Em caso de falta de seguro desportivo, o FGA responde pelos danos causados a um espectador que participava num evento denominado “Perícia Automóvel”, o qual, embora não tenha sido autorizado pela entidade competente, no caso, pela Câmara Municipal (por essa autorização não lhe ter sido solicitada), se realizou em pleno dia, foi publicitado no jornal local (com a divulgação do programa e a exibição de fotografias dos eventos ocorridos em anos anteriores) que apelou à participação em massa de populares, no qual os organizadores colocaram uma fita vermelha e branca ao longo da pista para assinalar a sua localização e evitar o atravessamento da mesma, procederam ao rebaixamento do terreno, na parte da referida pista, por onde iam circular os carros, e solicitaram, ainda ao Comandante dos Bombeiros que realizasse uma inspecção à mesma pista e disponibilizasse veículos de prevenção para o loca.
Acordam na 1.ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça: * AA instaurou ação declarativa de condenação, então sob a forma de processo ordinário contra os seguintes Réus: 1 - BB, 2 - CC 3 - DD, 4 - EE, 5 - FF, 6 - GG, 7 - HH, 8 - II, por si e na qualidade de sócio-gerente/legal representante da IMT – IMOBILIÁRIA DO TÂMEGA, Lda., e 9 - FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, com sede na Rua ... - ... ..., Alegou, em síntese, que: foi atropelado por um veículo conduzido pelo primeiro R. em terreno cedido pelo 8º R., propriedade da empresa que geria a IMT, no âmbito de uma prova desportiva organizada pela comissão de festas composta pelos 2º a 7º RR., com a anuência do 8º R.: que o acidente em causa deveu-se à excessiva velocidade do veículo conduzido pelo primeiro R. e, não tendo a pista em causa as mínimas condições de segurança, galgou um pequeno talude embateu em algumas pessoas e depois foi atingir o R. contra outro automóvel, causando-lhe danos graves, que demandaram sequelas extensas e gravosas, afetando-o na sua vida pessoal, social, física e psiquicamente; que por esses danos responde também solidariamente o FGA, uma vez que o veículo em causa não tinha seguro. Pediu a condenação dos RR. a pagarem, solidariamente, ao Autor a quantia global de € 179.567,00 a título de indemnização pelos danos referidos na petição inicial, que lhe advieram do descrito acidente, e ainda no pagamento dos juros à taxa legal, sobre o montante peticionado, desde a data da citação do presente pedido até efetivo e integral pagamento. Contestaram os Réus: o FGA, invocando este a sua ilegitimidade, pois além do acidente em causa ter ocorrido em terreno privado, tratava-se de um veículo sem matrícula e que interveio numa prova desportiva, não sujeita ao seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel; JJ invocando, em síntese, que existe litispendência em relação ao pedido cível efetuado no processo-crime e que, de qualquer forma, nenhuma responsabilidade tem no ocorrido, nem ele nem a comissão de festas, uma vez que a corrida estava aberta a quem quisesse correr, não foi organizada ou publicitada, não se pagava bilhete de entrada, a pista, em terreno privado, estava vedada e o A. desrespeitou essa vedação, bem sabendo do perigo. Mais alegou que a pista cumpria as regras de segurança, nenhuma responsabilidade podendo ser assacada aos RR. membros da comissão; o Réu II, invocando a excepção da litispendência em relação ao pedido cível do processo-crime a sua ilegitimidade, pois não teve qualquer intervenção no acidente dos autos, além da demanda em relação a ele próprio e à pessoa coletiva não ter sido corretamente efetuada. Invocou, também, que não anuiu em relação a qualquer evento, nem colaborou no mesmo, nem cedeu qualquer terreno, que aliás não é identificado na petição inicial, sendo certo que à data dos factos, no local indicado o R. não possuía, nem possui qualquer terreno. Replicou o A. mantendo, em suma, o invocado na petição inicial, alegando a improcedência das excepções invocadas pelos RR., requerendo a intervenção da empresa IMT, que foi deferida (a fls. 199 e ss.). Concluiu pela improcedência das excepções invocadas. Foi realizada audiência prévia onde foi proferido despacho saneador, que indeferiu o requerido quanto à ilegitimidade processual dos RR. II e FGA, bem como a excepção de litispendência alegada pelos RR. DD e II, tendo relegado para sentença o conhecimento da alegada ilegitimidade substantiva dos RR. II e FGA, além de fixar o objecto do litígio e os temas da prova. Veio a ser realizada a audiência de julgamento e, no final, o tribunal proferiu sentença que decidiu a causa, nos seguintes termos: “Pelo exposto, de harmonia com as disposições legais citadas, julgo a presente ação parcialmente procedente, e consequentemente, decide-se: “1. Absolver o R. II e a chamada IMT – Imobiliária do Tâmega, Lda. do pedido. 2. Absolver o R. FGA do pedido. 3. Condenar, solidariamente, os RR. BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH a pagarem ao Autor AA: a) a título de dano pela perda da capacidade de ganho, a quantia global de € 101.500,00 (cento e um mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento. b) a título de danos não patrimoniais, a quantia global de € 40.000,00 (quarenta mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da presente sentença, até efetivo e integral pagamento. 4. No mais, absolvem-se os RR. do peticionado pelo A.. As custas serão a suportar pelo A. e 1º a 7º RR. de acordo com o respetivo decaimento (art. 527º do CPC).” Não se conformando com a sentença proferida, o Réu DD interpôs recurso de apelação, pugnando pela revogação da sentença e sua substituição por outra que condene solidariamente o 1º e 9º Réus a indemnizar o Autor pelos danos resultantes do acidente ocorrido, absolvendo do pedido o aqui Recorrente. Contra-alegaram o FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL e o Autor AA, pugnando pela improcedência do recurso. O Autor AA apresentou ainda RECURSO SUBORDINADO, pedindo a revogação parcial da sentença, substituindo-se por outra que condene os 1º a 7º Réus a pagarem ao Autor a quantia de 100.000,00 € (cem mil euros) a título de danos não patrimoniais e sem prescindir, na eventualidade do douto Tribunal Superior vir a atribuir ao 9º Réu responsabilidade pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo Autor, deverá também este Réu ser condenado, solidariamente com os demais, no pagamento da indemnização a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelos Autor. Não houve resposta ao recurso subordinado. Conhecendo dos preditos recursos, a Relação sintetizou assim o acórdão: “I-O acidente dos autos, em que o veículo automóvel que participava numa prova de “Perícia Automóvel” organizada pelos Réus, sai da pista numa curva, indo embater no Autor que se encontrava no local, “esmagando-o” contra um outro veículo que ali se encontrava, é um acidente ocorrido no âmbito de uma “prova desportiva.” II-A velocidade do desporto automóvel, associada à natureza dos meios utilizados, faz com que tal prova desportiva constitua uma “atividade perigosa” pela sua própria natureza, pelo que tem aplicação neste caso, o disposto nº2 do art.493.º do Código Civil. III-Respondem por isso solidariamente pelos danos causados, (para além do condutor do automóvel) os organizadores do evento, que não contrataram o seguro obrigatório para provas desportivas e não asseguraram as condições de segurança da corrida, por força da norma citada, presumindo-se a sua culpa. IV-Apenas o seguro “especial” de provas desportivas é suscetível de cobrir o risco da circulação automóvel no âmbito de provas desportivas. V-Tal seguro é um seguro obrigatório, sem o qual a prova desportiva não pode ser autorizada. VI-O Fundo de Garantia Automóvel, considerado pelo legislador nacional como “parte fundamental da operacionalização do aumento de proteção dos lesados”, responde na falta de seguro obrigatório nos termos do estatuído no DL n.º 291/2007 de 21/08. VII-O Fundo de Garantia Automóvel é chamado a garantir a reparação dos danos sofridos por um espetador duma prova desportiva, envolvido num acidente rodoviário ocorrido no decurso de tal prova, em caso de omissão do seguro obrigatório pelos organizadores da prova desportiva, não se mostrando excluída a sua intervenção em tal situação pelo DL 291/2007 de 21.8.” E proferiu a seguinte decisão: “(…) Pelo exposto e em conclusão, acordam os Juízes que integram esta seção do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso principal, com alteração da matéria de facto nos termos supra expostos, revogando-se a sentença proferida na parte em que absolveu o Fundo de Garantia Automóvel dos pedidos contra si formulados, condenando-se o Réu FGA a garantir o pagamento ao Autor, sem prejuízo do seu direito de sub-rogação, das seguintes indemnizações: -A título de dano pela perda da capacidade de ganho, a quantia global de € 101.500,00 (cento e um mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento. -E na procedência parcial do recurso subordinado, a título de danos não patrimoniais, a quantia global de € 90.000,00 (noventa mil euros), que ora se fixa, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a data do presente acórdão, até efetivo e integral pagamento, quantia a que os 2º a 7º RR vão igualmente condenados, improcedendo no demais a Apelação do Autor. Custas pelos recorrentes na parte em que decaíram nos respetivos recursos, encontrando-se o FGA isento do pagamento de custas.” Não se conformou o FGA que do acórdão da Relação interpôs recurso de revista cuja alegação rematou com as seguintes conclusões: “1. O Recorrente não se conforma com a decisão do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que, com todo o respeito, violou ou fez errada aplicação da lei de processo e cometeu violação de lei substantiva, por errada interpretação e aplicação do direito ao caso concreto. 2. O seguro de responsabilidade civil obrigatório é distinto do seguro de provas desportivas - vide artigo 6o n° 5 do DL 291/2007, de 21 de agosto de 2007. 3. Nos termos do disposto no artigo 48° do DL 291/2007, de 21 de agosto de 2007, o Recorrido FGA apenas garante as indemnizações devidas por danos causados por veículos sujeitos a seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel. 4.E não por veículo sujeito ao seguro obrigatório de provas desportivas. 5. No âmbito de uma prova desportiva, não funciona o seguro de responsabilidade civil obrigatório, tendo de existir um seguro próprio, pelo que, o FGA não responde neste tipo de situação. 6. Mesmo que existisse seguro de prova desportiva, o dano causado ao Autor, na qualidade de espectador, sempre estaria excluído desse âmbito nos termos do disposto no artigo 8o n° 1 do DL 291/2007. 7. No caso sub judice temos por assente que o acidente dos autos ocorreu no âmbito de uma prova desportiva, onde não funciona o seguro de responsabilidade civil obrigatório, tendo que existir um seguro próprio como se viu, pelo que o FGA não responde neste tipo de situação. 8. Entendeu erradamente o Tribunal da Relação do Porto que, não obstante estarmos efetivamente perante uma prova desportiva, a ausência do necessário seguro desportivo faz impender sobre o FGA a responsabilidade pelas lesões causadas a terceiros, desde logo no âmbito da sua responsabilidade social perante as vítimas de acidentes de viação. 9. Sendo certo que, nestas situações, as vítimas ficam desprotegidas, a verdade é que legalmente, não está prevista a intervenção do FGA para suprir a ausência deste tipo de seguro. 10. Ora, o facto de o seguro desportivo ser obrigatório não transfere automaticamente para o FGA a responsabilidade pela sua ausência. 11. O seguro de prova desportiva é um seguro autónomo e independente do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel. 13. O artigo 14°, n° 4, alínea e) do DL n° 291/2007 de 21 de agosto, é explícito ao excluir da garantia do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, “quaisquer danos ocorridos durante provas desportivas e respetivos treinos oficiais 14. Exclui da garantia do seguro de responsabilidade civil automóvel, quaisquer danos ocorridos durante provas desportivas e respetivos treinos oficiais, salvo tratando- se de seguro celebrado ao abrigo do artigo 8o (seguro de prova desportiva). 15. Esta exclusão é taxativamente extensível ao FGA, nos termos do artigo 52°, n° 1, do referido diploma, pelo que, teremos de concluir pela impossibilidade legal do FGA responder pelos danos provocados neste tipo de provas. 16. Acontece que, de acordo com a prova produzida em audiência, o veículo automóvel que deu causa às lesões alegadas na PI, no momento do acidente, não estava sujeito ao seguro obrigatório de responsabilidade civil. 17. Apurou-se que o acidente ocorreu em terreno privado, numa pista de autocross, ou seja, num espaço especialmente criado e preparado para as provas desportivas e, como tal, não estava aberto à circulação pública, ou seja, nessas circunstâncias, os veículos que nesse local circulassem não estavam sujeitos ao seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel. 18. E como tal, em caso algum ao Recorrente FGA poderá ser assacada qualquer responsabilidade, daí que não possa deixar de ser considerado parte ilegítima neste pleito, devendo ser absolvido da instância. 19. O veículo causador dos danos descritos estava a ser utilizado no exclusivo desempenho funcional de veículo de competição, o que significa que o acidente está relacionado com os riscos próprios de funcionamento daquele veículo enquanto veículo de competição e não com os riscos inerentes à sua circulação enquanto veículo automóvel, numa via pública aberta ao trânsito em geral. 20. Aliás o veículo causador dos danos nem sequer estaria habilitado a circular numa via pública, pois o mesmo nem sequer ostentava matrícula, desconhecendo-se mesmo se alguma vez alguma matrícula foi atribuída a tal veículo. 21. E, como tal, uma vez mais, daqui se extrai que o Recorrido FGA é parte ilegítima. 22. Todo o circunstancialismo supra descrito foi atendido pelo tribunal de Ia instância, o que não aconteceu com o Tribunal da Relação do Porto, que fez uma incorreta interpretação e aplicação do direito ao caso em análise. 23. Ao decidir em sentido contrário, o Tribunal recorrido violou as disposições legais dos artigos 8o, n° 1, 14°, n° 4 al. e), 48° e 52° n° 1 do DL n° 291/2007, de 21 de agosto de 2007. 24. A portaria n.° 679/2009. de 25 de junho, que veio alterar a portaria n.° 377/2008, de 26 de maio, veio estabelecer critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação de proposta razoável para indemnização dos danos sofridos pelos lesados por acidente de automóvel. Sendo certo que esta portaria é apenas aplicável à regularização extrajudicial de sinistro, deverá ser tida em conta como uma referência para a jurisprudência sob pena de os lesados evitarem sempre a resolução extrajudicial e contribuírem para a judicialização de conflitos. 25. A título de exemplo, refere o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23.02.2010 (processo n.° 13/05.6TBMCN.P1), disponível em www.dgsi.pt: “os valores aí propostos deverão ser entendidos como meios auxiliares de determinação do valor mais adequado, como padrões, referências e critérios de orientação, mas não decisivos, supondo sempre o confronto com as circunstâncias do caso concreto e supondo igualmente a intervenção temperadora da equidade, conducente à razoabilidade já não da proposta, mas da solução, como forma de superar a relatividade dos demais critérios. 26. Não colocando em causa todos os danos supra referidos, sofridos pelo Autor, sempre se dirá que o valor encontrado a título de indemnização é exagerado para a situação concreta, considerando situações análogas, pelo que deve ser novamente reduzido em conformidade. 27. Relativamente aos danos não patrimoniais, aplica-se o critério definido no art. 496°, n° 1 do CC, isto é, têm de ter a gravidade suficiente para merecer a tutela do Direito. Dispõe o artigo 496° n° 1 do CC que “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, referindo-se no nº 3 que ” o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal…” 28. De acordo com um juízo de equidade legalmente aplicável entende o FGA que a indemnização de € 40.000 anteriormente fixada pelo tribunal da primeira instância é equitativa para ressarcir o autor pelos danos não patrimoniais sofridos. 29. O tribunal recorrido no douto acórdão proferido não teve em consideração o circunstancialismo supra descrito pelo que, com o devido o respeito, fez uma incorrecta interpretação e aplicação do direito. 30. Ao julgar do modo diferente daquilo que é defendido nestas alegações de recursdo fez o tribunal recorrido uma menos correcta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, com violação das disposições legais dos artigos 8º, nº 1, 14º, nº 4, al. e), 48º e 52º, nº 1 do DL nº 291/ 2007 de 21 de agosto e artigo 496º, nº 1 do CC. “ O Autor contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso. Cumpre decidir: Mostra-se provada a seguinte matéria de facto (com as alterações introduzidas pela Relação): “1. Os segundo a sétimo Réus constituíram uma Comissão ..., no ano de 2008, realizada no dia 1 de Maio do referido ano, na Pista de ..., (junto ao Campo ...), na Freguesia com o mesmo nome, situada na área da Comarca .... 2. A dita Comissão, em Abril de 2007 procedeu à publicidade do evento no Jornal “...”, com a divulgação do programa e exibição de fotografias dos eventos ocorridos em anos anteriores, apelando à presença em massa de populares. 3. Os 2º a 7º Réus não haviam requerido nem obtido, às autoridades competentes, designadamente à Câmara Municipal ... e à Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting, qualquer tipo de autorização ou licença, facto omitido na referida publicidade, nem efetuaram o seguro de responsabilidade civil, obrigatório por lei para todas as provas desportivas de veículos terrestres a motor e respetivos treinos, tendo, relativamente às condições de segurança para os espectadores que ali se deslocassem, procedido exclusivamente da seguinte forma: colocaram uma fita vermelha e branca ao logo da pista para assinalar a sua localização e evitar o atravessamento da mesma; procederam ao rebaixamento do terreno, na parte da pista, por onde iam circular os carros, e solicitaram ao Comandante dos Bombeiros que realizasse uma inspeção á pista e disponibilização de veículos de prevenção para o local. (facto cuja redação foi ora alterada). 4. No referido dia 01 de Maio de 2008, pelas 16 horas, o Autor AA, dirigiu-se ao local descrito no artigo 1., a Pista de ..., junto ao Campo ..., na área desta Comarca, acompanhado pelos colegas KK e LL, a fim de assistirem à referida prova. 5. Ali chegado, o Autor assistiu a parte da prova e depois passou a cerca de 10 metros de uma curva, com um talude com menos de um metro de altura. 6. O 1º Réu participava na mencionada corrida, ao volante de uma viatura de marca BMW, modelo .... 7. A dado momento, quando o 1º Réu efetuava a dita curva, a velocidade não concretamente apurada, perdeu o controlo da viatura, galgou o referido talude e porque inexistiam railes de proteção e proibição de permanência em determinados locais, saiu da pista e a cerca de 10 metros desta embateu com a sua frente no corpo do Autor, projetando-o e esmagando-o contra outra viatura que ali se encontrava estacionada.(facto cuja redação foi ora alterada). 8. Para além do Autor, outras pessoas foram também atingidas, na sequência do despiste da viatura conduzida pelo 1º Réu. 9. O Autor foi transportado para o Hospital ..., onde deu entrada devido aos poli-traumatismos sofridos, nomeadamente a fratura da bacia tipo “livro aberto”, fratura do tornozelo direito e rotura traumática da uretra, que lhe causaram perigo para a vida. 10. Todos os 2º a 7º Réus bem sabiam que a referida prova não tinha sido autorizada ou licenciada por entidade pública competente. 11. Aqueles RR não podiam desconhecer que, relativamente ao local destinado aos espectadores, aqueles se encontravam desprotegidos das viaturas participantes, quer pela falta de proteções materiais, quer pela ausência de locais vedados ao público, o que poderia originar lesões e perigo para a vida, como de facto ocorreu (facto cuja redação foi ora alterada). 12. Em consequência direta e necessária do descrito acidente e da violência do atropelamento, o Autor deu entrada no Hospital ..., sito em ..., no dia 01/05/2008 com história de politraumatismo apresentando: - fratura da bacia tipo “Open Book”; - fratura bimaleolar- equivalente tipo C (rotura do ligamento deltoide) à direita; - instabilidade hemodinâmica à entrada no S.U.. – rotura traumática da uretra; 13. Foi submetido no S. U. a medidas de suporte hemodinâmico e a osteotaxia da fratura da bacia com fixador externo, bem como osteossíntese da fratura do perónio e sutura do ligamento deltoide. 14. Foi ainda submetido por Cirurgia Geral a laparoscopia onde se observou volumoso hematoma pélvico mas sem evidência de lesões viscerais e dada a impossibilidade de algaliação, foi submetido a punção suprapúbica e pedida a colaboração de Urologia. 15. No pós-operatório observou-se evolução favorável com pequena perda de redução, embora aceitável. 16. Em 12/08/2008 foi submetido a extração do fixador externo da bacia e o estudo por TAC lombar não mostraram alterações relevantes, além das sequelas de fratura. 17. Foi orientado para continuação de tratamento conservador e pedido novo estudo radiológico. 18. Efetuou 25 sessões de tratamento fisiátrico. 19. Em 02-06-2009 regressou ao H..., EPE por Hemorragia digestiva alta na sequência da tomada de anti-inflamatórios não esteroides no contexto da fratura da bacia e teve alta em 18-06-2009. 20. Em consequência do atropelamento, o Autor sofreu uma estenose total da uretra a nível da sua porção membranosa, depois de realizadas várias Uretrografias. 21. Em 14-01-2009 o Autor foi submetido a uma Uretroplastia perineal topo a topo com ressecção total do segmento estenosado. 22. Também, em virtude das lesões sofridas, consequência do acidente supra descrito, o Autor realizou consultas e exames médicos no Centro Hospitalar ..., E.P.E, designadamente, de ortopedia a 23/06/2008; 06/08/2008; 03/09/2008; 24/09/2008; 17/06/2009; 21/10/2009; 21/10/2009; 21/04/2010; 02/06/2010; 21/07/2010; de fisiatria geral a 29/09/2008; 19/11/2008 e 12/12/2008; de urologia a 30/01/2009; 10/11/2009; 12/01/2010; 02/03/2010; 06/04/2010; 04/08/2011; 23/09/2011: 14/02/2012; 02/04/2012; 26/06/2012 e 19/07/2012; e de cirurgia geral a 23/07/2008. 23. Continua a submeter-se a tratamentos, na sequência de infeções provocadas pela Uretroplastia, e a cada 10/12 semanas o Autor sofre uma infeção, provocada pelo atrofiamento da prótese aplicada na Uretra. 24. A datada consolidação médico-legal das lesões do autor é fixável em 08-02-2010; - O Período de Défice Funcional Temporário Total é fixável num período de 62 dias; - O Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixa-se num período de 589 dias; - O Quantum Doloris é fixável no grau 6/7; - O défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica é de 43 pontos, sendo de admitir a existência de dano futuro; - As sequelas descritas, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são impeditivas do exercício da atividade profissional habitual, sendo, no entanto, compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional; - o dano estético Permanente é fixável no grau 3/7; - A Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 3/7; - A Repercussão Permanente na Atividade Sexual é fixável no grau 7/7; - O autor necessitará de ajudas medicamentosas e de tratamentos médicos regulares, podendo haver agravamento do seu estado clínico. 25. Desde a data do acidente que o Autor não consegue exercer qualquer atividade profissional (tendo antes do acidente explorado um bar), pois sente muitas dores, em qualquer posição, quer esteja sentado, quer esteja em pé ou a caminhar. 26. Não consegue fazer esforços nem pegar em objetos pesados e não consegue fazer caminhadas. 27. Com as sequelas do acidente, deixou o Autor de ter autonomia financeira, sobrevivendo com a ajuda dos seus pais. 28. Com o acidente, o Autor deixou de poder manter uma relação sexual e nunca mais teve uma relação amorosa. 29. Sentiu o seu prazer de viver diminuir. 30. O Autor nasceu a .../.../1969 e à data do acidente tinha 38 anos de idade. 31. Era uma pessoa alegre, sempre bem-disposto, trabalhador, convivia com a família, com os amigos e com os vizinhos, era saudável e tinha vontade de viver. 32. Agora, é uma pessoa triste, deprimido, não tem vontade de conviver com os amigos e não tem vontade de frequentar locais públicos. 33. O A. deixou de poder pagar a prestação mensal do empréstimo habitação e de poder cumprir com o pagamento da pensão de alimentos à sua filha menor, por não conseguir trabalhar e não ter quaisquer rendimentos. 34. A Autor deduziu o pedido de indemnização civil no processo crime que correu termos sob o processo n.º 731/08...., no ... Juízo do Tribunal Judicial ..., em que o aqui 1º Réu se encontrava acusado da prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo art.º 144, alínea d) do Código Penal, e os 2º a 8º arguidos encontravam-se acusados, em co-autoria material, na forma consumada e por omissão, de um crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo art.º 144, alínea d) do Código Penal, em conjugação com o art. 10º do referido Código, tendo sido ordenada a separação do pedido de indemnização civil, para ser instaurado em separado, tendo havido já decisão penal em relação aos factos dos autos, com trânsito em julgado, absolutória em relação ao 8º R. e condenatória quanto ao 1º a 7º RR., estes condenados em pena de multa, pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência agravado pelo resultado por omissão. 35. O convívio da amizade, além da perícia automóvel, promovia jogos de cartas, de malha, de futebol e de paintball. 36. O percurso a percorrer pelos veículos na pista estava delimitado por fitas vermelhas e brancas. 37. A pista em causa tinha alguns taludes, tendo sido inspecionada pelo Comandante dos Bombeiros Voluntários ... na manhã do dia 01/05/2008.” Foram julgados não provados os seguintes factos: “A) O referido evento foi organizado com a anuência e a colaboração do 8º Réu, que, além do mais, cedeu à referida Comissão o terreno onde o mesmo se realizou, pertencente à empresa de que era gerente – I..., Lda.. B) A divulgação da corrida foi realizada também no Jornal “E...”, no Jornal “F...”. C) À data do acidente o A. trabalhava por conta de outrem. D) O A. permaneceu naquele local desde que se iniciou a perícia até ao momento da ocorrência do acidente, tendo sido chamado à atenção pelos membros da comissão para sair do local e insultou-os. E) O acesso à pista era feito sem condicionalismos. F) Não existia qualquer atribuição de prémios para os participantes.” O Direito: Em causa está um acidente (atropelamento) ocorrido, em 1.5.2008, durante a realização de uma prova desportiva automóvel, que se ficou, alegadamente, a dever à excessiva velocidade de um veículo que nela participava, que foi atingir o autor, projectando-o contra outro automóvel, quando este se encontrava a assistir a essa prova, causando-lhe danos graves, cujo ressarcimento é peticionado na acção, além do mais, contra o FGA, por o referido veículo não ter seguro. A Relação, depois de alterar a matéria de facto – impugnada no recurso principal – sobretudo, no sentido de a expurgar de conceitos conclusivos e de direito (vejam-se os factos provados sob os pontos 3, 7 e 11), qualificou – em sentido coincidente com a 1.ª instância – o acidente em causa nos autos como tendo ocorrido durante uma prova desportiva organizada (sem que o facto de ser ilegal, por não estar licenciada, lhe retire essa natureza) e, por conseguinte, concluiu que tal evento estava sujeito a seguro obrigatório. Para além disso, convergindo também nesta parte com o entendimento vertido na sentença, a Relação entendeu que tal prova desportiva, constituindo uma prova de rally, que comporta um risco acrescido enquanto desporto de velocidade e conduz a uma maior probabilidade de ocorrência do dano, é de classificar como actividade perigosa, à qual, por isso, se aplica a presunção de culpa consagrada no art. 493º, nº 2, do CC, sem que a tal obste o Assento de 21.11.1979, que a Relação considerou não ser aqui aplicável quer por a perigosidade se dirigir, no caso, a uma actividade de cariz desportivo, quer por se tratar de jurisprudência que, decorridos que estão 40 anos, se mostra desactualizada. Partindo deste pressuposto, concluiu, à luz do acervo factual provado, que, não tendo os réus afastado a presunção de culpa que sobre eles recaía, era de manter o juízo formulado na sentença a esse propósito. Foi, na verdade, quanto à responsabilidade do FGA que a Relação divergiu do tribunal 1.ª instância, posto que, enquanto este absolveu aquele do pedido por ter entendido que o facto de o acidente ter ocorrido no âmbito de uma prova desportiva, onde não funciona o seguro de responsabilidade civil obrigatório, afastaria a responsabilidade do FGA, a Relação, não obstante ter reconhecido que está excluída do âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel a indemnização por danos ocorridos durante provas desportivas, entendeu que, sendo o seguro de prova desportiva, também ele, um seguro obrigatório, sem que dele estejam excluídos os danos causados aos espectadores da prova ou os meros peões que se encontrem no local e sem que a lei expressamente exclua o FGA de tal responsabilidade, ao que acresce o reforço da função de garante que o FGA assume perante as vítimas de acidentes de viação em face da regulamentação da União Europeia, tem este de responder subsidiariamente pelo pagamento da indemnização ao autor, ainda que com posterior sub-rogação nos direitos do lesado (arts. 6º, nº 5, 8º, nº 1, 14º, nº 4, al. e), 47º, 48º, 52º, e 54º, todos do DL n.º 291/2007). De igual modo, e no que se refere aos danos não patrimoniais, a Relação elevou a indemnização que havia sido fixada, a esse título, para € 90.000,00. É desta decisão que o FGA recorre agora de revista. Tendo por base as conclusões do recurso de revista, os temas em discussão são os seguintes; o da responsabilização do FGA pelos danos sofridos pelo autor, espectador de prova desportiva cujo seguro obrigatório não foi celebrado; o do quantitativo da indemnização devida pela causação de danos não patrimoniais. Da responsabilização do FGA: No que concerne a esta questão argumenta o recorrente que o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel e o seguro desportivo são distintos, autónomos e independentes e que o FGA apenas responde por danos causados por veículos sujeitos ao primeiro, sendo que, mesmo que existisse seguro desportivo, o dano causado a um espectador, como sucede com o autor, sempre estaria dele excluído. Acrescenta, neste âmbito, que o facto de o seguro desportivo ser obrigatório não transfere automaticamente para o FGA a responsabilidade pela sua ausência e que, no caso, o acidente ocorreu num terreno privado e não numa via aberta à circulação pública, sem que o veículo causador do acidente tivesse sequer matrícula. Em primeiro lugar, e como prius metodológico, há que determinar se, como foi considerado pelas instâncias, o acidente que vitimou o autor ocorreu no domínio de uma prova desportiva. Segundo o que dispõe o art. 2º do Decreto Regulamentar n.º 2-A/2005, de 24 de Março (que regulamenta as condições em que pode ter lugar a utilização das vias públicas para fins diferentes da normal circulação de peões e veículos), “para efeitos do presente regulamento, consideram-se provas desportivas as manifestações desportivas realizadas total ou parcialmente na via pública com carácter de competição ou classificação entre os participantes”. Por seu turno, estipula o art. 151º do Código da Estrada que “a autorização para realização, na via pública, de provas desportivas de veículos a motor e dos respetivos treinos oficiais depende da efetivação, pelo organizador, de um seguro que cubra a sua responsabilidade civil, bem como a dos proprietários ou detentores dos veículos e dos participantes, decorrente dos danos resultantes de acidentes provocados por esses veículos.” O conceito de prova desportiva apresenta, à luz dos referidos normativos, como características distintivas, (i) a utilização, total ou parcial, da via pública e (ii) a existência de competição ou classificação entre os participantes. Relativamente à primeira, ficou apenas provado que o atropelamento do autor ocorreu enquanto este assistia a um evento denominado “Sétima Perícia Automóvel de ...”, organizado por uma Comissão Organizadora constituída pelos segundo a sétimo Réus, a qual foi publicitada no Jornal “N...”, tendo tido lugar na Pista de ... (junto ao Campo ...). Não ficou provada a natureza do solo, se era do domínio privado ou público, sendo que embora o próprio autor tenha alegado que o evento decorreu, não em via de domínio público, mas em via de domínio privado, não ficaram provados factos que o demonstrem. Seja como for, e de acordo com o n º 2 do art. 2º do Código da Estrada, o disposto neste diploma “é também aplicável nas vias do domínio privado, quando abertas ao trânsito público, em tudo o que não estiver especialmente regulado por acordo celebrado entre as entidades referidas no número anterior e os respetivos proprietários”. Como explicita Tolda Pinto, em Código da Estrada Anotado, 3ª edição, Coimbra Editora, 2009, pág. 20, “da conjugação do n.º 1 e do n.º 2 do presente dispositivo resulta que o conceito de via pública também abrange aquela que, pertencendo ao domínio privado, está aberta ao trânsito público. Ora, o que caracteriza a via pública é a liberdade de trânsito e, consequentemente, as vias serão caminhos públicos se por elas transitarem livremente peões, veículos automóveis ou outros veículos mas já não revestem essa característica de caminhos públicos se esse trânsito não se puder fazer livremente. Aliás, a este respeito, referia o Prof. Vaz Serra que o conceito de vias públicas deve ampliar-se de modo a abranger todos os locais que proporcionem a possibilidade de alguém ser lesado por um veículo que neles manifeste os riscos especiais. Segundo a lição de Vaz SERRA, que se pode ler na “Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 104, 3444, pág. 46, “é certo que o artigo 56. ° do Código da Estrada, tratando da responsabilidade por acidente de viação, falava em veículo que estivesse «em trânsito nas vias públicas». Mas a expressão «vias públicas» não parece que deva entender-se aqui como referindo-se às vias abertas à circulação do público, mas sim a todos os locais que proporcionem a possibilidade de alguém ser lesado por um veículo que neles manifeste os seus riscos especiais. O risco especial causado por veículos não deixa de existir pelo facto de estes circularem, não numa via aberta ao trânsito de todos em geral, mas num local em que só certas pessoas sejam expostas a esse risco. Como escrevemos noutro lugar (1), «se circular (o veículo) fora dessas vias, o seu perigo pode ser ainda maior, por terceiros não tomarem precauções contra o inesperado facto. Verificam-se então as razões em que se funda a responsabilidade objectiva, pelo menos tal como se circulasse em vias públicas, e a solução deve ser, portanto, a mesma”. Assim, considerando que o local onde o evento decorreu se encontrava aberto ao trânsito adveniente da corrida de carros realizada e mobilizando um conceito amplo de “via pública” - integrador de qualquer local propiciador da ocorrência de lesões por veículos que apresentem riscos especiais -, não se vislumbra óbice a que, sob esta perspetiva, se caracterize o evento em causa como prova desportiva, ainda que o mesmo não tenha tido lugar numa via de domínio público. Mas, como se disse, para o conceito de “prova desportiva“exige o art. 2º do Decreto Regulamentar nº 2-A/2005 uma manifestação desportiva “com carácter de competição ou classificação entre os participantes”. Ora, do elenco dos factos provados não se extrai a conclusão de que a denominada “perícia automóvel” tinha como inerente um carácter de “competição ou classificação”, em termos de existir concorrência entre os participantes com um intuito de superação. E, por isso, para concluir que “os concorrentes competiam entre si para lograrem percorrer a pista no menor tempo possível”, o tribunal “a quo” apelou ao teor de meios de prova (depoimentos testemunhais) que, segundo a decisão, relataram aquela circunstância.: “Sabe-se também que os concorrentes competiam entre si para lograrem percorrer a pista no menor tempo possível, (isto mesmo foi dito pelas das testemunhas que participaram na qualidade de corredores no evento, MM e NN) assim proporcionando o desejado espetáculo de perícia ao público que acorreu ao local publicitado pela Comissão Organizadora para assistir á corrida.” Ou seja: o Tribunal da Relação incluiu, ainda que em sede de direito, um facto que não foi posto em causa pelo FGA, no seu recurso, ou seja, o facto consistente na circunstância de os concorrentes competirem entre si para lograrem percorrer a pista no menor tempo possível. E não se diga que lhe estava vedada tal ampliação, porque a matéria a aditar não tinha sido alegada na petição ou porque a ampliação não lhe tinha sido pedida no recurso. Em primeiro lugar, o facto aditado não passa de uma decorrência/concretização de outros factos explicitamente alegados: assim, o alegado pelo autor no art. 4º (onde se refere a realização de “prova desportiva”) e art. 7 º (onde se alude a “corrida”) da petição inicial; sendo que “in casu”, o sobredito facto poder-se-á até considerar uma explicitação do conceito de “corrida” a que alude o ponto 6) do elenco dos factos provados. Depois, como se disse no acórdão do STJ de 16.11.2021, proc. 84277/18.3YIPRT.C1. S1 “confrontada com uma omissão objectiva de factos relevantes (indispensáveis) para a decisão, a Relação pode ordenar a ampliação da matéria de facto, podendo, se os elementos probatórios estiverem acessíveis, proceder à sua apreciação e introduzir na matéria de facto as modificações que forem consideradas oportunas”. Mostrando-se, assim, adquirido que o evento realizado a 1.5.2008 se subsume ao conceito de prova desportiva, cumpre avaliar, de seguida, se o recorrente FGA pode ser responsabilizado pelos danos sofridos pelo recorrido-lesado na sequência do atropelamento de que foi vítima no sobredito evento, uma vez que não foi celebrado no caso qualquer seguro de provas desportivas que garantisse a responsabilidade do condutor do veículo de marca BMW, modelo ..., causador do acidente. Como resulta do que atrás ficou dito, para se eximir à responsabilidade que lhe é assacada, o FGA assentou o eixo central da sua argumentação na natureza autónoma e independente do seguro de provas desportivas em relação ao seguro de responsabilidade civil automóvel. Vejamos. Como resulta dos arts 48º, nº 1, al. a) e 49º, nº 1, als. a) e b) do Decreto-lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, o FGA responde por indemnizações decorrentes de acidentes rodoviários ocorridos em Portugal e originados por veículo cujo responsável pela circulação esteja sujeito ao seguro obrigatório, garantindo, até ao valor do capital mínimo do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, a satisfação das indemnizações por danos corporais, quando o responsável não beneficie de seguro válido e eficaz e por danos materiais, quando o responsável, sendo conhecido, não beneficie de seguro válido e eficaz. E qual é a natureza do seguro de provas desportivas de veículos terrestres a motor analisando o regime legal relevante? Segundo o que dispõe o nº 5 do art. 6º do Decreto-lei nº 291/2007, “Quaisquer provas desportivas de veículos terrestres a motor e respectivos treinos oficiais só podem ser autorizados mediante a celebração prévia de um seguro, feito caso a caso, que garanta a responsabilidade civil dos organizadores, dos proprietários dos veículos e dos seus detentores e condutores em virtude de acidentes causados por esses veículos.” Considera Filipe Albuquerque Matos, em “O seguro de provas desportivas – um seguro de responsabilidade civil com contornos especiais” in Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Manuel Henrique Mesquita, vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pág.143, que o seguro de provas desportivas não deixa de ser uma modalidade de seguro de responsabilidade civil automóvel, ainda que apresente características muito particulares face ao tipo de sinistralidade garantida. Segundo o autor, “a organização de provas desportivas onde sejam utilizados veículos motorizados coenvolve riscos acrescidos face à vulgar circulação de meios de transporte do mesmo género. Se a circulação automóvel foi considerada, com o aumento sucessivo da utilização destes veículos motorizados, uma actividade geradora de particulares riscos, então devemos considerar exponencialmente agravado o perigo quando esteja em causa a organização de competições onde uma pluralidade de veículos criam em relação a terceiros uma vasta panóplia de riscos, com uma extensão muitas vezes imprevisível. No fundo, vale aqui a máxima, segundo a qual, o todo ou o conjunto não é equivalente a uma mera soma das partes integrantes. Encontramo-nos então confrontados perante um domínio da circulação rodoviária onde o nível de sinistralidade pode ser qualificado como anómalo. Ora, são tais características especiais da realidade abrangida pelos seguros de provas desportivas que justificam os entorses registados na disciplina jurídica a estes reservada face ao regime regra definido para a generalidade dos seguros obrigatórios de responsabilidade civil automóvel.” (O seguro de provas desportivas…” cit., pág. 144 ). Detectam-se, ainda assim, pontos de contacto entre o seguro de responsabilidade civil automóvel e o seguro de provas desportivas. Em primeiro lugar, revestem ambos carácter obrigatório, sendo que a obrigatoriedade de contratação do seguro de provas desportivas resulta do já citado art. 6º, nº 5 do Decreto-lei n.º 291/2007, em consonância com o art. 151º do Código da Estrada que preceitua que “a autorização para realização, na via pública, de provas desportivas de veículos a motor e dos respetivos treinos oficiais depende da efetivação, pelo organizador, de um seguro que cubra a sua responsabilidade civil, bem como a dos proprietários ou detentores dos veículos e dos participantes, decorrente dos danos resultantes de acidentes provocados por esses veículos.” Em segundo lugar, o seguro de provas desportivas constitui também uma espécie de seguro colectivo. Nas palavras de Albuquerque Matos: “trata-se de uma espécie de seguro colectivo, onde a entidade organizadora do evento desportivo para além de garantir a sua responsabilidade civil, bem como a de todos os respectivos colaboradores, deve assegurar também a cobertura dos danos causados a terceiros pelos proprietários ou detentores dos veículos participantes. Desta feita, os participantes nas provas desportivas não podem concorrer se forem apenas tomadores de um seguro normal de responsabilidade civil, impondo-se-lhes também a adesão ao contrato de seguro celebrado pelo organizador da prova. Apesar do tomador do seguro ser a entidade organizadora, os participantes figuram na apólice do seguro como legítimos condutores, e enquanto tais vêm garantida a sua responsabilidade civil. No tocante a esta questão da obrigatoriedade da celebração de contratos de seguro como requisito de realização das provas desportivas, cumpre sublinhar o seu carácter geral, ou seja, uma tal imposição deve valer em relação a toda e qualquer prova desportiva onde sejam intervenientes veículos terrestres motorizados.” ( “O seguro de provas desportivas…” cit., pág. 145). Outro ponto de contacto entre o contrato normal de seguro de responsabilidade civil automóvel e o seguro de provas desportivas – ponto de contacto esse que justificará também a inclusão do seguro de provas desportivas no Decreto-lei 291/2007 – tem a ver também com o âmbito de garantia: ambos os seguros cobrem apenas os danos causados pelos veículos a terceiros. Com efeito, o nº 1 do art. 8º do DL 291/2007 exclui do âmbito de cobertura do seguro de provas desportivas “os danos causados aos participantes e respectivas equipas de apoio e aos veículos por aqueles utilizados, bem como os causados à entidade organizadora e pessoal ao seu serviço ou a quaisquer seus colaboradores” e não os danos causados a terceiros. Dos elencados pontos de contacto entre os dois seguros resulta, portanto, a conclusão de que o seguro de provas desportivas não apresenta uma natureza substancialmente diversa do seguro de responsabilidade civil automóvel. E aqui recorremos de novo às palavras de Filipe Albuquerque Matos: “Na verdade, se estivéssemos perante uma realidade anómala e manifestamente excepcional do universo dos seguros, com certeza seria necessário discipliná-la num corpo normativo próprio e distinto, onde se reflectissem todas as particularidades da matéria, mormente a relativa ao âmbito de garantia do seguro em análise. Tal não sucede, porquanto o seguro de provas desportivas é tão somente um seguro especial, não deixando de configurar-se como um seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, em que apenas os prejuízos causados a terceiros se consideram abrangidos na cobertura das apólices” (sublinhado nosso). (O seguro de provas desportivas…” cit., p. 148). É, aliás, a especificidade da actividade exercida no âmbito das provas desportivas –– associada a uma sinistralidade anormal - que justifica que se exclua do âmbito da garantia do seguro de responsabilidade civil automóvel “stricto sensu” a ressarcibilidade dos danos causados a terceiros decorrentes da realização das provas desportivas ou dos respetivos treinos oficiais (cfr. art. 14º, nº 4, al e) do DL nº 291/2007, de 21.8). Convoca-se na decisão recorrida o Direito da União. E, na verdade, de acordo com o ponto 4 do art. 1º da Directiva 84/5/CEE (a apodada Segunda Directiva do Conselho, de 30 de Dezembro de 1983), “Cada Estado-membro deve criar ou autorizar a criação de um organismo que tenha por missão reparar, pelo menos dentro dos limites da obrigação de seguro, os danos materiais ou corporais causados por veículos não identificados ou relativamente aos quais não tenha sido satisfeita a obrigação de seguro referida no n. º1”. Efectivamente, encontrando-se o âmbito de garantia do FGA dependente do quadro de intervenção reservado às seguradoras no âmbito do DL nº 291/2007, de 21.8 (cfr. arts. 49º, nº 1 e 52.º daquele diploma), o seu papel como garante de responsabilidade com uma feição marcadamente social em sede de acidentes rodoviários não poderá, sem embargo da natureza subsidiária do FGA, deixar de ser interpretado em linha com o escopo do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel. E este escopo, na sequência da transposição para o direito interno, pelo DL 291/2007, de 21-08, da Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio (que alterou as Directivas n.os 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE, do Conselho, e a Directiva 2000/26/CE) visa, como sintetizado pelo acórdão do STJ de 12.6.2017, proc. 8/07.5TBSTB.S1, “a protecção das vítimas de acidentes de viação, assegurando da forma mais alargada possível o ressarcimento dos danos por elas sofridos. (…) Fica, em consequência, indiscutível que o legislador quis precipuamente defender/proteger os interesses e os direitos dos lesados em acidentes de viação, sendo estes caracterizados como eventos consequentes da “má” condução automóvel ou dos riscos próprios da circulação de veículos, quer nas vias públicas quer nas abertas à livre circulação, independentemente da respectiva afectação ou domínio.” Com efeito, subjacente à criação do FGA, através do Decreto-Regulamentar n.º 58/79, de 25 de setembro, esteve, como sublinha Filipe Albuquerque Matos, “o propósito de reforçar a posição das vítimas da sinistralidade automóvel em situações de ausência de atribuição de qualquer montante indemnizatório, se tivéssemos em conta o normal funcionamento do regime jurídico do seguro obrigatório de responsabilidade civil” (“O Fundo de Garantia Automóvel. Um organismo com uma vocação eminentemente social” in Estudos Dedicados ao Professor Doutor Luís Alberto Carvalho Fernandes, volume I, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2011, pág. 559). As alterações legislativas introduzidas pelo DL nº 291/2007, de 21.8, quanto ao âmbito material de intervenção do FGA têm visado o fortalecimento da sua função social relativamente às vítimas dos acidentes de viação (O Fundo de Garantia Automóvel” … cit., págs. 573-575), não deixando o preâmbulo do mencionado diploma de se referir ao FGA como “parte fundamental da operacionalização do aumento de proteção dos lesados.” Ou seja: todos os pontos de contacto já referidos, e o Direito da União (que acentua a necessidade de protecção das vítimas no caso de o veiculo causador do sinistro não estar seguro ou identificado) apontam para a protecção da vítima também em caso de um acidente desportivo, na ausência de um seguro de provas desportivas. É verdade que, no caso em apreço, os “2ºs a 7º Réus não requereram nem obtiveram das autoridades competentes, designadamente a Câmara Municipal ... e a Federação Portuguesa de Automobilismos e Karting [que aqui não parece competente para o efeito, anote-se] qualquer tipo de autorização ou licença”, limitando-se a pedir ao Comandante dos Bombeiros, que realizasse uma inspecção e disponibilizasse veículos de prevenção para o local (facto 3). Dispõe o art. 32º da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, aprovada pela Lei nº 5/2007 de 16.1 sob a epígrafe “Provas ou manifestações desportivas em espaços públicos”: 1 - Deve ser obrigatoriamente precedida de parecer, a emitir pela respectiva federação desportiva, a realização de provas ou manifestações desportivas, que cumulativamente: a) Decorram na via pública ou demais espaços públicos ;b) Estejam abertas à participação de praticantes inscritos nas federações desportivas; e c) No âmbito das quais se atribuam prémios, em dinheiro ou em espécie, superiores a montante a fixar na lei. 2 - A federação desportiva competente deve homologar o regulamento da prova ou manifestação desportiva referida no número anterior, a fim de assegurar o respeito pelas regras de protecção da saúde e segurança dos participantes, bem como o cumprimento das regras técnicas da modalidade. 3 - As provas ou manifestações desportivas referidas nos números anteriores são inscritas no calendário da federação respectiva.” Ora, mesmo admitindo que a realização da prova decorreu na via pública, na acepção de Vaz Serra, a verdade é que nela não participaram praticantes inscritos em qualquer federação desportiva nem consta que tenham sido atribuídos prémios em dinheiro ou em espécie. Não está assim demonstrado que a Federação desportiva devesse emitir qualquer parecer ou homologar o regulamento da prova. Porém, preenchido como vimos, o conceito de prova desportiva, à face do art. 2º do Decreto Regulamentar nº 2-A/2005, a prova carecia de autorização municipal, como resulta do art. 3º da dita Portaria, que tem o seguinte teor: # Provas desportivas de automóveis: 1 - O pedido de autorização para realização de provas desportivas de automóveis deve ser apresentado na câmara municipal do concelho onde as mesmas se realizem ou tenham o seu termo, no caso de abranger mais de um concelho. 2 - Para efeitos de instrução do pedido de autorização, a entidade organizadora da prova deve apresentar os seguintes documentos: a) Requerimento contendo a identificação da entidade organizadora da prova, com indicação da data, hora e local em que pretende que a prova tenha lugar, bem como a indicação do número previsto de participantes; b) Traçado do percurso da prova, sobre mapa ou esboço da rede viária, em escala adequada que permita uma correcta análise do percurso, indicando de forma clara as vias abrangidas, as localidades e os horários prováveis de passagem nas mesmas, bem como o sentido de marcha dos veículos; c) Regulamento da prova; d) Parecer das forças de segurança competentes; e) Parecer das entidades sob cuja jurisdição se encontram as vias a utilizar, caso não seja a câmara municipal onde o pedido é apresentado; f) Documento comprovativo da aprovação da prova pela Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting ou da entidade que tiver competência legal, no âmbito do desporto automóvel, para aprovar as provas.” Ora, como se viu, a comissão organizadora da prova não formulou o competente pedido de autorização para realização de provas desportivas de automóvel junto da câmara municipal do concelho onde as mesmas se realizaram. O que significa que, para todos os efeitos, a prova não respeitou os procedimentos legais. É certo que a prova desportiva em causa, pelas suas características – uma prova realizada em pleno dia, publicitada no jornal local que apelou à participação em massa de populares, em que a pista utilizada pelas viaturas ostentava uma fita vermelha e branca para assinalar a sua localização e evitar o seu atravessamento, num contexto em que foi solicitado ao Comandante dos Bombeiros que realizasse uma inspecção à pista e a disponibilização de veículos de prevenção para o local - é um evento que eventualmente colheria a aprovação da autoridade municipal, não podendo ser equiparada, nesse aspecto, às “acrobacias motorizadas”, identificadas como corridas automóveis em locais de bastante tráfego, em que os veículos, não raramente, circulam em contramão ou integram corridas em locais particularmente perigosos em virtude da falta de iluminação ou de condições muito degradadas de pavimento ( Filipe Albuquerque Matos, “O seguro de provas desportivas…” cit., p. 159); em tais casos, estão em causa comportamentos intrinsecamente anti-jurídicos, ostensivamente violadores das mais elementares regras de segurança rodoviária, como constitui o caso da “street race” objecto de tratamento pelo acórdão do STJ de 12.6.2017, proc. 8/07.5TBSTB.S1- casos em que a celebração de um contrato de seguro de provas desportivas se mostra legalmente vedada. Ainda sobre o mesmo assunto das acrobacias motorizadas, escreve o mesmo autor: “Não estando reunidas as condições para a realização das provas desportivas então a questão da celebração de contratos de seguros aqueles respeitantes não deve sequer ser colocada; na verdade, seria um contrassenso admitir a celebração de contratos relativos a uma determinada realidade específica, quando em concreto o objecto contratual se revela inadmissível. Aceitar a conclusão de contratos de seguros em tais condições seria legitimar algo legalmente impossível. De acordo com o disposto no nº 1 do art. 280 do CC “é nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável “ (loc. cit., pág.. 160). Não sendo permitida a realização dos contratos de seguro previstos no art. 8º relativamente às denominadas acrobacias motorizadas, entende o autor, que vimos citando, que também não são de integrar as mencionadas acrobacias no âmbito da actuação do Fundo de Garantia Automóvel. “Na verdade, o legislador ao referir-se a inexistência de seguro válido ou eficaz apenas reporta aquele núcleo de hipóteses em que sendo permitida a celebração de contratos de seguro de responsabilidade civil automóvel o iter negotti de conclusão dos mesmos padeceu de vícios ou não observou certos requisitos, razão por que tais eventos contratuais são inválidos ou ineficazes. Excluem-se assim do âmbito da aplicabilidade do nº 2 alíneas a) e b) do art. 21º do Dec-Lei nº 522/85 (als. a) e b) do n.º 1 do art. 49º do Dec.-Lei nº 291/2007) os casos de inexistência de seguro de responsabilidade civil automóvel, por tal corresponder a uma impossibilidade legal”. Mas deverá a situação aqui apreciada - em que não obstante se encontrar em falta a autorização por parte da entidade competente- ser integrada no âmbito da aplicabilidade das als. a) e b) do n.º 1 do art. 49º do Dec.-Lei nº 291/2007? Cremos que sim. Não ignoramos que Filipe Albuquerque Matos no artigo que vimos citando refere que “a estas hipóteses [às mencionadas hipóteses de acrobacias motorizadas”] devemos equiparar aqueloutras de provas desportivas realizadas sem o cumprimento das condições constantes da autorização concedida pela entidade competente. Quando assim sucedam encontramo-nos perante situações análogas à da falta de autorização para a realização de provas desportivas (nº 2 do art. 8 do Dec-Lei nº 2/98 de 3 de Janeiro) [ actual nº 2 do DL nº 44/2005 de 23 de 2.] (…)” Poderia dizer-se assim que, dentro da mesma lógica, também em caso de falta de autorização municipal, seria um contra-senso admitir a celebração de contratos de seguro relativamente a uma prova ilegal apesar de toda a publicidade que lhe foi dada (e em que não foram apreciadas pela Câmara as condições de segurança nem foi emitido qualquer parecer das forças de segurança). Cremos, porém, que não devemos equiparar as situações entre a de uma street racing em que o espectador tem a nítida percepção de uma prova ilegal e uma prova aparentemente organizada, com as características da presente, em que ao espectador não é cognoscível a falta de autorização da Câmara Municipal. A situação dos autos justificará, em nosso entender, uma protecção semelhante à do seguro obrigatório automóvel em que o FGA responde também em caso de falta de seguro por acidentes rodoviários, sendo que não se verifica, no caso, qualquer causa de exclusão da responsabilidade(cfr. arts. 52º, 14º, nº 4, al.e) e 8º do DL nº 291/2007). Com efeito, se “são aplicáveis ao Fundo de Garantia Automóvel as exclusões previstas para o seguro obrigatório da responsabilidade civil “ (art. 52º, nº 1) e se se excluem da garantia do seguro “quaisquer danos ocorridos durante provas desportivas e respectivos treinos oficiais, salvo tratando-se de seguro celebrados ao abrigo do artigo 8º” (art. 14º, nº 4, al.e)), isso significa que não estão excluídos os danos causados ao espectador da prova desportiva. Indemnização de danos não patrimoniais. Insurge-se o recorrente quanto à indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais, argumentando que a mesma desconsiderou os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação de proposta razoável constantes da Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio. Pugna pela atribuição de uma quantia não superior a €40.000,00 a título de danos não patrimoniais, quando a Relação, elevando a indemnização fixada pela primeira instância, computou em €90.000,00 a quantia a atribuir como compensação para este efeito. Todavia, ao contrário do que pretende o recorrente e como tem reiteradamente afirmado a jurisprudência, “na determinação dos montantes indemnizatórios aos lesados em acidentes de viação, os tribunais não estão obrigados a aplicar as tabelas contidas na Portaria n.º 377/2008, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25-06, ali apenas se estabelecendo padrões mínimos, a cumprir pelas seguradoras, na apresentação aos lesados de propostas sérias e razoáveis de regularização dos sinistros, indemnizando o dano corporal” (acórdão do STJ de 13.4.2021, proc. 448/19.7T8PNF.P1.S1). O acórdão recorrido fundamentou a fixação equitativa da indemnização nas seguintes passagens: “O Autor tinha 38 anos de idade na data do acidente. Em consequência direta e necessária do acidente e da violência do atropelamento, (o Autor foi esmagado pelo veículo participante na prova desportiva que inopinadamente saiu da pista, contra um veículo que se encontrava estacionado naquele local), o Autor deu entrada no Hospital ..., sito em ..., no dia 01/05/2008 com história de politraumatismo apresentando: fratura da bacia tipo “Open Book”; fratura bimaleolar- equivalente tipo C (rotura do ligamento deltoide) à direita; instabilidade hemodinâmica à entrada no S.U e rotura traumática da uretra, tendo corrido risco de vida. Foi submetido a inúmeras operações cirúrgicas e sessões de fisioterapia, tendo-lhe sido colocada uma prótese na Uretra, que além do mais lhe causa infeções provocadas pela Uretroplastia, e a cada 10/12 semanas o Autor sofre uma infeção, provocada pelo atrofiamento da prótese aplicada na Uretra. Sofreu e continua a sofrer muitas dores, em qualquer posição, quer esteja sentado, quer esteja em pé ou a caminhar, tendo o quantum doloris sido fixado no grau 6/7, ou seja, quase no grau máximo. No grau máximo ficou fixada a Repercussão Permanente na Atividade Sexual (no grau 7/7), o que significa que ficou incapaz para a atividade sexual, o que para além do privar definitivamente desde os seus 38 anos de idade, de tão importante dimensão de realização do ser humano, comprometeu a sua vida afetiva, tendo-se provado que com o acidente, o Autor deixou de poder manter uma relação sexual e nunca mais teve uma relação amorosa. Com as sequelas do acidente, deixou o Autor de ter autonomia financeira, sobrevivendo com a ajuda dos seus pais, tendo A. deixado de poder pagar a prestação mensal do empréstimo habitação (o Autor emocionou-se quando relatou ao tribunal estar a ser objeto de um processo executivo por não ter mais podido pagar a casa), por não conseguir trabalhar e não ter quaisquer rendimentos. Sentiu o seu prazer de viver diminuir, é agora, é uma pessoa triste, deprimido, não tem vontade de conviver com os amigos e não tem vontade de frequentar locais públicos. Não há pois qualquer dúvida quanto á gravidade dos danos sofridos (…) Quanto ao grau de culpabilidade do agente, no caso concreto devemos ter em consideração que a responsabilidade civil dos organizadores da prova desportiva mostra-se alicerçada numa mera presunção de culpa, prevista no art.º 493º nº 2 do C Civil (já não a do primeiro réu, o condutor do veículo que atropelou o Autor). Por outro lado, no caso em apreço, com particular relevância, há também que ponderar que que não se provou que a prova desportiva tivesse proporcionado aos seus organizadores, os responsáveis pelo pagamento da indemnização, lucro, não tendo a mesma sido organizada com finalidades lucrativas. Pondera-se, porém, que são sete, as pessoas as responsáveis pelo pagamento da indemnização. Tendo em conta o conjunto de factos assinalado, os parâmetros legais, o sentido das decisões jurisprudenciais mencionadas, tendo porém presente as especiais circunstancias do caso em apreço em que 6 dos responsáveis civis respondem não por culpa efetiva, mas presumida e ainda que não atuaram com intuitos lucrativos, apontando desta forma para um abaixamento dos valores ali fixados, entendemos dever ser a compensação pelos danos morais, por recurso á equidade, fixada em € 90 mil euros, desta forma se elevando o valor fixado na sentença.” O tribunal recorrido deu nota de duas decisões do STJ, datadas de 2018 e de 2017, que se debruçaram sobre indemnizações por danos não patrimoniais advenientes de acidentes de viação: na primeira (de 8.3.2018, proc. 3310/11.6TBALM.L1.S1, estava em causa um lesado com 37 anos de idade, que teve a sensação de morte iminente em função da queda de uma plataforma, de cerca de dez metros de altura, sofreu dores “lancinantes sofridas” foi submetido a múltiplas cirurgias e tratamentos prolongados, enfrentou um duradouro período de auto-algaliação e perda do controlo dos esfíncteres, apresentando um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 68 pontos e a perda da função sexual (impotência), tendo-lhe sido atribuída uma indemnização de € 250.000,00; na segunda, de 5.7. 2017, proc. 4861/11.0TAMTS.P1.S1 considerou-se que “Não merece reparo o valor de € 140.000,00 fixado a título de indemnização por danos não patrimoniais, ponderando os níveis de graus de dor que a demandante teve que suportar - ficar entalada entre os dois veículos enquanto a assistência não aportou - o sofrimento que teve que padecer pelas intervenções cirúrgicas a que teve de submeter - e aquelas a que terá, porventura, de se submeter -, a angústia de se ver privada de um membro inferior, o desgosto de se ver como uma pessoa fisicamente diferente dos demais e objecto de condescência, bem com outras mazelas e aleijões psíquicos (designadamente: dor fantasma ao nível do membro inferior direito; dificuldade de marcha com claudicação; dores constantes no pé esquerdo, com edema motivados pela sobrecarga do membro inferior; stress pós traumático associado a perturbação de pânico e perturbação mista de ansiedade e depressão; pensamentos suicidas; o quantum doloris fixável no grau 6/7; o dano estético fixável no grau 5/7; a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 4/7; a repercussão permanente na actividade sexual é fixável no grau 4/7; sentimento de vergonha da ofendida pelo seu corpo face às lesões sofridas que a fazem sentir-se diminuída e sem vontade de responder aos estímulos sexuais do seu companheiro com quem vive).” Um périplo pela jurisprudência mais recente deste STJ incidente sobre a atribuição de indemnização por danos não patrimoniais em casos de acidente de viação permite identificar situações em que se considerou equitativa a atribuição de uma quantia de €75.000,00, num quadro em que “(i) a autora foi submetida a várias intervenções cirúrgicas (7) e suportou prolongado internamento hospitalar (70 dias); (ii) foi muito longo (cerca de 3 anos) o período com tratamentos e deles continua a necessitar; (iii) as lesões sofridas (várias fracturas das pernas, braços e 4 costelas) e as sequelas permanentes que apresenta são graves, com os inerentes e graves reflexos físicos e psíquicos (necessidade de acompanhamento psiquiátrico) e até na sua vida sexual; (iv) essas sequelas afectam não só a sua capacidade funcional, mas, também, a sua qualidade de vida, dificultando-lhe a realização de actividades comuns da vida diária, com relevante prejuízo de afirmação pessoal; (v) viveu momentos de pânico e angústia, temendo pela vida” (acórdão de 10.9.2019 proc. 4861/11.0TAMTS.P1.S1, tendo-se julgando adequado a fixação de um quantitativo de € 80.000,00 num contexto em que “(i) durante o transporte em ambulância, que durou quatro horas, a autora sofreu dores no grau máximo de 7; (ii) foi submetida a cinco intervenções cirúrgicas, antecedidas de grande ansiedade, a última das quais causou inflamação e dor e implicou o uso de canadianas durante quatro semanas; (iii) esteve internada 33 dias, durante os quais foi sujeita a tratamentos dolorosos e pensos, tendo sido medicada o que lhe provocou náuseas, vómitos e intolerância alimentar e galactorreia, sentindo-se triste e sozinha por só ter um visita por dia sem contacto físico; (iv) o quantum doloris foi de grau 6 em 7 graus progressivos; (v) sofreu angústia e receio de não concluir o 3.º ano de medicina, desenvolvendo pânico, fobias, insónias e pesadelos; (vi) a queimadura de 3.º grau ocupou da superfície total; (vii) o constrangimento e vergonha com a exposição do seu corpo na sua intimidade sexual, devido à existência de cicatriz, sendo a repercussão permanente na actividade sexual fixada no grau 2/7” (acórdão de 19.3.2019, proc. 683/11.6TBTVR.E1.S2, este não publicado em www.dgsi.pt) Tendo em conta os parâmetros jurisprudenciais acabados de referir, cremos, assim, que o tribunal recorrido não procedeu de forma discricionária ou imponderada na operação de fixação do quantitativo da indemnização sob censura, tendo ponderado adequadamente a factualidade provada - em especial, a gravidade e extensão dos danos, o grau de culpabilidade dos lesantes e a sua situação económica - e fundado a sua decisão com base em critérios razoáveis, ajustados, sem omitir a referência ao tratamento jurisprudencial de casos similares, com vista a alcançar o desiderato de interpretação e aplicação uniformes do Direito proclamado no nº 3 do art. 8º do Código Civil. A indemnização, tendo sido calculada de acordo com os parâmetros legais vigentes, não se apartou dos critérios jurisprudenciais generalizadamente adoptados. Por fim, tal indemnização, visando compensar danos causados por lesões corporais e contendo-se dentro do limite do valor do capital mínimo do seguro obrigatório de provas desportivas, integra o âmbito material de responsabilidade subsidiária do FGA. Sumário (art. 663º, nº7 do CPC): “Em caso de falta de seguro desportivo, o Fundo de Garantia Automóvel responde pelos danos causados a um espectador por um veículo que participava num evento denominado “Perícia Automóvel”, o qual, embora não tenha sido autorizado pela entidade competente, no caso, pela Câmara Municipal ( por essa autorização não lhe ter sido solicitada), se realizou em pleno dia, foi publicitado no jornal local (com a divulgação do programa e a exibição de fotografias dos eventos ocorridos em anos anteriores) que apelou à participação em massa de populares, no qual os organizadores colocaram uma fita vermelha e branca ao longo da pista para assinalar a sua localização e evitar o atravessamento da mesma, procederam ao rebaixamento do terreno, na parte da referida pista, por onde iam circular os carros, e solicitaram, ainda, ao Comandante dos Bombeiros que realizasse uma inspecção à mesma pista e disponibilizasse veículos de prevenção para o local.” Pelo exposto, acordam os Juizes desta Secção em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido. Sem custas, por o FGA delas estar isento. * Lisboa, 28 de Fevereiro de 2023 António Magalhães (Relator) Jorge Dias Jorge Arcanjo