–Se o juiz de julgamento, no despacho a que se refere o artigo 311.º do C.P.P., entende que os factos constantes da acusação particular só integram a prática de dois crimes de injúria e não, em concurso efectivo com aqueles, de dois crimes de difamação, entendimento este também seguido pelo Ministério Público e que tem apoio jurisprudencial, não se pode dizer que tal entendimento seja inequívoco e incontroverso, razão por que, a nosso ver, o tribunal a quo não deveria ter rejeitado parcialmente a acusação particular, com base numa divergência de interpretação dos tipos legais e de qualificação jurídica dos factos, antes devendo remeter para a decisão final a tomada de posição a esse respeito. –Sendo certo que o artigo 285.º, n.º1, do C.P.P., ao determinar que, quando o procedimento depender de acusação particular, o Ministério Público notifica o assistente para que este deduza em 10 dias, querendo, acusação particular, não pode abstrair das notificações concretamente efectuadas nos autos, sendo certo que, nos termos legais, as notificações respeitantes à acusação devem ser notificadas não só ao arguido e assistente, mas também aos respectivos advogado ou defensor nomeado, caso em que o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar, conforme artigo 113.º, n.º10, do C.P.P.
Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I–Relatório 1.–No processo n.º 5769/20.3T9CSC, a assistente CA, mais completamente identificada nos autos, deduziu acusação particular contra NM, imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de injúrias agravadas, p. e p. pelo artigo 181.º, com a agravação prevista no artigo 183.º, e de dois crimes de difamação p. e p. pelo artigo 180.º, com a agravação do artigo 183.º, todos do Código Penal. Mais deduziu pedido de indemnização civil pelos factos dessa acusação, peticionando a condenação do arguido/demandado no pagamento da quantia de 4.000,00€, apresentando no mesmo dia (com alguns minutos de diferença) outro requerimento (fls. 147) em que peticiona a condenação do arguido/demandado no pagamento da quantia de 56.000,00€, tendo em vista os factos da acusação pública deduzida pelo Ministério Público. Em 15 de Março de 2022, a Mm.ª Juíza decidiu: - ao abrigo do disposto no artigo 311.º, n.º, 2 al. a) e 3 al. d), do C.P.P., rejeitar a acusação particular deduzida a fls. 144/145, na parte em que imputa ao arguido a prática de dois crimes de difamação; - face à rejeição parcial da acusação particular, rejeitar também liminarmente o pedido de indemnização civil deduzido pela assistente na parte referente aos imputados crimes de difamação (fls. 144 verso e 145); - não admitir, por manifesta extemporaneidade, o pedido de indemnização civil formulado pela assistente a fls. 147 (o relativo ao pedido de condenação no pagamento da quantia de 56.000,00€). 2.–A assistente recorreu desse despacho, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): 1.–CA deduziu acusação particular contra o arguido NM, imputando-lhe a prática de dois crimes de injúria agravados, p. e p. pelos arts. 181.º e 183.º, ambos do Cód. Penal e dois crimes de difamação agravada, p. e p. pelos arts. 180.º e183.º, ambos do Cód. Penal (fls. 144/145). 2.–Alegou que o arguido, dirigindo-se a ela própria, lhe disse: "És uma vaca, uma puta, és uma triste desaparece daqui ... ", e que ao proferir tais expressões, quis ofendê-la na sua honra, consideração, reputação e bom nome, assim como, pretendeu abalar sua a credibilidade. Mais referiu que tais expressões foram proferidas na presença dos seus dois filhos e namorado. 3.–Ao ter dirigido tais expressões à Assistente, quando bem sabia ou não poderia ignorar que estavam outras pessoas presentes, o arguido praticou, dois crimes de injúrias, dolo directo (na parte em que imputou factos, directamente à vítima e dois crimes de difamação com dolo indirecto ou dolo eventual. 4.–Ao ter rejeitado a acusação particular da Assistente, nas condições em que o fez, o Despacho recorrido violou o disposto nos artigos 14, 180, 181, 183 e 183, todos do código penal, preceitos que foram interpretados em violação do disposto nos artigos 1°, 2°, 13°, 20° e 32° da Constituição da República Portuguesa. 5.–O Tribunal recorrido deveria ter interpretado o disposto nos artigos 14, 180, 181, 183 e 183, todos do código penal, em conformidade com o disposto nos artigos 1°, 2°, 13°, 20° e 32° da Constituição da República Portuguesa, admitindo que, as expressões "És uma vaca, uma puta, és uma triste desaparece daqui … ", proferidas na presença de terceiros, consubstanciam também, para além da prática de crime de injúrias (com dolo directo), crime de difamação (com dolo eventual) 6.–Admitindo-se a acusação particular, não poderá ser rejeitado o pedido de indemnização civil tempestivamente deduzido. 7.–A Assistente foi notificada do teor da Acusação Pública (não em 24 mas) em 25.06.2021 (cfr. PD junto aos autos a fls. a que corresponde o registo postal dos CTT com o número: RE331201235PT). 8.–Do ofício que lhe foi expedido pelo Tribunal (com a referência 131535250), consta, além do mais, o seguinte: 9.–De que foi deduzido despacho de ARQUIVAMENTO E ACUSAÇÃO (...) de que dispõe do prazo de VINTE DIAS, para requerer, caso queira, a abertura da INSTRUÇÃO, nos termos do disposto no art. 287.º, n.º 1, al. b) do mesmo diploma, tendo para o efeito de se constituir assistente. Pode ainda no mesmo prazo, deduzir, querendo, o pedido de indemnização civil em requerimento articulado (...) Dispõe também do prazo de DEZ DIAS, a contar da presente notificação, para deduzir. querendo, acusação particular - art. 284.º, n.º 1 do referido diploma legal. 10.–Ora, se o MP concedeu à Assistente, ora requerente os prazos de 20 dias, para requerer a abertura da instrução e deduzir pedido cível e de 10 dias para deduzir acusação particular, nunca poderia o Tribunal coarctar, como coartou, o direito fundamental constitucionalmente previsto de formular uma pretensão indemnizatória. 11.–O pedido de indemnização civil deduzido pela Assistente a fls. 147 e 148, foi, pois, formulado tempestivamente, devendo, em consequência, determinar-se a revogação do despacho que não o admitiu, por alegada extemporaneidade. 12.–Mesmo que assim se não entendesse, sempre se dirá que, o Tribunal deveria ter notificado a Assistente para a proceder ao pagamento da taxa de justiça acrescida das multas a que alude o artigo 570.º, n.ºs 3 e 5 do Código de Processo Civil. 13.–Ao não ter admitido o pedido cível, por alegada extemporaneidade, o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 483 do Código Civil, 570 n.ºs 3 e 5 do CPC, 77 do CPP, preceitos que foram interpretados em violação do disposto nos artigos 1°, 2°, 13°, 20° e 32° da Constituição da República Portuguesa. 14.–O Tribunal recorrido deveria ter interpretado o disposto nos artigos 483 do Código Civil, 570 n.ºs 3 e 5 do CPC, 77 do CPP, em conformidade com o disposto nos artigos 1°,2°, 13°, 20° e 32° da Constituição da República Portuguesa, julgando o pedido cível tempestivamente formulado, admitindo-o liminarmente. TERMOS EM QUE, FAZENDO-SE A CORRECTA INTERPRETAÇAO DOS ELEMENTOS DOS AUTOS E A MELHOR APLICAÇÃO DAS NORMAS LEGAIS INVOCADAS, DEVE DETERMINAR-SE A REVOGAÇÃO DO DESPACHO RECORRIDO E A SUA SUBSTITUIÇÃO POR OUTRO QUE: ADMITA a acusação particular deduzida a fls. 144/145, na parte em que imputa ao arguido a prática de dois crimes de difamação. ADMITA liminarmente o pedido de indemnização civil deduzido pela assistente na parte referente aos imputados crimes de difamação (fls. 144 verso e 145). ADMITA, o pedido de indemnização civil formulado pela assistente a fls. 147/148. 3.–O Ministério Público junto da 1.ª instância apresentou resposta em que sustenta que o recurso não merece provimento. 4.–Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), acompanhou a posição do Ministério Público junto da 1.ª instância, pronunciando-se no sentido do não provimento do recurso. 5.–Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do C.P.P., procedeu-se a exame preliminar. Foram colhidos os vistos, após o que os autos foram à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma. II–Fundamentação 1.–Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do C.P.P., que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência da recorrente com a decisão impugnada, as questões a apreciar e decidir são: - da existência de fundamento legal para a rejeição parcial da acusação particular e, em consequência, do pedido de indemnização civil na parte correspondente; - saber se o pedido de indemnização civil formulado pela assistente a fls. 147 foi atempadamente apresentado, atento o prazo constante da notificação que lhe foi efectuada. 2.–Da decisão recorrida Diz-se no despacho recorrido: O Tribunal é o competente. A assistente CA veio deduzir acusação particular contra o arguido NM , imputando-lhe a prática de dois crimes de injúria agravados, p. e p. pelos arts. 181° e 183°, ambos do Cód. Penal e dois crimes de difamação agravada, p. e p. pelos arts. 180° e183°, ambos do Cód. Penal (fls. 144/145). O Ministério Público não acompanhou a acusação particular, no que à imputação dos crimes de difamação diz respeito (cfr. fls. 152). Cumpre apreciar e decidir: Dispõe o art. 180°, n° 1, do Cód. Penal: “Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até240 dias.” Por sua vez, o art. 183°, sob a epígrafe “Publicidade e calúnia” estatui que: “ 1 - Se no caso dos crimes previstos nos artigos 180. ° 181.° e 182. °: a)-A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação; ou, b)-Tratando-se da imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação; as penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo. O bem jurídico protegido pelo crime da difamação é a honra, bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior - cfr. José Faria Costa in Comentário Conimbricense do Código Penal, T. I, Coimbra Editora, 1999, pp. 607 e 629). Este tipo legal protege, assim, não só aquilo que na personalidade humana é essencial no que diz respeito a princípios e valores éticos, mas também à estima de que o lesado é objecto por parte de outros membros da comunidade onde vive e a reputação que o mesmo desfruta no seio da mesma. A honra funde-se com a própria dignidade humana. Trata-se do reflexo dessa dignidade, a sua face visível e decompõe-se numa vertente apenas intrinsecamente pressentida (onde ganha relevo o juízo valorativo que cada pessoa faz de si) e pode ser apreendida por uma perspectiva extrínseca (enquanto representação que os outros têm sobre o valor de uma pessoa, o seu bom-nome, consideração, reputação que uma pessoa goza no contexto social envolvente). Segundo afirma Faria e Costa, in ob. Cit., p. 630, o carácter ofensivo de certas palavras tem de ser visto num “contexto situacional” e se o significante das palavras permanece intocado, o seu significado varia consoante os contextos. O tipo objectivo preenche-se quando: (i)-A imputação ou reprodução de facto (visto como dado real da experiência) ou juízo (percebido como a valoração de um dado ou ideia); (ii)-Sejam ofensivos da honra ou consideração de outrem; (iii)-Por intermédio de escritos, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão; (iv)-Que a imputação ou reprodução seja efectuada perante terceiros. Ora é no último ponto que este tipo de ilícito se distingue do crime de injúria - art. 181° do Cód. Penal - no qual, o agente, ao imputar o facto ou a proferir as palavras ofensivas, dirige-se directamente à pessoa visada, estando esta presente no momento em que o agente actua, por forma a tomar, de imediato, conhecimento de que foi objecto da imputação de um facto ou da formulação de um juízo de valor; Ao nível do dolo, o crime de difamação exige o dolo, em qualquer das suas variantes ou modalidades, como resulta também dos arts. 13° e 14° do mesmo Código, sendo necessário que o agente aja consciente de que a sua conduta é adequada a ofender a honra e consideração de alguém, sem necessidade de qualquer dolo específico (animus injuriandi), conforme ensinam Figueiredo Dias in ob. Cit., p. 133 e Faria Costa, in Obra citada, p. 612. No presente caso, a assistente refere que o arguido, dirigindo-se a ela própria, lhe disse: “És uma vaca, uma puta, és uma triste desaparece daqui.., e que ao proferir tais expressões, quis ofendê-la na sua honra, consideração, reputação e bom nome, assim como, pretendeu abalar sua a credibilidade. Mais refere que tais expressões foram proferidas na presença dos seus dois filhos e namorado. Ora, salvo melhor opinião, o arguido, ao imputar, alegadamente, os factos ou a proferir as aludidas palavras ofensivas, dirigiu-se directamente à assistente, ainda que na presença de outras pessoas, circunstancialismo este que em nada altera a qualificação jurídica que integra o crime de difamação, no âmbito do qual são imputados factos ou juízos de valor a uma determinada pessoa (que não se encontra presente) perante terceiros, razão pela qual, é do entendimento deste Tribunal que os factos imputados ao arguido configuram apenas a prática de dois crimes de injúria, inexistindo qualquer factualidade na acusação particular que configure dois crimes de difamação. Nos termos do art. 311°, n° 2, al. a), do Cód. de Processo Penal, se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o Tribunal pode rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada. A acusação considera-se manifestamente infundada, se os factos não constituírem crime - art. 311°, n° 3, al. d), do Cód. de Processo Penal. Face ao exposto, nos termos do art. 311°, n°, 2 al. a) e 3 al. d), do Cód. de Processo Penal, rejeito a acusação particular deduzida a fls. 144/145, na parte em que imputa ao arguido a prática de dois crimes de difamação. Notifique. Custas pela assistente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC’s. (…) Recebo a Acusação Pública deduzida pelo(a) Digno(a) Magistrado(a) do Ministério Público (fls. 125/132), contra o(a) arguido(a) NM , pelos factos e disposições legais aí descritos, que dou por integralmente reproduzidos e para os quais expressamente remeto - art. 313°, n.° 1, al. a), do Cód. de Processo Penal. *** Recebo a Acusação Particular de fls. 144/145, (tão só na parte em que é imputada a prática de dois crimes de injúria) acompanhada pelo Ministério Público, deduzida contra o arguido NM, pelos factos e disposições legais aí descritos, que dou por integralmente reproduzidos e para os quais expressamente remeto - art. 313°, n.° 1, alínea a), do Cód. de Processo Penal. *** Face à rejeição parcial da acusação particular, conforme supra referido e atento o princípio da adesão - art. 71° do Cód. de Processo Penal - rejeita-se liminarmente o pedido de indemnização civil deduzido pela assistente na parte referente aos imputados crimes de difamação (fls. 144 verso e 145). Notifique. *** Por tempestivo e formulado por quem tem legitimidade, admito o pedido de indemnização civil apresentado pela assistente a fls. 144 verso e 145 (mas tão só na parte que diz respeito aos dois crimes de injúria e apenas quanto aos alegados danos não patrimoniais - €2.000,00 - coincidentes com a factualidade que integra os mencionados crimes), bem como admito o rol de testemunhas - arts. 74°, 75°, 76°, 77° e 79°, do Cód. de Processo Penal. Notifique. *** Não se admite, por manifesta extemporaneidade, o pedido de indemnização civil formulado pela assistente a fls. 147/148, porquanto não foi dado cumprimento ao disposto no art. 139°, n.° 5, al. b) do Cód. de processo Civil, acrescida da penalização da multa prevista no n.° 6 do mesmo preceito legal (cfr. despacho de 15.12.2021). Notifique. (…) *** 3.–Apreciando 3.1.–De harmonia com o disposto no artigo 311.º, n.º2, do C.P.P., se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido: «a)-De rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada; b)-De não aceitar a acusação do assistente ou do Ministério Público na parte em que ela representa uma alteração substancial dos factos, nos termos do n.º1 do artigo 284.º e do n.º4 do artigo 285.º, respectivamente.» O n.º3 do mesmo artigo estabelece que a acusação considera-se manifestamente infundada: a)-Quando não contenha a identificação do arguido; b)-Quando não contenha a narração dos factos; c)-Se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam; ou d)-Se os factos não constituírem crime. A ora recorrente deduziu acusação particular contra o arguido, imputando-lhe factos que enquadrou na prática, em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, com a agravação prevista no artigo 183.º, e de dois crimes de difamação p. e p. pelo artigo 180.º, com a agravação do artigo 183.º, todos do Código Penal. O Ministério Público acompanhou a acusação particular, mas configurando os factos que na mesma se contêm como constituindo dois crimes de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º do Código Penal. O despacho recorrido rejeitou a acusação particular deduzida a fls. 144/145, na parte em que imputa ao arguido a prática de dois crimes de difamação, considerando ser, nessa parte, manifestamente infundada. No entendimento do tribunal a quo, os factos descritos na acusação particular apenas integram a prática de dois crimes de injúria, pelo que a razão da rejeição parcial deve-se ao diferente enquadramento jurídico dos factos efectuado pelo tribunal relativamente ao indicado pela assistente na acusação. Trata-se, por conseguinte, de rejeição que tem por base uma alteração da qualificação jurídica dos factos da acusação deduzida pela assistente. Tem sido discutido na jurisprudência se o juiz, no momento dos artigos 311.º a 313.º do C.P.P., pode alterar a qualificação jurídica dos factos constantes da acusação. Do mesmo modo, discute-se se uma diferente subsunção jurídico-penal dos factos da acusação pode fundamentar a rejeição desta como manifestamente infundada, mediante a alegação de que os factos não constituem crime. Há quem defenda, em nome do princípio do acusatório, que o juiz de julgamento, ao dar cumprimento ao disposto no artigo 311.º, do CPP, não pode alterar a qualificação jurídica dos factos, invocando-se, em sustento dessa posição, os fundamentos constantes do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 11/2013 (entre outros, o acórdão da Relação de Évora, de 30-06-2015, processo 1/12.6GCEVR-B.E1, disponível em www.dgsi.pt, como outros que sejam citados sem outra indicação). Numa posição mais mitigada, há quem sustente que o juiz de julgamento, no momento a que se refere o artigo 311.º do C.P.P., está relativamenteimpossibilitado de alterar a qualificação jurídica desses mesmos factos, não o devendo fazer quando dessa alteração (da qualificação jurídica) não decorra, imediata e claramente, uma consequência que se repercuta, também imediata e claramente, no desenrolar do próprio processo. Diz-se no acórdão da Relação de Évora, de 15-10-2013, processo 321/12.0TDEVR.E1, relativamente à rejeição como manifestamente infundada de uma acusação tendo por base a subsunção jurídica que o tribunal faz dos factos dela constantes: «A estrutura acusatória do processo impede que o julgador se confunda com o acusador. O que, ainda dentro da interpretação do acórdão de fixação de jurisprudência a que fizemos referência (restritiva dos poderes do juiz, sobre a acusação, antes do julgamento), mas também ainda ao encontro da visão desenvolvida no voto de vencido na parte que releva aqui, será “manifestamente infundada” apenas a acusação cujos factos narrados não constituam claramente crime. Dito de outro modo, a alínea d), do n.º 3 do art. 311.º do Código de Processo Penal não visa dar guarida a um exercício dos poderes do juiz que colida com o acusatório. O tribunal é sempre livre de aplicar o direito (princípio da livre aplicação do direito), mas não pode antecipar a decisão da causa para o momento do recebimento da acusação, devendo apenas rejeitá-la quando esta for manifestamente infundada, ou seja, quando não constitua manifestamente crime.» Neste sentido, o acórdão desta Relação de Lisboa, 21-10-2020, processo 713/18.06SLSB.L1-3, onde podemos ler: «Como consequência do princípio do acusatório, ao proferir o despacho a que alude o art. 311°, n° 2 CPP, o tribunal só pode rejeitar a acusação por manifestamente infundada, por os factos não constituírem crime conforme, nº3, al.d, do citado art.311º CPP, que foi o fundamento invocado no despacho judicial recorrido para rejeitar a acusação, quando a factualidade em causa não consagra de forma inequívoca qualquer conduta tipificadora de um crime, juízo que tem de assentar numa constatação objectivamente inequívoca e incontroversa da inexistência de factos que sustentam a imputação efectuada. Não é, assim, admissível a rejeição da acusação, por manifestamente infundada, por designadamente, os factos constantes da acusação não constituírem crime, com base em uma interpretação divergente dos factos constantes da acusação pelo juiz, sob pena de violação do princípio acusatório. Conforme tem sido jurisprudência uniforme dos nossos tribunais superiores «A acusação só deve ser considerada manifestamente infundada, e consequentemente rejeitada, com base na predita al. d), quando for notório, quando resultar evidente, que os factos nela descritos, mesmo que porventura viessem a ser provados, não constituem crime (vale por dizer: que não preenchem qualquer tipo legal de crime). Já se vê, assim, que tal não pode ser o caso em que o juiz, no despacho de saneamento, fazendo um juízo sobre a relevância criminal desses factos, escorado em determinado entendimento doutrinal ou jurisprudencial, opta por uma solução jurídica, quando, na situação concreta, outra, ou outras, seriam possíveis. Procuremos transmitir a mesma ideia numa simples frase: a previsão da al. d) do n.°3 do art.º 311.° não pode valer para os casos em que só o entendimento doutrinal ou jurisprudencial adoptado, quando outro diverso se poderia colocar, sustentou a não qualificação dos factos como penalmente relevantes» cf Ac. R.L. de 2/12/2009, proc. 734/07.in www.dgsi.pt.» No caso em apreço, o juiz de julgamento, no despacho a que se refere o artigo 311.º do C.P.P., entendeu que os factos constantes da acusação particular só integram a prática de dois crimes de injúria e não, em concurso efectivo com aqueles, de dois crimes de difamação. Trata-se de um entendimento também seguido pelo Ministério Público e que tem apoio jurisprudencial, como se alcança, por exemplo, do acórdão da Relação de Coimbra, de 10-10-2012, processo 72/10.0GAACN.C1, que considera irrelevante para o preenchimento do crime de difamação a presença de terceiras pessoas aquando da prática do crime de injúria. Porém, não se pode dizer que tal entendimento seja inequívoco e incontroverso. Assim, por exemplo, Paulo Pinto de Albuquerque, no seu Comentário do Código Penal, 3.ª edição actualizada, 2015, p. 730, nota 29, sustenta que quando o crime de injúria seja cometido, simultaneamente, diante do ofendido e de terceiros, existe concurso efectivo (ideal) do crime de difamação com o crime de injúria. Quer isto dizer que estamos na presença de uma questão jurídica que não tem uma resposta inquestionável, razão por que, a nosso ver, o tribunal a quo não deveria ter rejeitado parcialmente a acusação particular com base numa divergência de interpretação dos tipos legais e de qualificação jurídica dos factos, antes devendo remeter para a decisão final a tomada de posição a esse respeito. Assim, o recurso merece provimento nesta parte, pelo que o despacho recorrido deve ser revogado na parte em que rejeitou parcialmente a acusação particular deduzida pela assistente, e bem assim na parte em que, como consequência, rejeitou liminarmente o pedido de indemnização civil deduzido pela assistente na parte referente aos imputados crimes de difamação. 3.2.–O tribunal a quo não admitiu, por manifesta extemporaneidade, o pedido de indemnização civil formulado pela assistente a fls. 147/148, “porquanto não foi dado cumprimento ao disposto no art. 139.º, n.° 5, al. b) do Cód. de Processo Civil, acrescida da penalização da multa prevista no n.° 6 do mesmo preceito legal (cfr. despacho de 15.12.2021)”. A situação é algo confusa. Vejamos. Em 16-06-2021, o Ministério Público proferiu despacho de encerramento do inquérito, deduzindo acusação contra o arguido por diversos crimes e determinando a notificação da assistente e seu mandatário, nos termos e para os efeitos do artigo 285.º, n.º1, do C.P.P., “para, querendo, deduzir acusação relativamente à matéria factual denunciada e que consubstancia crime de natureza particular”. Na sequência, a assistente foi notificada por carta registada com prova de recepção (o vulgarmente conhecido AR), o que traduz um “plus” relativamente à via postal registada prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 113.º do C.P.P. Como entendeu a Relação de Évora, em acórdão de 04-11-2010, no processo 2825/08.0TAFAR-A.E1, citando jurisprudência do Tribunal Constitucional, nos casos em que tiver funcionado um sistema garantístico mais completo, traduzido na exigência de aviso de recepção no expediente postal que incorpora as notificações judiciais, estando documentada nos autos e efectiva recepção de tal expediente pelo destinatário e certificada a data em que a mesma teve realmente lugar, seria insólito substituir uma data “real” por uma “ficção” decorrente de presunção legal. Está documentada nos autos a recepção da notificação em 25-06-2021 (cfr. fls. 134 verso). A notificação remetida apresenta o seguinte teor (transcrição parcial): «Fica V. Exª notificado, na qualidade de Ofendido, nos termos e para os efeitos a seguir indicados: De que foi deduzido despacho de ARQUIVAMENTO E ACUSAÇÃO, no Inquérito acima referenciado, nos termos dos art.ºs 277º e 283º do Código de Processo Penal, cuja cópia se junta, e que dispõe do prazo de VINTE DIAS, para requerer, caso queira, a abertura da INSTRUÇÃO, nos termos do disposto no art.º 287º, n.º 1, al. b) do mesmo diploma, tendo para o efeito de se constituir assistente. O requerimento deverá ser dirigido ao Juiz de Instrução competente, não estando sujeito a formalidades especiais, devendo conter, em súmula, as razões, de facto e de direito, de discordância relativamente à acusação, bem como, sempre que disso for o caso, meios de prova que não tenham sido considerados no Inquérito e dos factos que através de uns e de outros se espera provar. Pode ainda no mesmo prazo, deduzir, querendo, o pedido de indemnização civil em requerimento articulado nos termos do disposto no art.º 77º, n.º 2, do C. P. Penal, caso tenha manifestado nos autos tal propósito (artº 75º, nº 2 do mesmo diploma legal). Dispõe também do prazo de DEZ DIAS, a contar da presente notificação, para deduzir acusação particular - art.º 284º, n.º 1 do referido diploma legal. Nos termos do disposto no art.º 68º, n.º 3, al. b), do C. P. Penal, poderá constituir-se assistente dentro dos prazos estabelecidos para a prática dos atos acima indicados. (…).» Em 21-06-2021, foi expedida por via postal registada a notificação do mandatário da assistente, com o seguinte teor (transcrição parcial): «Fica V. Exª notificado, na qualidade de Mandatário do Ofendido CA, nos termos e para os efeitos a seguir mencionados: De que, nos termos dos art.ºs 277º, n.º 3, e 283.º, n.º 5, ambos do C. P. Penal, foi proferido despacho de ARQUIVAMENTO E ACUSAÇÃO no Inquérito acima referenciado, e para os prazos dele decorrentes - art.ºs 284º e 287º do C. P. Penal. Deverá observar o disposto no art.º 68º. n.º 3. al. b). do C. P. Penal. (…).» Foi igualmente expedida outra carta registada com aviso de recepção para notificação da assistente, “nos termos e para os efeitos no disposto no art.º 285.º, n.º1, do C.P. Penal (…)”, estando documentada a recepção pela destinatária no dia 25-06-2021 (cfr. fls. 141 verso), tendo sido remetida, em 21-06-2021, notificação para o mesmo efeito, por via postal registada, para o respectivo mandatário. No dia 7-07-2021, com cerca de 27 minutos de intervalo, o mandatário da assistente remeteu aos autos, por correio electrónico: - requerimento de que consta acusação particular e pedido de indemnização civil atinente aos factos dessa acusação (fls. 144-145); - requerimento de que consta pedido de indemnização civil atinente aos factos constantes da acusação pública (fls. 147). Antes de remeter os referidos requerimentos, a assistente procedeu à autoliquidação de multa, alegadamente “à cautela”, através do DUC com a referência 702680077, no valor de 102,00€, que pagou (cfr. fls. 145 verso e 146). O que se infere é que a assistente, através do seu mandatário, decidiu, cautelarmente, proceder ao pagamento da sanção processual correspondente à prática do acto no 2.º dia após o prazo (não deixando de consignar que, “quando não se mostre devida, requer se notifique o signatário, para que possa requisitar-se a respectiva devolução” – cfr. fls. 145, in fine). Em 15-12-2021, a Ex.ma Juíza proferiu despacho em que considerou que havia que pagar sanção processual pela prática de acto no segundo dia útil subsequente ao termo do prazo por cada um dos mencionados requerimentos de pedido de indemnização civil, razão por que, tendo a assistente juntado apenas o comprovativo do pagamento de “multa”/ sanção equivalente a 1 UC, havia que notificá-la para, no prazo de dez dias, dar cumprimento ao disposto no artigo139.º, n.º 5, al. b), do Cód. de Processo Civil, com o acréscimo da penalização de 25% do valor da multa prevista no n.º 6 do mesmo preceito legal. Verificamos da consulta dos autos no CITIUS que, em 17-12-2021, foi emitida a Guia 703080084901799, na importância de 127,50€ (102,00€ + 25,50€), correspondente à multa e acréscimo, tendo como data-limite de pagamento o dia 13-01-2022. Está documentado nos autos que o pagamento em causa foi efectuado em 21-12-2021. É, pois, incompreensível, face ao que se depreende dos autos, que o despacho recorrido não tenha admitido o pedido civil de fls. 147 com base no não pagamento da multa acrescida da penalização, em contradição com o que os autos documentam, do mesmo modo que não se percebe que a assistente não invoque o referido pagamento. Em todo o caso, mesmo que a documentação do pagamento enferme de algum lapso, que não se alcança existir, não deixamos de manifestar a nossa discordância em relação à forma como a questão foi entendida pelo tribunal recorrido. Em primeiro lugar, afigura-se-nos que a assistente, ao repartir o pedido civil em dois requerimentos – um deles atinente aos danos indemnizáveis correspondentes aos factos da acusação particular e o outro atinentes aos danos indemnizáveis correspondentes aos factos da acusação pública -, apresentados com alguns minutos de intervalo, com a prévia autoliquidação de multa, alegadamente “à cautela”, através do DUC com a referência 702680077, no valor de 102,00€, que pagou (cfr. fls. 145 verso e 146), a mais não estava obrigada, não havendo razão para exigir-lhe que fizesse, na altura, uma segunda autoliquidação. Demandante e demandado civil são os mesmos, os requerimentos foram apresentados, como dissemos, no mesmo dia e com alguns minutos de intervalo, correspondendo, a nosso ver, a uma mera autonomização, por razões práticas, de um pedido civil em duas parcelas: danos atinentes aos factos da acusação particular e danos atinentes aos factos da acusação pública. Por outro lado, a assistente assinalou, como já dissemos, ter procedido à autoliquidação de multa, correspondente à prática do acto no 2.º dia após o prazo, alegadamente “à cautela”, não deixando de consignar que, “quando não se mostre devida, requer se notifique o signatário, para que possa requisitar-se a respectiva devolução” – cfr. fls. 145, in fine). In casu, existiam razões para a assistente estar na dúvida quanto à contagem do prazo para deduzir o pedido civil, explicativas de que o mencionado pagamento fosse por motivos cautelares. Estabelece o artigo 77.º do C.P.P.: «1-Quando apresentado pelo Ministério Público ou pelo assistente, o pedido é deduzido na acusação ou, em requerimento articulado, no prazo em que esta deve ser formulada. 2-O lesado que tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, nos termos do n.º 2 do artigo 75.º, é notificado do despacho de acusação, ou, não o havendo, do despacho de pronúncia, se a ele houver lugar, para, querendo, deduzir o pedido, em requerimento articulado, no prazo de 20 dias. (…)». Decorre do n.º1 que o assistente deverá deduzir o pedido cível no prazo fixado para formular a acusação. Este prazo encontra-se estabelecido no artigo 284.º do C.P.P., cujo n.º 1 estabelece: «Até 10 dias após a notificação da acusação do Ministério Público, o assistente pode também deduzir acusação pelos factos acusados pelo Ministério Público, por parte deles ou por outros que não importem alteração substancial daqueles.» Por sua vez, também releva o artigo 285.º, n.º1, do C.P.P., ao determinar que, quando o procedimento depender de acusação particular, o Ministério Público notifica o assistente para que este deduza em 10 dias, querendo, acusação particular. Porém, não podemos abstrair das notificações concretamente efectuadas nos autos, sendo certo que, nos termos legais, as notificações respeitantes à acusação devem ser notificadas não só ao arguido e assistente, mas também aos respectivos advogado ou defensor nomeado, caso em que o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar, conforme artigo 113.º, n.º10, do C.P.P. À assistente, como se extrai da notificação que lhe foi remetida, encontrando-se documentada nos autos a recepção da notificação em 25-06-2021 (cfr. fls. 134 verso), foi-lhe concedido o prazo de vinte dias para deduzir pedido de indemnização civil. E, dentro desse prazo, a assistente apresentou tal pedido (ou pedidos). Tal prazo não é o que a lei estabelece, mas o lapso da secção não pode prejudicar a assistente. Percebe-se, assim, a opção do mandatário da assistente, ao efectuar o pagamento da multa por razões cautelares, seguramente por temer que o tribunal não atendesse ao concreto teor da notificação efectuada, mas apenas ao texto da lei. Entendeu a Relação do Porto, em acórdão de 23-11-2016, processo 548/15.2PIPRT-A.P1: «É certo que tal prazo não é, como vimos, aquele que a lei estabelece. Mas, como refere o recorrente, não pode ver prejudicado o seu direito pelo lapso da secretaria. Desde logo porque assim o impõe o artigo 157.º n.º 6 do Código de Processo Civil aplicável ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal. Com efeito, estabelece o artigo 157.º n.º 6 do Código de Processo Civil que “Os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes”. A este propósito escrevem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado” – Volume 1º em anotação ao artigo 157.º, pág. 316: “O n.° 6 estabelece a regra de que a parte não pode ser prejudicada por erro ou omissão da secretaria judicial. Esta regra implica, por exemplo, que o ato da parte não pode, “em qualquer caso”, ser recusado ou considerado nulo se tiver sido praticado nos termos e prazos indicados pela secretaria, embora em contrariedade com o legalmente estabelecido”. No sentido que vimos defendendo veja-se o recente Acórdão do STJ de 5/4/2016, Processo nº 12/14.7TBMGD-B.G1.S1 disponível em www.dgsi.pt. De resto, a disposição contida no preceito citado é uma emanação dos princípios da previsibilidade e da confiança que são uma das vertentes do Estado de Direito Democrático consagrado no artº 2 da Constituição da República Portuguesa. Sobre o conteúdo do anunciado princípio ensina Gomes Canotilho in “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, Almedina, 7.ª ed. 2003. Pág. 257. “O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso desde cedo se consideram os princípios da segurança e da protecção jurídica da confiança como elementos constitutivos do Estado de Direito (…).O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo a ideia de protecção de confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem o direito de poder confiar em que aos seus actos ou decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas por esses atos jurídicos deixado pelas autoridades com base nessas normas se legam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico”.» É também o nosso entendimento, em homenagem ao princípio da confiança. Por todas as razões elencadas, conclui-se que o pedido civil deduzido a fls. 147 e verso não podia ser considerado extemporâneo, seja porque a recorrente exerceu o seu direito (formulação do pedido de indemnização civil) no prazo constante da notificação que, para o efeito, lhe foi efectuada, seja porque, se por hipótese tal não tivesse ocorrido, pagou a sanção processual correspondente à suposta, mas não verificada, apresentação tardia. O recurso merece provimento. *** III–Dispositivo Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em conceder provimento ao recurso interposto por CA, e, em consequência: –revogam o despacho recorrido na parte em que rejeitou parcialmente a acusação particular deduzida pela assistente, e bem assim na parte em que, como consequência, rejeitou liminarmente o pedido de indemnização civil deduzido pela assistente no que concerne aos imputados crimes de difamação, a substituir por outro em conformidade com o supra exposto; –revogam o despacho recorrido na parte em que não admitiu o pedido de indemnização civil formulado pela assistente a fls. 147/148, a substituir por outro que considere tal pedido tempestivo. Sem tributação. Lisboa,11 de Outubro de 2022 (o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.) (Jorge Gonçalves) (Maria José Machado) (Carlos Espírito Santo)