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Acórdão STJ de 2023-03-30

30/23.4YRCBR-A.S1

TribunalSupremo Tribunal de Justiça
Processo30/23.4YRCBR-A.S1
Nº Convencional5.ª SECÇÃO
RelatorJosé Eduardo Sapateiro
DescritoresHabeas Corpus, Detenção, Extradição, Cumprimento de Pena, Rejeição
Data do Acordão2023-03-30
VotaçãoUnanimidade
Privacidade1
Meio ProcessualHABEAS CORPUS
DecisãoImprocedência / Não Decretamento.

Sumário

Quando a detenção provisória do requerente, que foi legitimamente validada e mantida por Juiz do tribunal da Relação, a quem aquele cidadão brasileiro foi apresentado pelo MP, na sequência da execução pelo SEF de uma ordem de detenção provisória, via INTERPOL, não ultrapassou o prazo limite de 65 dias previsto no n.º 1 do art. 52.º da Lei n.º 144/99, de 31-08, tendo a mesma derivado do facto de o requerente ter sido judicialmente condenado por um tribunal da República Federativa do Brasil pela prática do crime de transporte ilícito de substâncias estupefacientes [que também é punido no sistema penal português com uma pena mínima de prisão superior a 1 ano], numa pena de prisão efetiva de 6 anos, 11 meses e 10 dias, para cujo cumprimento se encontra pendente, desde o dia 23-03-2023, um pedido judicial de extradição formulado pelo Estado Brasileiro junto do Estado Português, tem o presente pedido de Habeas corpus de ser negado, por falta de fundamento legal.


Texto Integral

Processo n.º 30/23.4YRCBR-A.S1 Habeas Corpus Acordam, em Audiência, no Supremo Tribunal de Justiça:   I - PEDIDO AA, «Requerido nos autos em epígrafe e neles melhor identificado, detido provisoriamente desde dia 01.02.2023, como ato prévio de pedido formal de extradição a ser formulado pela autoridade judiciária do Brasil, vem propor, ao abrigo do art.º 31.º da CRP e dos art.ºs 222.º e 223.º do Código de Processo Penal (CPP), requerer providência de habeas corpus com os seguintes fundamentos: 1.º - No dia 25 de fevereiro de 2019 foi emitida uma ordem de detenção provisória do Requerido, com o n.º 482/2019/009264-4, enviada via INTERPOL, como ato prévio de pedido formal de extradição pela autoridade judiciária do Brasil. 2.º - Por, alegadamente e em síntese, o Requerido ter sido condenado, na República do Brasil, por decisão, de 09.01.2017, pela prática de um crime de transporte de drogas sem autorização e em desconformidade com os requisitos legais ou regulamentares, previsto e punido pelo art.º 33.º, § 4 da Lei Brasileira n.º 11.343/2006 e pelo artigo 29.º do Código Penal Brasileiro. 3.º - No dia 01.02.2023 foi o Requerido detido provisoriamente pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). 4.º - A 03.02.2023 foi a detenção do Requerido validada por despacho liminar de referência n.º ...18. 5.º - Nesse mesmo dia, procedeu-se à audição do extraditando, tendo este declarado não consentir na sua entrega às Autoridade Brasileiras, não dando o seu consentimento ao pedido de extradição e não renunciando ao princípio da especialidade. 6.º - Quanto à detenção provisória foi proferido pelo Exmo. Sr. Juiz Desembargador Relator o seguinte despacho: (…) Ao Requerido foi imposta, no País da sua naturalidade, a pena de 6 anos, 11 meses e 10 dias de prisão. O Requerido reside em Portugal onde trabalha na construção civil, vive com a mulher e com dois filhos de 17 e 11 anos de idade. O Requerido, não obstante a inserção laboral e familiar que aparenta ter, só agora teve conhecimento do pedido de detenção. As razões que determinaram a abandonar o país da naturalidade, retomam agora, e perante este conhecimento, plena atualidade, isto é, subtração ao cumprimento da pena imposta. Assim sendo, é evidente a acuidade do perigo de fuga, motivado pela eminência do cumprimento daquela sanção, mediante o desenrolar do presente processo. Pelo que fica dito, e ponderado também a gravidade do crime cometido e a relativa severidade da pena importa e a cumprir, com os apontados reflexos na densificação do referido perigo, entendo que, neste momento processual deve ser mantida a detenção do Requerido. Pelo exposto determino que o Requerido aguarde os ulteriores termos do processo na situação de detenção. (…) Mais determino que (…) b) O pedido de extradição deverá ser apresentado no prazo de 40 dias a contar da data da detenção – 01-02-2023 -, ou seja, até ao próximo dia 12 de Março de 2023, sob pena de ser cessada a medida de detenção do Requerido (art.º 21.º, n.º 1 da referida Convenção).” 7.º - A 06.03.2023 o Digno Magistrado do Ministério Público veio aos presentes autos remeter o expediente recebido da PGR – DEPARTAMENTO DE COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS, a informar que no dia 03 de março de 2023 foi recebido o pedido de extradição formulado pelas autoridades brasileiras respeitante ao Requerido e a promover que o prazo de detenção passasse a ser de 60 dias até à apresentação do pedido de extradição em juízo. 8.º - Mais consignando que: “recebido que foi o pedido formal de extradição, deu-se agora início à fase administrativa do processo de extradição, nos termos do artigo 46.º, n.º 2 e do artigo 48.º da Lei 144/99 de 31 de agosto, que nos termos do artigo 63.º, n. º 1, do mesmo diploma deverá ser ultimado no prazo de máximo de 15 dias.” 9.º - A 06.03.2023, por despacho, foi deferido o promovido pelo Ministério Público e declarado que o prazo máximo de detenção do requerido é o de sessenta dias, a contar da data de detenção. 10.º - Mantendo-se o arguido detido antecipada e provisoriamente. 11.º - Ora, recebido o pedido de extradição, o processo tem caráter urgente e compreende uma fase administrativa e uma fase judicial. – cf. artigo 46.º da Lei 144/99 de 31 de agosto. 12.º - A fase administrativa é regulada pelo artigo 48.º da Lei n.º 44/99 de 31 de agosto, que dispõe o seguinte: “                                                     Artigo 48.º Processo administrativo 1 - Logo que receba o pedido de extradição, e verificada a sua regularidade formal, a Procuradoria-Geral da República, quando o considere devidamente instruído, elabora informação no prazo máximo de 20 dias e submete-o à apreciação do Ministro da Justiça. 2 - Nos 10 dias subsequentes, o Ministro da Justiça decide do pedido. 3 - Em caso de indeferimento do pedido, o processo é arquivado, procedendo-se à comunicação a que se refere o n.º 3 do artigo 24.º 4 - A Procuradoria-Geral da República adota as medidas necessárias para a vigilância da pessoa reclamada.” 13.º - A acrescer e nos termos do artigo 63.º, n.º 1 da Lei n.º 144/99 de 31 de agosto, nos casos de detenção antecipada, como é caso dos presentes autos, os prazos da fase administrativa do processo de extradição, previstos no artigo 48.º, reduzem-se para um prazo máximo de 15 dias. 14. - Ou seja, a fase administrativa do processo de extradição tem de estar necessariamente concluída em 15 dias. 15.º - Considerando que o pedido formal de extradição ocorreu a 03.03.2023 e que a fase administrativa teria de estar concluída em 15 dias, esta teria que estar ultimada a 18.03.2023. 16.º - Porém, o dia 18.03.2023 calhou a um sábado e o prazo transferiu-se para o primeiro dia útil seguinte e, portanto, a fase administrativa do presente processo de extradição teria que ter terminado a 20.03.2023. 17.º - Não obstante, a fase administrativa do processo de extradição, regulada nos artigos 63.º e 48.º da Lei 144/99 de 31 de agosto, não foi concluída no dia 20.03.2023 (término do  prazo máximo de 15 dias). 18.º - E, nessa data, não foi proferida decisão pelo Ministro da Justiça quanto ao pedido de extradição, nem, tão pouco, a mesma foi comunicada ao extraditando. 19.º - Com efeito, o processo de extradição deve ser recusado e consequentemente arquivado e cessada a detenção do Requerido. 20.º - Isto porque, a detenção provisória integrada no processo de extradição está sujeita a prazos curtos devido à sua natureza e finalidade. 21.º - Mais a mais, o processo de extradição é um processo urgente expressamente afirmado no art.º 46.º, n.º 1 da Lei de Cooperação Judiciária Internacional e confirmado pelos prazos especiais e reduzidos que são estabelecidos para a sua tramitação, quer na fase administrativa, quer na fase judicial. 22.º - Nesse sentido, não tendo sido respeitado prazo de 15 dias imposto pelo artigo 63.º, n.º 1 da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, deve o pedido de extradição ser recusado, por força do artigo 6.º, n.º 1, al. a) do mesmo diploma, e, em consequência, o processo extradição arquivado e o Requerido imediatamente libertado. 23.º - Por outras palavras, o Requerido privado do seu direito à liberdade, por forma a viabilizar um pedido formal de extradição. 24.º - Contudo, o Requerido mantem-se detido para além dos prazos fixados por lei, nomeadamente o prazo fixado no artigo 63.º, n.º 1 da Lei 144/99 de 31 de agosto. 25.º - Em suma, o Requerido encontra-se ilegalmente detido, nos termos da al. c), do n º 2, do art.º 222.º do CPP e 31.º da CRP, por violação do disposto no n.º 1 do art.º 63.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto e arts. 20.º e 27.º da CRP. 26.º - Deste modo, deve ser declarada ilegal a detenção provisória do Requerido e ordenada a sua imediata libertação, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 31.º da CRP e dos arts. 222.º e 223.º, n.º 4, al. d) do CPP. Nestes termos e nos melhores de direito deve julgar-se procedente, por provada, a presente providência      de Habeas  Corpus e, em consequência, deve ser declarada a ilegalidade da detenção provisória e ordenada a libertação imediata do Requerido, tudo com as legais e devidas consequências, seguindo-se os demais termos legais.» (transcrição total). II – INFORMAÇÃO 2. Foi prestada, com data de 22/3/2023, a informação de acordo com o disposto no art.º 223.º, número 1, do Código de Processo Penal, nos seguintes termos (transcrição parcial): «1. O requerente AA, cidadão da República Federativa do Brasil, foi detido pelas 19h30 do dia 1 de fevereiro de 2023, pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, na decorrência de uma RED NOTICE INTERPOL, por ser procurado para extradição para cumprimento de pena. 2. Por despacho do relator de 3 de fevereiro de 2023, foi validada a detenção do requerente, como ato prévio de pedido formal extradição a ser formulado pela autoridade judiciária da República Federativa do Brasil. 3. O requerente foi ouvido na Relação de Coimbra no dia 3 de Fevereiro de 2023, e por despacho do relator então proferido, foi determinado que o mesmo aguardasse os ulteriores termos do processo na situação de detenção, mais aí se consignando que, nos termos do disposto no art.º 21.º, n.º 4 da Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa, o pedido de extradição deveria ser apresentado no prazo de quarenta dias a contar da detenção, sob pena de cessação da medida de detenção aplicada. 4. O pedido de extradição do requerente, formulado pela autoridade judiciária da República Federativa do Brasil deu entrada na Procuradoria-Geral da República no dia 3 de março de 2023. 5. Por despacho do relator de 6 de março de 2023, foi declarado que, nos termos do art.º 63.º, n.º 3 da Lei nº 144/99, de 31 de agosto, o prazo máximo de detenção do requerente é o de sessenta dias a contar da data da detenção, até à entrada em juízo do pedido de extradição. 6. Iniciando-se a detenção do requerente no dia 1 de fevereiro de 2023, o prazo de sessenta dias referido em 5., que antecede, terminará no dia 1 de abril de 2023. 7. O requerente mantém-se ininterruptamente detido à ordem destes autos, desde o dia 1 de fevereiro de 2023.» III - FUNDAMENTAÇÃO 3. Questão a decidir: a ilegalidade da manutenção da detenção do Requerente, com fundamento na ultrapassagem do prazo máximo prazo de 15 dias imposto pelo artigo 63.º, n.º 1 da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto para a fase administrativa do processo de extradição, o que determina necessariamente a recusa do pedido de extradição formulado pelo Estado brasileiro, por força do artigo 6.º, n.º 1, al. a) do mesmo diploma legal, e, em consequência, o inerente arquivamento do processo extradição, com a imediata libertação de AA. * 4. O circunstancialismo factual relevante para o julgamento do pedido resulta da petição de habeas corpus, da informação e da certidão que acompanha o processo e é o seguinte: «4.1. O requerente AA, cidadão natural da República Federativa do Brasil, foi detido pelas 19h30 do dia 1 de fevereiro de 2023, pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, na decorrência de uma RED NOTICE INTERPOL, por ser procurado para extradição para cumprimento da pena de prisão de 6 anos, 11 meses e 10 dias, em que foi condenado por decisão judicial de 09.01.2017, pela prática de um crime de transporte de drogas sem autorização e em desconformidade com os requisitos legais ou regulamentares, previsto e punido pelo art.º 33.º, § 4 da Lei Brasileira n.º 11.343/2006 e pelo artigo 29.º do Código Penal Brasileiro. 4.2. Tendo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras apresentado o Requerente detido ao Procurador Geral Adjunto do Tribunal da Relação de Coimbra, veio este Magistrado do Ministério Público a formular, no dia 2/2/2023, em tal Tribunal da 2.ª instância, pedido de validação e  manutenção da referida detenção de AA [[1]].    4.3. Por despacho proferido pelo Juiz Desembargador relator e datado de 3 de fevereiro de 2023, foi validada a detenção do requerente, como ato prévio de pedido formal de extradição a ser formulado pela autoridade judiciária da República Federativa do Brasil. 4.5. O requerente foi ouvido no Tribunal da Relação de Coimbra no dia 3 de fevereiro de 2023, e por despacho do Juiz Desembargador relator então proferido, foi determinado que o mesmo aguardasse os ulteriores termos do processo na situação de detenção, mais aí se consignando que, nos termos do disposto no art.º 21.º, n.º 4 da Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa, o pedido de extradição deveria ser apresentado no prazo de quarenta dias a contar da detenção, sob pena de cessação da medida de detenção aplicada. 4.5 O pedido de extradição do requerente, formulado pela autoridade judiciária da República Federativa do Brasil, deu entrada na Procuradoria-Geral da República no dia 3 de março de 2023, tendo o Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra informado o Juiz Desembargador relator de tal facto e requerido que o prazo máximo de detenção do aqui Requerente passasse para 60 dias, com vista à apresentação em juízo do referido pedido de extradição. 4.6. Por despacho do Juiz Desembargador relator de 6 de março de 2023, foi declarado que, nos termos do art.º 63.º, n.º 3 da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, o prazo máximo de detenção do requerente é o de sessenta dias a contar da data da detenção, até à entrada em juízo do pedido de extradição. 4.7. Segundo a informação junta aos autos, tendo a detenção do requerente tido lugar no dia 1 de fevereiro de 2023, o prazo de sessenta dias referido em 4.6., que antecede, terminará no dia 1 de abril de 2023. 4.8. Segundo essa mesma informação, o requerente mantém-se ininterruptamente detido à ordem dos autos que correm termos no Tribunal da Relação de Coimbra, desde o dia 1 de fevereiro de 2023. 4.9. Foi apresentado, no dia 23 de março de 2023, no Tribunal da Relação de Coimbra, pelo Magistrado do Ministério Público, requerimento onde, ao abrigo do disposto no art.º 50.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, vem promover judicialmente o cumprimento do pedido de extradição do Requerente AA» * 5. O Direito. 5.1. O pedido de habeas corpus é um meio, procedimento, de afirmação e garantia do direito à liberdade (art.ºs 27.º e 31.º, CRP), uma providência expedita e excecional – a decidir no prazo de oito dias em audiência contraditória, art.º 31.º/3, CRP – para fazer cessar privações da liberdade ilegais, isto é, não fundadas na lei, sendo a ilegalidade da prisão verificável a partir dos factos documentados no processo. 5.2. Enquanto nas palavras do legislador do Decreto-lei n.º 35 043, de 20 de outubro de 1945, «o habeas corpus é um remédio excecional para proteger a liberdade individual nos casos em que não haja qualquer outro meio legal de fazer cessar a ofensa ilegítima dessa liberdade», hoje, e mais nitidamente após as alterações de 2007 ao Código de Processo Penal, com o acrescento do n.º 2 ao art.º 219.º, CPP, o instituto não deixou de ser um remédio excecional, mas coexiste com os meios judiciais comuns, nomeadamente com o recurso. 5.3 O seguinte Aresto deste Supremo Tribunal de Justiça espelha precisamente essa coexistência [de alguma maneira excludente] entre os normais meios de reação às decisões judiciais e este instituto excecional do habeas corpus, atentos os fins distintos perseguidos por uns e outro: - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/10/2021, Processo n.º 29/20.2PJLRS-C.S1, Relator: Eduardo Loureiro, publicado em ECLI:PT:STJ:2021:29.20.2PJLRS.C.S1.35, com o seguinte Sumário: I. O habeas corpus, que visa reagir contra o abuso de poder por prisão ou detenção ilegal, constitui não um recurso, mas uma providência extraordinária com natureza de ação autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo em muito curto espaço de tempo a uma situação ilegal de privação de liberdade. II. Concretizando-se o abuso de poder em prisão ilegal, há-de a ilegalidade resultar – art.º 222.º, n.º 2 do CPP – ou de a prisão ter sido efetuada por entidade incompetente – al.ª a) –, ou de ser motivada por facto por que a lei a não permite – al.ª b) – ou de se manter para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial - al.ª c). III. A ilegalidade fundante da providência haverá de ser evidente, um erro diretamente verificável com base nos factos recolhidos no âmbito da providência confrontados com a lei, sem que haja necessidade de proceder à apreciação da pertinência ou correção de decisões judiciais ou à análise de eventuais nulidades ou irregularidades do processo. IV. O habeas corpus não é o meio próprio para impugnar as decisões processuais ou de arguir nulidades e irregularidades eventualmente cometidas no processo, decisões essas cujo meio adequado de impugnação é o recurso ordinário. Tal medida cautelar extraordinária e procedimentalmente autónoma é, assim, pela sua natureza e finalidade, aplicável a qualquer detenção ou prisão ilegais, quer a pessoa que alegadamente se encontre em tal situação, seja cidadão nacional ou cidadão estrangeiro ou tenha sido sujeito à mesma por iniciativa das autoridades judiciárias portuguesas [assim designadas em sentido lato] ou na sequência da solicitação de autoridades congéneres de outros países [designadamente, no quadro do cumprimento de um Mandado de Detenção Europeu [MDE) ou de um ordem provisória de detenção como ato preparatório de pedido de extradição, como o formulado, no caso concreto dos autos, pela República Federativa do Brasil].                 5.4. Quanto ao pedido de habeas corpus por prisão ilegal, dispõe o art.º 222.º CPP: «1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus. 2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de: a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial». 5.5 Ora, arribados aqui, importa, antes de mais, averiguar que legislação deve ser chamada à colação no quadro deste pedido de habeas corpus, dado ser manifesta a divergência existente entre a indicada pelo Requerente [Lei n.º 144/99, de 31/8, que aprovou a Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal e que foi alterada pelas Leis n.º 104/2001, de 25 de Agosto, n.º 48/2003, de 22 de Agosto, n.º 48/2007, de 29 de Agosto, n.º 115/2009, de 12 de Outubro e Lei n.º 87/2021, de 15 de Dezembro, com entrada em vigor a 16 de Dezembro de 2021] ou pelo Tribunal da Relação de Coimbra [Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa firmada na Cidade da Praia, no dia 23/11/2005, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 49/2008, de 18 de Julho e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 67/2008, ambos publicados no Diário da República, 1.ª série, n.º 178, de 15 de Setembro de 2008, tendo sido finalmente depositada no dia 1 de fevereiro de 2010 e começado a produzir efeitos, no que concerne à República Portuguesa, em 1 de Março de 2010, conforme Aviso n.º 183/2011, do Ministério dos Negócios Estrangeiros, publicado no Diário da República, I Série, n.º 154, de 11 de agosto de 2011.] Tomando, desde já, posição em tal controvérsia, diremos que é esta Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa a aplicável, preferencialmente ou em primeiro plano, ao cenário de detenção do cidadão de nacionalidade brasileira AA, com vista à sua futura extradição para a República Federativa do Brasil, a fim de ali cumprir a pena de prisão em que foi condenado de 6 anos, 11 meses e 10 dias. Impõe-se, nesta matéria e para afastar quaisquer dúvidas de interpretação, convocar, desde logo o artigo 3.º da Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal quando estatui o seguinte: Artigo 3.º Prevalência dos tratados, convenções e acordos internacionais 1 – As formas de cooperação a que se refere o artigo 1.º regem-se pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste diploma. 2 – São subsidiariamente aplicáveis as disposições do Código de Processo Penal. Importa referir ainda e na sequência da disposição legal antes transcrita, o artigo 25.º de Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa quando, por seu turno, determina o seguinte:  Artigo 25.º Conexão com outras convenções e acordos 1 - A presente Convenção substitui, no que respeita aos Estados aos quais se aplica, as disposições de tratados, convenções ou acordos bilaterais que, entre dois Estados Contratantes, regulem a matéria da extradição. 2 - Os Estados Contratantes poderão concluir entre si tratados, convenções ou acordos bilaterais ou multilaterais para completar as disposições da presente Convenção ou para facilitar a aplicação dos princípios nela contidos. Não será despiciendo ouvir a este respeito o que alguma jurisprudência dos nossos tribunais superiores [com particular relevância para a emanada deste Supremo Tribunal de Justiça] já decidiu acerca desta problemática: - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/3/2019, Processo n.º 334/2019, relatora: Filipa Costa Lourenço, publicado em www.datajuris.pt, com o seguinte Sumário [sublinhados a negrito da nossa responsabilidade]: I. A extradição constitui uma das formas de cooperação internacional em matéria penal, mediante a qual um Estado (requerente) solicita a outro Estado (requerido) a entrega de uma pessoa que se encontre no território deste, para efeitos de procedimento penal ou para cumprimento de pena ou de medida de segurança privativas de liberdade, por crime cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente. O procedimento extradicional não é um processo-crime contra o extraditando, estando em causa apenas a obtenção de uma decisão por parte do Estado requerido sobre a verificação dos pressupostos materiais da extradição, revestindo natureza urgente; II. A nossa lei de cooperação acolhe princípios que foram desenvolvidos pelo Conselho da Europa nas suas convenções sectoriais, e a sua aplicação assume especial relevância no domínio da extradição. Falamos do princípio da reciprocidade, da dupla incriminação, da subsidiariedade, do ne bis in idem, e sobretudo do da especialidade; III. A extradição de cidadãos brasileiros para o seu País de origem rege-se pois pelas normas constantes do Tratado de Extradição celebrado entre Portugal e a CPLP os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa CPLP / entre os quais se contavam Portugal e o Brasil, tendo estes subscrito, em 23-11-2005, na cidade da Praia, uma Convenção sobre Extradição, a qual foi entre nós, ratificada por Decreto do Presidente da República 3/94, de 03-02, e aprovada pela Resolução da AR n.º 49/2008, de 18-07, in DR I-Série n.º 178, de 15-09-2008, tendo entrado em Portugal em vigor no dia 01-03-2010, e no Brasil em 1 de Junho de 2009; A admissibilidade de extradição, nomeadamente quando Portugal é o Estado requerido (extradição passiva), é regulada pelos tratados e convenções internacionais, e, na sua falta ou insuficiência, pela lei relativa à cooperação internacional (Lei 144/99, de 31.8), e ainda pelo Código de Processo Penal, conforme dispõem o art.º 229.º deste diploma e o art.º 3.º, n.º 1, daquela Lei; IV. O princípio da especialidade, inato ao instituto tradicional da extradição, que traduz a limitação do âmbito penal substantivo do pedido, cuja abrangência se encontrava vedada e circunscrita aos factos motivadores do pedido de extradição, surge como uma garantia da pessoa procurada e como limite da ação penal ou da execução da pena ou da medida de segurança e representa uma segurança jurídica de que não será julgada por crime diverso do que fundamenta o Mandado de extradição, este principio pretende afastar os chamados «pedidos fraudulentos», em que se invoca um facto para fundamento da extradição e se acaba por julgar o extraditado por outro que se não invoca. - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/04/2021, Processo n.º 4/2021, relator: Eduardo Loureiro, publicado em www.datajuris.pt, com o seguinte Sumário parcial [sublinhados a negrito da nossa responsabilidade]: I - A extradição de um cidadão brasileiro residente em Portugal para o efeito do cumprimento no seu país de origem do remanescente de 3 anos, 5 meses e 20 dias de pena de prisão de 4 anos e 2 meses em que aí foi condenado pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, é regulada pela Convenção da Extradição entre Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, assinada na cidade da Praia em 23-11-2005, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 49/2008, de 15-09, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 66/2008, de 15-09 (Convenção/CPLP), e, subsidiariamente, pela Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, aprovada pela Lei n.º 144/99, de 03-08 (LCJIMP) - art.º 3.º - e pelo Código de Processo Penal (CPP) - art.º 229.º - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/9/2021, Processo n.º 170/2021, relator: Paulo Ferreira da Cunha, publicado em www.datajuris.pt, com o seguinte Sumário parcial [sublinhados a negrito da nossa responsabilidade]: X. Assim, a Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, Lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal, aplica-se, segundo o art.º 1.º, n.º 1, al. a) à extradição. E o art.º 3.º indica hierarquia normativa. Assim sendo, o normativo que se aplica, neste caso, antes de mais, é a respetiva Convenção da CPLP (Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), que teve o seu início de vigência relativamente a Portugal em 01/03/2010, e fora aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 49/2008, de 15/09, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 67/2008, de 15/09. E só na sua insuficiência se aplicará o diploma em causa, e subsidiariamente as normas do CPP. Portanto, a invocação de outros diplomas só pode ter um efeito muito subsidiário, eventualmente como fontes hermenêuticas inspiradoras (fontes mediatas). E sobretudo não parece de forma alguma proceder uma invocação contraditória com o julgado e a ele alternativa, nomeadamente da Constituição Portuguesa, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, etc., contra a Convenção da CPLP. 5.6. Logo, constituindo então essa Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa a base normativa primeva para a detenção do aqui Requerente, constata-se, desde logo e em primeiro lugar, que o requerente se encontra em tal situação desde o dia 1 de fevereiro de 2023 por força de despacho judicial proferido, após a sua audição, por Juiz-Desembargador do Tribunal da Relação de Coimbra, na sua qualidade de relator do correspondente procedimento, que não somente validou a detenção efetuada por órgão criminal competente como determinou que a mesma se mantivesse por um período de 40 dias, para efeitos de formulação pela República Federativa do Brasil do correspondente pedido de extradição. Tal detenção e restantes atos iniciais praticados pelos referidos órgãos de polícia criminal [SEF] e autoridade judiciária mostram-se legitimados pela seguinte disposição legal da mencionada Convenção: Artigo 21.º Detenção provisória 1 - As autoridades competentes do Estado requerente podem solicitar a detenção provisória para assegurar o procedimento de extradição da pessoa reclamada, a qual será cumprida com a máxima urgência pelo Estado requerido de acordo com a sua legislação. 2 - O pedido de detenção provisória deve indicar que tal pessoa é objeto de procedimento criminal, de uma sentença condenatória ou de ordem de detenção judicial, devendo consignar a data e os factos que motivem o pedido, o tempo e o local da sua ocorrência, além dos dados que permitam a identificação da pessoa cuja detenção se requer. Também deverá constar do pedido a intenção de se proceder a um pedido formal de extradição. 3 - O pedido de detenção provisória poderá ser apresentado pelas autoridades competentes do Estado requerente pelas vias estabelecidas na presente Convenção, bem como pela Organização Internacional de Polícia Criminal (INTERPOL), devendo ser transmitido por correio, fax ou qualquer outro meio que permita a comunicação por escrito. 4 - A pessoa detida em virtude do referido pedido de detenção provisória é imediatamente posta em liberdade se, ao cabo de 40 dias seguidos, a contar da data de notificação da sua detenção ao Estado requerente, este não tiver formalizado um pedido de extradição. 5 - O disposto no número anterior não prejudica nova detenção da pessoa reclamada caso venha a ser apresentado o pedido de extradição. 5.7. O aqui requerente acha-se, por outro lado, condenado na pena incumprida de prisão de 6 anos, 11 meses e 10 dias, em que foi condenado por decisão judicial de 09.01.2017, pela prática de um crime de transporte de drogas sem autorização e em desconformidade com os requisitos legais ou regulamentares, previsto e punido pelo art.º 33.º, § 4 da Lei Brasileira n.º 11.343/2006 e pelo artigo 29.º do Código Penal Brasileiro. Ora, o artigo 2.º da mesma Convenção determina, a este respeito, o seguinte: Artigo 2.º Factos determinantes da extradição 1 - Dão causa à extradição os factos tipificados como crime segundo as leis do Estado requerente e do Estado requerido, independentemente da denominação dada ao crime, os quais sejam puníveis em ambos os Estados com pena privativa de liberdade de duração máxima não inferior a um ano. 2 - Se a extradição for requerida para o cumprimento de uma pena privativa da liberdade exige-se, ainda, que a parte da pena por cumprir não seja inferior a seis meses. 3 - Se a extradição requerida por um dos Estados Contratantes se referir a diversos crimes, respeitado o princípio da dupla incriminação para cada um deles, basta que apenas um satisfaça as exigências previstas no presente artigo para que a extradição possa ser concedida, inclusive com respeito a todos eles. Bastará pensarmos no crime de tráfico de estupefacientes que se mostra previsto e punido, em território nacional, pelo art.º 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro, com uma pena abstrata que se situa entre o mínimo de 4 anos e o máximo de 12 anos de prisão e que entre as condutas típicas que aí são penalizadas se encontra o mero transporte ilegítimo e não autorizado de substâncias proibidas daquela natureza, para aqui descortinarmos a existência do princípio da dupla incriminação, bem como dos demais requisitos reclamados em tal dispositivo legal [sendo que a pena a cumprir pelo Requerente é superior a 6 meses].       5.8. Resta-nos então averiguar se, como sustenta o Requerente – ainda que o faça ao abrigo de um regime legal que não é o devido e aplicável -, a sua detenção já não é legal, por se mostrarem ultrapassados os prazos máximos legitimadores dessa detenção provisória, tal como se mostra referido no Sumário do seguinte Aresto deste mesmo Supremo Tribunal de Justiça:     - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2022-07-14, Processo n.º 945/2022, relatora: Leonor Furtado, publicado em www.datajuris.pt, com o seguinte Sumário [sublinhados a negrito da nossa responsabilidade]: I - A Convenção CPLP, de 23-11-2005 regula - à semelhança da Lei n.º 144/99, quanto à detenção provisória no âmbito do pedido de extradição -, os prazos em que se mantém a detenção provisória ou as medidas de coação não detentivas aplicadas à pessoa reclamada, impondo aos Estados requerentes prazos para efetuar o pedido de extradição que garantiram ir efetuar, após a detenção; II - O procedimento processual de detenção provisória tem natureza cautelar ou instrumental do pedido de extradição, destinando-se a acautelar e a garantir que a pessoa reclamada seja entregue ao Estado requerente, desde que observados os requisitos do pedido (art.º 21.º, n.º 2, da Convenção CPLP, de 23-11-2005); III - Decorrido o prazo para formalização do pedido de extradição, extinguem-se os efeitos visados com a detenção provisória, cessando de imediato as medidas de coação aplicadas à pessoa reclamada e arquivando-se o caderno de papéis de suporte ao procedimento da detenção provisória, cuja única finalidade é a do controlo da legalidade da privação ou limitação da liberdade da pessoa reclamada com vista à efetivação da extradição.  6. Debrucemo-nos então sobre os factos com relevância para esta última questão e que passam pelos seguintes momentos temporais: a) O Requerente foi detido provisoriamente pelo SEF no dia 1/2/2023;  b) Apresentado o Requerente, no dia 2/2/2023, no Tribunal da Relação de Coimbra, mediante pedido formulado nesse sentido pelo magistrado do Ministério Público, foi aí validada tal detenção, por despacho judicial do dia 3/2/2023, assim como, por despacho judicial prolatado também nesse dia 3/2/2023, após a audiência do Requerente, foi mantida a mesma até ao prazo máximo de 40 dias contados desde o dia 1/2/2023, nos termos do número 4 do artigo 21.º da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, muito embora tal regra só faça a contagem do referido prazo de 40 dias a partir da data da notificação da detenção do Requerente à República Federativa do Brasil, nos moldes previstos no número 1 do artigo 9.º, sendo a autoridade central portuguesa a Procuradoria – Geral da República [artigo 2.º do Decreto Presidencial ratificativo]. c) O Estado requerente veio formular tal pedido de extradição no dia 3/3/2023, tendo o Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra informado o relator de tal facto e requerido que o prazo máximo de detenção do aqui Requerente passasse para 60 dias, com vista à apresentação em juízo do referido pedido de extradição [cf. números 2 e 3 do artigo 10.º e 11.º da Convenção]; d) Por despacho do relator de 6 de março de 2023, foi declarado que, nos termos do art.º 63.º, n.º 3 da Lei nº 144/99, de 31 de agosto, o prazo máximo de detenção do requerente é o de sessenta dias a contar da data da detenção, até à entrada em juízo do pedido de extradição, atingindo-se, segundo a Informação pelo mesmo prestada, tal prazo de 60 dias no dia 1 de abril de 2023. Se compulsarmos a referida Convenção, verificamos que não existe uma norma que fixe um prazo temporal máximo para a manutenção da detenção do cidadão natural de qualquer um dos Estados que estão por aquela vinculados, não nos parecendo possível buscar e encontrar, a esse respeito, uma qualquer indicação nas regras antes aludidas ou nos números 1 e 2 do artigo 12.º daquele acordo internacional estabelecido entre os países de língua oficial portuguesa. Neste aspeto, há que concordar com o Tribunal da Relação de Coimbra e fazer uma clara distinção entre os prazos de cariz administrativo referenciados nas diversas normas da Convenção e os prazos máximos legalmente consentidos para a manutenção da detenção provisória dos cidadãos com vista à sua extradição, verificando-se assim uma lacuna de regime que tem de ser suprida através da aplicação da já referida Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal. Ora, se compulsarmos este último e complexo regime legal, constatamos que nos encontramos face a uma situação de extradição passiva [artigos 31.º e seguintes], com um cenário de urgência e radicado numa detenção provisória efetuada ao abrigo da ordem de detenção provisória do Requerente, com o n. º 482/2019/009264-4, enviada via INTERPOL, como antecâmara e ato prévio ao pedido de extradição a formular pela República Federativa do Brasil. Importa, quanto a esta problemática, relembrar que o Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra deu início ao procedimento de validação e manutenção da detenção do aqui Requerente «ao abrigo das disposições conjugadas dos art.ºs 23.°, 29.°, 31.°, 39.°, 62.°, n.º 2 e 64.°, todos da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, e dos art.ºs 2.° e 21.° da «Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa» (CPLP)» [sublinhados da nossa responsabilidade] Logo, fê-lo por referência a uma detenção não diretamente solicitada  nos termos do artigo 39.º da Lei n.º 144/99 [à imagem do que, com as inevitáveis diferenças, se encontra no antes transcrito artigo 21.º da Convenção], o que nos remete inevitavelmente para as regras especiais do processo em caso de detenção antecipada [Secção III] que constam dos artigos 64.º, 62.º, número 2, 63.º, e 65.º da Lei n.º 144/99 de 31/8 [sem prejuízo de outras normas ou disposições legais aí referidas, como o número 5 do artigo 38.º e números 5 e 6 do artigo 53.º]. Sendo assim, remetendo o número 4 do artigo 64.º de tal diploma legal  para o artigo anterior e, nessa medida, também para o número 3 do artigo 63.º, há que aplicar à situação em análise nos autos tal regra, quando estatui que «3 - A detenção do extraditando deve cessar e ser substituída por outra medida de coação processual se a apresentação do pedido em juízo não ocorrer dentro dos 60 dias posteriores à data em que foi efetivada.» [[2]]    Nessa medida, sendo de 60 dias o prazo máximo em que o aqui Requerente pode estar sujeito à detenção provisória validada e mantida por despacho proferido no dia 3/2/2023 e terminando o mesmo, por referência ao dia 1/2/2023, no dia 1/4/2023 [1 de abril de 2023], tal significa que, à data da formulação do presente pedido de habeas corpus a detenção provisória do peticionante ainda era legal – em rigor, à data da prolação deste Acórdão, ainda se manteria legal -, por não ter ultrapassado aquela data limite e assim esgotado o mencionado prazo de 60 dias.                                       7. Importa, no entanto, atentar no documento que chegou hoje aos autos e que comprova que o Ministério Público já deu início à fase judicial do procedimento respeitante ao pedido de extradição do Requerente, tendo a cópia do respetivo Requerimento constituído a base do Ponto de Facto 4.9. [4.9. Foi apresentado, no dia 23 de março de 2023, no Tribunal da Relação de Coimbra, pelo Magistrado do Ministério Público, requerimento onde, ao abrigo do disposto no art.º 50.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, vem promover judicialmente o cumprimento do pedido de extradição do Requerente AA], o que nos obriga a considerar já não e em termos legais, o prazo máximo de 60 dias do número 3 do artigo 63.º da Lei n.º 144/99, de 31/08 mas antes o prazo máximo de 65 dias do número 1 do artigo 52.º do mesmo diploma legal, que tem de ser contado desde o dia 23/3/2023, dada a formulação, nesta data, do pedido judicial de promoção do cumprimento da requerida extradição [cf., para o efeito, o número 4 do referido artigo 63.º]. 8. Não sofre contestação que em consequência da aplicação da referida medida de detenção provisória, alguns direitos fundamentais do requerente foram restringidos. A circunstância de tal medida de detenção limitar direitos fundamentais do Requerente e poder produzir efeitos que se repercutem na vida de terceiros, não torna, contudo, e só por si, ilegal essa privação de liberdade. A detenção é ilegal, para efeitos do deferimento do procedimento de habeas corpus quando é (1) ordenada por entidade incompetente, (2) motivada por facto pelo qual a lei a não permite ou se (3) mantém para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial. Não é o caso dos presentes autos. 9. Em conclusão, validada e ordenada a detenção por Juiz-Desembargador do Tribunal da Relação de Coimbra e estando pendente pedido judicial de extradição do requerente com vista a cumprir a pena de prisão de 6 anos, 11 meses e 10 dias pela qual foi condenado em processo-crime que correu os seus termos em tribunal da República Federativa do Brasil, sem que se mostrem ultrapassados os prazos fixados pela lei [65 dias contados desde o dia 23/3/2023], improcede necessariamente o pedido de habeas corpus. DECISÃO Improcede assim a providência de habeas corpus apresentada pelo requerente AA, por falta de fundamento legal. Custas pelo requerente, com taxa de justiça que se fixa em 2 UC – n.º 9 do artigo 8.º do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III a ele anexa. Supremo Tribunal de Justiça, 30.03.2023 José Eduardo Sapateiro (Relator) Helena Moniz António Gama Eduardo Loureiro (Presidente) ________________________________________________ [1] Tal Requerimento inicial, que desencadeia o respetivo procedimento judicial, é apresentado nos seguintes termos : «O Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal, ao abrigo das disposições conjugadas dos art.ºs 23.°, 29.°, 31.°, 39.°, 62.°, n.º 2 e 64.°, todos da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, e dos art.ºs 2.° e 21.° da «Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa» (CPLP), assinada na Cidade da Praia, em 23 de novembro de 2003 e aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 49/2008 (publicada no DR, 1.ª série de 15 de setembro de 2008), e bem assim da «Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, assinada por Portugal, em Nova Iorque, a 13 de Dezembro de 1989, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 29/91, de 6 de Setembro, vem requerer a validação e manutenção da detenção, como ato prévio de um pedido formal de extradição e tendo em vista essa mesma extradição….» [2] Para uma correta compreensão de tal regra, importa reproduzir os restantes números de tal disposição legal: Artigo 63.º Prazos 1 - Recebido o pedido de extradição de pessoa detida, o processo regulado no artigo 48.º é ultimado no prazo máximo de 15 dias. 2 - No caso de a decisão do Ministro da Justiça ser favorável ao prosseguimento, o pedido é imediatamente remetido, por intermédio do Procurador-Geral da República, ao Ministério Público para promover imediatamente o seu cumprimento. 3 - A detenção do extraditando deve cessar e ser substituída por outra medida de coação processual se a apresentação do pedido em juízo não ocorrer dentro dos 60 dias posteriores à data em que foi efetivada. 4 - A distribuição do processo na Relação é imediata, são reduzidos a três dias os prazos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 51.º e o prazo referido no n.º 1 do artigo 52.º conta-se a partir da data da apresentação do pedido em juízo. 5 - A decisão do Ministro da Justiça que indefere o pedido é imediatamente comunicada nos termos do n.º 2 do presente artigo, para os efeitos de libertação do detido.

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