I - Só uma ausência absoluta de fundamentação, que não uma fundamentação escassa, deficiente ou mesmo medíocre, pode ser arvorada em causa geradora da nulidade da decisão. II - Constitui fundamento da acção de impugnação de perfilhação a falta de conformidade entre a paternidade declarada no registo e a paternidade biológica. III - A prova dessa desconformidade pode ser feita por qualquer meio, mesmo o testemunhal, sendo ainda de admitir os exames sanguíneos ou quaisquer outros meios cientificamente idóneos. IV - É apanágio exclusivo das instâncias - por traduzir mera questão de facto, a questão de saber se certa resposta se contém no âmbito de determinado quesito. V - A averiguação da filiação biológica integra também matéria de facto, como tal da exclusiva competência das instâncias. VI - O exame serológico não consubstancia "documento" dotado de força probatória plena, mas simples «meio de prova», sujeito, por isso, à livre apreciação do julgador.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. A, intentou, em 11-1-94, no Tribunal Judicial da Comarca de Espinho, acção ordinária para impugnação de perfilhação contra C e mulher D e ainda E, menor, filho da C, alegando, em resumo: - o B, e a C, contraíram casamento civil no dia 12-11-93, na Conservatória do Registo Civil de Ovar; - no dia 20-10-93, nasceu na freguesia de Esmoriz o D, que foi registado, no dia 12-11-93, como filho de C e do B; - todavia, o D é filho do autor e não do Réu B; - na verdade, a mãe do menor e o A. coabitaram, em situação análoga à dos cônjuges, desde Março de 1992 até Setembro de 1993, tendo a mãe do menor, apenas com o autor mantido relações sexuais, durante o período legal de concepção; - era do conhecimento geral, entre os amigos que privavam com a C e com o A., que o menor é filho do autor; - não é aplicável à presente situação o estabelecido no artigo 1826°, nº 1, do C. Civil (presunção de paternidade), uma vez que do que aqui se trata é de uma verdadeira perfilhação, a qual não corresponde à verdade e é, por isso, impugnável. Concluiu pedindo que, julgada procedente e provada a acção, se declarasse que o D não é filho do R. B, ordenando-se a competente rectificação do registo de nascimento do menor, nos termos do art. 1836° do C. Civil. 2. Contestaram os RR, tendo ainda deduzido pedido reconvencional, alegando, para tanto e em síntese, que: - é falso o alegado pelo autor; - a ré C foi habitar para Póvoa de Varzim e, desde Junho de 1991, passou a viver com o Réu B, em comunhão de mesa e cama, em condições análogas às dos cônjuges; - desde Julho de 1990, que a ré C não mais manteve qualquer relação sexual com o Autor A. Concluiram, a final, pela improcedência do pedido formulado pelo autor e clamando pela procedência da reconvenção, com a inerente manutenção do registo de nascimento do menor e com o consequente decretamento pelo tribunal da legítima paternidade pertencente ao ora réu B e condenando-se o A. a indemnizar os RR., por danos não patrimoniais, na quantia de valor não inferior a 1000000 escudos. 3. Replicou o A., impugnando os factos alegados pelos réus e propugnando a improcedência do pedido reconvencional. 4. Por sentença de 1-9-99, o Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia: a) - julgou a acção procedente e, em consequência declarou que o réu B não é o pai do co-réu D; b) - ordenou a rectificação do registo de nascimento em conformidade com o decidido; c) - julgou improcedente o pedido reconvencional formulado pelos réus, dele absolvendo, em consequência, o autor. 5. Inconformados com tal decisão, dela vieram os RR apelar, mas o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 21-2-00, negou provimento ao recurso. 6. De novo inconformados, desta feita com tal aresto, dele vieram os RR recorrer de revista para este Supremo Tribunal, em cuja alegação formularam as seguintes conclusões: 1ª- O tribunal " a quo " fez errada interpretação e aplicação do artº 1859º, nº 1 do Cód. Civil; 2ª- Com base exames hematológicos efectuados, o tribunal formulou toda a sua convicção, sem que recorresse, sequer, ao depoimento das testemunhas chamadas a depor; 3ª- E formulou a sua convicção, mesmo sabendo que é da mais elementar verdade científica que elementos da mesma família de grau de parentesco próximo, eventualmente irmãos, poderiam estar ligados à existência de uma relação sexual que aumenta a possibilidade de uma ou mais pessoas, dadas as suas semelhanças genéticas, serem indigitadas como progenitores; 4ª- Não é aceitável que se lance mão das conclusões periciais dos exames de sangue que, como in casu sucede, para o efeito, se integrou na matéria de facto provada, para decretar a procedência da acção, porque os exames periciais não são factos, mas meios de prova de factos; 5ª- O autor não logrou fazer a prova de que a mãe, no período da concepção, só com ele manteve relações sexuais, pelo que, por aplicação do art. 342º, nº 1 do C. Civil, a acção deve improceder; 6ª- Por outro lado, é sabido que, a tratar-se de uma acção de apreciação negativa, cabia aos RR a prova dos factos constitutivos do direito, que se arrogaram. Todavia, nesta matéria, o tribunal limitou-se, tão só, a atender aos exames periciais por entender esta prova menos falível que a prova testemunhal; 7ª- Acresce que, entendem os recorrentes, a sentença recorrida carece de absoluta falta de fundamentação, o que acarretará, necessariamente a respectiva nulidade. Violou pois a sentença recorrida o disposto nos art. 158°, 659º, 668° nº 1, al. b) e 660º, nº 3, todos do CPC; 8ª- É que, conforme se pode verificar da leitura daquela sentença, aquela não revela apenas, uma lacónica e parcimoniosa fundamentação quando diz que «... se impõe a procedência da acção nos exactos termos em que a mesma foi proposta pelo Autor». A sentença não se limitou a acolher a tese do Autor. Antes aderiu total e completamente aos fundamentos por ele invocados; 9ª- Quanto ao mais, a sentença nada diz, carecendo, pois, de absoluta falta de fundamentação, não justificando os fundamentos de facto e de direito que sustentam a decisão. 10ª- Tanto mais que a justificação da questão de direito por simples adesão aos fundamentos jurídicos alegados pelas partes traduz violação do art. 168, nº 2 do CPC, e acarreta o regime da nulidade prevista na alínea b) do art. 668, n. 1 do CPC. 7. Contra-alegou o A. sustentando a correcção do julgado E isto porque o erro na apreciação das provas e da fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso para este tribunal - artigo 722, n. 2 do CPC. O Tribunal da Relação do Porto fixou definitivamente a matéria de facto que interessa à solução da causa. Daí que as conclusões da aliás douta alegação dos recorrentes estejam prejudicadas. 8. Colhidos os vistos legais, e nada obstando, cumpre apreciar e decidir. 9. Em matéria de facto relevante, deu a Relação como assentes os seguintes pontos: A)- O réu B e a ré C, contraíram casamento civil no dia 12 de Novembro de 1993, na Conservatória do Registo Civil de Ovar; B)- No dia 20 de Outubro de 1993, nasceu na freguesia de Esmoriz, concelho de Ovar o réu D; C)- Que foi registado, no dia 12 de Novembro de 1993, como filho da ré C, o que é verdadeiro, e do réu B; D)- A ré C, em 1986, conheceu o A. em Braga, quando ela se encontrava ao serviço de uma empresa de Aveiro, promovendo artigos num supermercado daquela cidade; E)- Desse conhecimento resultou um namoro prolongado; F)- A ré empregou-se no escritório do advogado, Sr. Dr....., em Braga; G)- Desde meados de 1989, até ao mês de Julho de 1990, a ré C e o autor mantiveram uma relação de coabitação, num apartamento onde o autor presentemente reside naquela cidade; H)- A ré viajou para a Alemanha, munindo-se, para tanto, do necessário passaporte e do bilhete de identidade de transporte aéreo, mantendo-se nesse país de Setembro de 1990 até Fevereiro de 1991; I)- A ré, em 18 de Fevereiro de 1992, foi admitida como funcionária na Clipóvoa - Clínica Médica da Póvoa do Varzim; J)- Em Março de 1992 o autor soube onde a ré trabalhava e onde vivia; L)- O medicamento a que alude o artigo 19° da p.i. foi adquirido pela ré, tendo-lhe o autor furtado a receita que teria sido prescrita àquela por um médico ortopedista da Clipóvoa; M)- Contra o autor foi deduzida uma denúncia crime por furto. Passemos agora ao direito aplicável. 10. Âmbito da revista: As questões objecto da presente revista - delimitadas pelo teor das conclusões dos recorrentes, que, em princípio, lhes balizam o âmbito - são essencialmente as mesmas já suscitadas perante a Relação em sede de apelação, as saber: 1ª- Se a sentença é nula por falta de fundamentação, revelando apenas adesão aos fundamentos invocados pelo Autor; 2ª- Se a prova da paternidade podia ter sido feita, exclusivamente, com base nos exames sanguíneos que constam dos autos. 11. Alegada nulidade da sentença de 1ª instância por falta de fundamentação, não coonestada pelo Tribunal da Relação. Nos termos do art. 668º, nº 1, al. b) do CPC a sentença é nula "quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão ". São a doutrina e a jurisprudência concordantes no sentido de que só uma ausência absoluta de fundamentação, que não uma fundamentação escassa, deficiente, ou mesmo medíocre, pode ser geradora da nulidade das decisões judiciais - conf., por todos o Prof. Alberto dos Reis, in " Código de Processo Civil Anotado, vol. V, págs 139-140, o Consº Jacinto R. Bastos, in " Notas ao Código de Processo Civil ", vol. III, 1972, pág 246 e o Ac do STJ de 20-6-00, in " Sumários ", nº 42º, pág 21. Conf. ainda, v.g o Ac deste Supremo Tribunal de 7-2-02, in Proc 634/01 - 2ª Sec. A deficiente fundamentação ou motivação pode afectar o valor doutrinal intrínseco da sentença ou acórdão, mas não pode nem deve ser arvorada em causa de nulidade dos mesmos. Ora, concorde-se ou não com os juízos de valor legais e jurídicos nela expendidos, a fundamentação factual e jurídica acolhidas na decisão em apreço - o que relevará apenas em sede de sindicância de eventuais erros de julgamento - o certo é que a mesma contém em si densidade fundamentadora bastante, em ordem a habilitar convenientemente os respectivos destinatários a contra ela reagirem pelos meios legais ao seu dispor. E não se limitou adoptar uma mera fundamentação «per relationem» contra o que pretendem os recorrentes, ainda que a terminologia adoptada tal possa sugerir. Isto para além de assegurar, de modo patente e clarividente, a transparência e a reflexão decisórias que constituem um dos primordiais desideratos do dever constitucional e legal de fundamentação das decisões judiciais - conf. artºs 205º da Const. 97 e 158º do CPC. Bem andou pois a Relação, ao não acolher a arguição da dita causa de invalidade da sentença. 12. Matéria de facto. Prova da paternidade. Exames hematológicos. Ónus da alegação e da prova. Poderes de cognição. Depara-se-nos uma típica acção de impugnação de perfilhação contemplada no artº 1859º nº 1 do C. Civil. Trata-se de uma acção de impugnação directa da perfilhação, cuja procedência depende apenas da prova de a declaração feita pelo perfilhante não corresponder à verdade, ou seja da falta de conformidade entre a paternidade declarada e a paternidade biológica. Não de estabelecer positivamente e «erga omnes» a filiação, ou seja a paternidade ou a maternidade de alguém como vindicante da mesma, nem de impugnar uma paternidade presuntiva, para as quais a lei estabelece meios processuais próprios ( artºs 1814º, 1838º e 1869º do C. Civil ). Constitui pois fundamento desta acção a falta de conformidade entre a paternidade declarada ( no registo) e a paternidade biológica. Prova que poderá ser feita por qualquer meio, designadamente por testemunhas ( artº 3º nº 1 do CRC ), sendo por isso irrelevante, em tal acção, o facto respeitante às relações pessoais entre o perfilhante e o autor e os familiares deste - conf. Ac do STJ de 12-5-98, in CJSTJ, ano VI, 1998, Tomo II, pág 85. Ora, há que recordar que o STJ, como tribunal de revista que é, só conhece, em princípio, de matéria de direito, limitando-se a aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido - art.ºs 26º da LOFTJ 99 aprovada pela L 3/99 de 13/1 e 729º nº 1 do CPC; daí que o eventual erro na apreciação das provas e na fixação da matéria de facto pelo tribunal recorrido só poderá ser objecto do recurso de revista quando haja ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (art.ºs 729, n.º 2 e 722º, n.º 2 do CPC) - violação das regras de direito probatório material. Também não é o caso de ordenar a ampliação da matéria de facto, pois que a recolhida e produzida nos autos é suficiente para viabilizar e respaldar a solução jurídica do litígio ( artº 729º nº 3 do CPC ). O que o Supremo poderia sindicar, isso sim, era o bom ou mau uso dos poderes de alteração/modificação da decisão de facto que à Relação são conferidos nas restritas hipóteses contempladas nas três alíneas do nº 1 do artº 712º do CPC; como a Relação não exercitou tal faculdade, a factualidade dada por si como assente - assim confirmando a já elencada como provada pelo tribunal de 1ª instância - terá de permanecer agora como incontroversa - conf., neste sentido, v.g., o Acs desta Secção de 23-10-01, in Proc 3223/01 e de 24-1-02 in Proc 3954/01. No fundo, o que os recorrentes pretendem é imputar ao acórdão a comissão de erro de julgamento na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, o que claramente exorbita do acervo de poderes do Supremo, como já deixámos dito. O que nos leva a indagar se poderia ou não o tribunal dar como provado o que consta da resposta ao quesito 6°, - o único dos 47 quesitos (elaborados por remissão para os articulados) - que mereceu resposta positiva, ainda que restringindo o seu âmbito. Tal quesito - conf. fls 67 - foi assim formulado. "Aliás, era do conhecimento geral entre os amigos e a família quer do Autor quer da ré que o pai da criança que a C esperava era do Autor "? Resposta: - "Provado, apenas, que o pai do Réu D não é B". Tornava-se evidente que, para além de a resposta se não confinar no âmbito do respectivo quesito, que indagava, afinal, " se a generalidade das pessoas e a família da ré e do Autor, consideravam este o pai do menor ", o certo é que responder-se, através de um dado quesito, que o R. não era o pai do menor, importava a extracção de uma conclusão em si mesma continente da própria decisão do pleito !... e cujas formulação e extracção enfermavam, por isso, da mais completa heterodoxia. E contendo, intrinsecamente, a solução da questão fundamental de direito controvertida, bem foi, pois, tal resposta dada como não escrita pela Relação - conf. artº 646º nº 4 do CPC. Diga-se, entretanto, em abono da verdade, que este Supremo Tribunal vem entendendo que é apanágio exclusivo das instâncias - por integrar mera questão de facto - a questão de saber se certa resposta se contém no âmbito de determinado quesito - conf., v.g, o Ac de 15-10-98, in Proc 728/96 - 2ª Sec. Sucede, porém, que a Relação acabou, no seu excurso fundamentador, por considerar provado que: 1º - O Instituto de Medicina Legal do Porto, com base em amostras de sangue colhidas a C, seu filho D, e ao pretenso pai B, em 4-1-96, concluiu, em relatório de 4-7-96, que B "é excluído da paternidade de D, filho de C" - cfr. fls. 112 a 115. 2º- O Instituto de Medicina Legal do Porto, com base em amostras de sangue colhidas a C, seu filho D, e ao pretenso pai A, em 24-7-97, em relatório de 6-10-97, concluiu: " Pelo estudo destes sistemas conclui-se que A, não pode ser excluído da paternidade que lhe é atribuída. Quando comparado com um indivíduo ao acaso da mesma população, apreseta uma probabilidade de paternidade de 99,99%". Esta interpretação verbal (ver tabela anexa), esta percentagem equivale a paternidade praticamente provada" (sic). Socorreu-se pois a Relação desses elementos documentais processualmente adquiridos. Contudo, no que se refere à matéria «sub-judice», não se curava propriamente de saber - nem era isso que se encontrava em causa - se foi ou não devida e definitivamente feita a prova positiva da paternidade com base unicamente nos exames sanguíneos que constavam dos autos, que não também com recurso à prova testemunhal. O tribunal sempre seria livre de seleccionar os seus elementos decisivos de convicção. E, de resto, a averiguação da filiação biológica constitui também matéria de facto da exclusiva competência das instâncias - conf., v.g, o Ac do STJ de 26-6-91, in BMJ nº 408º, pág 581. O autor não veio pedir ao tribunal - insiste-se - que declarasse que o menor D, nascido em 20-10-93, era seu filho. O que veio foi solicitar se declarasse que esse menor não era filho do Réu, apesar de o mesmo menor haver sido registado em 12-11-93, como filho dos RR. B e mulher C - que contraíram casamento civil naquele mesmo dia !... É certo que o Autor alegou, como facto constitutivo do seu direito (a pedir o cancelamento do acto registral do reconhecimento da filiação) que o nascimento do menor era fruto das relações sexuais que, alegadamente, e de modo exclusivo, teria mantido com a respectiva progenitora ou mãe biológica durante o período legal da concepção. Mas tal alegação não passava - na realidade - de um facto potencialmente excludente - embora quiçá decisivo - da paternidade «registral» do Réu, o qual pretendia fazer desaparecer da ordem jurídica. O que nos levaria a que - na apreciação do mérito do pedido - se não perdesse de vista que se perfilhava uma acção de declaração negativa, como tal impendendo sobre os RR registrantes / perfilhantes o ónus da prova dos factos constitutivos do direito (filiação / paternidade ) registado que se arrogaram - conf. artº s 343º nº 1 e 1853º, al. a) do C. Civil. As acções declarativas de simples apreciação - art. 4° nº 2 al a) do CPC - visam precisamente declarar a existência ou inexistência de um direito ou de facto, pondo assim termo a um estado de incerteza. E não existia, no caso vertente, uma qualquer presunção legal de paternidade do marido da progenitora, nos termos e para os efeitos dos arts. 1796 n. 2 e 1826 n. 1 n. 1, do Código Civil - filho nascido ou concebido na constância do matrimónio. Pois bem. Segundo as regras de repartição do ónus da prova, os RR. C e B, propuseram-se, - para contrariar o pedido negativo do autor - provar que este R. era o pai biológico do menor. Que prova poderia e deveria ser atendida? Já vimos que o tribunal colectivo deu como provado apenas um dos quesitos formulados - o 6°; resposta que veio a ser considerada como não escrita. Aquela resposta, como se pode extrair da fundamentação das respostas aos quesitos, baseou-se no relatório do exame junto a fls 111 e segs. Por seu turno, da acta da audiência de discussão e julgamento - fls. 162- resulta que não foi produzida qualquer prova testemunhal. O certo é, porém, que «nas acções relativas à filiação» são admitidas como meios de prova os exames de sangue e quaisquer outros métodos cientificamente comprovados " - art. 1801° do Código Civil - preceito este que não pode assim deixar de ser também aplicável à acção de impugnação de perfilhação. Ora, concluiu a Relação em sede factual que os exames hematológicos que foram realizados, sem qualquer contestação aduzida pelas partes, revelaram: - um deles, que o R. B, está excluído da paternidade do menor; - outro, que o Autor é, com a probabilidade de 99,99/%, o pai do menor o que equivale a « paternidade quase provada». E isto não por ser «insindicável o resultado do 1° exame que, sem margem para dúvidas, «cientificamente», excluiu a sua paternidade» (sic) - como erradamente obtemperou a Relação - baseando-se para tanto - e nesta sede com manifesta propriedade - na maior fidedignidade e genuinidade da prova da paternidade biológica feita por meios científicos relativamente à sempre falível prova testemunhal. O que poderia ser potencialmente subversor do «sistema» dos meios legais de prova, ou seja das regras de direito probatório material. Com efeito, e tal como vem entendendo este Supremo Tribunal - conf. v.g o acórdão de 13-12-00, in Proc 2610/00-6ª Sec - o exame sorológico não é um documento com força probatória plena a ter em conta na sentença, mas antes um mero «meio de prova» - como claramente postula o artº 1801º do C. Civil - estabelecendo o grau de probabilidade da paternidade do pretenso pai, sujeito, como tal, à livre apreciação do julgador da matéria de facto (conf. artº 655º nº 1 do CPC ). Não tinha o autor aqui obrigatoria e necessariamente que fazer a prova da exclusividade das relações sexuais entre si e a mãe do menor supostamente mantidas no período legal da concepção (ou seja nos primeiros 120 dos 300 dias que precederam o nascimento do pretenso menor) - como seria o caso se se tratasse, por ex., de uma acção de investigação de paternidade. O que o autor adregava obter era pôr em crise a verosimilhança da «perfilhação» voluntária feita directamente pelos RR declarantes junto dos competentes serviços registrais. Tornava-se pois lícito - e como tal inteiramente aceitável - que as instâncias lançassem mão, como poderosos meios instrumentais de prova de factos - na circunstância da procriação ou da geração -, das conclusões periciais dos aludidos exames hematológicos, levadas como tais ao elenco da matéria de facto provada, para respaldo da procedência da acção. Não como documentos dotados de força probatória plena ou como factos plenamente provados, mas como conclusões periciais dos mesmos constantes, a serem valorados segundo o livre alvedrio do tribunal. Tudo sem perder de vista que o objectivo final da lide era a «turbação» da consistência do facto jurídico «perfilhação» levada ao registo, mediante o «ataque» à subjacente «paternidade» biológica. À míngua da prova da exclusividade das relações sexuais, da banda do autor ou do réu marido no período legal da concepção do menor - e atenta a inconcludência das respostas aos quesitos quanto à paternidade biológica - os meios laboratoriais de prova - adrede invocados - surgem como meios ou elementos coadjuvantes da detecção da falta de cumprimento das regras de repartição do ónus probatório e das respectivas consequências jurídico-substantivas e processuais. Isto em obediência ao princípio da aquisição processual e da atendibilidade de todas as provas produzidas contemplado no artº 515º do CPC, sendo que, nos termos do artº 516º do mesmo diploma, «a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita». 13. E daí que seja de acolher o pendor decisório adoptado pela Relação, pese embora e parcialmente com base em diferente fundamentação. 14. Decisão Em face do exposto, decidem: - negar a revista; - confirmar, em consequência, o acórdão recorrido. Custas pelos RR recorrentes no Supremo e nas instâncias. Lisboa, 18 de Abril de 2002 Ferreira de Almeida, Vasconcelos Carvalho, Duarte Soares.