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Acórdão TR Lisboa de 2022-05-18

119/21.4YHLSB.L1-PICRS

TribunalTribunal da Relação de Lisboa
Processo119/21.4YHLSB.L1-PICRS
RelatorAna Pessoa
DescritoresPropriedade Intelectual, Patentes Farmaceuticas, Interesse em Agir
Nº do DocumentoRL
Data do Acordão2022-05-18
VotaçãoUnanimidade
Meio ProcessualAPELAÇÃO
DecisãoRecurso Procedente

Sumário

1.– Os titulares dos direitos de propriedade intelectual podem propor a ação especial prevista no art. 3.º da Lei n.º 6272011, de 12 de Dezembro, na redação do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de setembro, em face da publicação de um simples pedido de autorização de introdução no mercado. 2.– O interesse em agir e a legitimidade circunscrevem-se, porém neste caso, ao concreto procedimento que visa apenas os medicamentos que foram objecto de pedido de AIM pelas Demandadas, não podendo, pelas próprias finalidade e natureza do mesmo, ser extendidos a outros produtos que eventualmente venham a ser objecto de AIM’s ainda não solicitadas. 3.– É admitida a dedução do pedido de nulidade da patente ou do CCP em que as Demandantes sustentam a sua pretensão, pela Demandada, na contestação, devendo depois adequar-se o processado por forma fazer cumprir o contraditório.


Texto Integral

Acordam, em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência Regulação e Supervisão  : *** I.–RELATÓRIO NOVARTIS PHARMA AG, e NOVARTIS FARMA – PRODUTOS FARMACÊUTICOS, S.A., vieram, «ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 3.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro» instaurar acção declarativa de condenação contra BIOFARMOZ - SOCIEDADE TÉCNICO MEDICINAL, UNIPESSOAL LDA., pedindo condenação da Ré a: a)- abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos que são objeto dos pedidos de AIM melhor identificados no artigo 140.º da petição inicial, enquanto a EP 1 412 357 e/ou o CCP 278 e/ou o CCP 339 se encontrarem em vigor; b)- abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer quaisquer medicamentos que compreendam a associação de substâncias ativas Sitagliptina e Metformina, enquanto a EP 1 412 357 e/ou o CCP 278 e/ou o CCP 339 se encontrarem em vigor. Para tanto alegam, em síntese, que de acordo com a lista publicitada na página electrónica oficial do Infarmed, a Ré requereu autorizações de introdução no mercado (AIM) para medicamentos compreendendo sitagliptina em associação com metformina como substâncias ativas, substâncias essas que se encontram protegidas pela patente e CCP a que fez referência. * Regularmente citada, a Ré contestou, a)-Deduzindo a exceção da falta de interesse em agir das ora Recorrentes, requerendo consequentemente a absolvição da Recorrida da instância; b)-Deduzindo exceção de não infração do CCP 339 com fundamento na respetiva invalidade; c)-Deduzindo pedido reconvencional, requerendo a declaração de nulidade da EP ‘357 e do CCP 339, com a sua consequente revogação e cancelamento do registo. * Por despacho de 1 de julho de 2021, o Tribunal a quo: a)-indeferiu o pedido reconvencional deduzido pela ora Recorrida; b)- determinou que, não tendo a reconvenção sido admitida, não haveria lugar a Réplica; e c)- notificou ainda as Autoras para, querendo, se pronunciarem sobre a exceção de falta de interesse em agir deduzida pela Ré na sua Contestação. * Inconformada como indeferimento do pedido reconvencional, recorreu a Ré, concluindo, após alegações, que: A.–A presente apelação tem por objeto o despacho judicial proferido, em um (1) de julho de 2021, pelo Juízo da Propriedade Intelectual-Juiz 1 do Tribunal da Propriedade Intelectual, sob a referência eletrónica n.º 446590, que julgou: ‘(…) não se admite o pedido reconvencional.’. B.–O legislador, com a aprovação da Lei 62/2011, não pretendeu reduzir e/ ou denegar os meios de defesa ao dispor dos(as) requerentes de AIM para medicamento(s) genérico(s) ou tampouco impossibilitar e/ ou mesmo dificultar a entrada no mercado nacional de medicamento(s) genérico(s) sempre que a (referida) defesa assente exclusivamente na invalidade dos direitos de propriedade industrial invocados/ opostos contra aquele pedido de AIM. C.–A afirmação nos termos da qual o artigo 3.º da Lei 62/2011, nos números 1 e 2, prevê apenas dois articulados, constituídos pela petição inicial e pela contestação, carece de adesão à realidade, na medida em que o primeiro dos referidos normativos legais (o n.º 1) prevê (apenas) o prazo para a propositura da ação e o segundo (o n.º 2) estatui (tão-somente) os específicos efeitos decorrentes da falta de dedução de contestação. D.–Não é, pois, legítimo concluir que o legislador terá impedido, deliberadamente, a dedução de um pedido reconvencional nas ações judiciais propostas no quadro e ao abrigo da Lei 62/2011. E.–A interpretação jurídica perfilhada pelo tribunal a quo não tem suporte na letra dos números 1 e 2 do artigo 3.º da Lei 62/2011. F.–Fosse a interpretação do disposto no artigo 3.º da Lei 62/2011 assim tão singela, como pugna o tribunal a quo, ter-se-ia, necessariamente, de concluir que, no âmbito de tais acções especiais, seriam também inadmissíveis articulados supervenientes – mesmo que assentes em factos novos, ocorridos ou conhecidos após a contestação –, interpretação que, manifestamente, não é defensável e/ ou se coaduna com o domínio jus-processual português. G.–A única norma que na Lei 62/2011 regula a tramitação processual é o n.º 4 do artigo 3.º, que, todavia, se refere, expressa e exclusivamente, aos processos arbitrais. H.–Tendo o legislador distinguido de forma expressa, na Lei 62/2011, o processo arbitral do processo judicial, cujos termos hão-de correr perante o Tribunal da Propriedade Intelectual, não poderá, naturalmente, aplicar-se analogicamente aos presentes autos o regime previsto no artigo 3.º, n.º 4, da Lei 62/2011. I.–A jurisprudência vem afirmando que a natureza especial de um processo não é impeditiva da dedução de um pedido reconvencional. J.–A doutrina também tem defendido que os pedidos reconvencionais são admissíveis no âmbito dos processos iniciados ao abrigo da Lei 62/2011. K.–A interpretação defendida pelo tribunal a quo, nos termos da qual a Lei 62/2011 impede a dedução de pedido reconvencional para a declaração de nulidade de um título de propriedade industrial, no caso em particular constituído por certificado complementar de proteção, reconduziria o disposto no artigo 29.º do CPI a letra morta. L.–Ao impedir a BIOFARMOZ, L.da de deduzir pedido reconvencional, o tribunal a quo está, na verdade, a impedir o exercício ao contraditório por parte desta, obstruindo a sua defesa, desconsiderando consequentemente o princípio do direito ao contraditório, o princípio da concentração da defesa previsto no artigo 573.º do CPC, o princípio da igualdade das Partes, princípio da economia processual e o princípio da descoberta da verdade material, nos termos que decorrem do disposto no artigo 411.º e no artigo 436.º, ambos do CPC. M.–A interpretação do tribunal a quo é contrária ao disposto no artigo 3.º da Lei 62/2011, no artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do CPI e nos artigos 3.º, 4.º, 411.º, 413.º e 573.º do CPC, na certeza de que a interpretação correta destas normas impõe concluir pela admissibilidade do pedido reconvencional deduzido pela ré e, consequentemente, pela respetiva carência de julgamento pelo tribunal a quo. N.–É indiscutível que a celeridade é um dos desideratos do processo previsto na Lei 62/2011, mas em momento algum o legislador pretendeu sacrificar os direitos de defesa do réu apenas para assegurar uma decisão célere nos autos. O.–A celeridade do processo não pode, obviamente, significar uma redução e/ ou uma denegação dos meios de defesa do demandado. P.–O Tribunal da Propriedade Intelectual não estará certamente a fazer justiça ao assegurar uma condenação rápida do demandado, sem, antes, atentar, designadamente, ao âmbito da defesa aduzida pelo mesmo. Q.–A interpretação do tribunal a quo é, ainda, contrária à interpretação perfilhada pelo Tribunal Constitucional que entende como justificada a suspensão da instância nos processos iniciados ao abrigo da Lei 62/2011 face a uma ação (pendente) para a declaração de nulidade de direitos de propriedade industrial. R.–As empresas que se dedicam à produção e/ ou à comercialização de medicamentos genéricos não dispõem de condições para antecipar os direitos de propriedade industrial que podem ser opostos/ invocados contra pedido(s) de AIM para medicamento(s) genérico(s) e/ ou no âmbito de ação(ões) proposta(s) no quadro da Lei 62/2011. S.–O sistema português não é um sistema bifurcado, visto que o sistema bifurcado impõe que dois tribunais diferentes apreciem, em separado, a alegada infração, por um lado, e a nulidade dos direitos de propriedade industrial, por outro. T.–Em Portugal, o tribunal que aprecia a alegada infração e a nulidade de direitos de propriedade industrial é o mesmo – o Tribunal da Propriedade Intelectual. U.–O sistema bifurcado prevê mecanismos de proteção da igualdade das partes, impedindo, designadamente, a condenação automática do réu na ação da alegada infração fundada no facto de a defesa assentar exclusivamente na invalidade dos direitos invocados. V.–O sistema bifurcado prevê, para aqueles casos, caso se afigurem minimamente fundamentados, naturalmente, a suspensão da ação destinada a apreciar a alegada infração até ao momento em que seja proferida uma decisão na ação destinada a apreciar a nulidade dos direitos de propriedade industrial invocados. W.–O entendimento do tribunal a quo poderia ter fundamento se o sistema imposto pela Lei 62/2011 correspondesse ou sequer tivesse semelhanças com o regime jurídico emanado do ‘Orange Book’ nos EUA. No entanto, X.–em Portugal, em momento algum os titulares de direitos de propriedade industrial publicitam os direitos que pretendem invocar relativamente a um determinado medicamento de referência. Y.–Em Portugal, ao contrário dos EUA, as empresas que se dedicam à produção e/ ou à comercialização de medicamentos genéricos não sabem antecipadamente quais são os direitos de propriedade industrial associados ao medicamento de referência. Z.–Em Portugal as empresas requerentes e/ ou titulares de AIM para medicamento(s) genérico(s) apenas tomam conhecimento dos direitos de propriedade industrial que serão exercidos contra elas quando são citadas para a ação judicial (e têm, então, conhecimento da petição inicial). AA.–Uma interpretação como aquela que parece ser a perfilhada pelo tribunal a quo constitui um ónus excessivo e desproporcional para as empresas requerentes e/ ou titulares de AIM para medicamento(s) genérico(s), restringindo, para além do constitucionalmente autorizado, o direito à tutela jurisdicional efetiva, tal como o Tribunal Constitucional já julgou expressamente. BB.–Os direitos de propriedade industrial incluem, além de certificados complementares de proteção, patentes de invenção com vários objetos possíveis, protegendo um produto, processo(s) de fabrico de substância(s) ativa(s), processo(s) de fabrico de produto(s) acabado(s), processo(s) de formulação farmacêutica, entre outros, sendo certo que inexiste qualquer obrigação legal de invocar (todos) aqueles direitos contra um determinado medicamento genérico. CC.–Obrigar os requerentes e/ ou titulares de AIM para medicamento(s) genérico(s) a conhecerem e anteciparem que direitos as titulares de direitos de propriedade industrial associam aos respetivos medicamentos de referência é, como supra se demonstrou, um puro exercício de futurologia. DD.–Seguindo uma interpretação meramente literal do disposto no artigo 3.º, n.º 3, da Lei 62/2011, conclui-se que a sua aplicabilidade ao processo (judicial), pendente perante o tribunal judicial, não é possível, mas tão-somente a processo(s) cujos trâmites processuais decorram perante o tribunal arbitral. EE.–O despacho judicial recorrido incorreu na violação do disposto no artigo 193.º, n.º 3, do CPC. FF.–O direito a uma defesa efetiva é violado quando o tribunal a quo se limita a confirmar a existência de um direito de propriedade industrial formalmente em vigor e a sancionar uma alegada infração desse mesmo direito, sem que a parte demandada possa discutir se o mesmo preenche ou não os requisitos mínimos de concessão. GG.–A interpretação perfilhada pelo tribunal a quo, nos termos da qual a Lei 62/2011 não admite a dedução de pedido reconvencional para declaração de nulidade dos direitos de propriedade industrial opostos/ invocados contra um determinado pedido de AIM para medicamento genérico, é manifestamente inconstitucional, por violação do princípio da proibição de indefesa previsto no artigo 20.º da CRP em conjugação com o disposto no artigo 18.º, n.º 2, também da CRP. Terminou pedindo que seja revogado o despacho judicial recorrido, e, consequentemente, admitido o pedido reconvencional oportunamente deduzido pela BIOFARMOZ. * Foi depois proferido despacho saneador/sentença que julgou verificada a exceção de falta de interesse processual em agir e, em consequência, absolveu a Ré da instância. * Inconformadas com a decisão, vieram as Autoras interpor novo recurso de apelação, concluindo, após motivação, da seguinte forma: A.–O presente recurso vem interposto do Despacho Saneador-Sentença de 12 de outubro de 2021, quanto à decisão de absolvição da Ré da instância por verificação de exceção inominada de falta de interesse em agir por parte das Autoras. B.–São inúmeras as questões que não foram devidamente abordadas e que foram incompreendidas pelo Tribunal a quo e que o conduziram a uma decisão errada e profundamente injusta e que se espera que sejam, agora, proficientemente apreciadas pelo Tribunal ad quem. C.–O único elemento a ter em conta na definição do objeto deste litígio é a configuração da presente ação tal como ela foi delineada pelas Recorrentes na sua Petição Inicial. D.–E o objeto do presente litígio, tal como ele resulta então da causa de pedir e dos pedidos formulados pelas Recorrentes, seria o de saber se os medicamentos para os quais a Recorrida solicitou as AIMs que espoletaram a presente ação caem no escopo de protecção da EP ‘357, do CCP 278 e do CCP 339 e se as futuras atividades que os pedidos formulados visam impedir constituem atuações proibidas nos termos do artigo 102.º do CPI. E.–O regime das ações especiais da Lei 62/2011 não pressupõe necessariamente que o demandado já tenha efetivamente praticado algum concreto ato violador dos direitos de propriedade industrial do demandante ou, sequer, que esteja suficientemente caracterizada uma situação de ameaça a esses direitos. F.–A Lei 62/2011 teve duas finalidades primordiais (i) pôr termo à consagração prática do chamado patent linkage pelos tribunais administrativos e (ii) criar uma ação preventiva precoce, tendente a prevenir a infração de patentes farmacêuticas por medicamentos genéricos (que, na sua versão original, estava sujeita a um regime de arbitragem necessário e que, atualmente, corre termos junto do Tribunal da Propriedade Intelectual). G.–A ação destes autos é uma ação especial da Lei 62/2011, de natureza inibitória preventiva, cuja finalidade coincide com a das ações declarativas de condenação destinadas a exigir a prestação de um facto negativo, prevendo a violação de um direito, nos termos do artigo 10.º, nº 3, alínea b) in fine do CPC. H.–Esta ação visa, assegurar, em tempo anterior à sua lesão, a efetividade dos direitos de exclusivo das Recorrentes, derivados da EP ‘357, do CCP 278 e do CCP 339, tutelando adequada e oportunamente o jus prohibendi dele resultante e obtendo, desse modo, a realização de garantia constitucional da tutela jurisdicional efetiva, neste caso, preventiva. I.–Por força do artigo 3.º, n.º 1, da Lei 62/2011, o legislador atribui ao pedido de AIM para o medicamento genérico infrator da patente a natureza de condição do interesse em agir do titular da patente, relativamente às ações especiais previstas na mesma Lei. J.–Ou seja, o legislador consagrou um regime de interesse em agir próprio, cuja condição única consiste na existência de um pedido de AIM para o medicamento genérico tido como infrator dos direitos de propriedade industrial invocados. K.–E isto porque esta ação visa assegurar, em tempo anterior à sua lesão, a efetividade dos direitos de exclusivo derivados das patentes, tutelando adequada e oportunamente o jus prohibendi deles resultante e cumprindo desse modo o desiderato constitucional de garantia da tutela jurisdicional efetiva, neste caso, preventiva. L.–As circunstâncias em que, segundo o artigo 3.º, n.º 1, da Lei 62/2011, tem lugar o impulso processual inicial do autor e o tipo de ação aqui em causa afastam qualquer possível entendimento no sentido de que o interesse em agir possa radicar na violação atual ou iminente das patentes/certificados complementares de proteção, porque a ação deve ser proposta, segundo o mesmo artigo, numa fase em que apenas existe um pedido de AIM, cuja decisão demora, de acordo com o Estatuto do Medicamento, 210 dias, não existindo, então, nem violação da patentes/certificados complementares de proteção, nem iminência de uma tal violação. M.–As circunstâncias escolhidas pelo Despacho Saneador-Sentença para configurar o interesse em agir nesta ação inibitória preventiva – a violação ou a iminência de violação dos direitos invocados – são as condições que a lei prevê para configurar o interesse em agir nos procedimentos cautelares, respetivamente reativos e preventivos, no artigo 345.º n.os 1 e 2, do CPI, não se adaptando, nenhuma delas, à tutela inibitória preventiva, no quadro de uma ação declarativa de condenação. N.– O meio juridicamente mais adequado para proteção de direitos de patente, de duração necessariamente limitada, é o da ação preventiva, não só porque a indemnização é um meio subsidiário de satisfação de direitos, como também a indemnização por violação de patente é de difícil quantificação e uma indemnização jamais poderá proporcionar uma reparação integral do prejuízo causado. O.–O regime especial da Lei 62/2011 tem sido útil e os seus efeitos benéficos em muito têm suplantado quaisquer efeitos negativos que lhe possam ser atribuídos, designadamente têm permitido que as empresas originadoras e as empresas de genéricos, antes de se lançarem na via contenciosa (arbitral ou judicial), tenham vindo a envidar esforços de composição amigável, esforços esses que deram origem a largas centenas de transacções extrajudiciais, excedendo em muito o número de ações propostas nos tribunais. P.–A interpretação do artigo 2.º da Lei 62/2011, no sentido de que o interesse em agir, na acção aí prevista, pressupõe a existência de violação atual ou iminente da patente, torna essa norma inconstitucional, nos termos do artigo 20.º da CRP, porque torna inviável o recurso a essa ação preventiva, impedindo a tutela jurisdicional efetiva preventiva do direito de patente, contra a sua violação por requerentes ou titulares de AIMs para medicamentos genéricos. Q.–Em geral, nas ações de condenação inibitórias preventivas, previstas no artigo 10.º, n.º 3, alínea c) do CPC, o interesse em agir basta-se com a ameaça da violação do direito, consubstanciada na previsão ou na probabilidade da sua ocorrência, o que significa que, existindo essa ameaça, existirá o interesse em agir nas ações especiais da Lei 62/2011 – quando inibitórias e preventivas -, mesmo que a lei não tivesse estipulado que esse interesse se materializa (e basta) com o pedido de AIM. R.–Por razões de segurança jurídica, sempre as Recorrentes teriam interesse processual em iniciar uma ação ao abrigo da Lei 62/2011 no prazo de 30 dias desde a data de publicitação dos pedidos de AIM a fim de não verem – com certeza absoluta – precludido futuramente o seu direito de ação relativamente à EP ‘357, ao CCP 278 e ao CCP 339 do são titulares. É que o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 123/2015, citado pelo Tribunal a quo, não tem força obrigatória geral. S.–Os argumentos que o Tribunal a quo traz à decisão de absolvição das Recorrentes da instância, para que se possa concluir que tal os mesmos (i) não são relevantes para apreciação do interesse em agir das Recorrentes neste autos; e/ou (ii) revelam uma incompreensão quanto ao regime especial previsto na Lei 62/2011; (iii) não têm qualquerconexão com a realidade dos factos; e/ou (iv) contrariam frontalmente a legislação em vigor. T.–Em primeiro lugar, o Tribunal a quo vem citar uma série de disposições legais que não têm qualquer relevo face à questão em discussão. U.–É, por exemplo, totalmente alheio à problemática deste processo o comentário do Tribunal a quo de que, nos termos do artigo 103.º, n.º 1, alínea c), do CPI, pois nesta ação não se imputa à Recorridas a prática, passada ou futura, de quaisquer dos atos previstos nessas normas, nomeadamente de estudos ou ensaios necessários à obtenção da AIM. Também não releva aqui a norma do artigo 25.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, com a redação dada pelo artigo 4.º da Lei 62/2011, uma vez que, nesta ação, não foi peticionado o indeferimento dos pedidos de AIM. V.–Em segundo lugar, as Recorrentes não alegaram que os pedidos de AIM formulados pela Recorrida consubstanciassem uma violação dos seus direitos de propriedade industrial, sendo as afirmações tecidas pelo Tribunal a quo nesse sentido e sobre todo o regime legal aplicável ao pedido de AIM e respetivo procedimento administrativo totalmente irrelevantes para a apreciação do mérito da causa. W.–Em terceiro lugar, é errado o juízo que o Tribunal a quo ao sustentar que as Recorrentes estão sujeitas ao risco de violação dos seus direitos e que a AIM é um risco tão potencial como qualquer outro, uma vez que como o próprio nome indica, um pedido de AIM (Autorização de Introdução no Mercado) não pode significar outra coisa do que o respectivo requerente pretende efetivamente lançar o medicamento em causa no mercado. X.–É que a AIM é o ato administrativo que possibilita a alguém a comercialização de um  produto farmacêutico no território nacional, que, de outro modo, lhe estaria vedada. E, para além desta natureza permissiva, a AIM tem também uma eficácia de natureza impositiva ou injuntiva, visto que da sua concessão decorre para o destinatário a obrigação de comercialização efetiva do medicamento que é objeto imediato desse ato administrativo. É, pois, evidente que o risco que advém da apresentação de um pedido de uma AIM não pode ser considerado tão potencial como qualquer outro risco. Y.–Em quarto lugar, as considerações efetuadas pelo Tribunal a quo a respeito da Lei 62/2011, revelam um total desconhecimento sobre o seu contexto, finalidade ou fundamento. Z.–Em concreto, ao impugnarem junto dos Tribunais Administrativos a validade de atos administrativos relativos às autorizações de introdução no mercado solicitadas por empresas de genéricos, os titulares de patentes (e certamente não as Recorrentes ou qualquer outra sociedade do grupo MSD) nunca pediram a suspensão do procedimento administrativo de concessão de AIM. AA.–Nunca se suspendeu o processo de concessão de uma AIM (porque o que se impugnavam eram os atos já concedidos, logo não havia qualquer processo de concessão para suspender. BB.–Também nunca se defendeu, nem nunca a jurisprudência assim o decidiu, que a AIM violava patentes em vigor, pois o que se dizia era que a AIM, quando reportada a um produto protegido por patente, abria o caminho à violação dessa patente, o que representava uma infração por parte do INFARMED dos seus deveres de proteção de direitos fundamentais constitucionalmente protegidos, na medida em que uma das tarefas fundamentais do Estado de acordo com o artigo 9.º, alínea b), da CRP é a de “garantir os direitos e liberdades, o que significava a nulidade desses artigos nos termos do artigo 133.º, n.º 2, alíneas c) e d) do CPA se a sua eficácia não fosse diferida para data posterior à da caducidade da patente. CC.–Em quinto lugar, não se compreende por que razão a Tribunal a quo convocou o artigo 3.º, n.º 2, da Lei 62/2011, uma vez que a presente ação foi contestada, pelo que nunca teria lugar o efeito cominatório que nele se estabelece. DD.–E, ao contrário do que vem afirmado na Sentença recorrida, nunca o efeito cominatório da revelia previsto no artigo 567.º n.º 1 do CPC poderia ter o alcance que resulta da Decisão Recorrida, pois nunca seria suscetível de levar ao reconhecimento pelo tribunal de que “a AIM violava a patente”, desde logo porque, as Recorrentes não alegaram que o pedido de AIM consubstanciava uma violação dos seus direitos ou tão-pouco peticionaram o indeferimento do pedido de AIM que espoletou os presentes autos. EE.–Em sexto lugar, é também errónea e incompreensível a conclusão de que a presente acção não é necessária, na medida em que o direito das autoras não fica mais tutelado por via da ação especial da Lei 62/2011. FF.–O artigo 102.º do CPI define o conteúdo substantivo dos direitos de exclusivo derivados da patente (o denominado jus prohibendi do titular da patente), sendo que posição tomada pela Decisão Recorrida de que a intervenção do tribunal não é necessária para a defesa do direito, não violado, das titulares de patentes, que o têm já tutelado pela via legal ignora que, no direito português, a possibilidade de recurso à ação direta existe apenas em casos extremos, quando o recurso às vias coercivas normais – leia-se a via judicial – for impraticável (cf. artigo 336.º do CC). GG.–Em sétimo lugar, ao referir que as Recorrentes, ao configurarem o pedido de AIM como uma mera ameaça e não como uma efetiva violação do seu direito, revelaram que inexiste um litígio e, por conseguinte, não têm interesse em agir, apenas demonstra que o Tribunal a quo ignora a existência de ações preventivas (ou ignora a possibilidade de as Recorrentes poderem lançar mão delas). HH.–As duas circunstâncias escolhidas pelo Despacho Saneador-Sentença – a violação atual ou iminente dos direitos – para configurar o interesse em agir nesta ação inibitória preventiva, são, exatamente, as condições que a lei prevê para configurar o interesse em agir nos procedimentos cautelares, respetivamente reativos e preventivos, no artigo 345.º nºs 1 e 2 do CPI. II.–A menos que o Despacho Saneador-Sentença pretendesse, afinal, afirmar que aos titulares das patentes está vedada a tutela inibitória preventiva, fora do quadro da iminência da violação, o que, não só não cabe no conceito deste tipo de ações, tal como definido no artigo 10.º, n.º 3, alínea b) in fine do CPC, como representaria uma interpretação inconstitucional dessa norma, por restringir, de forma constitucionalmente intolerável, o direito à tutela jurisdicional efetiva decorrente do artigo 20.º da CRP quando aplicada aos titulares de patentes. JJ.–Cabe aqui dizer que o Despacho Saneador-Sentença erra, não só quando afasta o requisito do interesse em agir nas ações especiais da Lei 62/2011 decorrente dessa lei, como quando afasta a sua existência no quadro da presente ação, nos termos gerais, sendo manifesto, em face dos factos provados, que tal interesse se verifica no caso, como atrás se tentou demonstrar. KK.–Afigura-se claro que os factos alegados pelas Recorrentes e que resultam dos presentes autos – só por si –, provocariam, a qualquer observador médio colocado na posição das Recorrentes, um justificado juízo de previsão ou, pelo menos, de forte probabilidade de que os direitos emergentes da EP ‘357, do CCP 278 e do CCP 339 das Recorrentes viessem a ser violados, neste caso, pela Recorrida. LL.–A formulação pela Recorrida dos pedidos de autorização para lançar no mercado o medicamento protegido na vigência da patente base, quase 2 anos antes da caducidade da EP ‘357, cerca de 2 anos antes da data de caducidade do EEP ‘278 e quase três anos antes da caducidade do CCP 339, é suficiente para configurar uma ameaça de lesão do direito das Recorrentes, traduzida na previsão ou probabilidade de que as Recorridas projectassem entrar no mercado “a risco”, ou seja, na vigência dos referidos direitos. Em particular, num quadro legal que estipula um prazo de duzentos e dez dias para a decisão pelo INFARMED sobre o pedido de AIM. MM.–Mais flagrante ainda é o Tribunal recorrido, na sua fundamentação ter desconsiderado que a Recorrida veio expressamente declarar nestes autos que o CCP 339 não lhe pode ser oposto por supostamente, no seu entender, não preencher os requisitos previstos nas alíneas a) e c) do artigo 3.º do Regulamento CCP e pelo facto de a EP ‘357 ser inválida no segmento que protege a associação de substâncias ativas sitagliptina e metformina. NN.–Ou seja, a própria Recorrida antecipou, ao deduzir o seu pedido reconvencional, que não irá respeitar os direitos de propriedade industrial das Recorrentes emergentes do CCP 339 e que pretende comercializar os seus medicamentos genéricos na vigência do mesmo, pois considera que o mesmo não lhe é oponível. OO.–Tanto bastava para que o Tribunal a quo - mesmo que (injustificadamente) desconsiderasse, como fez, a norma do artigo 3.º n.º 1 da Lei 62/2011 - devesse ter reconhecido às agora Recorrentes um justificado interesse em agir, na presente ação. PP.–Não pode ainda deixar de se considerar a vasta jurisprudência sobre esta matéria, proferida por este Tribunal da Relação de Lisboa e pelo Supremo Tribunal de Justiça.: em concreto, o Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo n.º 219/19.0YHLSB.L1.S1, veio declarar que os titulares dos direitos de propriedade intelectual podem propor a ação especial prevista no artigo 3.º da Lei n.º 62/2011, na redação do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de setembro, em face da publicação de um simples pedido de autorização de introdução no mercado. Também este Tribunal da Relação, através de variadas decisões (Singulares ou da Conferência) tiradas, pelo menos, nos processos n.os 200/20.7YHLSB.L1, 242/20.2YHLSB.L1, 169/20.8YHLSB.L1, 40/20.3YHLSB.L1, 438/21.0YHLSB.L1, 83/20.7YHLSB-A.L1 e 346/20.1YHLSB.L1 reconheceu o interesse em agir dos titulares de direitos de propriedade industrial para iniciar ações ao abrigo da Lei 62/2011 com fundamento na mera publicitaçãode um pedido de AIM. QQ.–Assim sendo, este Tribunal ad quem tem ao seu dispor todos os elementos para poder apreciar todos os pedidos formulados pelas Recorrentes, julgando a presente acção procedente por provada, com as devidas consequências em matéria de custas. Terminaram pedindo que se revogue o Despacho Saneador-Sentença e se substitua por outro que julgue verificado o interesse em agir das Recorrentes, prosseguindo os autos os seus demais termos, com a consequente condenação da Recorrida nos pedidos formulados na Petição Inicial. * A Ré/ Recorrida respondeu às alegações de recurso sem apresentar conclusões e sustentando a sua improcedência. * Foi proferida decisão singular que julgou procedentes as apelações, após o que vieram as Autoras/Apelante, reclamar para a conferência, alegando que: a.-Deve ser eliminado o conteúdo decisório da parte relativa à admissibilidade da invocação de nulidades de patentes e CCP deduzidos na contestação “por via de exceção”, mantendo-se apenas “por via de reconvenção”; b.-Deve substituir-se a referência à determinação do prosseguimento dos autos em primeira instância “com a prolação de novo despacho saneador” pela referência à determinação do prosseguimento dos autos com a expressa notificação pelo Tribunal a quo às Autoras, na sequência do Acórdão preferido por esta Relação, para que as mesmas possam, no prazo de 30 dias a contar dessa notificação, apresentar a sua Réplica, seguindo-se os ulteriores termos do processo. A Ré silenciou. Colhidos os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir dos fundamentos dos recursos. * II.–QUESTÕES A DECIDIR. O objeto dos recursos, delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), consubstancia-se relativamente ao primeiro recurso, em apurar se deve ser admitido o pedido reconvencional, e no que concerne ao segundo, em apreciar se se verifica relativamente às Autoras o pressuposto processual de interesse em agir. * III.–FUNDAMENTAÇÃO III.1.– Do processo previsto na Lei 62/2011, de 12.12. Conforme supra se constatou, as Autoras – aqui Recorrentes/Recorridas – intentaram a presente ação contra a Ré – aqui Recorrente/Recorrida –, invocando o disposto no artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, na sua versão atual, com alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de dezembro (doravante “Lei 62/2011”), os direitos de propriedade industrial emergentes da EP 1 412 357 (doravante “EP ‘357”), do Certificado Complementar de Proteção n.º CCP 278 (doravante “CCP 278”) e do Certificado Complementar de Proteção n.º 339 (doravante “CCP 339”), em relação a medicamentos genéricos que compreendam a associação de substâncias ativas sitagliptina e metformina. O pedido formulado pelas Autoras consiste na condenação da Ré a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer quaisquer medicamentos que contenham como substância activa, as referidas supra. É sabido que o Certificado Complementar de Protecção (CCP) para medicamentos, cujo regime jurídico se encontra previsto no Regulamento (CE) n.º 469/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de Maio de 2009 e nos artigos 116º a 118º do Código da Propriedade Industrial (CPI), é um direito de propriedade industrial que prolonga até um período máximo de cinco anos a protecção conferida por uma patente base (20 anos) para um determinado produto, medicamento ou fitofarmacêutico, desde que esse produto esteja protegido na referida patente de base e devidamente identificado na AIM (cf. artigo 4º do Regulamento). Visa compensar o titular da patente pelo lapso de tempo decorrido entre o depósito de um pedido de patente e a autorização de comercialização do produto patenteado, prolongando a duração da protecção das suas invenções, a fim de poder amortizar os custos de investimentos e realizar lucros, protegendo dessa forma o interesse público no desenvolvimento de novas substâncias ativas. Com esta possibilidade, pretende incentivar-se as indústrias farmacêuticas a desenvolver medicamentos específicos para o tratamento de crianças, ou seja, medicamentos que, tendo em conta os princípios éticos, sejam objecto de uma investigação de elevada qualidade, de testes adequados e de uma autorização. *** A Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, instituiu um regime de arbitragem necessária, institucionalizada ou não institucionalizada, para a composição de litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, relacionados com medicamentos de referência e medicamentos genéricos, independentemente de estarem em causa patentes de processo, de produto ou de utilização, ou certificados complementares de proteção. Tal diploma veio introduzir alterações no Regime Jurídico dos Medicamentos de Utilização Humana (Decreto -Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto), na parte relativa aos pedidos de autorização de introdução no mercado (AIM) e ao dever de confidencialidade aí regulado, aqui relevando a opção do legislador de não fazer depender a procedência do procedimento conducente à obtenção de uma AIM, bem como a alteração, suspensão ou revogação desta, da verificação da existência de direitos de propriedade industrial, tal como decorre do artigo 23.º -A, do RJMUH, aditado também pela Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro: «Objeto do procedimento 1 — A concessão pelo INFARMED, I. P., de uma autorização, ou registo, de introdução no mercado de um medicamento de uso humano, bem como o procedimento administrativo que aquela conduz, têm exclusivamente por objeto a apreciação da qualidade, segurança e eficácia do medicamento. 2 — O procedimento administrativo referido no número anterior não tem por objeto a apreciação da existência de eventuais direitos de propriedade industrial.» Como se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 123/2015, “de acordo com a Exposição de Motivos da proposta de Lei n.º 13/XII de 1/09/2011 (disponível em http://www.parlamento.pt), a Lei em causa visou obviar aos fatores de estrangulamento que dificultam a entrada célere de genéricos no mercado de medicamentos, entre outros os decorrentes da incerteza sobre a violação, ou não, de direitos de propriedade industrial por parte dos medicamentos genéricos que pretendem aceder ao mercado e consequentes litígios judiciais relacionados com a subsistência de direitos de propriedade industrial a favor de outrem. O legislador vem assim instituir um mecanismo alternativo de composição dos litígios — arbitragem necessária — que, num curto espaço de tempo, profira uma decisão de mérito quanto à existência, ou não, de violação dos direitos de propriedade industrial.” O regime de arbitragem, então necessária instituído pela Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, encontra-se sobretudo regulado nos seus artigos 2.º e 3.º, segundo os quais: «Artigo 2.º Arbitragem necessária Os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, relacionados com medicamentos de referência, na aceção da alínea ii) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto -Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, e medicamentos genéricos, independentemente de estarem em causa patentes de processo, de produto ou de utilização, ou de certificados complementares de proteção, ficam sujeitos a arbitragem necessária, institucionalizada ou não institucionalizada. Artigo 3.º Instauração do processo 1—No prazo de 30 dias a contar da publicitação a que se refere o artigo 15.º -A do Decreto -Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, na redação conferida pela presente lei, o interessado que invocar o seu direito de propriedade industrial nos termos do artigo anterior deve fazê-lo junto do tribunal arbitral institucionalizado ou efetuar pedido de submissão do litígio a arbitragem não institucionalizada. 2—A não dedução de contestação, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito pelo tribunal arbitral, implica que o requerente de autorização, ou registo, de introdução no mercado do medicamento genérico não poderá iniciar a sua exploração industrial ou comercial na vigência dos direitos de propriedade industrial invocados nos termos do n.º 1. 3—As provas devem ser oferecidas pelas partes com os respectivos articulados. 4—Apresentada a contestação, é designada data e hora para a audiência de produção da prova que haja de ser produzida oralmente. 5—A audiência a que se refere o número anterior tem lugar no prazo máximo de 60 dias posteriores à apresentação da oposição. 6—Sem prejuízo do disposto no regime geral da arbitragem voluntária no que respeita ao depósito da decisão arbitral, a falta de dedução de contestação ou a decisão arbitral, conforme o caso, é notificada, por meios eletrónicos, às partes, ao INFARMED, I. P., e ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I. P., o qual procede à sua publicitação no Boletim da Propriedade Industrial. 7—Da decisão arbitral cabe recurso para o Tribunal da Relação competente, com efeito meramente devolutivo. 8—Em tudo o que não se encontrar expressamente contrariado pelo disposto nos números anteriores é aplicável o regulamento do centro de arbitragem, institucionalizado ou não institucionalizado, escolhido pelas partes e, subsidiariamente, o regime geral da arbitragem voluntária.» Tal regime foi objecto de alteração através do Dec. Lei n.º 110/2018, de 10 de dezembro, que deu nova redacção ao mencionado artigo 2º, no qual se estabelece agora; “Arbitragem voluntária Os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, relacionados com medicamentos de referência, designadamente os medicamentos que são autorizados com base em documentação completa, incluindo resultados de ensaios farmacêuticos, pré-clínicos e clínicos, e medicamentos genéricos, independentemente de estarem em causa patentes de processo, de produto ou de utilização, ou de certificados complementares de proteção, podem ser sujeitos a arbitragem voluntária, institucionalizada ou não institucionalizada.” Estabeleceu-se assim o carácter voluntário da arbitragem, que funciona como alternativa ou, em paralelo com a competência atribuída ao Tribunal da Propriedade Intelectual para conhecer dos mesmos litígios. Por outro lado, manteve-se, com algumas alterações de relevo para o caso dos autos, como veremos, o regime de acção especial nele previsto, designadamente a cominação para a falta de contestação, traduzida na inibição do início da exploração industrial ou comercial desse medicamento na vigência dos direitos de propriedade intelectual invocados pelo demandante, devendo entender-se que na falta de contestação, o tribunal – arbitral ou estadual – necessariamente condenará o demandado a não iniciar a exploração do seu medicamento enquanto estiverem em vigor os direitos do demandante. * III.2.– Da admissibilidade do pedido reconvencional. A Ré, na contestação, sustentou: a.-ausência de infração da EP’357 e do CCP’339, fundada na circunstância de tais títulos de propriedade industrial se mostrarem inquinados pelo vício de nulidade, peticionando, consequentemente, a absolvição da recorrente do pedido que tem por objeto tais títulos de propriedade industrial e/ ou o(s) direito(s) emergente(s) do mesmo; b.-a nulidade do CCP’339, por falta de cumprimento dos requisitos para a concessão de certificado complementar de proteção previstos no Regulamento (CE) n.° 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, ‘relativo ao certificado complementar de protecção para os medicamentos’, pedindo, em consequência, fosse ordenada a revogação e o cancelamento do respetivo registo, com as inerentes consequências legais; c.-a declaração de nulidade da EP’357, por falta de cumprimento dos requisitos para a concessão, tanto ao abrigo dos previstos na Convenção de Munique sobre a Patente Europeia, aprovada pelo Decreto n.° 52/91, de 30 de agosto, como dos consagrados no Código da Propriedade Industrial, e, por arrastamento, do CCP’339, pugnando, consequentemente, pela respetiva revogação e pelo cancelamento do respetivo registo, com as inerentes consequências legais; e, por último, d.-a absolvição da recorrente dos pedidos tendo por objeto o(s) alegados direito(s) emergente(s) do CCP’339 e da EP’357, fundada no vício de nulidade que os inquina. O Tribunal recorrido proferiu despacho em que não admitiu o “pedido reconvencional”, sustentando que: a.- o pedido reconvencional foi deduzido no pressuposto de a ação judicial no âmbito da qual surge deduzido assumir a forma de processo comum, mas a mesma, sendo proposta nos termos e ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, segue a forma de processo especial. b.- a tramitação processual estabelecida pela Lei 62/2011 prevê apenas dois (2) articulados, constituídos pela petição inicial e pela contestação. c.- um pedido reconvencional formulado no âmbito de tal processo especial apenas poderia admitir-se com recurso ao disposto no artigo 549.º do CPC, mas ocorre que não existe nenhuma lacuna no processo especial aprovado pela Lei 62/2011 que careça de integração nos termos do processo comum de declaração. d.- o desiderato da Lei 62/2011 – aceleração e simplificação da tramitação – contraria a admissibilidade de um pedido reconvencional. e.- no contexto do processo especial, que apenas admite dois (2) articulados, a questão da invalidade poderia, efetivamente, ser suscitada, com efeitos inter partes, mas apenas por via de exceção e não de reconvenção. Não se subscreve o entendimento perfilhado pelo Tribunal “a quo”. É conhecida a longa controvérsia doutrinal e jurisprudencial que se gerou, anteriormente à publicação do Dec. Lei n.° 110/2018, de 10.12, ou seja, na versão inicial da Lei n.° 62/2011, de 12.12. Submetendo a composição dos litígios emergentes de direitos da propriedade industrial relativos a medicamentos de referência e medicamentos genéricos à arbitragem necessária, cedo desencadeou em sede de interpretação, duas correntes de sentido oposto a propósito da viabilidade/competência de o Tribunal Arbitral poder conhecer/apreciar a excepção peremptória da nulidade ou anulabilidade de patente ou outro direito de propriedade industrial. Tal controvérsia prendia-se com a competência exclusiva do Tribunal Judicial para a declaração de nulidade ou a anulação de patentes, de certificados complementares de protecção (cf. actualmente o artigo 34°, n.° 1 do CPI, e o artigo 35° do CPI anterior), ou seja, com a previsão de uma reserva de competência material exclusiva sobre este tema não sendo, consequentemente, admissível que o interessado/requerido deduza pedido reconvencional sobre a invocada matéria da nulidade da patente, em termos de alargar o objecto do processo a esta questão, deixando-a definida com força de caso julgado material - vd. ac STJ de 17-10-2019 proferido no processo n.º 2552/18.0YRLSB.S1. Após longo debate na doutrina e jurisprudência - quanto à possibilidade de em processo pendente perante o tribunal arbitral necessário, ser invocada, a título de estrito meio de defesa, como mera exceção perentória, a referida nulidade da patente, cabendo então ao tribunal arbitral apreciá-la, mediante decisão cuja eficácia permaneceria confinada exclusivamente ao processo em causa, não produzindo a decisão proferida, mesmo nos casos em que julgasse demonstrada a invocada nulidade da patente, os típicos efeitos de caso julgado material - o artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 110/2018, de 10 de Dezembro veio pôr termo a tal controvérsia, alterando os artigos 2.° e 3.° da Lei n.° 62/2011, de 12 de Dezembro, optando pela tese mais abrangente ou ampliativa, ou seja, a que pugnava pela competência do Tribunal arbitral. E é nesse sentido que deve ser entendido o artigo 4° referido - visando pôr termo à controvérsia gerada, o legislador estabeleceu que o Tribunal Arbitral é competente para conhecer da invalidade (do facto constitutivo) da patente, “com meros efeitos inter partes". E tal norma, porque se verificam todos os pressupostos que justificam qualificar o art° 4.° do Decreto-Lei n.° 110/2018, de 10 de Dezembro [o qual procede à alteração da Lei n° 62/2011, de 12 de Dezembro] como lei interpretativa, aplica-se a factos e situações anteriores tal como decorre do disposto no artigo 13.°, n°1, do Código Civil[1]. Porém, relativamente ao Tribunal Judicial a questão não se coloca, pois que ao mesmo cabe, como se referiu, a competência para apreciar de tais pedidos de nulidade, seja por via de exceção, para pedir a absolvição do pedido, seja por via da reconvenção, para obter a declaração de nulidade do registo. E a controvérsia não se gerou relativamente ao mesmo, por ser sabido que a competência é daquele Tribunal Judicial e porque antes, como se viu, as acções em apreço apenas podiam correr termos nos Tribunais Arbitrais. E foi precisamente isto que a Ré requereu na contestação. E note-se que, ainda que o Tribunal Recorrido tivesse entendido que a Ré lançou mão do meio errado para deduzir a sua pretensão, impunha-se-lhe que, em observância do disposto no artigo 193.°, n.° 3, do CPC - que estatui que o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados - que, em linha com o entendimento expresso na decisão em crise, adequasse, corrigindo, a via processual empregue pela BIOFARMOZ, Lda., designadamente convertendo e/ ou reconduzindo toda a matéria atinente ao pedido reconvencional ao meio de defesa por exceção (perentória), aliás igualmente – e à cautela – deduzido na contestação oferecida nos autos pela Ré. Por outro lado, afigura-se que não se pode afirmar que o artigo 3.° da Lei 62/2011, nos números 1 e 2, prevê apenas dois articulados, constituídos pela petição inicial e pela contestação, na medida em que o primeiro dos referidos normativos legais (o n.° 1) prevê (apenas) o prazo para a propositura da ação e o segundo (o n.° 2) estatui (tão-somente) os específicos efeitos decorrentes da falta de dedução de contestação. Note-se que a dedução de exceção/pedido de nulidade, agora expressamente prevista, não implica a ausência de contraditório quanto à mesma (cf. artigo 3° do Código de Processo Civil). E como refere a Recorrente, ‘A celeridade é sem dúvida importante, mas não deve olvidar-se que a celeridade é uma condição necessária, mas não suficiente, da justiça. Em suma, não é porque uma decisão judicial é célere que a mesma é justa. Cumpre notar que se deseja celeridade em todos os tipos de processo, mas tal não inviabiliza que, com recurso ao princípio da adequação processual, se evite que razões de natureza adjectiva obstem à realização do direito substantivo. Leia-se a este respeito o Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 251/2017, de 24 de Maio de 2017, no qual aquele Tribunal se pronunciou pela inconstitucionalidade da norma resultante da interpretação conjugada do artigo 2.° da Lei n.° 62/2011, de 12 de Dezembro e dos artigos 35.°, n.° 1, e 101.°, n.° 2, do Código da Propriedade Industrial, segundo a qual, em sede de arbitragem necessária instaurada em matéria de medicamentos de referência e medicamentos genéricos, ao abrigo da Lei n.° 62/2011, de 12 de Dezembro, “a parte não se pode defender, por exceção, mediante invocação da invalidade de patente, com meros efeitos inter partes”. Na referida decisão pode ler-se que: “(...)O recurso à ação de anulação da patente como única via de contestar a validade da patente pode deixar o requerente de AIM sem possibilidade de defesa contra uma patente inválida no âmbito de uma arbitragem. Tal significa que estaria obrigado a interpor a ação de anulação ainda antes de ser eventualmente demandado numa ação arbitral, o que o coloca na situação de estar vinculado a uma defesa por antecipação. Mesmo que tal fosse razoável, esta via não é suficiente para, só por si, dar resposta à necessidade de tutela do requerente pois, como se disse, a decisão do TPI não afeta casos julgados e que existe a probabilidade de esta apenas surgir após a pronúncia arbitral. A única forma de obstar a esta situação seria a alternativa de requerer a suspensão da instância arbitral enquanto o TPI não se pronuncia. Esta solução, no entanto, não oferece garantias de acautelar todas as situações configuráveis na pendência de ação de invalidade de patente interposta perante o TPI contemporânea da ação por infração que corre no tribunal arbitral necessário. A articulação entre ambas as ações através da suspensão da instância do processo arbitral é possível, mas incerta, pois o requerimento de suspensão não equivale necessariamente ao seu deferimento e em caso de indeferimento ou de não suspensão, no geral, subiste um défice de defesa que redunda numa impossibilidade de exercício do direito à tutela jurisdicional efetiva. Mesmo nos casos em que o requerente da AIM de medicamento genérico, demandado na ação arbitral, obtém a suspensão dessa instância, a solução alternativa encontrada apresenta-se também nesse caso como uma restrição significativa ao direito de acesso à tutela jurisdicional efetiva, por impor ao requerente o ónus de litigar numa ação independentemente de tal ser em seu interesse, forçando-o a prosseguir interesses de terceiros, seus concorrentes, e o interesse público. A impossibilidade de invocação da nulidade da patente como defesa por exceção na ação arbitral implica um sacrifício significativo – por vezes, absoluto – do direito de defesa, com o fim de proteger a existência de uma via processual única (a ação de declaração de nulidade ou anulação da patente) e a competência exclusiva do TPI, que estão relacionados com a natureza da patente. É necessário, pois, aferir da proporcionalidade da imposição desta restrição, face a este fim. O privilégio atribuído pela patente dá ao seu titular o direito a opor-se a que um terceiro explore a sua invenção, o que tem um valor económico protegido pelo direito fundamental de propriedade. É para tutelar este direito exclusivo que o legislador, concretizando o seu direito de acesso à tutela judicial efetiva, criou a via de acesso aos tribunais arbitrais e o respetivo processo. É de referir, no entanto, que a patente não atribui ao seu detentor o direito de lançar o medicamento no mercado pois para tal terá ainda de submetê-lo a ensaios clínicos a apreciar pela autoridade administrativa competente. Note-se, igualmente, que a proteção constitucional do direito de propriedade privada, que abrange também o direito de exclusivo económico atribuído pela patente, não é absoluta (cfr. J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 801), podendo ser objeto de restrições decorrentes da colisão com normas referentes a outros direitos fundamentais ou mesmo do modelo constitucional de Estado social (a função social da propriedade privada ou razões de interesse público ou da coletividade podem justificar limitações ao direito de propriedade privada). Embora se compreendam as preocupações que levam à imposição de apenas uma via processual e um tribunal no âmbito do conhecimento da invalidade das patentes, o sistema montado para prosseguir este fim é suscetível de ter como consequência, por vezes, uma ablação total do direito de defesa ou, noutras vezes, uma significativa compressão. Inexiste a demonstração cabal de que a possibilidade de o tribunal arbitral se pronunciar sobre a validade da patente, com meros efeitos inter partes, produza danos irreversíveis ou gravosos à proteção da patente, equivalentes ao sacrifício imposto ao direito de defesa do requerente de AIM. Efetivamente, afastar esta possibilidade pode ter como consequência, ainda que apenas por vezes, impedir um agente económico de exercer a sua liberdade de iniciativa com base numa patente nula ou inválida – o que dificilmente encontra justificação. A proteção da patente, valor central no nosso ordenamento, não justifica a restrição do direito de defesa a este nível, podendo ser alcançada por outras vias. Assim, a norma objeto do presente julgamento revela-se excessiva porquanto prejudica de modo desproporcionado o direito à defesa do requerente de AIM. Termos em que deve ser julgada inconstitucional por violação do princípio da proibição de indefesa (artigo 20.º da Constituição em conjugação com o seu 18.º, n.º 2).(...)” E se este juízo é válido relativamente ao Tribunal Arbitral, mais válido é no que respeita ao Tribunal Judicial, pois que ali não se coloca qualquer problema de competência. Verificando-se o pressuposto a que alude o artigo 266º, ns. 1 e 2, al. a), nada impede, pois, a dedução do pedido de nulidade da patente ou do CCP formulados pela Ré. E tendo obviamente a parte contrária direito a exercer o contraditório relativamente ao pedido, devem adequar-se os termos do processo na medida do necessário para tal efeito. A reconvenção é uma nova acção proposta pelo réu (reconvinte) contra o autor (reconvindo), baseando-se num pedido conexo com o do autor. Deduzida a reconvenção, esta constitui uma acção enxertada noutra, ou seja, uma acção do réu num processo pendente, sendo considerada também como uma contra-acção ou como uma acção cruzada. A reconvenção assume autonomia perante o pedido da acção, sendo que a procedência da acção não prejudica a reconvenção, tal como a improcedência daquela não prejudica, em princípio, esta, como também não a prejudica a desistência do pedido – cf. artigos 266º, n.º 6 e 286º, n.º 2 do CPC. Admitindo a reconvenção, o juiz deverá, pois, adequar a forma do processo, em cumprimento do estatuído nos artigos 266º, n.º 3 e 547º do CPC, assegurando, designadamente, o cumprimento do princípio do contraditório (artigo 3º, n.º 3 do CPC)[2]. A decisão que indeferiu o pedido reconvencional não pode, pois, manter-se.                                              * III.3.–Da falta de interesse em agir. Com a aprovação do Dec. Lei 110/2018, manteve-se, sem alterações de relevo para este pressuposto, o regime de acção especial nele previsto, designadamente a cominação para a falta de contestação, traduzida na inibição do início da exploração industrial ou comercial desse medicamento na vigência Entendeu-se na decisão recorrida, que o pedido de AIM, enquanto acto realizado exclusivamente para instrução de processo administrativo necessário à aprovação de produtos pelos organismos oficiais competentes, está excluído dos direitos conferidos pela patente, e por extensão do CCP, nos termos dos artigos 103º, nº 1, al. c), 19º, nº 8 do DL 176/2006 e 5º do Regulamento 469/2009/CE e que não se demonstrando que as Rés tenham iniciado qualquer exploração de medicamento contendo os mencionados ingredientes activos, não assiste às Autoras interesse em agir. Não subscrevemos tal entendimento. Na verdade, invocando as Autoras ser titulares do exclusivo de explorar a patente e o medicamento protegido pelo CCP em causa e do direito de impedir que terceiros, sem o seu consentimento, fabriquem, comercializem ou ponham a mesma à disposição de terceiros (artigo 102º do Código da Propriedade Industrial), importa notar que a presente acção não se fundamenta na verificação de uma qualquer infracção ou ameaça de infracção. Como é pacífico entre as partes. As Demandantes sustentam a sua pretensão no pedido de autorização de introdução no mercado a medicamentos contendo as substâncias ativas referidas, à Demandada, concessão prevista no artigo 14º do DL. nº 176/2006, de 30/08 e lançou mão do processo previsto na Lei 62/2011. É sabido que a questão em apreço tem sido objecto de larga discussão na jurisprudência portuguesa. Desde logo, solução diversa da propugnada na sentença recorrida foi adotada no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 8 de abril de 2021, no âmbito do processo n.º 219/19.0YHLSB.L1.S1, onde se sutenta que: “... o processo previsto no art. 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, deverá representar-se (continuar a representar-se) como um “‘processo especial’ de acertamento de direitos: i)- susceptível de ser desencadeado em face da publicitação de um simples pedido de autorização de introdução no mercado (altura em que não haverá, via de regra, qualquer infracção ou ameaça iminente de infração de direitos de propriedade industrial); ii) que os titulares de direitos podem instaurar ou não, consoante o interesse que vejam nele; iii)- que apenas pode ser instaurado dentro do prazo de um mês a contar dessa publicitação, porque isso se enquadra na lógica de um processo rápido, destinado a concluir-se idealmente antes de haver uma decisão do Infarmed sobre o pedido de autorização de introdução no mercado; e iv) com uma única instância de recurso. [Evaristo Mendes, “Patentes de medicamentos. Arbitragem necessária. Comentário de jurisprudência. Súmula da Lei nº 62/2011”, in: Propriedades Intelectuais, n.º 4 - 2015, págs. 26-40.]”, E no sumário deste Acórdão pode ler-se que: “Os titulares dos direitos de propriedade intelectual podem propor a ação especial prevista no art. 3.º da Lei n.º 6272011, de 12 de Dezembro, na redação do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de setembro, em face da publicação de um simples pedido de autorização de introdução no mercado”. Também no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.12.2021[3] se decidiu que: “(…)I-Os titulares dos direitos de propriedade intelectual podem propor a ação especial prevista no art. 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12-12, na redação do DL n.º 110/2018, de 10-09, em face da publicitação de um simples pedido de autorização de introdução no mercado. II- Para que a ação proceda basta que os demandantes aleguem e provem os seus direitos de propriedade intelectual (referentes ao medicamente de referência) e que os demandados requereram autorização de introdução no mercado (do medicamento genérico) e que a mesma foi publicada pelo INFARMED na lista “Publicação para efeitos do art. 15º-A do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto”, não sendo exigível a alegação e prova por parte dos réus da violação ou ameaça de violação dos direitos dos autores. III-A cominação prevista no art. 3.º, n.º 2, da Lei 62/2011, na redação do DL n.º 110/2018, para a não dedução de contestação, que determina que o requerente de autorização, ou registo, de introdução no mercado do medicamento genérico não possa iniciar a sua exploração industrial ou comercial na vigência dos direitos de propriedade industrial invocados pelos autores, equivale à prevista no art. 567.º, n.º 1, do CPC e não permite ao juiz que julgue imediata e automaticamente procedentes os pedidos obrigando a que ele julgue a causa conforme o direito, conforme o impõe o n.º 2, parte final, deste preceito.(…)” De novo, nos recentes Acórdãos de 21.04.2022, proferidos no âmbito dos processos ns. 438/21.0YRLSB.S1 e   40/20.3YHLSB.L1.S1, voltou a reiterar tal entendimento. Em face da prolação de tais Acórdãos, e da reapreciação da questão em apreço em face dos argumentos ali vertidos, bem como das referências jurisprudenciais e doutrinais ali indicadas, e das decisões proferidas nesta Secção, entendemos que a questão deverá ser efetivamente colocada nos termos ali consignados. Na verdade, ciente das divergências jurisprudenciais a este respeito, e como se referiu, o legislador manteve sem alterações de relevo para o caso dos autos, o regime de acção especial previsto no citado diploma, designadamente a cominação para a falta de contestação, traduzida na inibição do início da exploração industrial ou comercial desse medicamento na vigência dos direitos de propriedade intelectual invocados pelo demandante, devendo entender-se que na falta de contestação, o tribunal – arbitral ou estadual – necessariamente condenar o demandado a não iniciar a exploração do seu medicamento enquanto estiverem em vigor os direitos do demandante.[4] "À luz da ratio legis da Lei n.° 62/2011, aquele preceito deve ser interpretado no sentido de que não impede a propositura de uma ação judicial contra um fabricante de genéricos fundado numa violação iminente ou atual de um direito de propriedade industrial depois de decorrido o prazo nele fixado, contanto que a patente esteja em vigor. De outro modo, ter-se-ia criado na ordem jurídica portuguesa um novo prazo de caducidade das patentes, que nem o Código da Propriedade industrial nem as convenções internacionais a que Portugal está vinculado nesta matéria preveem ou consentem; e que seria, além disso, de compatibilidade fortemente questionável com o disposto nos arts. 42.° e 62.° da Constituição, que tutelam, respectivamente, os direitos intelectuais e a propriedade privada"[5]. E sendo embora certo que do pressuposto processual de necessidade de interesse em agir decorre que o autor de uma acção de condenação só terá interesse processual desde que alegue a violação do seu direito e que o pedido de autorização de introdução no mercado de um medicamento genérico não é, por si só, uma violação dos direitos de propriedade intelectual do titular da patente do medicamento de referência, certo é também que para que possa lançar-se mão do procedimento em causa, nada mais o legislador exige. A apresentação de um requerimento de autorização de introdução no mercado de um medicamento genérico é, pois, suficiente para que os titulares de direitos de propriedade intelectual (p. ex., de patentes) sobre a substância activa do medicamento tenham interesse em agir, pedindo que o requerente da autorização seja condenado a abster-se do fabrico, da comercialização, do armazenamento ou da exportação de medicamentos. E assim, conclui-se que o critério geral de apreciação do interesse processual – a violação de um direito ou existência de um litígio - é derrogado pelo artigo 3.° da Lei n.° 62/2011, de 12 de Dezembro — designadamente, na redacção do Decreto-Lei n.° 110/2018, de 10 de Setembro - em derrogação das regras gerais, os titulares dos direitos [de propriedade intelectual] não precisam de justificar o recurso à acção com base numa infracção, actual ou iminente, ou de demonstrar um interesse em agir. É, pois, suficiente "a publicitação, na página eletrónica do Infarmed, de um pedido de [autorização de introdução no mercado] (ou registo) para medicamento genérico" para que os titulares das patentes dos medicamentos de referência possam propor a acção, E consequentemente, no caso dos autos está claramente concretizado o interesse em agir, pelo que a decisão recorrida não pode manter-se. * IV.–Decisão. Em face do exposto, acordam em conferência, em: a.-julgar procedente o recurso do despacho proferido em 01.07.2021 que indeferiu o pedido reconvencional deduzido pela Ré, que deverá ser substituído por outro que admita o mesmo pedido reconvencional  deduzido na contestação, e determine a adequação da forma do processo, em cumprimento do estatuído nos artigos 266º, n.º 3 e 547º do CPC, assegurando, designadamente, o cumprimento do princípio do contraditório (artigo 3º, n.º 3 do CPC): - julgar procedente a apelação do despacho saneador sentença e, consequentemente revogar a sentença recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos, como já decidido, devendo oportunamente ser proferido novo despacho saneador que julgue verificado o pressuposto processual do interesse em agir, seguindo-se os ulteriores termos do processo. * Custas pelas Apeladas na proporção dos respectivos decaimentos, artigo 527º do Código de Processo Civil. Registe e notifique. ***                                       Lisboa, 2022-05-18 Ana Pessoa Eleonora Viegas Paula Pott                               [1]Cf. Nesse sentido o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-12-2021 e toda a jurisprudência e doutrina no mesmo citadas, dando conta das várias posições e correntes doutrinais e jurisprudenciais sobre o tema, bem como da respetiva evolução. [2]Cf. o Acórdão desta Relação de 16.06.2020, proferido no âmbito do processo n.º 77375/19.8YIPRT-A.L1-7, relativo à dedução de pedido reconvencional no âmbito do processo especial de injunção, e toda a jurisprudência e doutrina no mesmo citadas. [3]Proferido no âmbito do processo n.º 225/20.2YHLSB.S1 [4]Cf. Dario Moura Vicente, “O Novo Regime da Arbitragem em Matéria de Patentes”, Revista de Direito Intelectual, APDI, Almedina, n.º 1, 2019, pgs 38, 39. [5]Autor citado, "O regime especial de resolução de conflitos em matéria de patentes (Lei n.° 62/2011)": Revista da Ordem dos Advogados, ano 72.° (2012), págs. 971-990 (979).

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