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Acórdão TR Porto de 2020-04-28

1303/17.0T8VCD.P2

TribunalTribunal da Relação do Porto
Processo1303/17.0T8VCD.P2
Nº ConvencionalJTRP000
RelatorLina Baptista
DescritoresReconhecimento da Paternidade, Caducidade da Acção, Prazo, Excepção
Nº do DocumentoRP202004281303/17.0T8VCD.P2
Data do Acordão2020-04-28
VotaçãoUnanimidade
Privacidade1
Meio ProcessualAPELAÇÃO
DecisãoRevogação
Indicações Eventuais2ª SECÇÃO
Área Temática.

Sumário

I - O prazo geral para interposição da ação de reconhecimento da paternidade (1817.º, n.º 1 CC), deve ser harmonizado com os seus prazos excepções (1817.º, n.º 2 e 3 CC). II - Tendo a interessada no reconhecimento da sua verdadeira paternidade interposto previamente a obrigatória ação de impugnação da paternidade (putativa) constante no seu registo de nascimento, só após o cancelamento desse registo inibitório é que se inicia o prazo excepção de 3 anos (1817.º, n.º 2 CC), sendo de afastar o prazo geral de 10 anos (1817.º, n.º 1 CC).


Texto Integral

Processo n.º 1303/17.0T8VCD.P1 Comarca: [Juízo de Família e Menores de Vila do Conde (J1); Comarca do Porto]*Relatora: Lina Castro Baptista Adjunta: Alexandra Pelayo Adjunto: Vieira e Cunha* SUMÁRIO………………………………………. ………………………………………. ……………………………………….* Acordam no Tribunal da Relação do Porto I - RELATÓRIOB…, residente na Rua …, n.º .., …, Vila do Conde, veio intentar a presente acção de investigação de paternidade, sob a forma de processo comum, contra C…, residente na Rua …, n.º …, …, freguesia de …, concelho de Vila do Conde, pedindo que seja judicialmente reconhecido que é filha do Réu, e este seu pai biológico, declarando-se tal, com as legais consequências, e ordenando-se o averbamento desta paternidade no seu Assento de nascimento. Expõe ter nascido em 26 de Novembro de 1971, na freguesia de …, concelho de Vila do Conde, tendo sido registada como filha de D… e de E…, casados entre si. Declara estar pendente no mesmo Tribunal acção declarativa de processo comum de impugnação de paternidade. Alega que a sua mãe e o Réu mantiveram entre si relações sexuais durante os primeiros 120 dias dos 300 que precederam o seu nascimento, não tendo aquela, no mesmo período de tempo, mantido relações sexuais com qualquer outro homem. Bem como que, não existindo laços de parentesco ou de afinidade entre a sua mãe e o Réu, este deve ser declarado seu pai biológico. Mais alega que, em meados de Dezembro de 2015, foi informada pelas filhas do Réu concebidas no matrimónio deste e suas irmãs que é filha do C…. Bem como que o próprio Réu, quando internado no Hospital “F…”, na Póvoa de Varzim, em 06 de Dezembro de 2015, lhe disse que era sua filha. O Réu veio contestar, excepcionando que a presente acção não poderá prosseguir enquanto a Autora beneficiar de pai legalmente reconhecido, por impedimento legal. Mais excepciona ocorrer ilegitimidade passiva, por a acção ter de ser proposta contra o pai e contra a mãe. Excepciona igualmente a caducidade da acção, alegando que a Autora sempre soube da relação extraconjugal que mantém com a sua mãe e da paternidade que lhe é imputada. Impugna, por desconhecimento, a paternidade biológica que lhe é imputada e, por falsidade, a data invocada como de conhecimento dessa imputação de paternidade. Conclui pedindo que a presente acção seja considerada causa prejudicial enquanto constar do assento de nascimento o pai já falecido. Se assim não se entender, que seja provado que ocorre ilegitimidade passiva, por a acção não ter sido intentada contra a própria mãe. E, caso assim ainda não se entenda, que se declare a caducidade da presente acção e, consequentemente, julgada a acção improcedente e não provada, com a sua absolvição do pedido. Foi proferido despacho judicial que julgou verificar-se uma excepção inominada, por falta do pressuposto de prévia decisão de acção de impugnação de paternidade, absolvendo o Réu da instância. Tendo a Autora interposto recurso desta decisão, foi proferido Acórdão nesta Relação, e por este Colectivo de Juízes, que revogou o despacho recorrido e, em face da decisão final, transitada em julgado, nos autos de Processo Comum n.º 928/17.9T8VCD, determinar o prosseguimento dos autos para apreciação do direito da Autora. Descendo os autos à 1.ª Instância, e notificada a Autora para responder às excepções de ilegitimidade e de caducidade, veio a mesma impugnar a factualidade alegada na Contestação e reiterar as alegações constantes da Petição Inicial. Realizou-se audiência prévia, no âmbito da qual se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade passiva e se relegou para a decisão final a excepção de caducidade. Fixou-se o objecto do litígio e definiram-se os Temas da Prova. Realizou-se audiência de julgamento e proferiu-se sentença, com a seguinte parte decisória “Em face do exposto, e ao abrigo das citadas disposições normativas, julgo totalmente procedente a excepção de caducidade do direito à acção e, consequentemente, julgo improcedente o pedido de investigação de paternidade formulado nestes autos por B…, absolvendo o réu, C…, do mesmo.” Inconformada com esta decisão, a Autora interpôs o presente recurso, pedindo que se declare nula a decisão, bem como sejam apreciadas e decididas todas as questões objecto do presente recurso e, em consequência, seja a douta decisão revogada com todas as consequências legais, e tudo o que demais se demonstre favorável a si, devendo a mesma ser substituída por outra, e formulando as seguintesCONCLUSÕES:………………………………. ………………………………. ………………………………. O Réu veio apresentar contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, rematando com as seguintesCONCLUSÕES:………………………………. ………………………………. ………………………………. Proferiu-se despacho a admitir o presente recurso de apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.* II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSOResulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do CP Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso. As questões a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso, são as seguintes: ● Nulidade da decisão recorrida por excesso de pronúncia; ● Modificação da matéria de facto por reapreciação das provas produzidas; ● Caducidade do direito à verdade biológica.* III – NULIDADE DA DECISÃO RECORRIDA POR EXCESSO DE PRONÚNCIAA Recorrente apresenta, como primeiro fundamento de recurso, a nulidade da decisão recorrida, advogando que a enunciação dos Temas da Prova deverá ser apenas balizada pelos limites que decorrem da causa de pedir e das excepções invocadas, nos exactos termos que a lide justifique, ou seja, no limite, pode dizer-se que haverá tantos temas da prova quantos os elementos instrumentais e substanciais do litígio. Afirma que o tribunal a quo estava obrigado ao exercício de poderes de investigação oficiosa, pelo que deveria ter incluído nos temas de prova, os factos instrumentais necessários à decisão sobre a excepção de caducidade invocada pelas partes, nos termos do art.º 6º do CP Civil. Defende que a sentença recorrida é nula por via de excesso de pronúncia sobre questões que o Tribunal a quo não poderia ter conhecido, por não constarem nos Temas da Prova, nos termos do art.º 615.º do CP Civil. Decorre do disposto no art.º 615.º, n.º 1, alínea d), do CP Civil que a sentença é nula – entre o mais – quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Tratam-se – como os demais - de vícios de natureza formal e não substancial. Com efeito, decorre do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do CP Civil que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…).” Remetendo para a interpretação que vem sendo feita reiteradamente pelo Supremo Tribunal de Justiça, devem considerar-se “questões” para este efeito “os temas alegados pelas partes que constituem, de forma directa e imediata, dados integradores dos elementos constitutivos ou impeditivos dos direitos cuja tutela é procurada pelas partes na instância, na lógica e na perspectiva dos pedidos.”[1] Em decorrência, devem apreciar-se todas as questões submetidas ao conhecimento do Tribunal e, por contraponto, apenas se podem conhecer as questões suscitadas legal e processualmente, exceptuando obviamente aquelas que sejam de conhecimento oficioso. Nos presentes autos, e em sede de Audiência Prévia, o tribunal recorrido decidiu que a matéria controvertida referente à excepção de caducidade seria conhecida em sede de decisão final. Sequencialmente, enunciou apenas dois Temas da Prova: “a) Saber se D… manteve mais do que uma vez relações sexuais de cópula completa com C… no período legal de concepção; b) Saber se em consequência das relações sexuais mantidas entre D… e C… ocorreu gestação, tendo dessa gestação nascido a autora.” Não foi deduzida qualquer reclamação a este despacho. Em sede de sentença final consideraram-se os factos que foram alegados como fundamento desta excepção, bem como aqueles que foram alegados como impugnação motivada dos mesmos, e se conheceu da excepção de caducidade. Vejamos: é incontestável que esta matéria de facto por ter sido alegada pelas partes deveria constar da decisão final, já que a excepção de caducidade deve considerar-se uma questão que as partes colocaram à apreciação do tribunal, na acepção acima exposta. Por inerência, é manifesto não se verificar a nulidade invocada. É certo que, de acordo com o disposto no art.º 596.º do CP Civil, era lógico que se tivesse feito constar como um dos Temas da Prova o momento de conhecimento da paternidade do Réu pela Autora. No entanto, como realça Paulo Pimenta[2] “(…) a flexibilidade ínsita no conceito de temas da prova garante, só por si, que a respectiva enunciação seja ora mais vaga ou difusa, ora mais concreta ou precisa, tudo dependendo daquilo que seja, realmente, adequado às necessidades de uma instrução apta a propiciar a justa composição do litígio.” Da mesma forma, reportando-se à flexibilidade na formulação dos temas da prova, refere Abrantes Geraldes[3]: “Se, por opção, por conveniência ou por necessidade, nos temas da prova se inscreverem factos simples, a decisão será o reflexo da convicção formada sobre tais factos controvertida num relato natural da realidade fixada. Já quando porventura se tenha optado por proposições de carácter mais abrangente ou de pendor mais genérico ou conclusivo, mas que permitam delimitar e compreender a matéria de facto que é relevante para a resolução do concreto litígio, poderá justificar-se um maior labor na sua concretização, seguindo um critério funcional que atenda às necessidades do concreto litígio.” Assim, afigura-se-nos que, em sede de Audiência Prévia, o tribunal recorrido entendeu que a relegação do conhecimento da excepção para a decisão final bastava para remeter a respectiva factualidade para o julgamento, tornando desnecessário incluí-la nos Temas da Prova. Esta interpretação deve, face à indicada flexibilidade, considerar-se legítima e legal. Somente esta interpretação explica não ter sido deduzida qualquer reclamação à selecção dos Temas da Prova. Da mesma forma, apenas esta interpretação explica que os depoimentos das testemunhas ouvidos em audiência de julgamento tenham incidido essencialmente sobre a factualidade atinente a esta excepção, de forma pacífica quer pelo tribunal, quer por qualquer das partes. Por inerência, julga-se improcedente este específico fundamento de recurso.* IV – MODIFICABILIDADE DA MATÉRIA DE FACTOA Relação pode e deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (cf. art.º 662.º do CP Civil). Tal como explica Abrantes Geraldes[4], "(…) sendo a decisão do Tribunal “a quo” o resultado da valoração de meios de prova sujeitos à livre apreciação (…) a Relação, assumindo-se como verdadeiro Tribunal de instância, está em posição de proceder à sua reavaliação, expressando, a partir deles, a sua convicção com total autonomia. Afinal nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua actuação são praticamente idênticas às que existiam quando o Tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos factores da imediação e oralidade." Descendo ao caso concreto, temos que a Recorrente pretende que se passem a considerar provados os factos constantes das alíneas a)[5] e b)[6] dos Factos não provado e não provados os Itens dados como provados a situar o conhecimento desta paternidade em datas anteriores. Sustenta inexistir qualquer testemunho que confirme que a recorrente B… agisse como se fosse filha do recorrido. Afirma que um julgador diligente e cuidadoso face a prova “plantada” pelas testemunhas do recorrido, facilmente perceberia que o móbil dos seus depoimentos visavam apenas invocar e tentar provar, por meios indirectos, de “ouvir dizer” e “de achar que”, e que “toda a gente fala”, pois, como decorre da ata de audiência de discussão e julgamento. Especifica que a testemunha arrolada pelo recorrido, G…, referiu que, a recorrente era filha de um H…, sendo que não existe nenhum H…, nem ninguém mais menciona esse tal H…, o que denota que esta personagem não tinha decorado muito bem o papel que lhe instruíram representar. Diz que a testemunha arrolada pelo recorrido, I…, é amigo do mesmo há muitos anos e foi seu empregado em 1969/1970, e foi valorada pelo Tribunal a quo erradamente relatou uma conversa tida com o presumido pai da recorrente, E…, em 1992/93. Contudo, como consta dos autos, junto da petição inicial, este presumido pai faleceu em 1992, portanto a conversa relatada pela testemunha evidencia a falsidade de testemunhos. Mais diz que o depoimento da testemunha arrolada pelo recorrido, J…, é por demais contraditório, colidindo com o depoimento da testemunha da K…, mãe da recorrente, quanto ao momento do primeiro contacto entre a recorrente e aquela testemunha, concluindo-se que não falou com verdade, quando dá a entender que só conheceu a recorrente já na Anadia, não falando de ter viajado com a recorrente de Vila do Conde para a Cúria, (o que em 1982 demoraria cerca de 5 horas para percorrer cerca de 250km), e referindo que só a conheceu lá. Diz também que as testemunhas arroladas pelo recorrido, L… e M…, referem-se ao uso da expressão de calão “B1.1…”, como demonstração do conhecimento da recorrente, nunca referem que, a recorrente era conhecida por “B1…” ou que se assumia como filha do recorrido, tanto é que, a testemunha L… acaba por dizer que a recorrente sempre tratou E… como seu pai. Defende que, face a toda a prova produzida, em momento algum, se podia balizar o conhecimento da recorrente, sobre a paternidade do recorrido, como o fez o Tribunal a quo, entre uma idade não inferior a 14 anos e o casamento católico da recorrente, ocorrido com 20 anos de idade, o único facto do conhecimento da paternidade, e provado, como já se referiu é o dia 06 de Dezembro de 2015, na F…. Invoca a sentença constante dos autos de impugnação de paternidade presumida de E…, na qual se confirma que este não é o pai biológico da recorrente e em que se refere terem sido as irmãs (filhas do aqui recorrido) que confirmam à recorrente, em 2015, na sequência da confissão do próprio pai, que afinal ela é sua meia-irmã (tal é o que resulta dos próprios itens 17 e 18 da sentença constante dos autos a fls. 144 a 148). Entende que esta sentença, como documento autêntico, segundo o disposto nos art.º362º e seguintes do C. Civil, deveria ter sido valorada a prova plena de todos os factos ali dados como provados, nomeadamente os supra referidos, conforme prevê o art.º 371º do C. Civil, numa situação de autoridade de caso julgado material. Nas respectivas contra-alegações, o Recorrido alega que a prova testemunhal foi absolutamente clara e inequívoca sobre o momento em que a Recorrente soube que o Réu era o seu pai: desde sempre! Declara que a Recorrente já chegou aos 50 anos e nunca quis saber da legalização da sua relação parental, sendo que a sua única motivação é ser incluída como herdeira no bolo da herança. Começando pelo último argumento invocado – atinente à excepção de autoridade de caso julgado – a Recorrente confunde conceitos jurídicos. É pacífico que a excepção de caso julgado impede a repetição de uma causa, entre as mesmas partes, com o mesmo pedido e baseada na mesma causa de pedir. Por seu turno, a excepção de autoridade de caso julgado ou de efeito positivo externo tem o seu campo de aplicação em causas não idênticas ou repetidas em termos de partes, pedidos e causas de pedir, já que nesta situação ainda estaríamos no âmbito da excepção de caso julgado. Trata-se de uma condição objectiva negativa. Pressupõe uma relação de prejudicialidade ou uma relação de concurso material entre os objectos processuais de ambas as acções ou decisões. Trata-se aqui, diversamente, de uma condição objectiva positiva. Recorrendo às palavras de Rui Pinto[7]: “(…) a condição objectiva positiva consiste na existência de uma relação entre os objectos processuais de dois processos de tal ordem que a desconsideração do teor da primeira decisão redundaria na prolação de efeitos que seriam lógica ou juridicamente incompatíveis com esse teor.” Finalmente, as partes na acção em apreciação têm que ter tido intervenção processual na primeira acção decidida, sob pena de violação do princípio do contraditório. No caso em apreciação, já ficou referido no antecedente Acórdão por nós proferido que, em face de razões de carácter processual e registral, a acção de impugnação de paternidade constituía uma causa prejudicial em relação a esta: a sua pendência constituída um impedimento à marcha do processo e a sua resolução provocaria, necessariamente, ou o desaparecimento do impedimento processual ou a absolvição do réu do pedido. Tendo, entretanto, a acção de impugnação de paternidade sido julgada, com força de caso julgado, e sido declarado que a aqui Autora não era filha do indicado E…, desapareceu tal impedimento processual. Manteve-se tão-só com autoridade de caso julgado a decisão de que o indicado E… não é pai da aqui Autora, com os respectivos fundamentos de facto e de direito. Na perspectiva da decisão de facto daquela acção já transitada, a eficácia da excepção de autoridade de caso julgado não se aplica à mera consideração de um conjunto de factos como provados ou como não provados. O elenco dos factos provados e não provados está, como é evidente, na base da decisão de direito, mas não condiciona a apreciação jurídica dos mesmos. Atente-se em que, de acordo com o disposto no art.º 5.º, n. 3, do CP Civil, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Por inerência, uma certa decisão jurídica com base num certo conjunto de factos poderá validamente ocasionar diferente decisão jurídica numa nova acção com base nos mesmos factos. Assim sendo, a excepção em apreciação “somente” tem aplicação às questões fáctico-jurídicas concretas decididas anteriormente, uma vez que é a parte dispositiva da decisão que vincula enquanto conclusão dos fundamentos respectivos. Ora, no caso em apreciação a decisão de declaração que a autora não é filha de E… teve por pressuposto jurídico “apenas” um certo conjunto de factos, designadamente que, quando a mãe da Autora engravidou, o E… se encontrava ausente do território nacional, tendo, na mesma altura, a progenitora encetado nova relação amorosa que envolvia relações sexuais de cópula completa com outro homem, de nome C…. Assim sendo, não há qualquer justificação legal para entender que os factos provados nestes autos não podem ser mais extensos ou diferentes dos considerados naquele Processo n.º 928/17.9T8VCD, desde que mantendo aquele núcleo central que justificou a decisão final acima referida. Improcede, portanto, o fundamento de recurso baseado na extensão da autoridade de caso julgado, nos termos defendidos. Passando para a análise da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento – única produzida nos autos a propósito da factualidade atinente à excepção de caducidade – entendemos, reapreciada a mesma, que não se deve determinar qualquer alteração à factualidade dada como provada e/ou como não provada. Com efeito, a mãe da Autora foi a única testemunha que afirmou repetidamente que a Autora apenas teve conhecimento de que o Réu era o seu pai quanto o mesmo esteve internado na “F…”. No entanto, tal como se refere na sentença recorrida, tal depoimento foi prestado de forma parcial, não se distanciando da relação de namoro que mantém com o Réu, transmitindo uma relação de dependência e até de subjugação. Todos os demais testemunhos (com excepção dos depoimentos de N… e de G…, que nada demonstraram saber de forma directa e segura) revelaram factos que, conjugados entre si, conferiram consistência à tese de que a Autora soube desde muito nova que o seu pai era o aqui Réu. Assim, a testemunha O…, filha mais velha do Réu, revelou saber, de forma directa, que na sua família todos sabiam, há muitos anos, que o seu pai era amante da mãe da Autora e relatou os factos ocorridos na “F…”, por lhe terem sido contados pela sua irmã. A testemunha D…., igualmente filha do Réu, relatou que, enquanto o seu pai esteve internado na “F…”, se encontrava, num certo dia, nessa instituição de saúde, juntamente com o seu irmão. Disse que a Autora ligou mais do que uma vez para o seu irmão, tendo este ficado irritado e desligado o telefone. Mais disse que, tendo esta telefonado mais uma vez para este, ela própria atendeu o telefonema, tendo-lhe a Autora dito que estava preocupada, que tinha medo que o Réu falecesse e que pretendia vir do Luxemburgo para o ver. Explicou ter combinado encontrar-se com ela nesse local em dia posterior, o que ocorreu. Declarou que, nesse dia, a Autora, mal chegou, se agarrou ao Réu a chorar, tendo este acabado por assumir ser seu pai. A nosso ver, a grande preocupação demonstrada, a vontade de vir do Luxemburgo para ver o Réu e a circunstância de se ter agarrado ao Réu a chorar mal o viu, indiciam claramente que a Autora sabia previamente que este era o seu pai. A testemunha M…, cujo depoimento foi corroborado pela sua irmã L..., explicou que trabalhou com a Autora numa fábrica de conservas (teria a Autora aí uns 14/15 anos de idade) e que, nessa altura, muitas vezes a tratavam pela alcunha do Réu. Ou seja, chamavam-lhe “B1…”. Perguntada pela forma como esta reagia a este tratamento, disse “Ela aceitava. Ria-se toda.” E “Era normal aquilo para ela. Ela estava dentro do assunto” (sic). Também estes episódios relatados indiciam que a Autora sabia e aceitava ser filha do Réu, desde jovem. A testemunha I…, amigo do Réu, disse que, por volta de 1987/1988, viu numa ocasião a Autora na rua com a mãe, tendo-a ouvido a dizer “O pai nunca mais vem”, aparecendo, logo de seguida, o Réu que se foi encontrar com as duas. Por outro lado, relatou que, por volta de 1992/1993, foi com o E… para a ilha da Madeira, para uma obra. Disse que, nesta ocasião, o E… desabafou consigo que a Autora lhe tinha dito que sabia que ele não era o seu pai. Igualmente estes episódios relatados indiciam que a Autora sabia, desde tenra idade, que o seu pai era o Réu. Em nosso entendimento, a circunstância de o indicado E… ter falecido em 18/11/92 não retira credibilidade a este depoimento, como pretende a Recorrente: desde logo, por que não inviabiliza que a deslocação em causa tenha ocorrido no decurso do ano de 1992 e, principalmente, por que, atento o lapso de tempo entretanto decorrido, é perfeitamente plausível que a testemunha se tenha equivocado quanto à data de ocorrência dos factos. A testemunha E…, amiga do Réu, relatou que, quando a Autora era solteira e se encontrava a passar férias com a mãe e com o Réu na Curia, almoçaram juntos e ouviu a Autora a chamar o Réu de pai, ao que este logo lhe respondeu “Tem cuidado com o que dizes e vê o que está no teu bilhete de identidade”. Da mesma forma, este episódio indicia que a Autora sabia, há muitos anos, que é filha do Réu. Consigna-se que, ao contrário do que vem referido pela Recorrente, não vislumbramos as contradições indicadas no seu depoimento, já que esta não deu a entender que somente havia conhecido a Autora nesse almoço concreto. Finalmente, a testemunha P…, filho do Réu, confirmou ter recebido os telefonemas da B… quando seu pai estava internado na “F…” e justificou que não os atendeu porque, anteriormente, ela o tinha abordado na rua, dizendo-lhe: “Conheces-me? Sou tua irmã.” (sic). Mais um episódio que indicia que a Autora tem conhecimento de que o Réu é seu pai desde data anterior ao do indicado internamento deste. Em face da análise conjugada de todos estes depoimentos, corroboramos a decisão de facto escolhida pelo tribunal recorrido. Consequentemente, improcede a pretendida modificação da matéria de facto, mantendo-se os factos provados e não provados tal como elencados na decisão recorrida.* V – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOForam os seguintes os factos dados provados na decisão recorrida: 1) Em .. de Novembro de 1971, freguesia de …, concelho de Vila do Conde, nasceu a autora B…, a qual se encontra registada em 23 de Setembro de 2011 como sendo filha de D… e de E… [art.ºs 1.º e 2.º da petição inicial]. 2) A mãe da autora, D…, e E… contraíram casamento entre si em .. de Setembro de 1966, tendo o mesmo sido dissolvido por sentença que decretou o divórcio datada de 19 de Março de 1985, transitada em 10 de Abril de 1985 [art.ºs 3.º 4.º da petição inicial]. 3) Em .. de Novembro de 1992 o E… faleceu [art.º 5.º da petição inicial]. 4) Correram termos no Tribunal da Comarca do Porto, Juízo de Família e Menores de Vila do Conde – Juiz 2, acção declarativa de processo Comum de impugnação de paternidade sob o n.º 928/17.9T8VCD, tendo sido, por decisão datada de 18 de Junho de 2018, transitada em julgado, foi declarado que E… não é o seu pai biológico tendo sido ordenado o cancelamento do averbamento da paternidade até ali existente [art.ºs 6.º e 17.º da petição inicial]. 5) O referido E… faleceu no estado de divorciado de D… [art.º 7.º da petição inicial]. 6) A autora, B…, e o réu, C…, não são entre si irmãos, tio e sobrinha, avô e neto, pai e filha, nem tem qualquer outra relação sanguínea [art. 9º da petição inicial]. 7) A mãe da autora, D…, e o réu, C… mantiveram entre si relações sexuais durante os primeiros 120 dias dos 300 que precederam do nascimento da Autora [art. 10º da petição inicial]. 8) A mãe D… não manteve, durante tal período referido em 7), relações sexuais com qualquer outro homem [art. 11º da petição inicial]. 9) Em data anterior ao nascimento da autora B… o E… e mãe da autora D… não mantinham relações sexuais entre si [art. 12º da petição inicial]. 10) Q…, S… e O… são filhas de C… e de Q…, com quem contraiu matrimónio [art. 13º da petição inicial]. 11) C… quando internado no Hospital denominado “F…” em Póvoa de Varzim em 6 de Dezembro de 2015 afirmou declarada e expressamente à frente da sua filha S… que a autora B… é sua filha e irmã de seus filhos concebidos pelo matrimónio com a Q…, filhos estes de nome S…, O… e P… [art. 14º da petição inicial]. 12) No âmbito dos presentes autos foi efectuada perícia de investigação biológica de paternidade com colheitas biológicas ao réu C… e à autora tendo-se concluído, de acordo com os resultados obtidos, que o grau de probabilidade de paternidade do réu relativamente à autora é de =99,99999999999996%, considerada uma probabilidade a priori de 0,5, cfr. teor de fls. 258 a 260, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 13) A autora desde data não concretamente apurada mas anterior ao seu casamento ocorrido em 11 de Maio de 1991 sabia ser filha do réu, o que a mãe nunca negou e quer antes quer depois desse acontecimento, mantendo a relação com o réu [art. 6º da contestação]. 14) E a situação agravou-se de tal ordem entre a mãe da autora e esta, por causa dessa relação, que a primeira recusou-se a estar presente no casamento da filha [art. 7º da contestação]. 15) E resulta dos autos que a autora casou-se catolicamente com T…, em .. de Maio de 1991, casamento esse que foi dissolvido por divórcio, por sentença datada de 12 de Maio de 2011, transitada em julgado [arts. 8º e 9 da contestação]. 16) O réu sempre teve uma relação pessoal com a mãe da autora, o que era do conhecimento público [art. 15º da contestação]. 17) Facto que, por altura de 1981, chegou ao conhecimento da mulher do réu. 18) Apesar do réu manter a relação extraconjugal com a mãe da autora, como ainda hoje acontece, sempre negou essa imputação de paternidade, quer em família quer em público, o que a autora tinha conhecimento [art. 19º da contestação]. 19) Conhecedora dessa situação, e sabendo que o réu sempre negou a paternidade, ao ponto de em idade não inferior aos 14 anos, ela ter perguntado se o réu era seu pai, ouviu como resposta que “o teu pai é o que está no Bilhete de Identidade” [art. 22º da contestação]. 20) A presente acção foi instaurada em 28/10/2017. Foram os seguintes os factos dados não provados na decisão recorrida: a) A autora em meados de Dezembro de 2015 foi informada pelas filhas de C… mencionadas em 10) que é filha de C… e irmã das mesmas [art. 13º da petição inicial] b) Que nas circunstâncias referidas sob o ponto 11) a autora, B…, tomou conhecimento que o C… era o seu pai biológico, facto que até ali desconhecia [art. 15º da petição inicial]. c) O divórcio mencionado em 2) teve como causa o facto de o então pai registral da autora acusar a mãe de o ter enganado, pois toda a gente de … e … imputava a paternidade da autora ao réu [art. 5º da contestação]. d) A partir do seu nascimento toda a gente atribuía a paternidade da autora ao réu [art. 16º da contestação]. e) A autora desde os seus 10 anos sempre soube que o réu era seu pai [art. 17º da contestação]. f) Que o relatado em 17) chegasse nessa altura ao conhecimento dos filhos do réu [art. 18º da contestação].* VI – CADUCIDADE DO DIREITO À VERDADE BIOLÓGICAA Recorrente sustenta – em sede de matéria de direito – que o direito a saber e a ver reconhecida a paternidade é um direito imprescritível e inalienável (art.º 26º, 20º, 18º, 13º, 36º, 67º, 68º da CRP), daí segundo o princípio do direito registral (art.º 1º, nº1, alínea b) do C. Reg. Civil), de ser obrigatório o registo da filiação. Defende que o direito ao conhecimento da ascendência biológica enquanto direito fundamental (art.º 26º, nº1 da CRP) é um direito de personalidade imprescritível, pelo que, as acções de investigação e impugnação de paternidade instauradas pelos directos interessados não deverão estar sujeitos a rígidos prazos de caducidade. Bem como que o exercício do direito de acção (no caso em presença) não pode ser precludido pela aplicação taxativa de um prazo legal de caducidade aferido arbitralmente, sob pena de deixar desprotegido o direito e que se reporta a providência jurisdicional que se tutela e que esteja constitucionalmente garantida. Cumpre decidir. Historicamente, no Código Civil[8] de 1867, não existiam limites temporais à investigação da paternidade do direito ordinário português, podendo as acções de investigação ser intentadas a todo o tempo. O C Civil de 1966 veio estabelecer prazos específicos de caducidade, fixando-se o prazo-regra em 02 anos após o investigante atingir a maioridade. Esta alteração legal não foi aceite sem contestação, mantendo-se, durante largos anos, posições divergentes quanto à respectiva constitucionalidade na doutrina e jurisprudência. Essencialmente, havia duas teses em confronto que opunham a defesa da inconstitucionalidade da então redacção do art.º 1817.º do C Civil, por violar o direito à identidade pessoal[9], à defesa da legalidade da fixação de prazos à acção de investigação de paternidade justificados, em síntese, com a segurança jurídica do pretenso progenitor e seus herdeiros, com o progressivo desgaste das provas e com o direito à intimidade e reserva da vida privada do investigado e da sua família[10]. Surgiu, então, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 23/2006[11], tendo como Relator Paulo Mota Pinto, que declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do anterior prazo de 02 anos a contar maioridade ou emancipação, face à exiguidade do prazo consagrado na lei. A confusão gerada pela repristinação da lei anterior levou à feitura da Lei n.º 14/2009, de 01/04, a qual estabeleceu novos prazos para a interposição da acção de investigação de paternidade: 10 anos após a maioridade ou emancipação ou 03 anos a contar de diversas situações enunciadas nos respectivos n.º 2 e 3. Não obstante, mesmo após a entrada em vigor desta, continuaram a surgir algumas decisões defensoras da inconstitucionalidade dos prazos de caducidade aí previstos. O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 401/2011, tendo como Relator Cura Mariano[12], foi pacificador, no sentido de definir que “É legítimo que o legislador estabeleça prazos para a propositura da respectiva acção de investigação da paternidade de modo a que o interesse da segurança jurídica não possa ser posto em causa por uma atitude desinteressada do investigante, não sendo injustificado nem excessivo fazer recair sobre o titular do direito um ónus de diligência quanto à iniciativa processual para apuramento definitivo da filiação, não fazendo prolongar, através de um regime de imprescritibilidade, uma situação de incerteza indesejável. Necessário é que esse prazo, pelas suas características, não impossibilite ou dificulte excessivamente o exercício maduro e ponderado do direito ao estabelecimento da paternidade biológica.” Concomitantemente, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem[13] foi-se pronunciando sobre a compatibilidade do estabelecimento de limitações temporais ao exercício do direito de investigação de paternidade com os princípios da Convenção Europeia dos Direitos do Homem[14], sempre sob a perspectiva de se dever ponderar se o sistema concreto dos prazos das legislações em causa assegurava ou não uma real possibilidade de os interessados estabelecerem a sua paternidade, não criando ónus que dificultassem excessivamente o estabelecimento da relação biológica. Desde então, a doutrina e a jurisprudência têm convergido na defesa desta tese, sendo ainda que o Tribunal Constitucional tem revertido as decisões do Supremo Tribunal de Justiça que decidiram no sentido da inconstitucionalidade desta nova versão do preceito[15]. É esta também a nossa posição sobre esta matéria. O tribunal recorrido entendeu - por aplicação do disposto no art.º 1817.º, n.º 1, do C Civil - que, tendo a presente acção sido instaurada em 28/10/2017, se deve considerar caducado o direito da Autora a intentá-la, por que, pelo menos desde a data do seu casamento ocorrido em 1991 em que seguramente tinha conhecimento da paternidade do Réu, decorreram mais de dez anos. Concordamos que assim seria se não se verificasse a excepção prevista no n.º 2 no mesmo normativo legal, aplicável por força da remissão do art.º 1873.º do C Civil, segundo a qual “Se não for possível estabelecer a maternidade em consequência do disposto no art.º 1815.º, a acção pode ser proposta nos três anos seguintes à rectificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório.” Esta excepção prende-se com a compatibilização com a disposição legal do n.º 1 do art.º 1848.º do C Civil, a qual determina que “Não é admitido o reconhecimento em contrário da filiação que conste do registo de nascimento enquanto este não for rectificado, declarado nulo ou cancelado.” Por sua vez, este último preceito está em consonância com a disposição legal do n.º 2 do art.º 3.º do CR Civil, segundo a qual “Os factos registados não podem ser impugnados em juízo sem que seja pedido o cancelamento ou a rectificação dos registos correspondentes.” Ou seja, e tal como refere Antunes Varela[16], a disposição legal deste art.º 1848.º Código Civil é “um simples corolário do princípio geral da prioridade dos actos primeiro levados a registo.” Ora, tal como decorre da matéria de facto provada, no momento de interposição da presente acção, estava pendente no mesmo Tribunal acção declarativa de processo comum de impugnação de paternidade. Nesta acção de impugnação de paternidade não foi suscitada a excepção peremptória da caducidade do direito de a intentar em Juízo e ficou decidido, por sentença de 18/06/18, transitada em julgado, que: “Em face do exposto, julga-se a presente acção procedente por provada e, consequentemente, decide-se: a) declarar que a autora B… não é filha de E…; b) determinar o cancelamento do averbamento da paternidade do marido da mãe do assento de nascimento da autora, assim como da avoenga paterna, e do apelido “B2…”; c) ordenar a comunicação à Conservatória do Registo Civil competente, da decisão ora proferida, após trânsito, por meio de certidão.” Uma vez que até ao trânsito em julgado desta acção não era legalmente possível estabelecer a paternidade, é manifesto que a presente acção foi intentada dentro do prazo legal consagrado no indicado art.º 1817.º, n.º 2, do C Civil (tendo inclusivamente sito intentada, como se sabe, ainda antes da decisão final daqueles autos). É quanto basta para considerar procedente este fundamento de recurso atinente à não verificação da excepção de caducidade, ainda que com fundamentação jurídica diversa da proposta. Passando para a análise dos fundamentos da acção, decorre dos art.º 26.º e 36.º da Constituição da República Portuguesa o reconhecimento do direito à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade e à constituição de família. Tal como refere U…[17], “O conhecimento das raízes biológicas de cada pessoa é duplamente relevante. Por um lado, reveste uma importância subjectiva: é um direito humano inalienável; um direito fundamental previsto nas Constituições. (…), Por outro lado, a filiação tem uma expressão objectiva. O conhecimento da identidade genética da pessoa é matéria de interesse geral e de interesse público. E assim, há um cruzamento entre o interesse privado ou individual e o interesse público na disciplina jurídica da filiação.” A causa de pedir nas acções de investigação de paternidade é o facto jurídico da procriação. Esta procriação biológica pode ser demonstrada, de forma directa, através de exames hematológicos, ou de forma indirecta, através do recurso às presunções legais estabelecidas no art.º 1871.º do C Civil ou de presunções naturais ou judiciais. Em face do conjunto de factos provados, é manifesto que a Autora demonstrou os factos constitutivos do direito invocado. Está provado que a mãe da autora, D…, e o réu, C… mantiveram entre si relações sexuais durante os primeiros 120 dias dos 300 que precederam do nascimento da Autora. Bem como que a mãe D… não manteve, durante tal período referido em 7), relações sexuais com qualquer outro homem. Além disso, as conclusões dos exames de sangue efectuados revelam uma probabilidade de paternidade “praticamente provada” (de 99,99 %). E esta é, sem margem para dúvida, a prova mais segura e concludente da paternidade que aqui se averigua. A conclusão final é pois a da total procedência da presente acção.* VII - DECISÃOPelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar o presente recurso procedente, revogando-se a decisão recorrida e declara-se que a Autora B…, a qua se refere o Assento de Nascimento n.º …., da Conservatória do Registo Civil de Vila do Conde, é filha do Réu C…, nascido no dia ../04/1932, na freguesia de …, concelho de Vila do Conde, ordenando-se o respectivo averbamento.*Custas da acção e do presente recurso a cargo do Recorrido (art.º 527.º do CP Civil).*Notifique e registe.(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)Porto, 28 de Abril de 2020 Lina Baptista Alexandra Pelayo Vieira e Cunha ______________________ [1] In Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/12/2000 proferido na Revista n.º 715/99 e constante de Sumários 37º. Veja-se, no mesmo sentido, lebre de Freitas in “Do conteúdo da base instrutória” in Julgar, n.º 17, Coimbra Editora, pág. 71. [2] In Processo Civil Declarativo, 2.ª Edição, 2017, Almedina, pág. 315. [3] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4.ª Edição, 2017, Almedina, pág. 598. [4] Ob. Cit., pág. 277. [5] Do seguinte teor: “A autora em meados de Dezembro de 2015 foi informada pelas filhas de C… mencionadas em 10) que é filha de C… e irmã das mesmas.” [6] Do seguinte teor: “Que as circunstâncias referidas sob o ponto 11) a autora, B…, tomou conhecimento que o C… era o seu pai biológico, facto que até ali desconhecia.” [7] In “Excepção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias in Julgar Online, Novembro de 2018, pág. 27. [8] Doravante apenas designado por C Civil, por questões de operacionalidade e celeridade. [9] Veja-se, a título exemplificativo, Jorge Duarte Pinheiro in “Inconstitucionalidade do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil – Av. do TC 23/2006, de 10/01/2006” in Cadernos de Direito Privado, n.º 15, Julho/Setembro 2006, pág. 32 e ss., os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14/12/2006, tendo como Relator Alves Velho, proferido no Processo n.º 06ª2489; de 31/01/2007, tendo como Relator Borges Soeiro, proferido no Processo n.º 06ª4303 e de 23/10/2007, tendo como Relator Mário Cruz, proferido no Processo n.º 07ª2736, todos disponíveis em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão, e o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 23/2006, de 10/01/2006, proferido no Processo n.º 885/05 e disponível em www.tribunalconstitucional.pt na data do presente Acórdão. [10] Veja-se, a título exemplificativo, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 99/88, de 28/04/1988m publicado no D.R. II Série, de 22/08/1988. [11] In DR I Série-A, de 08/02/2006. [12] Proferido no Processo n.º 497/10 e disponível em www.tribunalconstitucional.pt na data do presente Acórdão. [13] Doravante designado apenas por TEDH. [14] Neste sentido, pronunciaram-se designadamente os Acórdãos de 06/07/2010, proferido no caso Backlund c. Finlândia (queixa n.º 36498/05), de 27/04/2010, proferido no caso Klocek c. Poland (queixa n.º 20674/07) e de 20/12/2007, proferido no caso Phinikaridou c. Chipre (queixa n.º 23890/02), disponíveis em www.echr.coe.int/hudoc na data do presente Acórdão. [15] Veja-se, neste sentido e a título exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/05/2017, tendo como Relator Tavares de Paiva, proferido no Processo n.º 2886/12.7TBBCL.G1.S1, e o Acórdão desta Relação de 15/09/2015, tendo como Relatora Márcia Portela, proferido no Processo n.º 367/14.3TBPVZ.P1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão e os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 704/2014, de 28/10/14, n.º 547/2014, de 15/07/2014, e n.º 394/2019, de 03/06/19, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt na data do presente Acórdão. [16] In Código Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, pág. 229. [17] In Direito da Família, 2018, AAFDL, pág. 631.

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