direito a indemnização pelos prejuízos concretos que sejam consequência directa do acto culposo da Administração”. A indemnização de tais prejuízos só pode ser fixada em execução de sentença anulatória no caso de o tribunal reconhecer a existência de causa legítima de inexecução ou na hipótese de o interessado concordar com a administração acerca da causa de tal natureza. Cabe, neste particular, realçar que no novo figurino delineado no CPTA a questão da existência, ou não, de causa legítima de inexecução não se assume como o objecto principal do processo de execução, antes se apresenta como uma questão que, no âmbito da execução de decisão de anulação de actos administrativos, deverá ser decidida no momento fixado no nº 5 do artigo 177º do CPTA. Ou seja, à luz do CPTA, a declaração de inexistência de causa legítima de inexecução deixa de constituir um momento autónomo do processo de execução. Dispõe o art°163° n°1 do CPTA que “só constituem causa legítima de inexecução a impossibilidade absoluta e o grave prejuízo para o interesse público na execução da sentença”. Está em causa o pagamento de quantia respeitante aos danos sofridos com a prática do acto anulado, facto que, quanto a nós, não reveste extrema dificuldade, pois, que tratando-se de apurar a diferença entre os abonos que deixou de auferir e aqueles que no período de interrupção de funções obteve por via do exercício de outras funções, exercício esse que até seria impossível se se mantivesse no exercício do cargo público. Na verdade, a impossibilidade absoluta na execução não tem a ver com a sua maior ou menor dificuldade, maior ou menor onerosidade da execução (Ac. do STA de 18/2/2002 - rec. n° 40494-A), mas sim com a existência de um obstáculo de natureza material ou legal inultrapassável (Ac. do STA de 2/4/1998-rec n° 19815-A), e nem o interesse geral ou o bem comum ficam atingidos de forma tão negativa pela potencial indemnização a que se tiver direito por força do acto anulado (Ac. do STA de 30/6/1998-rec. n° 29719-A). Ora, no caso dos presentes autos, sendo renovável o acto anulado, a reconstituição da situação actual hipotética exige, para além da prática de novo acto expurgado do vício que o anulava, uma indemnização pelos danos sofridos, segundo o princípio da indemnização, como vimos já. Pretende o recorrente que a sentença recorrida deveria ter condenado o recorrido no pagamento dos vencimentos como consequência directa da anulação do acto ilegal, ou seja, deveria ser integralmente reposta a situação que se encontrava anteriormente ao acto entretanto anulado. Esta questão contende com a abrangência deste meio processual, como já vimos, e sobre a qual o STA se tem pronunciado de forma constante. No acórdão do STA de 2/06/2010, proc. n.º 01541A/03, escreveu-se: “(…) É sabido que, anulado o acto objecto de impugnação, a Administração tem o dever de executar espontaneamente essa decisão nos três meses imediatos à sua notificação e que, se tal não suceder, o interessado pode requerer essa execução nos seis meses imediatos (artºs 173.º/1 e 176.º/1 e 2 do CPTA), a qual, por via de regra, passa pela reconstituição da situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado. Só assim não será se aquela reconstituição for absolutamente impossível ou causar grave prejuízo ao interesse público pois, neste caso, importará declarar a existência de causa legítima de inexecução e compensar os prejuízos sofridos pelo Exequente em razão de não ser colocado na posição que teria não fosse a prática do acto ilegal, atribuindo-lhe uma indemnização que o compense de tais prejuízos (artºs 175.º, 163.º e 178.º do CPTA (vd. a propósito o art.º 566.º/1 do CC.)). O que significa que o recurso à atribuição de uma indemnização como forma de compensar a inexecução do julgado é uma via alternativa e de último recurso à via normal da reconstituição natural. Sendo assim, e sendo que, in casu, (….) a referida reconstituição era já impossível, a questão que se nos coloca é a de identificar os danos causados por esse facto e a de arbitrar a indemnização que lhes corresponde. O art.º 178.º/1 do CPTA estatui que, não se podendo executar o julgado, por se verificar a existência de causa legítima de inexecução, o Tribunal ordena a notificação da Administração e do Exequente para que estes, no prazo de 20 dias, acordem o montante da indemnização devida pelo facto da inexecução, o que tem levado a doutrina e a jurisprudência deste Supremo a considerar que esta indemnização visa compensar o Exequente pelo facto de já não ser possível colocá-lo na situação que por direito lhe pertencia e, correspondentemente, de libertar a Administração de cumprir essa obrigação. Ou seja, tal indemnização destinar-se-ia a reparar os danos resultantes da execução se ter frustrado, ressarcindo aquilo que vem sendo chamado de expropriação do direito à execução ou de perda de uma oportunidade. O que quer dizer que a perda da possibilidade de reconstituição da situação natural, independentemente de outros eventualmente existentes, constitui, por si só, um dano real que importará indemnizar. Por ser assim, isto é, por se tratar de um dano perfeitamente identificado e de contornos bem definidos vem afirmando que a reparação desse singular direito deve ser alcançada de forma rápida e expedita, preferencialmente, através do acordo das partes. Do que se trata, como referem Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, é “de assegurar ao exequente, no âmbito de um processo declarativo sumário, uma compensação pelo facto da inexecução”, a qual é objectiva e independente de culpa (Anotação ao art.º 166.º no Comentário ao CPTA.) (vd. os Acórdãos do STA de 29.11.05 (rec. 41321), de 01.10.08 (rec. 42.003), de 25.02.09 (rec. 47472) e de 20/01/2010 (rec. 47578-A). Haveria, assim, que distinguir a indemnização devida pela inexecução – que dispensava o apuramento do montante indemnizatório correspondente à efectiva perda sofrida pelo Exequente em resultado da prática do acto anulado – da indemnização devida pela prática do acto ilegal - a exigir aquele apuramento e, portanto, a exigir outros desenvolvimentos processuais – visto tratarem-se de indemnizações autónomas e diferenciadas, quer no tocante aos danos que ressarciam, quer na forma do seu cálculo. No primeiro caso, esse cálculo far-se-ia no próprio processo de execução através de meios sumários e expeditos e, no segundo, o mesmo seria feito através da formulação de um pedido autónomo nos termos do n.º 5 do art.º 45.º do CPTA, isto é, através da instauração de um processo declarativo especial autónomo (vd. AROSO DE ALMEIDA e F. CADILHA in Comentário ao CPTA, pg. 872.) Deste modo, (….) a Exequente nada mais poderá reclamar neste processo para além do arbitramento de uma indemnização que a compense dos danos provocados pela impossibilidade da reconstituição natural e pela frustração de, por este meio, não ver imediatamente reparados todos os prejuízos eventualmente sofridos em resultado da prática do acto anulado. E, consequentemente, por se ver obrigada a recorrer ao meio processual aludido no art.º 45.º/5 do CPTA para obter a reparação desses prejuízos, isto é, para ser indemnizada pelo facto de não ter sido posicionada no 3.º lugar do mencionado concurso e de, por isso, não ter recebido o correspondente subsídio. Estando, assim, adquirido que o meio processual adequado a apurar o efectivo prejuízo – economicamente verificável - sofrido pela Exequente em resultado da prática do acto anulado e a proporcionar a atribuição da correspondente indemnização é a acção a que alude no art.º 45.º/5 do CPTA, improcede a sua pretensão de ser aqui indemnizada pelos prejuízos alegadamente sofridos pelo facto de não ter sido posicionada no 3.º lugar do concurso ora em causa e de, em consequência, não ter recebido o subsídio que lhe correspondia. Tal pedido, como já se disse, só poderá ser satisfeito na acção a que alude o art.º 45.º/5 do CPTA visto só nela se poder indagar se aquela alegação tem fundamento e analisar se o apontado prejuízo tem relação directa e causal com o acto anulado (…)” Do exposto, aqui aplicável, terá necessariamente que se concluir pela improcedência deste recurso jurisdicional. Sublinhemos de novo que o 2º aspecto pecuniário do pedido depende directamente do pagamento dos vencimentos, como é sabido. Isto não quer dizer que o recorrente nunca vá ter direito a ser indemnizado ou a ver a sua situação na CGA como aqui pretende. Isso depende de outras decisões (administrativas e/ou jurisdicionais). 4 – DECISÃO Pelo que acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente este recurso e, em consequência, manter a decisão recorrida. Custas a cargo do recorrente. 7-12-11 Paulo H Pereira Gouveia, relator António C. da Cunha Fonseca da Paz 1- O artigo 157º do CPTA, inserido no Capítulo que tem por epígrafe “Âmbito de aplicação” estipula que: “1. A execução das sentenças proferidas pelos tribunais administrativos contra entidades públicas é regulada nos termos do presente título. ….” 2- O artº173º do CPTA, inserido no Capítulo que tem por epígrafe “Execução de sentenças de anulação de actos administrativos”, dispõe que: “1 - Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo acto administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um acto administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado. 2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a Administração pode ficar constituída no dever de praticar actos dotados de eficácia retroactiva que não envolvam a imposição de deveres, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como no dever de remover, reformar ou substituir actos jurídicos e alterar situações de facto que possam ter surgido na pendência do processo e cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação. …”.

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