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Acórdão TR Porto de 2011-12-07

547/07.8TAPRD.P3

TribunalTribunal da Relação do Porto
Processo547/07.8TAPRD.P3
Nº ConvencionalJTRP000
RelatorMaria Deolinda Dionísio
DescritoresSuspensão da Execução da Pena, Cúmulo Jurídico de Penas
Nº do DocumentoRP20111207547/07.8TAPRD.P3
Data do Acordão2011-12-07
VotaçãoUnanimidade
Privacidade1
Meio ProcessualREC PENAL.
DecisãoNegado Provimento
Indicações Eventuais4ª SECÇÃO
Área Temática.

Sumário

O cúmulo jurídico deve incluir todas as penas de prisão, tenham ou não sido declaradas suspensas, não constituindo violação do caso julgado a aplicação de uma pena única de prisão efetiva na qual se integrou alguma parcelar relativa a pena que havia sido suspensa.


Texto Integral

Processo n.º 547/07.8TAPRD.P3 4ª Secção Relatora: Maria Deolinda Dionísio Adjunto: Moreira Ramos. Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO No processo comum, com intervenção de tribunal colectivo, n.º 547/07.8TAPRD, do 1º Juízo Criminal de Paredes, foi o arguido B…, com os demais sinais dos autos, condenado, por acórdão do Círculo Judicial de Paredes proferido a 23/4/2010, na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, em resultado das penas parcelares de 9 meses e 2 anos e 3 meses de prisão que lhe foram aplicadas pela prática de cada um de 2 (dois) crimes de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º e 218º n.ºs 1 e 2 a), do Cód. Penal. Subsequentemente, apurada a necessidade de realizar cúmulo jurídico com penas que lhe haviam sido aplicadas noutros processos, foi designada data para audiência, tendo sido dispensada a presença do arguido. Realizada a audiência foi proferido acórdão que fixou a pena única em 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.*Inconformado com o decidido, veio o arguido interpor recurso, finalizando a sua douta motivação com as seguintes conclusões: (transcrição) 1. Sofre o acórdão em crise dos males que ficaram explicitados na motivação oferecida, para a qual expressamente remete, a saber 2. É nulo o acórdão porque incorreu em erro de omissão sobre questão que podia e devia conhecer ao englobar uma pena de vinte meses de prisão que já se encontrava por natureza extinta. 3. Não ponderando a questão essencial a saber que o prazo legal da suspensão dessa pena de vinte meses de prisão já havia decorrido há muito quando o tribunal desse processo, ao invés de a declarar extinta, decidiu englobar a mesma no cúmulo de um outro processo e declarando o arquivamento do processo. 4. Bem sabendo que uma pena de vinte meses de prisão não é legalmente susceptível de poder ser suspensa na sua execução por um período de 3 anos. 5. Sendo a extinção da pena uma questão de conhecimento oficioso, essa omissão corresponde ao incumprimento da lei em prejuízo do arguido e tal procedimento violou o princípio constitucional que afirma que os tribunais não podem aplicar normas que infrinjam o disposto na CRP. 6. E é também nulo o acórdão porque omitiu um elemento fundamental na indicação da matéria de facto em "VI-" fls. 3 a saber, a condição imposta pelo TRP quanto à suspensão da ali referida pena de 5 anos de prisão suspensa por igual período: o efectivo pagamento da quantia no prazo de 4 anos. 7. Prazo esse que terminando em 11.11.2012 colocou o arguido na posição de não poder cumpri-la devido ao englobamento dessa pena suspensa, de natureza diferente das demais neste cúmulo final. 8. Contrariando assim e com tal procedimento o efeito útil da decisão tomada anteriormente pelo próprio TRP nos autos em causa, seja do ponto de vista do interesse do arguido, como sobretudo da protecção devida dos ofendidos. 9. Motivos aduzidos e pelos quais deve o acórdão ser revogado e reformulado no sentido de não ser englobada neste cúmulo a pena de 5 anos de prisão suspensa na sua execução mediante o cumprimento da condição imposta. 10. Feriu assim o acórdão em crise os arts. 374º n.º 2 in fine; 379º n.º l, al. c); 410º n.ºs l e 3 e 412º n.º 3 do CPP; arts. 50º n.º 5 do Código Penal; art. 204º da Constituição da República Portuguesa. Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e que “após sanados os vícios invocados, seja o julgamento anulado e reformulado o acórdão e por via disso seja aplicada ao arguido uma pena de prisão fortemente diminuída, a qual não supere o tempo de prisão já cumprido e permita a sua imediata libertação”. ***Houve resposta do Ministério Público sustentando a manutenção do decidido, concluindo nos seguintes termos: - O Tribunal recorrido fez correcta apreciação das decisões a ter em conta na realização do cúmulo jurídico agora sob recurso; - Enquadrou-as legalmente de forma acertada, aplicando o direito vigente; - Atenta a persona­lidade do arguido e a sua reiterada conduta contrária às mais elementares regras de vivência em sociedade o que só demonstra que todas estas condenações não foram suficientes para o afastar da criminalidade, a pena UNITÁRIA em que fora condenado, da forma como foi aplicada, não merece reparo; - Não foram violadas as normas jurídicas referenciadas na motivação de recurso, nem quaisquer outras.*Admitido o recurso, por despacho de fls. 1148, subiram os autos e este Tribunal da Relação, onde o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do recurso não merecer provimento louvando-se, em síntese, no seguinte: - De harmonia com a jurisprudência fixada no Ac. n.º 15/2008, do STJ, o novo prazo de suspensão da execução da pena não pode ser conhecido se o arguido não requerer a abertura de audiência para apreciação de tal questão; - Excedendo as penas em concurso o limite máximo de 25 anos a pena que não interfira nos limites dessa moldura não tem repercussão sobre a pena concreta do cúmulo; - O cumprimento de uma obrigação imposta como condição de suspensão da pena de prisão não elimina a possibilidade de vir a cumprir a pena suspensa, não podendo, além disso, cometer crime que ponha em causa as expectativas que justificaram a suspensão; - As penas consideradas para efeito de novo cúmulo são as penas que correspondem a cada um dos crimes englobados no anterior cúmulo, perdendo eficácia a pena do cúmulo anteriormente efectuado e, naturalmente, também a condição de suspensão; - Todas as penas relativas a cada um dos crimes englobados em qualquer cúmulo, sendo inferiores a 5 anos, podem ser suspensas na sua execução e, por via disso, extinguir-se pelo decurso do prazo de suspensão, todavia essa não é razão atendível na realização do cúmulo.***Cumprido o disposto no art. 417º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não houve resposta. Realizado exame preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência que decorreu com observância das formalidades legais, nada obstando à decisão.***II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Para além das matérias de conhecimento oficioso (v.g. art. 410º n.º 2, do Cód. Proc. Penal), são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar (v., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Tomo III, 2ª ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 20/12/2006, Processo n.º 06P3661, in dgsi.pt). Assim, no caso sub judicio é questionada a integração no cúmulo jurídico das penas aplicadas nos processos n.ºs 529/03.9TAPRD e 845/02.7TAPRD, a primeira delas por já se mostrar extinta e a segunda por se ter ignorado a impossibilidade legal de cumular visto que a pena foi suspensa com a obrigação de pagamento de determinada quantia aos ofendidos em prazo ainda a decorrer.*2. Apreciando Consoante decorre do já supra exposto o arguido B… conformou-se com a realização de cúmulo jurídico superveniente visando fixar a pena única correspondente às condenações sofridas e demais considerações atinentes aos factos e personalidade, ponderadas no seu conjunto, questionando, porém, duas das penas que aí foram integradas, sustentando que havia razões para não ser assim. Vejamos, pois, se lhe assiste razão***2.1. A decisão recorrida: (transcrição) «Acordam os juízes que constituem o tribunal colectivo do 1º Juízo Criminal do Tribunal de Paredes:*B…, divorciado, comerciante, natural de …, Paredes, nascido a 5 de Agosto de 1960, filho de C… e de D…, residente na Rua …, sem número, …, Paredes, foi sujeito às seguintes condenações: I- Em 31/01/2006 por sentença transitado em julgado em 2/03/2006 pela prática em 19/04/2000 de um crime de burla simples em pena de prisão suspensa na sua execução entretanto declarada extinta por despacho de 7/05/2008 (Proc. Comum Singular n.º 35/03.1TAPRD do 2.º Juízo do Tribunal de Paços de Ferreira – fls. 875 e ss.). II- Em 1/06/2007 por sentença transitada em 18/06/2007 pela prática em 19/03/2000 de um crime de burla qualificada em pena de prisão suspensa na sua execução entretanto declarada extinta por despacho de 17/11/2009 (Proc. Comum Singular n.º 394/06.4TAPFR do 1.º Juízo do Tribunal de Paços de Ferreira). III- Em 11/07/2005 por sentença transitada em julgado em 18/01/2007 pela prática de: ● um crime de burla qualificada, na forma continuada, p. e p. pela conjugação dos arts. 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 e 30.º do CP, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão; ● um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256.º, n.º1, al. b) do CP, na pena única de 1 ano de prisão; ● um crime de uso de documento falsificado, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão; ● um crime de uso de documento falsificado, na forma continuada, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico na pena única de 4 anos de prisão, cuja suspensão, depois da reabertura da audiência para o efeito, foi recusada pelo Tribunal por acórdão já transitado em julgado (Processo Comum Colectivo n.º 923/02.2TAPRD do 2.º Juízo Criminal de Paredes). IV- Em 5/01/2007 por sentença transitada em 11/10/2007 pela prática em 5/07/2001 de um crime de falsificação ou contrafacção de documento, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, al. a) do CP, na pena de 20 meses de prisão suspensa na sua execução, suspensão que não foi revogada nem declarada extinta (Proc. Comum Singular n.º 529/03.9TAPRD do 2.º Juízo Criminal do Tribunal de Paredes – fls. 895 e ss e 1033). V- Em 6/03/2008 por acórdão transitado em 15/04/2008 pela prática em 2001 de: ● Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CP, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão; ● Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CP, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão; ● Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CP, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão; ● Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CP, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão; ● Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 do CP, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão; ● Um crime de falsificação, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, al. c), do CP, na pena de 7 meses de prisão; ● Um crime de falsificação, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, al. c), do CP, na pena de 9 meses de prisão; ● Um crime de falsificação, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, al. c), do CP, na pena de 9 meses de prisão; ● Um crime de falsificação, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, al. c), do CP, na pena de 10 meses de prisão; ● Um crime de falsificação, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, al. c), do CP, na pena de 9 meses de prisão, e em cúmulo jurídico na pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos (Proc. Comum Colectivo n.º 8217/02.7TDPRT da 4.ª Vara Criminal do Porto – fls. 936). VI- Em 15/10/2008 por acórdão transitado em julgado a 11/11/2008 pela prática em 9/05/2001 de: ● seis crimes de uso de documento falsificado, cada um p. e p. pelo art. 256.º do CP na pena de 10 meses de prisão por cada crime; ●um crime de burla qualificada, p. e p. pelo n.º 1 do art. 218.º do CP na pena de 6 meses de prisão; ● um crime de burla qualificada, p. e p. pelo n.º 1 do art. 218.º do CP na pena de 1 ano de prisão; ● um crime de burla qualificada, p. e p. pelo n.º 2, al. a) do art. 218.º do CP na pena de 2 anos e 3 meses de prisão; ● um crime de burla qualificada, p. e p. pelo n.º 2, al. a) do art. 218.º do CP na pena de 2 anos de prisão; ● um crime de burla qualificada, p. e p. pelo n.º 2, al. a) do art. 218.º do CP na pena de 2 anos e 3 meses de prisão; ● um crime de burla qualificada, p. e p. pelo n.º 2, al. a) do art. 218.º do CP na pena de 2 anos de prisão, e, em cúmulo jurídico na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por período de 5 anos (Proc. Comum Colectivo 845/02.7TAPRD do 4.º Juízo do Tribunal de Penafiel – fls. 989). VII- Em 27/02/2008 por acórdão transitado em julgado a 16/02/2009 pela prática em 30/06/2000 de: ● três crimes de falsificação de documento, ps. e ps. pelo art. 256.º, n.º 1, als. b) e c) do CP na pena de 8 meses de prisão por cada um deles; ● um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, al. c) do CP na pena de 8 meses de prisão; ● dois crimes de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º e 218.º, n.º 1 do CP, respectivamente nas penas de 1 ano e 5 meses e 1 ano e 4 meses de prisão; ● um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º e 218.º, n.º 1 do CP, respectivamente na pena de 2 anos de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena de única de 3 anos e 10 meses de prisão (Proc. Comum Colectivo n.º 428/03.4TAPRD do 2.º Juízo Criminal do Tribunal de Paredes – fls. 675 e ss). VIII- Em 23/02/2010 por acórdão transitado em julgado a 16/03/2010 pela prática em 2001 e 2002 de: ● quatro crimes de falsificação de documento, ps. e ps. pelo art. 256.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 do CP, na pena de 9 meses de prisão por cada um deles; ● três crimes de burla qualificada, ps. e ps. pelos arts. 217.º, 218.º, n.º 1 e 202.º, al. a) do CP na pena de 12 meses de prisão por cada um deles; ● quatro crimes de burla qualificada, ps. e ps. pelos arts. 217.º, 218.º, n.º 2, al. a) e 202.º, al. a) do CP na pena de 16 meses de prisão por cada um deles, e, em cúmulo jurídico, na pena de 5 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período (Proc. Comum Colectivo n.º 518/03.3TAPRD do 3.º Juízo do Tribunal de Penafiel – fls. 921). IX- Em 23/04/2010 por acórdão transitado em julgado a 4/01/2011 pela prática em 1999 de: ● um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º, 218.º, n.º 1 e n.º 2, al. a) do CP, na pena de 9 meses de prisão, e ● um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º, 218.º, n.º 1 e n.º 2, al. a) do CP, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão (presentes autos - Proc. Comum Colectivo n.º 547/07.8TAPRD- fls. 566).*(…) Do que fica dito constata-se que todos os factos objecto de condenação nos processos supra referidos em I a IX foram praticados antes do trânsito em julgado de qualquer uma dessas condenações, pelo que, havendo concurso entre os respectivos crimes, verifica-se uma situação de conhecimento superveniente de concurso a que se refere o art. 78.º do CP que manda aplicar as regras do art. 77.º do mesmo diploma legal relativas à determinação de um única pena. Na verdade, resulta da interpretação conjunta dos arts. 77.º e 78.º do CP que se depois de uma condenação transitada em julgado se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras da punição do concurso, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes. Para que se verifique uma situação deste género, ou seja de conhecimento superveniente de concurso é necessário, pois, em primeiro lugar, que o crime de que agora se tem conhecimento tenha sido praticado antes da anterior condenação, de tal modo que esta, se o conhecesse, o teria considerado para efeitos da pena conjunta. No que respeita às penas resultantes das condenações supra referidas em I e II trata-se de penas de prisão suspensas na sua execução entretanto já declaradas extintas. A este respeito importa dizer que antes do DL n.º 59/2007, discutia-se se na composição da pena única entravam as penas cumpridas, dúvida que resultava do teor literal do 1.º segmento do n.º 1 do art. 78.º - “Se depois de uma condenação transitar em julgado, mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta…”. Gonçalves da Costa esclarecia que “não se pronuncia [o art. 78.º do CP] relativamente às penas dos crimes que refere na parte final, não diz, nomeadamente, que devam ser excluídas do cúmulo as penas desses crimes já cumpridas. Se esse fosse o sentido da norma em referência, ela contrariaria o disposto no art. 77/1, que estabelece, sem restrições, a obrigatoriedade de condenar numa única pena o agente de crimes que integram um concurso: levaria contra o aí determinado e o espírito do sistema, a uma acumulação material das penas particularmente aplicadas (…). Seria mesmo inconstitucional, por violação do princípio da igualdade: premiaria o condenado relapso e desfavorecia o que cumprisse a pena. A leitura que defende a aludida exclusão (das penas cumpridas) esquece que o concurso definido por sentenças proferidas em diferentes processos pode ser considerado a partir de qualquer delas, e (…), assim, se estará em presença da hipótese da norma (…) sempre que, antes de uma condenação cuja pena não está extinta, pelo cumprimento ou por outra causa, o agente do crime a que essa condenação corresponde cometeu outro ou outros crimes em relação de concurso com aquele, estejam ou não cumpridas as respectivas penas: se estão cumpridas, entrarão do mesmo modo na determinação da pena única, e o tempo passado pelo condenado em cumprimento de tais penas será levado em conta no cumprimento da pena do concurso – se algo restar por cumprir. De fora ficarão, naturalmente, as penas extintas por causa diversa do cumprimento, por ex. a prescrição ou o perdão genérico.” Foi o que veio a ser reconhecido na revisão do Código Penal operada pela Lei n.º 59/2007 de 4/9 que conferiu ao art. 78.º, n.º 1 a seguinte redacção: “Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”. A lei nova é assim interpretativa da lei anterior, e, não tendo carácter inovador, não se verifica qualquer sucessão de leis que exija a aplicação da norma do art. 2.º, n.º 4 do CP. A este entendimento há que introduzir, porém, uma ressalva relativa às penas de substituição da prisão cumpridas antes do conhecimento do concurso. Muitas das decisões dos nossos Tribunais Superiores vão no sentido de que as penas de substituição aplicadas por decisões transitadas em julgado aos crimes em concurso podem ser revogadas e substituídas por uma pena única, ainda que de prisão efectiva. É o caso do Ac. do STJ de 20/10/2007 segundo o qual a intangibilidade do caso julgado cede perante o concurso de infracções, pois é a própria lei que o determina. O nosso sistema penal, ao não optar pelo simples somatório de penas em concurso e ao ficcionar uma conduta global para a punir com uma pena única, quis uma efectiva reavaliação da questão da sanção penal, de resto numa nova audiência, e que pode ser produzida prova actual sobre a situação do condenado. Perante o concurso superveniente de crimes, o juiz do cúmulo não fica tolhido com os diversos casos julgados que se formaram no momento da aplicação das penas parcelares e pode escolher a pena única adequada, dentro dos limites abstractos indicados no art. 77.º, n.º 1 do CP. Assim, o caso julgado não constitui um obstáculo à modificação da medida das penas aplicadas, ficando em aberto, no concurso superveniente, a questão da sanção no que toca quer à medida quer à espécie da pena. Acresce que o arguido não tem porque ficar surpreendido com a modificação que a pena suspensa sofre ao ficar englobada numa pena única de prisão efectiva, posto que na altura em que transitou em julgado a sentença que lhe aplicou a pena suspensa já o mesmo havia, e sabia, cometido os outros factos a serem punidos conjuntamente com aqueles. Sendo assim, há, porém, que ressalvar as situações a que já aludimos de penas de substituição da prisão se a mesma estiver já extinta pelo cumprimento. Na verdade, a paz jurídica do indivíduo, que viu já a sua pena de substituição extinta, não pode ser prejudicada pela anulação desta e pela integração da pena substituída na pena única que pode ser de prisão efectiva. O condenado em pena de suspensão da execução da pena de prisão – ou noutra pena de substituição – que cumpriu os deveres e regras de conduta que lhe foram impostas e que adoptou um comportamento socialmente adequado e responsável, por razões atinentes ao cometimento de outros crimes em momento anterior ao da execução daquela pena, poderia ser confrontado com uma nova pena que eliminaria aquela e implicaria um outro cumprimento. As expectativas legitimamente criadas, a confiança e o esforço postos num projecto de ressocialização, por motivos alheios ao cumprimento da pena em que o arguido foi condenado, podiam ao cabo e ao resto ficar completamente postergados. A estabilidade e a paz pessoais ficariam assim irremediavelmente comprometidas em prejuízo da própria prevenção especial. A formação da pena única nestas situações violaria o próprio princípio constitucional ne bis in idem consagrado no art. 29.º, n.º 5 da CRP que naturalmente proíbe o duplo julgamento por forma a evitar que alguém seja condenado duas vezes por o mesmo crime ou por um crime pelo qual foi absolvido (Gomes Canotilho/Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa”, 3.ª ed., Coimbra Editora, 1993, pág. 194). Pois bem, a condenação sofrida pelo arguido nos processos identificados em I e II dizem respeito a penas de prisão suspensas já extintas. Logo, afigura-se-nos, por tudo quanto vem de se dizer, que as mesmas não devem integrar o cúmulo. Integram assim o cúmulo em apreço, as penas aplicadas ao arguido nos processos mencionados em III a IX, correspondendo o último aos presentes autos. Terá, pois, de operar-se o cúmulo jurídico de tais penas em ordem a aplicar-se ao arguido uma pena única – art. 77º, n.º1 ex vi do art. 78º, n.º1, ambos do Código Penal. A moldura penal dentro da qual se terá de encontrar a pena única vem contemplada no n.º 2 do art.º 77º, nº1, do Código Penal — tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes não podendo exceder 25 anos. Na determinação da pena única serão considerados em conjunto os factos e a personalidade do arguido (art.º 77º, n.º 1, do Código Penal). Na fixação da pena única, será o conjunto dos factos a fornecer a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária - do agente interessará, sobretudo, saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou somente a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será de atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. Assim, dentro de uma moldura penal de 3 anos e 6 meses a 25 anos de prisão, tendo presentes os factos e a personalidade do arguido (conforme decorre da sentença proferida nos presentes autos, das sentenças e acórdãos atrás referidos e juntas por certidão, do certificado de registo criminal e do relatório social), nomeadamente: ● o número, a variedade e tipo de crimes praticado, em sinal de uma significativa indiferença pelos valores em causa; ● o número de penas únicas de prisão cuja execução foi suspensa, em sinal de um juízo de prognose favorável; ● a circunstância de os factos se situarem numa período delimitado no tempo, essencialmente 2000 e 2001 e o tempo já decorrido desde então, a par do esforço empreendido pelo arguido no sentido da sua ressocialização, a atenuar por uma lado as exigências de restabelecimento dos bens jurídicos violados e, por outro, as necessidades de prevenção especial. ● o bom comportamento do arguido em meio prisional e a adopção pelo mesmo de comportamentos pro-sociais, designadamente a nível de formação como factor de integração comunitária a que se junta o apoio familiar manifestado pelo agregado próximo e mais alargado. ● o arrependimento de que o descrito comportamento é revelador. Tudo ponderado, afigura-se-nos, pois, adequado e proporcional aplicar ao arguido a pena única de 7 anos e 6 meses de prisão.*Em face do exposto, e sem necessidade de maiores considerações, o tribunal colectivo decide, efectuando o cúmulo jurídico das penas que lhe foram impostas nos processos supra referidos sob os números III a IX inclusive, condenar o arguido B… na pena única de 7 (anos) e 6 (meses) de prisão.»***2.2. A pena do processo 529/03.9TAPRD Invoca o recorrente que a decisão recorrida é nula por ter englobado a pena de 20 meses de prisão aplicada nesses referenciados autos, quando a mesma já se encontrava por natureza extinta, questão que podia e devia ter sido conhecida pelo tribunal a quo. Vejamos Dispõe o art. 379º n.º 1 c), do Cód. Proc. Penal, que: “É nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Assim, tem sido pacificamente aceite que a omissão de pronúncia consiste, essencialmente, na falta de tomada de posição ou de decisão por parte do tribunal relativamente a matérias cujo conhecimento lhe era imposto por lei ou em resultado do complexo de problemas que os sujeitos processuais submeteram à sua apreciação. In casu, o recorrente invoca que a decisão recorrida não apreciou as implicações que a actual redacção do art. 50º n.º 5, do Cód. Penal, teria na pena de 20 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, aplicada no Processo Comum Singular n.º 529/03.9TAPRD do 2.º Juízo Criminal do Tribunal de Paredes, por sentença de 5/01/2007 e transitada em 11/10/2007, só por isso a considerando, em seu entender indevidamente, não extinta. A questão prende-se com a circunstância de uma das alterações introduzidas ao Código Penal, pela Lei n.º 59/2007, de 4/9, ter incidido sobre os parâmetros do prazo da suspensão da execução da pena, consagrando-se no citado n.º 5, do art. 50º, que: “O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão”. Tal modificação originou algumas divergências jurisprudenciais sobre as consequências que deviam ser extraídas dessa norma relativamente aos casos de condenações em que o prazo de suspensão fixado fosse superior àquele que, no âmbito da nova lei, seria admissível, sustentando uma das teses que o tribunal, oficiosamente, devia reduzir o prazo em conformidade com a nova realidade e a outra que o prazo devia manter-se incólume a não ser que o interessado viesse requerer a alteração. Todavia, a querela aludida foi, entretanto, solucionada pelo nosso Mais Alto Tribunal que concluindo que “…Só o pedido do condenado e a garantia de que a declaração do direito será feita com a sua participação e a dos demais sujeitos processuais, sob contraditório pleno, asseguram, em absoluto, por um lado, o direito do arguido ao julgamento único, a não modificação arbitrária da sentença e a certeza de que a lei posterior só será aplicada se lhe for indiscutivelmente mais favorável, por outro lado, o direito dos demais sujeitos processuais e da comunidade à estabilidade do decidido em sentença com trânsito em julgado, enquanto meio de tutela dos bens jurídicos e de defesa da ordem jurídica, através da garantia de participação na decisão de aplicação da lei nova de conteúdo mais favorável ao condenado” fixou no seu acórdão n.º 15/2009, de 21/10/2009, publicado no DR n.º 227, Série I, de 23/11/2009 a jurisprudência seguinte: «A aplicação do n.º 5 do artigo 50.º do Código Penal, na redacção da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, a condenado em pena de suspensão da execução da prisão, por sentença transitada em julgado antes da entrada em vigor daquele diploma legal, opera-se através de reabertura da audiência, a requerimento do condenado, nos termos do artigo 371.º-A do Código de Processo Penal.» Consequentemente, não tendo o arguido, aqui recorrente, exercitado em tempo oportuno tal faculdade prevista na lei tendo a pena em causa sido integrada nos cúmulos que foram sendo sucessivamente formulados antes de decorrer o aludido prazo de 3 anos, é óbvio que a mesma perdeu autonomia – daí derivando o arquivamento do processo original, ou seja onde fora aplicada, e não de qualquer extinção da mesma - e também não se extinguiu automaticamente logo que decorridos 20 meses visto que a redução do prazo de suspensão dependia de acto do arguido que o mesmo não praticou – pedido de reabertura da audiência com tal finalidade -, não havendo, pois, qualquer obrigação do tribunal a quo se pronunciar a tal propósito e, muito menos, no sentido pretendido. Aliás, como se vê da certidão junta a fls. 1072 e segs., relativa ao anterior cúmulo de penas levado a efeito no processo n.º 518/03.3TAPRD, do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Penafiel e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que sobre ele recaiu, a questão já fora suscitada nesse recurso pelo arguido e julgada improcedente precisamente com tal fundamento (v. fls. 1101).*2.3. A pena do processo 845/02.7TAPRD O recorrente invoca que a decisão recorrida seria nula por ter omitido um elemento fundamental na indicação do ponto VI da matéria de facto visto que, referindo a suspensão da execução da pena única, não especificou a condição de pagamento aos ofendidos imposta por este Tribunal da Relação do Porto, anulando assim o efeito pretendido por tal decisão, isto é a protecção do direito dos ofendidos e a liberdade individual do arguido. Considerando que o objecto da decisão recorrida é unicamente a (re)formulação do cúmulo jurídico das penas em que o arguido, ora recorrente, foi condenado, facilmente se conclui pela sua falta de razão. É que, para o efeito em vista são unicamente atendidas as penas concretamente aplicadas a cada um dos crimes, sendo irrelevantes as eventuais penas únicas que, anteriormente, lhe possam ter sido fixadas, atentos os critérios consagrados no art. 77º, aplicáveis ao concurso superveniente, por força do estatuído no art. 78º n.º 1, ambos do Cód. Penal. Por outro lado, a finalidade da política-criminal relativamente à suspensão da execução da pena de prisão é o afastamento do agente da reiteração criminosa, ou seja da prática de novos crimes, e assenta num prognóstico favorável relativamente ao seu comportamento futuro. Esse regime pode ser complementado pela imposição de deveres – como seja a obrigação de pagamento de indemnização ou de determinada quantia - tendo em vista reparar o mal do crime, ou por regras de conduta destinadas a promover a reintegração social do agente (arts. 51º n.º 1 e 52º n.º 1, do Cód. Penal). Nesta conformidade, “na suspensão condicional da pena, o que se pune é o juízo de desvalor ético-social contido na sentença penal com apelo à própria vontade do condenado para se reintegrar na sociedade sob a ameaça de execução futura dessa mesma pena.” E, a imposição de deveres tem em vista “controlar essa reintegração e readaptação social dos arguidos, para que eles observem uma conduta correcta durante o período da suspensão, evitando-se, ao mesmo tempo, os danos causados pelo cumprimento de uma pena privativa da liberdade.”[1] Assim, é totalmente destituído de sentido invocar a protecção de direitos do ofendido, seja por falta de interesse em agir do recorrente, seja ainda porque, claramente, não é essa a finalidade da imposição de deveres ao condenado em pena de prisão suspensa. De igual modo, a liberdade do condenado resulta da suspensão da execução da pena e não propriamente das condições impostas (deveres ou regras de conduta). Tanto assim que estas poderão não ser cumpridas sem que haja revogação da suspensão (caso de incumprimento não culposo – art. 56º n.º 1 a), do Cód. Penal, a contrario) e poderá ser determinado o cumprimento da prisão mesmo que os deveres ou regras impostas tenham sido cumpridos [cometimento de novo crime doloso evidenciando-se que as finalidades que presidiram à suspensão não foram atingidas – alínea b) do citado normativo]. Ora, o nosso mais Alto Tribunal tem vindo a entender, maioritária e predominantemente, que o cúmulo jurídico deve incluir todas as penas de prisão, tenham ou não sido declaradas suspensas, por ser essa a solução mais equitativa e que admite a aplicação de penas mais justas, não havendo violação do caso julgado mesmo quando se aplica uma pena única de prisão efectiva na qual se integrou alguma parcelar relativa a pena que havia sido suspensa, já que este incide sobre a medida da pena e não sobre a sua execução. Sabendo o agente que incorreu na prática de vários crimes, como é o caso do arguido, parte dos quais ainda não julgados no momento da condenação em pena de prisão suspensa na sua execução, não pode ignorar que essa substituição da pena privativa de liberdade por outra não detentiva pressupõe alguma provisoriedade, dependendo de eventuais futuras condenações que, a ocorrer, originarão um subsequente conhecimento de um concurso de crimes a punir com uma única pena baseada na reavaliação, em conjunto, dos factos e da personalidade do condenado, e que poderão ou não sustentar a possibilidade de substituição da pena de prisão.[2] Daí que, havendo algumas divergências jurisprudenciais sobre a integração [e respectivos termos] de penas de prisão suspensas em cúmulo jurídico superveniente, se impusesse apenas a referência a tal circunstância e fundamentação da opção tomada, mas sem necessidade de outra pormenorização sobre os exactos termos da suspensão, dever este que o tribunal a quo cumpriu exemplarmente, como evidencia o teor da decisão que já supra se transcreveu. Assim, forçosa é a conclusão que a decisão recorrida está devidamente fundamentada de facto e de direito, nela não se surpreendendo qualquer omissão factual ou de pronúncia susceptível de gerar a sua nulidade. Acresce ainda que do respectivo texto não evola qualquer lacuna no apuramento da matéria de facto essencial à decisão de direito, incompatibilidade inultrapassável ou falha grosseira e ostensiva que pudessem inquinar a sua validade e que devessem ser declarados oficiosamente nos termos previstos no art. 410º n.º 2, do Cód. Proc. Penal. Consequentemente, carecem de fundamento as censuras dirigidas à decisão recorrida que deve manter-se na íntegra.*III – DISPOSITIVO Em face do exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em negar provimento ao recurso, mantendo nos seus precisos termos a decisão recorrida. Custas pelo recorrente com 4 (quatro) UC de taxa de justiça – art. 513º n.º 1, do Cód. Proc. Penal.*[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º n.º 2, do CPP] Porto, 7 de Dezembro de 2011 Maria Deolinda Gaudêncio Gomes Dionísio António José Moreira Ramos ______________ [1] Ac. STJ, de 13/3/2008, Processo n.º 07P3204, Cons. Souto de Moura, in dgsi.pt. [2] Neste sentido, Ac. STJ, de 11/5/2011, Proc. 1040/06.1PSSLB.S1, Raul Borges, e demais jurisprudência aí citada, disponível in dgsi.pt.

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