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Acórdão STJ de 2024-05-23

2681/23.8YRLSB.S1

TribunalSupremo Tribunal de Justiça
Processo2681/23.8YRLSB.S1
Nº Convencional5.ª SECÇÃO
RelatorAgostinho Torres
DescritoresExtradição, Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, Cumprimento de Pena, Pena de Prisão, Conversão, Execução de Sentença Estrangeira, Nulidade, Omissão de Pronúncia, Inconstitucionalidade, Contradição
Data do Acordão2024-05-23
VotaçãoUnanimidade
Privacidade1
Meio ProcessualEXTRADIÇÃO / M.D.E. / RECONHECIMENTO SENTENÇA ESTRANGEIRA
DecisãoProvido em Parte

Sumário

I- Em processo de revisão e confirmação de sentença estrangeira (Brasil), após ter sido negado pedido de extradição de luso brasileira residente em Portugal, para execução em Portugal de uma pena de 8 anos e 4 meses de prisão, de execução ainda não iniciada, por crime de receptação qualificada, superior ao limite máximo previsto na moldura penal de crime equivalente no Código Penal Português ( artº 231º nº1) esta deve ser convertida para uma pena concreta e efectiva a determinar dentro da moldura penal prevista para a infracção equivalente no direito penal nacional nada impedindo que, se for necessário, se peça ou recorra a relatório social para melhor determinação da mesma. II- Inexiste nulidade por omissão de pronúncia por parte do Tribunal da Relação porquanto no acórdão recorrido se tomou posição expressa acerca da opção, ainda que discutível, acerca da inconvertibilidade da pena aplicada na sentença brasileira e ainda por entender também que a matéria de facto seria igualmente inalterável. III- Inexiste nulidade por omissão de pronúncia por parte do Tribunal da Relação recorrido quanto à não apreciação de alegada violação pelo tribunal Brasileiro de garantias de defesa da requerente ao não relevar relatório pericial junto aos autos para prova de factos alegadamente essenciais e não se terem pedido informações tidas pela defesa como necessárias, ao Tribunal Brasileiro, quanto à questão em apreço, porquanto o tribunal da Relação se pronunciou expressamente acerca da impossibilidade de alterar os factos e a convição do tribunal estrangeiro. IV- Não é inconstitucional a norma prevista no artigo 101.º, n.º 1 da lei 144/44, de 31 de agosto, quando aplicada no sentido de que não compete aos tribunais portugueses sindicar ou exercer qualquer censura sobre a decisão estrangeira no âmbito da matéria de facto quando as normas convencionais internacionais às quais Portugal aderiu equivalentes àquela norma suportam essa insindicabilidade, o que tem arrimo e protecção constitucionais no artº 8º da Constituição da República Portuguesa. V- Não existe contradição na fundamentação do Tribunal recorrido ao referir que o processo visa a execução de uma sentença penal estrangeira, quando afirma que não se aplica a Convenção de Transferência de Pessoas condenadas CPLP de 23 de Novembro de 2005, uma vez que não há lugar a transferência física de condenada por esta já estar a residir em Portugal. VI- As sentenças penais estrangeiras, transitadas em julgado, podem ser executadas em Portugal nas condições previstas, em primeiro lugar, nas convenções internacionais a que os Estados envolvidos hajam aderido e ratificado ou, não havendo nelas norma que resolva a problemática que se coloque, v.g. quanto à exigibilidade ou não da conversão da pena, aplica-se subsidiariamente a Lei n.º 144/99, dependendo a sua força executiva de prévia revisão e confirmação, segundo o disposto no CPP e o previsto nas al. a) e c) do n.º 2 do art. 6.º da Lei n.º 144/99 (art. 95.º e 100.º deste diploma). VII- Sendo instrumental desta forma de cooperação (art. 234.º, n.º 1, do CPP), isoladamente ou no âmbito da transferência de pessoas condenadas (art. 1.º, n.º 1, al. c) e d), 95.º a 103.º e 123.º da Lei n.º 144/99), o processo de revisão e confirmação de sentenças estrangeiras reflete grande diversidade normativa, ao qual se subtraem, atualmente, as sentenças penais proferidas no espaço da União Europeia em particular no que diz respeito aos requisitos e às condições de admissibilidade do pedido e à extensão e valor da sentença de reconhecimento, da competência dos tribunais portugueses (artº. 100.º, n.º 2, e 103.º da Lei n.º 144/99). VIII- O regime de execução de sentenças penais estrangeiras estabelecido nos artigos 95.º e seguintes da Lei n.º 144/99, reproduz o dos artigos 89.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 43/91, de 22 de janeiro (revogado pelo artigo 166.º da Lei n.º 144/99), teve por fonte, nomeadamente, os artigos 42.º e 44.º da Convenção Europeia sobre o Valor Internacional das Sentenças Penais de 28.5.1970, do Conselho da Europa, assinada por Portugal em 1979, embora ainda não ratificada. Segundo o artigo 44.º desta Convenção, se o pedido de execução for aceite, o tribunal do Estado de execução deve substituir a pena privativa da liberdade imposta no Estado da condenação por uma pena prevista na lei interna do Estado de execução para o mesmo crime, a qual, não podendo agravar a situação do condenado (proibição da reformatio in pejus) e estando vinculada aos factos descritos na condenação (artigo 42.º), pode ser de duração diferente da imposta no Estado da condenação. E, como se refere no respetivo relatório explicativo, este artigo confere ao Estado de execução o direito de adaptar a sanção ao seu próprio sistema penal. IX- Tendo embora como ponto de partida a consideração de que no caso concreto não se está perante uma transferência efectiva da pessoa em si, pois que a recorrente se encontra já em Portugal, há que recorrer a elementos hermenêuticos coadjuvantes da ou das convenções aplicáveis que indiquem como se passariam as coisas se, por via de uma transferência efectiva, se tivesse de rever e confirmar a sentença subjacente ao pedido tendo em conta a regulação por parte dessas Convenções. X- A observação dos regimes de execução de sentenças penais estrangeiras permite identificar dois métodos substancialmente distintos: a cooperação por via da continuação da execução da pena, como sucede no caso de esta se iniciar no Estado da condenação e o condenado ser transferido para outro Estado para continuar a cumprir a pena, e a cooperação por via da conversão ou adaptação da condenação, em processo de exequatur, seja naquele caso, seja no caso de a pessoa se encontrar no Estado de execução. “ XI- Esta diferenciação resulta expressa no texto do n.º 1 do artigo 9.º da Convenção do Conselho da Europa relativa à Transferência de Pessoas Condenadas, de 21.3.1983 [ratificada pelo Decreto do Presidente da República (DPR) n.º 8/93, de 20 de abril, e aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República (RAR) n.º 8/93, DR-I Série A, de 20.4.1993], sob a epígrafe “Efeitos da transferência para o Estado da execução”. XII- Assim, havendo conversão, se a natureza ou a duração desta sanção forem incompatíveis com a legislação do Estado da execução ou se a legislação deste Estado o exigir, o Estado da execução pode, com base em decisão judicial ou administrativa, adaptá-la à pena ou medida previstas na sua própria lei para infracções da mesma natureza. XIII- Quanto à sua natureza, esta pena ou medida corresponderá, tanto quanto possível, à imposta pela condenação a executar. Ela não pode agravar, pela sua natureza ou duração, a sanção imposta no Estado da condenação nem exceder o máximo previsto pela lei do Estado da execução” (n.º 2) XIV- É no confronto das normas da Convenção do CoE sobre TPC que vinculam Portugal e o Brasil, que se pode encontrar um incontornável apoio hermenêutico para saber se a pena aplicável é a do Estado de condenação, ou antes a do limite máximo geral da lei penal português ( artº41º do CP), se aquela fosse superior ou, ao invés , se será aplicável uma pena dentro da moldura do crime idêntico previsto na legislação penal portuguesa não obstante não se estar propriamente numa situação de transferência efectiva de pessoa condenada mas, ao menos, servirá de fonte interpretativa, mutatis mutandis, na localização da mens legis dos Estados contratantes e perante, as reservas de Portugal precisamente nesse conspecto. XV- Embora o procedimento previsto na alínea a) do artigo 9º e explicitado no artigo 10º, aponte como regra a intocabilidade da natureza e duração da pena imposta no Estado da condenação, sempre que a duração dessa pena seja superior ao limite máximo da pena abstracta prevista na legislação do Estado de execução para o crime a que são subsumíveis os factos praticados, este Estado pode mesmo reduzir essa pena e determiná-la dentro da moldura abstracta prevista na sua legislação para esse tipo penal. Ademais, resulta da Recomendação R (84) 11 do Conselho de Ministros aos Estados Membros, relativa à informação sobre a Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas que, em face da orientação nela contida , que a reserva relativa à redução da sanção contida na sentença estrangeira ao “máximo legal admissível na lei portuguesa” deve, no limite, poder também reportar-se, sem restrição de uma interpretação literalista, até ao limite máximo da sanção estabelecida na moldura abstrata dos diferentes crimes previstos na parte especial do Código Penal.]


Texto Integral

Acordam em Conferência na 5ª Secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça I - RELATÓRIO 1.1. Na sequência de anterior processo de pedido de extradição para o Brasil da cidadã luso brasileira AA, natural do ..., com residência em Portugal, e que culminou em recusa da entrega extradicional por razões atinentes à sua nacionalidade também portuguesa e por não estar em causa no pedido de extradição nenhum crime de terrorismo ou de criminalidade internacional organizada, cessando assim o aludido processo de extradição e as medidas de coação aplicadas, veio então o Exmº Procurador-Geral Distrital de Lisboa, por solicitação das autoridades brasileiras, face a tal recusa, requerer no Tribunal da Relação de Lisboa a revisão e a confirmação da sentença penal proferida pela ... Vara do Tribunal de Justiça Federal de ..., a 18 de novembro de 2011, transitada em julgado em 26/02/2019 e confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça do Estado de ..., República Federativa do Brasil. Esta decisão , que esteve na base daquele petição extradicional, condenara aquela na pena de 8 anos e 4 meses de prisão, pela prática de um crime de receptação qualificada, p. e p. pelos artigos 180º, parágrafo 1º e 71º do Código Penal da República Federativa do Brasil. O pedido foi formulado ao abrigo dos artºs 235º nº1 e 237º do CPP e artºs 123º, nº1, 3º, 4º, 21º nº1, 95º, 96º e 99º nº1 da Lei nº 144/99 de 31 de Agosto (doravante LCJIMP) 1.2- Prosseguindo o processo, agora nesta nova vertente, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 8/11/2023, decidiu então declarar como revista e confirmada a sentença revidenda, (abrangente apenas da pena de prisão) passando aquela a produzir todos os seus efeitos em Portugal. 1.3- Para o efeito, fundamentou tal decisão da seguinte forma: “ (…) Com o articulado foram juntos documentos, entre os quais a cópia certificada da sentença condenatória, informação sobre a data do trânsito em julgado da decisão condenatória e despacho do Ministra da Justiça, em representação do Governo Português, dando o seu acordo à transferência da requerida para Portugal. A requerida foi assistida por defensor quando do julgamento no Brasil, conforme consta de documento junto. Foi nomeado defensor à requerida. Procedeu-se à citação da requerida. Facultou-se o processo para alegações à requerida e ao Ministério Público. *** II- Factos a considerar: 1. Por sentença penal, datada de 18 de novembro de 2011, transitada em julgado a 26/02/2019, proferida pela ... Vara do Tribunal de Justiça Federal de ..., e confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça do Estado de ..., República Federativa do Brasil, foi condenada AA, com dupla nacionalidade, portuguesa e brasileira, na pena de 8 anos e 4 meses de prisão, pela prática de um crime de receptação qualificada, previsto e punido (p. e p.) pelos artigos 180, parágrafo 1º e 71º do Código Penal da República Federativa do Brasil e prevista, no Código Penal Português, pelo artigo 231º. 2. O pedido de revisão foi submetido à Autoridade Central, que o submeteu à apreciação da Exmª Senhora Ministra da Justiça que, por despacho datado de 7 de Agosto de 2023, considerou o pedido, admissível. 3. A requerida não cumpriu pena à ordem dos autos que correm termos no Brasil. 4. Não ocorreram causas de extinção da pena, e designadamente, as advindas de prescrição ou amnistia. 5. Não existe informação que indique que os factos são ou foram objecto de procedimento criminal em Portugal. 6. O Estado Brasileiro garantiu que, cumprida a pena em Portugal, considera extinta a responsabilidade penal da requerida. 7. A condenada encontra-se em Portugal desde, pelo menos, 26 de Outubro de 2022, data em que foi detida em cumprimento de um Mandado de Detenção Internacional, emitido pelas autoridades brasileiras, inserido no Sistema de Informação Interpol nº 2022/57708. 8. Na ocasião, a requerida não renunciou à regra da especialidade e não consentiu na sua entrega às autoridades brasileiras. 9. Este Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho de 16 de dezembro de 2022, negou o pedido contido no MDE dada a nacionalidade portuguesa e o disposto no artigo 33º da Constituição da República Portuguesa (CRP), pelo que foi ordenado o arquivamento dos autos, bem como a cessação das medidas de coação. 10. A arguida adquiriu a nacionalidade Portuguesa em 02/03/2022. *** A arguida deduziu oposição ao pedido de revisão e confirmação mediante a seguinte argumentação: « (…) 1.º A arguida foi condenada por sentença proferida em 18 de novembro de 2011 e transitada em julgado em 26/02/2019, proferida pela ... Vara do Tribunal de Justiça Federal de ..., e confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça do Estado de ..., República Federativa do Brasil, na pena de 8 anos e 4 meses, pela prática de 1 crime de receptação qualificada, previsto e punido pelos artigos 180.º, parágrafo 1.º e artigo 71.º, do Código Penal da República Federativa do Brasil, crime este que encontra correspondência no artigo 231.º, n.º 1 do Código Penal Português. 2.º Sucede que, a arguida encontra-se em Portugal desde maio de 2019, conforme doc. 1 que se junta para todos os efeitos e legais consequências, tendo adquirido a nacionalidade portuguesa em 02/03/2022, pelo facto de ser descendente de portugueses (cfr. doc.2). 3.º Com efeito, em dezembro de 2022, o Estado Brasileiro requereu ao Estado Português a extradição da aqui requerida/arguida, tendo sido a extradição recusada pelo facto de a arguida ter nacionalidade portuguesa (processo n.º 3158/22.4... que correu termos no Tribunal da Relação ..., ... Secção). 4.º Nesta senda, vem, por ora, o Estado Brasileiro requerer o reconhecimento e a execução da sentença por parte de Portugal. 5.º Sucede que, apesar de haver parecer favorável da Procuradoria da Républica Portuguesa e do Ministério da Justiça Português, é entendimento da requerida/arguida que as condições para a execução da referida sentença estrangeira em Portugal, não se encontram na totalidade cumpridas, atento o teor da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, designadamente o artigo 1.º, o artigo 5.º, n.º 1 e o artigo 4.º, alínea a), bem como o artigo 7.º da Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, e o artigo 96.º a Lei n.º 144/99, de 31 de agosto. Vejamos então, 6.º Conforme se prevê no art. 3.º, n.º 1, da Lei 144/99, de 31 de agosto, esta lei só se aplica na falta ou insuficiência das normas de tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português. 7.º Ora, é verdade que o pedido de extradição feito pela autoridade brasileira foi recusado pelos motivos acima expostos, razão pela qual a autoridade brasileira requereu à autoridade portuguesa a execução da sentença condenatória proferida no Brasil pelo Estado Português, considerando a cooperação judiciária em matéria penal, ou seja, requereu a transferência da execução da pena para Portugal. 8.º As autoridades brasileiras, face à recusa do pedido de extradição da condenada, solicitaram o reconhecimento e a execução da sentença por parte de Portugal. 9.º Ora, é nosso entendimento que quando se solicita a transferência da execução da sentença para Portugal, está-se a solicitar a transferência da pessoa condenada, pese embora a arguida/condenada já se encontrar em território português, tanto que é sempre necessário, nos termos do disposto no artigo 237.º, n.º 1, do Código Processo Penal, a prévia revisão e confirmação da sentença estrangeira, de forma a ter eficácia em Portugal. Ou seja, em ambos os casos, a força executiva de uma sentença penal estrangeira depende da prévia revisão e confirmação. 10.º É nosso entendimento, salvo melhor opinião em contrário, que o pedido feito pelo Estado Brasileiro ao Estado Português, deverá sempre, primeiramente, ter em atenção as leis desse Estado, nomeadamente a lei 13.445, de 24 de maio de 2017 daquele país que no artigo 103.º remete para o tratado, e no seu artigo 104.º estabelece os requisitos necessários para que haja a transferência de pessoa condenada, bem como o parágrafo 2.º do artigo 105.º que estabelece a não transferência quando inadmitida a extradição. 11.º Assim sendo, estabelece a lei n.º 13.445, de 24 de maio de 2017 desse país o seguinte: “Art.º 103.º A transferência de pessoa condenada poderá ser concedida quando o pedido se fundamentar em tratado ou houver promessa de reciprocidade. § 1.º O condenado no território nacional poderá ser transferido para seu país de nacionalidade ou país em que tiver residência habitual ou vínculo pessoal, desde que expresse interesse nesse sentido, a fim de cumprir pena a ele imposta pelo Estado brasileiro por sentença transitada em julgado.(…) Art.º 104.º A transferência de pessoa condenada será possível quando preenchidos os seguintes requisitos: I - O condenado no território de uma das partes for nacional ou tiver residência habitual ou vínculo pessoal no território da outra parte que justifique a transferência; II - A sentença tiver transitado em julgado; III- A duração da condenação a cumprir ou que restar para cumprir for de, pelo menos, 1 (um) ano, na data de apresentação do pedido ao Estado da condenação; IV- O fato que originou a condenação constituir infração penal perante a lei de ambos os Estados; V- Houver manifestação de vontade do condenado ou, quando for o caso, de seu representante; e VI - Houver concordância de ambos os Estados. Art..º 105.º A forma do pedido de transferência de pessoa condenada e seu processamento serão definidos em regulamento. (…) § 2.º Não se procederá à transferência quando inadmitida a extradição.” 12.º Logo, nos termos da lei brasileira é necessário o consentimento expresso do condenado para se proceder à transferência da execução da sentença. 13.º E o Brasil, ao fazer esse pedido ao Estado Português, terá de o fazer consoante a lei brasileira, porquanto conforme disposto no artigo 95.º, n.º 2 da lei portuguesa 144/99 de 31 de agosto “o pedido de delegação é formulado pelo Estado da condenação”. 14.º É verdade que a lei portuguesa excepciona o consentimento do requerido/arguido no seu artigo 96.º, n.º 3 quando estatui que “a execução de sentença estrangeira que impõe reacção criminal privativa de liberdade é também admissível, ainda que não se verifiquem as condições das alíneas g) e j) do n.º 1, quando, em caso de evasão para Portugal ou noutra situação em que a pessoa aí se encontre, tiver sido negada a extradição do condenado pelos factos constantes da sentença”, porém nós só aplicamos esta lei subsidiariamente. 15.º Para além de não podermos falar de uma evasão, pois quando a arguida/requerida entrou em território português não constava nenhum mandato de detenção da aqui requerida/arguida pela Polícia Federal Brasileira. 16.º Curiosamente, ainda hoje não consta na base de dados da Polícia Federal nenhuma decisão judicial condenatória transitada em julgado em nome de AA (cfr. docs. 3 e 4). A arguida/requerida deu entrada legalmente em território português em 02/05/2019. 17.º Por outro lado, a própria Convenção sobre a transferência de pessoas condenadas entre Estados da CPLP estabelece no seu artigo 7.º que “o Estado da condenação deverá assegurar-se de que a pessoa cujo consentimento para a transferência é necessário nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 3.º o preste voluntariamente e com plena consciência das consequências jurídicas daí decorrentes. O processo para a prestação de tal consentimento deverá reger-se pela lei do Estado da condenação.” 18.º A transferência da pessoa condenada implica que a execução da sentença e, por conseguinte, a pena sejam transferidas. 19.º Ou, à contrário, o reconhecimento e a execução da sentença penal estrangeira por parte de Portugal implica a transferência da condenação e, consequentemente, da pessoa condenada, pese embora a condenada já cá esteja. 20.º Também é verdade e conforme disposto no artigo 5.º, n.º 1 da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP “quando a extradição não puder ter lugar ou for recusada por se verificar algum dos fundamentos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º ou nas alíneas a) e b) do artigo 4.º, o Estado requerido deverá, caso o Estado requerente o solicite e as leis do Estado requerido o permitam, submeter o caso às autoridades competentes para que providenciem pelo procedimento criminal contra essa pessoa por todos ou alguns dos crimes que deram lugar ao pedido de extradição.” 21.º Ou seja, nos casos em que haja uma recusa da extradição por se verificar, nomeadamente, que a pessoa reclamada é nacional do Estado requerido, deverá o Estado requerente solicitar ao Estado requerido que providencie pelo procedimento criminal contra essa pessoa. 22.º Todavia, nos termos do artigo 1.º da dita Convenção, “os Estados Contratantes obrigam -se a entregar, reciprocamente, segundo as regras e as condições estabelecidas na presente Convenção, as pessoas que se encontrem nos seus respectivos territórios e que sejam procuradas pelas autoridades competentes de outro Estado Contratante, para fins de procedimento criminal ou para cumprimento de pena privativa da liberdade por crime cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente”, ou seja, parece-nos que estamos perante duas situações diferentes: uma para fins de procedimento criminal e a outra para cumprimento de pena privativa de liberdade. 23.º Nesse caso, quando a artigo 5.º, n.º 1, da mesma Convenção fala-nos de procedimento criminal está a remeter para a primeira parte do estabelecido no artigo 1.º, ou seja, para efeitos de investigação por factos criminosos e, consequentemente, julgamento pelo Estado requerido e não para efeitos de cumprimento de pena privativa de liberdade, esta dependente sempre de um processo de revisão e confirmação de sentença penal estrangeira. 24.º Em todo o caso, deveremos sempre aplicar as Convenções e na falta ou insuficiência das normas de tratados, convenções e acordos internacionais é que aplicamos a lei 144/99, de 31 de agosto, nos termos do artigo 3.º dessa lei e conforme disposto no artigo 229.º do CPPenal. 25.º A lei penal terá obrigatoriamente de ser certa, precisa e determinável sendo percetível pelos seus destinatários. E parece-nos que as convenções e a lei acima mencionada são, de alguma forma, um pouco contraditórias quanto à questão em causa. 26.º Pelo que, salvo melhor opinião, não podemos aplicar ao caso a previsão da excepção à necessidade de ouvir a condenada, a que alude o n.º 5 do artigo 99.º da lei 144/99, de 31 de agosto. 27.º De todo o modo, a requerida/arguida, desde já, não presta o seu consentimento para o reconhecimento e a execução da sentença em Portugal. 28.º Com efeito, a arguida/requerida entende, pelo exposto, ser requisito exigível para o reconhecimento e a execução da sentença por Portugal o seu consentimento. Por mera cautela e sem conceder, 29.º A arguida/requerida alega em sua defesa todas as circunstâncias que em seu benefício resultarem do julgamento segundo as regras próprias da apelação. 30.º Porém, esclarece o seguinte: apesar de a sentença condenatória narrar que a condenada de forma consciente e voluntária, adquiriu e revendeu, no exercício da atividade comercial, medicamentos desviados de hospitais públicos, durante, pelo menos, o período de 2005 a 2010, através de três empresas “a C..., Ltda.”, a “A...” e a “T...”, a arguida efectivamente era proprietária e sócia-administradora da primeira e prestadora de serviços da segunda. Quanto à terceira, a condenada nada tem a ver com ela, tanto que a primeira empresa e a segunda tinham como objecto social o comércio atacadista de medicamentos e drogas de uso humano, ou seja, o comércio a grosso e procediam à distribuição de medicamentos que seriam vendidos em hospitais privados (cfr. docs. 5 e 6). Enquanto que a terceira tinha como objecto social o comércio varejista de artigos médicos e ortopédicos, ou seja, o comércio retalhista (cfr. docs. 7 e 8). 31.º No mais, a empresa “C..., Ltda.” encerrou em 08/06/2007, data da concessão da baixa (cfr. doc. 5), a empresa “A...” encerrou, igualmente, em 08/06/2007 (cfr. doc. 6) e a empresa “T...” encerrou em 10/11/2009 (cfr. doc. 7). 32.º Pelo que, apesar de a sentença falar no período de 2005 a 2010, isso não corresponde à verdade, pois as duas empresas que tinham como objecto social o comércio atacadista de medicamentos foram encerradas em 08/06/2007. 33.º Ademais, segundo relatório pericial constante nos autos de inquérito do processo que deu origem a sentença condenatória brasileira a que alude este processo de revisão e confirmação de sentença penal estrangeira e relativamente a apreensão levada a cabo pela polícia federal à casa da aqui arguida/requerida, onde foram efectivamente apreendidas 4 caixas de S........ e 1 caixa de R....... (cfr. doc. 9), os peritos ao quesito se os produtos farmacêuticos tinham indicações de procedência de algum órgão público ou do Sistema Único de Saúde responderam não. (cfr. doc. 10 – fls. 1 e fls. 11). 34.º Quanto à resposta do quesito 4, os peritos responderam afirmativamente, que as embalagens continham a inscrição de “Uso Restrito a Hospitais”, na realidade era perfeitamente plausível que esses medicamentos fossem de “uso restrito a hospitais”, pois a arguida/requerida distribuía e procedia à venda de medicamentos a hospitais privados (cfr. doc. 10 – fls. 1 e fls. 11). 35.º Ora, o artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, estabelece um princípio fundamental português relativo às liberdades e garantias do arguido e diz-nos que “o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.” 36.º Na verdade, não obstante o relatório pericial solicitado pelo Ministério Público Brasileiro constar no processo de inquérito, a decisão condenatória brasileira não o relevou, nem para efeitos de matéria de facto dado como provada nem para efeitos de matéria de facto dada como não provada, simplesmente omitiu essa prova que era fundamental, razão pela qual a arguida entende que não lhe foi assegurada todas as garantias de defesa num processo criminal, principio fundamental do ordenamento jurídico português – direitos, liberdades e garantias do arguido. 37.º Em todos os recursos que interpôs, o Tribunal em causa nunca se pronunciou acerca do relatório constante nos autos de inquérito e que desqualificava a qualidade dos medicamentos apreendidos, porquanto era claro que os medicamentos não eram da rede pública hospitalar. 38.º Verifica a arguida/requerida que a sentença condenatória brasileira é baseada em meros indícios e não em provas concludentes. 39.º Posto isto, a sentença contém disposições contrárias aos princípios do ordenamento jurídico português. 40.º Em todo o caso, a arguida/requerida considera que a matéria de facto dada como provada e a dada como não provada e, consequentemente, a sua motivação é omissa e insuficiente, nos termos do artigo 100.º, n.º 3 da lei 144/99, de 31 de agosto. Não é perceptível quais os factos realmente dados como provados e os não provados e o porquê. 41.º A arguida/requerida é primária, é uma pessoa pacífica, calma, está bem inserida socialmente, trabalha como administrativa/secretária de escritório numa empresa de reparação automóvel e aufere o salário mínimo (cfr. doc. 11 e 12). Actualmente, vive com o seu filho também com nacionalidade portuguesa (cfr. doc. 13), que se encontra desempregado, auferindo o subsídio de desemprego. 42.º De todo o modo, a arguida/requerida requer a V. Ex.ª, ao abrigo do artigo 370.º do CPPenal, se digne solicitar a elaboração de relatório social à arguida, com vista à correcta determinação da pena concreta que eventualmente possa vir a ser aplicada. Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Ex.ª doutamente suprirá, deverá: 1) A açcão de reconhecimento e confirmação de sentença penal estrangeira ser julgada improcedente por falta de consentimento da arguida/requerida, nos termos do artigo 96.º, n.º 1, alínea j) da Lei 144/99, de 31 de agosto e das Convenções entre a CPLP. 2) A açcão de reconhecimento e confirmação de sentença penal estrangeira ser julgada improcedente por conter disposições contrárias aos princípios fundamentais do ordenamento jurídico português, nos termos da lei 96.º, n.º 1, alínea c) da Lei 144/99, de 31 de agosto e artigo 32.º, n.º 1 da CRP. 3) Se assim não se entender, deverá a confirmação ser negada, por omissão e insuficiência da matéria de facto, nos termos do artigo 100.º, n.º 3 Lei 144/99, de 31 de agosto. De todo o modo, requer-se a V. Ex.ª, ao abrigo do artigo 370.º do CPPenal, se digne solicitar a elaboração de relatório social à arguida, com vista à correcta determinação da pena concreta que eventualmente possa vir a ser aplicada. » III- Alegações produzidas pelo Ministério Público: O Ministério Público alegou mediante a seguinte argumentação: « 1.º O Ministério Público requereu a revisão e confirmação da sentença penal de condenação da Requerida AA, proferida pela ... Vara do Tribunal de Justiça Federal de ..., confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça do Estado de ..., República Federativa do Brasil, e transitada em julgado em 26 de fevereiro de 2019, para atribuição de força executiva, tendo em vista o cumprimento da pena de prisão em território nacional, 2.º A Requerida foi condenada na pena de 8 anos e 4 meses de prisão, pela prática de um crime de recetação qualificada, previsto e punido pelos arts. 180.º, parágrafo 1.º, e 71. º, do Código Penal da República Federativa do Brasil, que encontra correspondência no art. 231.º, no 1, do Código Penal Português. 3.ª A Requerida tem nacionalidade portuguesa e residência em Portugal. 4.º Circunstâncias estas que aliadas ao facto da Requerida não ter iniciado na República Federativa do Brasil o cumprimento da pena em que foi condenada, tornam não aplicáveis as invocadas Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e Convenção sobre a Transferência de Pessoas Condenadas entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, assinadas na cidade da Praia em 23 de novembro de 2005. 5.º No caso em apreço a revisão e confirmação da sentença estrangeira processa-se exclusivamente de acordo com o regime estatuído no art. 100.º, da Lei nº 144/99, de 31 de agosto, e arts. 234.º a 240.º, do Código de Processo Penal. 6.º Assim e dando por reproduzidos todos os factos e fundamentos constantes do n/ requerimento inicial, reiteramos que se encontram preenchidas as condições de execução previstas no art.96.º, da Lei no 144/99. Pelo exposto, pr. o deferimento do pedido de revisão, confirmação e execução em Portugal da pena em que a Requerida foi condenada.» *** *** IV- Fundamentos: A vexata quaestio neste pedido de revisão e confirmação tem que ver com a falta de consentimento por parte da condenada quanto à pretensão formulada. Vem a requerida invocar uma série de óbices, passando pelos entendimentos de que: - um pedido de revisão tem por pressuposto um pedido de transferência, sendo que a lei Brasileira exige, para o efeito, o consentimento do visado, aplicando-se a norma jurídica contida no ordenamento brasileiro que determina que «não se procederá à transferência quando inadmitida a extradição»; - a própria Convenção sobre a transferência de pessoas condenadas entre Estados da CPLP, aplicável ao caso, estabelece no seu artigo 7.º que «o Estado da condenação deverá assegurar-se de que a pessoa cujo consentimento para a transferência é necessário nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 3.º o preste voluntariamente e com plena consciência das consequências jurídicas daí decorrentes. O processo para a prestação de tal consentimento deverá reger-se pela lei do Estado da condenação»; - conforme disposto no artigo 5.º, n.º 1 da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP, também aplicável ao caso, «quando a extradição não puder ter lugar ou for recusada por se verificar algum dos fundamentos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º ou nas alíneas a) e b) do artigo 4.º, o Estado requerido deverá, caso o Estado requerente o solicite e as leis do Estado requerido o permitam, submeter o caso às autoridades competentes para que providenciem pelo procedimento criminal contra essa pessoa por todos ou alguns dos crimes que deram lugar ao pedido de extradição», o que significa que nos casos em que haja uma recusa da extradição por se verificar, nomeadamente, que a pessoa reclamada é nacional do Estado requerido, deverá o Estado requerente solicitar ao Estado requerido que providencie pelo procedimento criminal contra essa pessoa. Subsidiariamente invoca que a sentença revidenda, ao omitir referência a um perícia feita, não lhe assegurou todas as garantias de defesa, e que considera que a matéria de facto provada e não provada e a sua motivação são omissas e insuficientes. Vejamos: O processo de revisão e confirmação de sentença estrangeira em causa insere-se no âmbito da cooperação internacional em matéria penal, visando a execução de uma sentença penal estrangeira, na sequência de pedido de transferência para Portugal de pessoa condenada – arts. 95.º, 100.º, 114.º, 115.º, 122.º e 123.º, da Lei 144/99, de 31-08 e acórdãos do STJ 13-04-2011, no processo 53/10.3YREVR.S2 e de 13 de 23-06-2010, no processo. n.º 2113/09.4YRLSB.S1 - 3.ª, disponíveis em www.dgsi.pt). De acordo com o disposto no nº 1 do artº 100º, da LCJIMP (Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal – Lei nº 144/99 de 31/8), «a força executiva da sentença estrangeira depende de prévia revisão e confirmação, segundo o disposto no Código de Processo Penal e o previsto nas alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 6.º do presente diploma». Por seu turno, o nº 1 do artigo 234º, do Código de Processo Penal (CPP), dispõe que «quando, por força de lei ou de tratado ou convenção, uma sentença penal estrangeira dever ter eficácia em Portugal, a sua força executiva depende de prévia revisão e confirmação», cujos termos se encontram regulados nos artsº 234º a 240º daquele diploma, definindo o artigo 235º o Tribunal competente para a revisão e confirmação de sentença penal estrangeira, o artigo 236º quem tem legitimidade para a pedir (Ministério Público, arguido, assistente e partes civis ) e excluindo o artigo 238º a exequibilidade do pedido quando, segundo a lei portuguesa, o procedimento criminal ou a pena se encontrem extintos, por prescrição, amnistia ou qualquer outra causa. Por força do artigo 3.º da LCJIMP, há prevalência dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português sobre o regime estabelecido pelo referido diploma, sendo que, apenas na sua falta ou insuficiência, a matéria se rege pelas disposições deste diploma e, subsidiariamente, pelas disposições do CPP. Em matéria de transferência de pessoas condenadas entre Portugal e Brasil é aplicável o Convenção Sobre a Transferência de Pessoas Condenadas entre os Estados Membros da CPLP, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 48/2008, de 15 de Setembro, que no seu artigo 3º/1-d) exige o consentimento para a transferência. A arguida argumenta com essa exigência de consentimento na referida Convenção. Contudo, uma vez que ela se encontra em Portugal, a Convenção em causa não tem campo de aplicação, pois não há lugar a transferência de condenado, que é a única matéria tratada no referido instrumento internacional. O pedido de revisão em apreço nasce na sequência da recusa de extradição determinada por decisão emitida por este Tribunal da Relação, com fundamento em que, tendo a requerida nacionalidade portuguesa, está vedada a sua extradição. Ou seja, o que está em causa é uma forma de cooperação judiciária subsequente a um pedido de extradição, resultante da referida recusa. Ora, vistos os termos da Convenção de Extradição entre os Estados-Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, subscrita em 23/11/2005 e aprovada pela Resolução da AR n° 49/2008, de 18/7, no DR n° 178, de 15/09/2008, com entrada em vigor em 01/03/2010, não se encontra norma que regule a situação da execução de uma pena na situação em que o condenado reside no estado requerido. O disposto no artigo 5º/1 (1) não abrange esta situação, em que já há condenação e a visada se encontra no estado requerido. Resta, portanto, a aplicação das normas supletivas contidas na LCJIMP. A LCJIMP, aplicável à execução de sentenças penais estrangeiras e à transferência de pessoas condenadas a penas e medidas de segurança privativas da liberdade (als. c) e d) do nº 1 do artigo 1º ), enumera, no artigo 96º, as condições especiais de que depende a admissibilidade do pedido de execução, em Portugal, de uma sentença penal estrangeira, a saber: «a) a sentença condenar em reacção criminal por facto constitutivo de crime para conhecer do qual são competentes os tribunais do Estado estrangeiro; b) se a condenação resultar de julgamento na ausência do condenado, desde que o mesmo tenha tido a possibilidade legal de requerer novo julgamento ou de interpor recurso da sentença; c) não contenha disposições contrárias aos princípios fundamentais do ordenamento jurídico português; d) o facto não seja objecto de procedimento penal em Portugal; e) o facto seja também previsto como crime pela legislação penal portuguesa; f) o condenado seja português, ou estrangeiro ou apátrida que residam habitualmente em Portugal; g) a execução da sentença em Portugal se justifique pelo interesse da melhor reinserção social do condenado ou da reparação do dano causado pelo crime [condição que, tal como a da al. h), é dispensável “quando, em caso de evasão para Portugal ou noutra situação em que a pessoa aí se encontre, tiver sido negada a extradição do condenado pelos factos constantes da sentença – cfr. nº 3 do mesmo preceito, ou, mediante acordo entre Portugal e o Estado interessado, ouvida previamente a pessoa em causa, nos casos em que houver lugar à aplicação de uma medida de expulsão posterior ao cumprimento da pena – cfr. nº 4 do mesmo preceito]; h) o Estado estrangeiro dê garantias de que, cumprida a sentença em Portugal, considerará extinta a responsabilidade penal do condenado; i) a duração das penas ou medidas de segurança impostas na sentença não seja inferior a um ano ou, tratando-se de pena pecuniária, o seu montante não seja inferior a quantia equivalente a 30 unidades de conta processual [condição que pode ser dispensada em casos especiais, designadamente se o estado de saúde do condenado ou razões de ordem familiar ou profissional assim aconselharem – cfr. nº 5 do mesmo preceito]; j) o condenado der o seu consentimento, tratando-se de reacção criminal privativa de liberdade» (sublinhados nossos). O nº 3 do preceito em referência admite, no entanto, o reconhecimento, ainda que não se verifiquem as condições das alíneas g) e j) do n.º 1, quando tiver sido negada a extradição do condenado pelos factos constantes da sentença e a pessoa em causa se encontre em Portugal. Esta é a norma aplicável à situação em apreço, da qual resulta que, não obstante a oposição da requerida ao reconhecimento da sentença, ela é admitida. Do exposto resulta a desadequação da argumentação contida na oposição. Por outro lado é facto assente que «de acordo com o sistema de revisão e confirmação vigente no nosso ordenamento jurídico, o qual decorre do CPP (arts. 234.º a 240.º), do CPC (arts. 1094.º a 1102.º), da Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas (Resolução da AR 8/93, de 18-02 – arts. 9.º a 11.º) e da LCJI (Lei 144/99, de 31-08 – arts. 100.º a 103.º), não compete aos nossos tribunais sindicar ou exercer qualquer censura sobre a decisão estrangeira, seja no âmbito da matéria de facto, seja na aplicação do direito» (2), o que leva à inaptidão da argumentação baseada nas alegadas deficiências de julgamento para a produção de efeitos no âmbito do presente processo especial. De acordo com o disposto no artigo 237º/1, do Código de Processo Penal, para confirmação de sentença penal estrangeira é necessário que se verifiquem as condições seguintes: a) Que, por lei, tratado ou convenção, a sentença possa ter força executiva em território português; b) Que o facto que motivou a condenação seja também punível pela lei portuguesa; c) Que a sentença não tenha aplicado pena ou medida de segurança proibida pela lei portuguesa; d) Que o arguido tenha sido assistido por defensor e, quando ignorasse a língua usada no processo, por intérprete; e) Que, salvo tratado ou convenção em contrário, a sentença não respeite a crime qualificável, segundo a lei portuguesa ou a do país em que foi proferida a sentença, de crime contra a segurança do Estado. Por outro lado, é ainda necessário se verifiquem, na parte aplicável, os requisitos de que a lei do processo civil faz depender a confirmação de sentença civil estrangeira (n.º 2 do citado artigo e artigo 980º/CPC), quais sejam: a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão; b) Que a sentença tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida; c) Que a sentença provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses; d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal português, excepto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição; e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção e no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes; f) Que a sentença não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português. *** III- Alegações produzidas pelo Ministério Público: O Ministério Público alegou mediante a seguinte argumentação: « 1.º O Ministério Público requereu a revisão e confirmação da sentença penal de condenação da Requerida AA, proferida pela ... Vara do Tribunal de Justiça Federal de ..., confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça do Estado de ..., República Federativa do Brasil, e transitada em julgado em 26 de fevereiro de 2019, para atribuição de força executiva, tendo em vista o cumprimento da pena de prisão em território nacional, 2.º A Requerida foi condenada na pena de 8 anos e 4 meses de prisão, pela prática de um crime de recetação qualificada, previsto e punido pelos arts. 180.º, parágrafo 1.º, e 71. º, do Código Penal da República Federativa do Brasil, que encontra correspondência no art. 231.º, no 1, do Código Penal Português. 3.ª A Requerida tem nacionalidade portuguesa e residência em Portugal. 4.º Circunstâncias estas que aliadas ao facto da Requerida não ter iniciado na República Federativa do Brasil o cumprimento da pena em que foi condenada, tornam não aplicáveis as invocadas Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e Convenção sobre a Transferência de Pessoas Condenadas entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, assinadas na cidade da Praia em 23 de novembro de 2005. 5.º No caso em apreço a revisão e confirmação da sentença estrangeira processa-se exclusivamente de acordo com o regime estatuído no art. 100.º, da Lei nº 144/99, de 31 de agosto, e arts. 234.º a 240.º, do Código de Processo Penal. 6.º Assim e dando por reproduzidos todos os factos e fundamentos constantes do n/ requerimento inicial, reiteramos que se encontram preenchidas as condições de execução previstas no art.96.º, da Lei no 144/99. Pelo exposto, pr. o deferimento do pedido de revisão, confirmação e execução em Portugal da pena em que a Requerida foi condenada.» *** *** IV- Fundamentos: A vexata quaestio neste pedido de revisão e confirmação tem que ver com a falta de consentimento por parte da condenada quanto à pretensão formulada. Vem a requerida invocar uma série de óbices, passando pelos entendimentos de que: - um pedido de revisão tem por pressuposto um pedido de transferência, sendo que a lei Brasileira exige, para o efeito, o consentimento do visado, aplicando-se a norma jurídica contida no ordenamento brasileiro que determina que «não se procederá à transferência quando inadmitida a extradição»; - a própria Convenção sobre a transferência de pessoas condenadas entre Estados da CPLP, aplicável ao caso, estabelece no seu artigo 7.º que «o Estado da condenação deverá assegurar-se de que a pessoa cujo consentimento para a transferência é necessário nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 3.º o preste voluntariamente e com plena consciência das consequências jurídicas daí decorrentes. O processo para a prestação de tal consentimento deverá reger-se pela lei do Estado da condenação»; - conforme disposto no artigo 5.º, n.º 1 da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP, também aplicável ao caso, «quando a extradição não puder ter lugar ou for recusada por se verificar algum dos fundamentos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º ou nas alíneas a) e b) do artigo 4.º, o Estado requerido deverá, caso o Estado requerente o solicite e as leis do Estado requerido o permitam, submeter o caso às autoridades competentes para que providenciem pelo procedimento criminal contra essa pessoa por todos ou alguns dos crimes que deram lugar ao pedido de extradição», o que significa que nos casos em que haja uma recusa da extradição por se verificar, nomeadamente, que a pessoa reclamada é nacional do Estado requerido, deverá o Estado requerente solicitar ao Estado requerido que providencie pelo procedimento criminal contra essa pessoa. Subsidiariamente invoca que a sentença revidenda, ao omitir referência a um perícia feita, não lhe assegurou todas as garantias de defesa, e que considera que a matéria de facto provada e não provada e a sua motivação são omissas e insuficientes. Vejamos: O processo de revisão e confirmação de sentença estrangeira em causa insere-se no âmbito da cooperação internacional em matéria penal, visando a execução de uma sentença penal estrangeira, na sequência de pedido de transferência para Portugal de pessoa condenada – arts. 95.º, 100.º, 114.º, 115.º, 122.º e 123.º, da Lei 144/99, de 31-08 e acórdãos do STJ 13-04-2011, no processo 53/10.3YREVR.S2 e de 13 de 23-06-2010, no processo. n.º 2113/09.4YRLSB.S1 - 3.ª, disponíveis em www.dgsi.pt). De acordo com o disposto no nº 1 do artº 100º, da LCJIMP (Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal – Lei nº 144/99 de 31/8), «a força executiva da sentença estrangeira depende de prévia revisão e confirmação, segundo o disposto no Código de Processo Penal e o previsto nas alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 6.º do presente diploma». Por seu turno, o nº 1 do artigo 234º, do Código de Processo Penal (CPP), dispõe que «quando, por força de lei ou de tratado ou convenção, uma sentença penal estrangeira dever ter eficácia em Portugal, a sua força executiva depende de prévia revisão e confirmação», cujos termos se encontram regulados nos artsº 234º a 240º daquele diploma, definindo o artigo 235º o Tribunal competente para a revisão e confirmação de sentença penal estrangeira, o artigo 236º quem tem legitimidade para a pedir (Ministério Público, arguido, assistente e partes civis ) e excluindo o artigo 238º a exequibilidade do pedido quando, segundo a lei portuguesa, o procedimento criminal ou a pena se encontrem extintos, por prescrição, amnistia ou qualquer outra causa. Por força do artigo 3.º da LCJIMP, há prevalência dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português sobre o regime estabelecido pelo referido diploma, sendo que, apenas na sua falta ou insuficiência, a matéria se rege pelas disposições deste diploma e, subsidiariamente, pelas disposições do CPP. Em matéria de transferência de pessoas condenadas entre Portugal e Brasil é aplicável o Convenção Sobre a Transferência de Pessoas Condenadas entre os Estados Membros da CPLP, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 48/2008, de 15 de Setembro, que no seu artigo 3º/1-d) exige o consentimento para a transferência. A arguida argumenta com essa exigência de consentimento na referida Convenção. Contudo, uma vez que ela se encontra em Portugal, a Convenção em causa não tem campo de aplicação, pois não há lugar a transferência de condenado, que é a única matéria tratada no referido instrumento internacional. O pedido de revisão em apreço nasce na sequência da recusa de extradição determinada por decisão emitida por este Tribunal da Relação, com fundamento em que, tendo a requerida nacionalidade portuguesa, está vedada a sua extradição. Ou seja, o que está em causa é uma forma de cooperação judiciária subsequente a um pedido de extradição, resultante da referida recusa. Ora, vistos os termos da Convenção de Extradição entre os Estados-Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, subscrita em 23/11/2005 e aprovada pela Resolução da AR n° 49/2008, de 18/7, no DR n° 178, de 15/09/2008, com entrada em vigor em 01/03/2010, não se encontra norma que regule a situação da execução de uma pena na situação em que o condenado reside no estado requerido. O disposto no artigo 5º/1 (3) não abrange esta situação, em que já há condenação e a visada se encontra no estado requerido. Resta, portanto, a aplicação das normas supletivas contidas na LCJIMP. A LCJIMP, aplicável à execução de sentenças penais estrangeiras e à transferência de pessoas condenadas a penas e medidas de segurança privativas da liberdade (als. c) e d) do nº 1 do artigo 1º ), enumera, no artigo 96º, as condições especiais de que depende a admissibilidade do pedido de execução, em Portugal, de uma sentença penal estrangeira, a saber: «a) a sentença condenar em reacção criminal por facto constitutivo de crime para conhecer do qual são competentes os tribunais do Estado estrangeiro; b) se a condenação resultar de julgamento na ausência do condenado, desde que o mesmo tenha tido a possibilidade legal de requerer novo julgamento ou de interpor recurso da sentença; c) não contenha disposições contrárias aos princípios fundamentais do ordenamento jurídico português; d) o facto não seja objecto de procedimento penal em Portugal; e) o facto seja também previsto como crime pela legislação penal portuguesa; f) o condenado seja português, ou estrangeiro ou apátrida que residam habitualmente em Portugal; g) a execução da sentença em Portugal se justifique pelo interesse da melhor reinserção social do condenado ou da reparação do dano causado pelo crime [condição que, tal como a da al. h), é dispensável “quando, em caso de evasão para Portugal ou noutra situação em que a pessoa aí se encontre, tiver sido negada a extradição do condenado pelos factos constantes da sentença – cfr. nº 3 do mesmo preceito, ou, mediante acordo entre Portugal e o Estado interessado, ouvida previamente a pessoa em causa, nos casos em que houver lugar à aplicação de uma medida de expulsão posterior ao cumprimento da pena – cfr. nº 4 do mesmo preceito]; h) o Estado estrangeiro dê garantias de que, cumprida a sentença em Portugal, considerará extinta a responsabilidade penal do condenado; i) a duração das penas ou medidas de segurança impostas na sentença não seja inferior a um ano ou, tratando-se de pena pecuniária, o seu montante não seja inferior a quantia equivalente a 30 unidades de conta processual [condição que pode ser dispensada em casos especiais, designadamente se o estado de saúde do condenado ou razões de ordem familiar ou profissional assim aconselharem – cfr. nº 5 do mesmo preceito]; j) o condenado der o seu consentimento, tratando-se de reacção criminal privativa de liberdade» (sublinhados nossos). O nº 3 do preceito em referência admite, no entanto, o reconhecimento, ainda que não se verifiquem as condições das alíneas g) e j) do n.º 1, quando tiver sido negada a extradição do condenado pelos factos constantes da sentença e a pessoa em causa se encontre em Portugal. Esta é a norma aplicável à situação em apreço, da qual resulta que, não obstante a oposição da requerida ao reconhecimento da sentença, ela é admitida. Do exposto resulta a desadequação da argumentação contida na oposição. Por outro lado é facto assente que «de acordo com o sistema de revisão e confirmação vigente no nosso ordenamento jurídico, o qual decorre do CPP (arts. 234.º a 240.º), do CPC (arts. 1094.º a 1102.º), da Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas (Resolução da AR 8/93, de 18-02 – arts. 9.º a 11.º) e da LCJI (Lei 144/99, de 31-08 – arts. 100.º a 103.º), não compete aos nossos tribunais sindicar ou exercer qualquer censura sobre a decisão estrangeira, seja no âmbito da matéria de facto, seja na aplicação do direito» (4), o que leva à inaptidão da argumentação baseada nas alegadas deficiências de julgamento para a produção de efeitos no âmbito do presente processo especial. De acordo com o disposto no artigo 237º/1, do Código de Processo Penal, para confirmação de sentença penal estrangeira é necessário que se verifiquem as condições seguintes: a) Que, por lei, tratado ou convenção, a sentença possa ter força executiva em território português; b) Que o facto que motivou a condenação seja também punível pela lei portuguesa; c) Que a sentença não tenha aplicado pena ou medida de segurança proibida pela lei portuguesa; d) Que o arguido tenha sido assistido por defensor e, quando ignorasse a língua usada no processo, por intérprete; e) Que, salvo tratado ou convenção em contrário, a sentença não respeite a crime qualificável, segundo a lei portuguesa ou a do país em que foi proferida a sentença, de crime contra a segurança do Estado. Por outro lado, é ainda necessário se verifiquem, na parte aplicável, os requisitos de que a lei do processo civil faz depender a confirmação de sentença civil estrangeira (n.º 2 do citado artigo e artigo 980º/CPC), quais sejam: a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão; b) Que a sentença tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida; c) Que a sentença provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses; d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal português, excepto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição; e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção e no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes; f) Que a sentença não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português. *** Do exame dos autos resulta que: 1- A requerida é cidadã portuguesa e encontra-se a residir em Portugal; 2- O pedido de revisão foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (o Ministério Público ); 3- Este Tribunal da Relação tem competência para a sua apreciação, em razão da matéria e do território; 4- Os factos constitutivos do crime pelo qual a requerida foi condenado foram praticados em território Brasileiro, sendo competentes para o seu conhecimento os tribunais desse país; 5- A arguida foi assistida por defensor; 6- Não se suscita dúvida quanto à autenticidade do documento do qual consta o texto da sentença, nem sobre a sua inteligibilidade; 7- A mesma transitou em julgado, segundo a lei do país em que foi proferida; 8- A competência do Tribunal Brasileiro não decorreu de fraude à lei, sendo certo que aquela não versa sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses; 9- O estado Brasileiro deu garantias de que, cumprida a sentença em Portugal, considerará extinta a responsabilidade penal do condenado; 10- Foi anteriormente negada a extradição do condenado pelos factos constantes da sentença; 11- Os factos que motivaram a condenação da requerida são puníveis pela lei portuguesa, nos termos do artigo 231º/CP e não constituem crime contra a segurança do Estado; 12- A decisão proferida não conduz a um resultado incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português; 13- A sentença objecto de revisão é susceptível de ter força executiva em Portugal, o que decorre do disposto nos artigos 95º e seguintes do Decreto-Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto; 14- Não ocorre excepção de litispendência ou de caso julgado; 15- A arguida não é extraditável para o Brasil, para cumprimento de pena, por força da aquisição de nacionalidade Portuguesa, o que dispensa o requisito do consentimento; 16- A duração da pena de prisão imposta na sentença revidenda não foi inferior a um ano e, na data da recepção do pedido de transferência, a duração da pena ainda por cumprir é superior a 6 meses; 17- Tanto Portugal como o Brasil estão de acordo quanto à transferência. Verificando-se todos os requisitos de que depende a procedência da revisão e confirmação acima mencionados e não se encontrando extintos, segundo a lei portuguesa, nem o procedimento criminal, nem a pena, não há fundamento legal para afastar a exequibilidade da sentença revidenda, nos termos requeridos, ou seja, no que à pena de prisão aplicada, acima referida, diz respeito. Em conclusão, a sentença revidenda preenche, face ao exposto, todos os requisitos previstos na legislação portuguesa para a sua confirmação, estando reunidas todas as condições para que lhe seja atribuída força executiva para que tenha lugar, em Portugal, o cumprimento da pena privativa da liberdade aplicada á requerida. (…)” 1.4. A requerida veio então recorrer desta decisão para o STJ, formulando as conclusões seguintes: 1. A arguida foi condenada por sentença proferida em 18 de novembro de 2011 e transitada em julgado em 26/02/2019, proferida pela ... Vara do Tribunal de Justiça Federal de ..., e confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça do Estado de ..., República Federativa do Brasil, na pena de 8 anos e 4 meses, pela prática de 1 crime de receptação qualificada, previsto e punido pelos artigos 180.º, parágrafo 1.º e artigo 71.º, do Código Penal da República Federativa do Brasil, crime este que encontra correspondência no artigo 231.º, n.º 1 do Código Penal Português. 2. Resultou do acórdão recorrido, os factos que motivaram a condenação da requerida são puníveis pela lei portuguesa, nos termos do artigo 231.º do CP e não constituem crime contra a segurança do Estado. 3. Diz o artigo 237.º, n.º3do Código doProcessoPenal: “Se a sentença penalestrangeira tiver aplicado pena que a lei portuguesa não prevê ou pena que a lei portuguesa prevê, mas em medida superior ao máximo legal admissível, a sentença é confirmada, masa pena aplicada converte-se naquela que aocasocoubessesegundo a lei portuguesa ou reduz-se até ao limite adequado. Não obsta, porém, à confirmação a aplicação pela sentença estrangeira de pena em limite inferior ao mínimo admissível pela lei portuguesa.” 4. O Tribunal recorrido declarou revista e confirmada a sentença revidenda, passando aquela a produzir todos os seus efeitos em Portugal. 5. O crime de receptação está previsto no artigo 231.º, n.º 1 do Código Penal, cuja pena máxima é de 5 anos de prisão. 6. O n.º 4 do artigo 231.º, do Código Penal, diz-nos que “se o agente fizer da receptação modo de vida, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos”. 7. A recorrente foi condenada pelo crime de receptação qualificada na pena de 8 anos e 4 meses, conforme previsto na legislação brasileira. 8. Contudo, a lei portuguesa não estabelece a receptação qualificada, isto é, tendo em conta a qualidade do agente. 9. Tanto que o MP requereu a revisão e a confirmação de sentença penal estrangeira por factos integrantes da prática do crime de receptação, p. e p. pelo artigo 231.º, n.º 1 do Código Penal, cuja pena máxima é de 5 anos de prisão. 10. De todo o modo, se verificarmos a sentença revidenda não encontramos correspondência ao chamado “modo de vida”. 11. Pelo que, deveria o Tribunal recorrido converter a pena aplicada naquela que ao caso coubesse segundo a lei portuguesa ou reduzindo-se a mesma ao limite adequado. 12. O acórdão recorrido não se pronunciou sobre a adaptação da pena da sentença brasileira, face às regras da lei portuguesa. 13. O Tribunal recorrido não podia deixar de conhecer essa questão, pelo que nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código do Processo Penal o acórdão recorrido é nulo. 14. Conforme decisão do Supremo Tribunal de Justiça, proferida no âmbito do processo n.º 301/09.2TRPRT.S1, em 02/02/2011, “Não cabe ao Estado da execução exercer qualquer censura sobre o teor e os fundamentos da decisão revidenda, seja no âmbito da matéria de facto, seja quanto à aplicação do direito, nem tal juízo de censura se compreende no âmbito e finalidades do processo de revisão e confirmação da sentença estrangeira, mas cabe-lhe, no cumprimento daquela declaração de reserva e da norma legal contida no n.º 3 do art. 237.º CPP, tratando-se de pena que ofenda princípios fundamentais da CRP, “expurgá-la” na parte correspondente. Por “máximo legal admissível” entende-se os limites máximos legais da pena de prisão consagrados nos n.ºs 1 e 2, do art. 41.º do CP, pois só em relação a estes limites gerais e abstractos faz sentido convocar o princípio constitucional da duração limitada das penas previsto no art. 30.º, n.º 1, da CRP.” 15. Errou o Tribunal recorrido ao não ter aplicado a norma constante do artigo 237.º, n.º 3 do Código do Processo Penal, bem como a norma prevista no artigo 101.º, n.º 1 e 2 da lei n.º 144/99, de 31 agosto que estabelece “a execução de uma sentença estrangeira faz-se em conformidade com a legislação portuguesa”. 16. O Tribunal recorrido ao não ter convertido a pena aplicada naquela que ao caso coubesse segundo a lei portuguesa ou reduzindo-se a mesma ao limite adequado violou princípios de direito constitucionais, designadamente os constantes no artigo 29.º e 30.º da CRP. 17. Impõe-se, assim, declarar a NULIDADE do acórdão proferido. 18. Por outro lado, prevê o artigo 101.º, n.º 6 da lei 144/99, de 31 de agosto que “o indulto e o perdão genéricas parciais ou a substituição da pena por outra são levados em conta na execução”, motivo pelo qual a recorrente requereu ao Tribunal recorrido a elaboração de relatório social, ao abrigo do artigo 370.º do Código do Processo Penal, com vista à correcta determinação da pena concreta que eventualmente podia vir a ser aplicada e o Tribunal recorrido, mais uma vez, não se pronunciou sobre o pedido da recorrente. 19. Poroutroturno, nostermosdoartigo96.º, n.º1, alínea c) da lei 144/99, de 31 de agosto, “o pedido de execução, em Portugal, de uma sentença penal estrangeira, só é admissível quando, paraalémdas condições gerais estabelecidas neste diploma, se verificarem as seguintes: c) não contenha disposições contrárias aos princípios fundamentais do ordenamento jurídico português.” 20. Efectivamente, a recorrente juntou aos autos no seu requerimento de oposição um relatório pericial constante nos autos de inquérito do processo que deu origem a sentença condenatória brasileira relativamente a apreensão levada a cabo pela polícia federal à casa da recorrente, onde foram efectivamente apreendidas 4 caixas de S........ e 1 caixa de R......., onde os peritos ao quesito se os produtos farmacêuticos tinham indicações de procedência de algum órgão público ou do Sistema Único de Saúde responderam não. 21. Ora, o artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, estabelece um princípio fundamental português relativo às liberdades e garantias do arguido e diz-nos que “o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.” 22. Na verdade, não obstante o relatório pericial solicitado pelo Ministério Público Brasileiro constar no processo de inquérito, a decisão condenatória brasileira não o relevou, nem para efeitos de matéria de facto dado como provada nem para efeitos de matéria de facto dada como não provada, simplesmente omitiu essa prova que era fundamental, razão pela qual a recorrente entende que não lhe foi assegurada todas asgarantiasde defesa numprocessocriminal,principiofundamentaldoordenamento jurídico português – direitos, liberdades e garantias do arguido. Porquanto, em todos osrecursos que interpôs, o Tribunalem causa nunca se pronunciou acerca do relatório constante nos autos de inquérito e que desqualificava a qualidade dos medicamentos apreendidos, porquanto era claro que os medicamentos não eram da rede pública hospitalar. 23. Razão pela qual a sentença brasileira contém disposições contrárias aos princípios do ordenamento jurídico português. 24. Portando, cingindo-se àqueles fundamentos, resulta que não foram valorados os argumentos e documentos que atestam que não foi garantida todas as defesas e garantias à aqui recorrente no processo a que alude a sentença revidenda e que foram levados a juízo pela recorrente. Os quais nem foram referidos, o que põe em crise o princípio da verdade material. Acresce que, tal como resulta do artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e em complemento, o artigo 154.º do Código de ProcessoCivil, todasasdecisõesjudiciaisdevem serfundamentadas, a apreciando-se a prova apresentada. Ora, ao não o ter feito, o douto acórdão recorrido enferma de nulidade, com as legais consequências previstas nos artigos 118.º, 120.º, n.º 2, alínea d) e 379.º, n.º 1, alínea c), do Código do Processo Penal, subsidiariamente aplicável ao presente caso concreto, devendo o mesmo ser substituído por outro que aprecie a prova apresentada. 25. Ademais, ainda que o tribunal recorrido esteja vinculado à matéria de facto considerada provada na sentença estrangeira, o n.º 3 do artigo 100.º da lei 144/99, de 31 de agosto estabelece que “em caso de omissão, obscuridade ou insuficiência da matéria de facto, o tribunal pede as informações necessárias, sendo a confirmação negada quando não for possível obtê-las”, tendo a recorrente alegado a omissão e insuficiência da motivação da matéria de facto da sentença revidenda. 26. O Tribunal recorrido não valorou os argumentos que foram levados a juízo pela recorrente. Os quais nem foram referidos, o que põe em crise o princípio da verdade material. 27. Assim sendo, o Tribunal recorrido poderia muito bem pedir informações necessárias ao Tribunal Brasileiro quanto à questão em apreço, designadamente quanto à questão da perícia que não foi relevada. 28. Motivo pelo qual, o Tribunal recorrido ao não se pronunciar sobre a questão em apreço violou mais uma vez, salvo melhor opinião em contrário, a norma prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), que tem como consequência a nulidade. 29. Ora, a norma prevista no artigo 101.º, n.º 1 da lei 144/44, de 31 de agosto, ao ser aplicada no sentido de que não compete aos tribunais portugueses sindicar ou exercer qualquer censura sobre a decisão estrangeira, seja no âmbito da matéria de facto, seja na aplicação do direito, é inconstitucional por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1 e 205.º da CRP, bem como por violação do disposto no artigo 6.º da CEDH e do artigo 47.º e 48.º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, quando se juntam provas que comprovam que a decisão estrangeira não relevou factos que deveriam ter sido considerados, bem como quando essa decisão estrangeira é obscura e omissa na sua motivação. 30. Por outro lado, o Tribunal recorrido considerou que “o que está em causa é uma forma de cooperação judiciária subsequente a um pedido de extradição, resultante da referida recusa”. 31. Porém, é o próprio Tribunal que refere que “o processo de revisão e confirmação de sentença estrangeira em causa insere-se no âmbito da cooperação internacional em matéria penal, visando a execução de uma sentença penal estrangeira, na sequência de pedido de transferência para Portugal de pessoa condenada (…).” 32. Na realidade, conforme bem refere o Tribunal “em matéria de transferência de pessoas condenadas entre Portugal e Brasil é aplicável a Convenção sobre a Transferência de Pessoas Condenadas entre os Estados Membros da CPLP (…), que exige o consentimento para a transferência.” 33. Sucede que, o Tribunal ao referir que o processo em causa visa a execução de uma sentença penal estrangeira, na sequência de pedido de transferência para Portugal de pessoa condenada, contradiz-se quando afirma que não se aplica esta Convenção, uma vez que não há lugar a transferência de condenado. 34. Diz, igualmente, o Tribunal recorrido que “por força do artigo 3.º da LCJIMP, há prevalência dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português sobre o regime estabelecido pelos referidos diplomas, sendo que, apenas na sua falta ou insuficiência, a matéria que se rege pelas disposições deste diploma e, subsidiariamente, pelas disposições do CPP.” 35. A lei n.º 144/99, de 31 de agosto excepciona o consentimento da recorrente no seu artigo 96.º, n.º 3, contudo nós só aplicamos esta lei subsidiariamente. 36. Sucede que, Colendos Conselheiros, ainda que não haja lugar a transferência de condenado, há lugar à transferência de execução da pena. Quando se solicita a transferência da execução da sentença para Portugal, está-se a solicitar a transferência da pessoa condenada, pese embora a recorrente já se encontrar em território português, tanto que é sempre necessário, nos termos do disposto no artigo 237.º, n.º 1, do Código Processo Penal, a prévia revisão e confirmação da sentença estrangeira, de forma a ter eficácia em Portugal. Ou seja, em ambos os casos, a força executiva de uma sentença penal estrangeira depende da prévia revisão e confirmação, e devemos aplicar a dita Convenção. 37. Sendo assim de considerar a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão. 38. Impõe-se, assim, declarar a NULIDADE do acórdão proferido. 39. Pelo exposto, e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., o douto Acórdão recorrido deverá ser declarado nulo e ser substituído por outro que se pronuncie quantos aos argumentos e provas apresentados e, consequentemente, a acção de reconhecimento e confirmação de sentença penal estrangeira ser julgada improcedente.”] 1.5. Em resposta, contrapôs o MPº no TRL: [“ 1. O acórdão recorrido declarou revista e confirmada a sentença penal proferida pela ... Vara do Tribunal de Justiça Federal de ..., transitada em julgado e confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça do Estado de ..., República Federativa do Brasil, que condenou a recorrente, com dupla nacionalidade, portuguesa e brasileira, com residência em Portugal, na pena de 8 anos e 4 meses de prisão, pela prática de um crime de recetação qualificada, p. e p. pelos artigos 180, parágrafo 1º e 71º do Código Penal da República Federativa do Brasil. 2. A recorrente entende que a decisão deve ser modificada devido a várias omissões de pronúnciageradoras denulidade, e por força de diferente interpretação da matéria de direito aplicável, nos termos do artigo 412.º, n.º 2, do Código do Processo Penal. Porém, o tribunal está obrigado a conhecer das questões pertinentes para a decisão da causa e não a debruçar-se sobre todos e cada um dos argumentos invocados pela defesa, mormente aqueles que são repetitivos, impercetíveis e manifestamente inaplicáveis à situação em apreço. 3. A exigência do artigo 237.º, n.º 3 do C.P.P., reporta-se ao máximo legal da pena de prisão (25 anos) permitido pela lei portuguesa, nos termos do artigo 41.º do Código Penal, como salienta o acórdão do STJ citado pela recorrente, pelo que não se recorre à norma punitiva para aferir da conformação do quantum da pena aplicada pelo tribunal do Estado requerente, pois o que está em causa é a conformação com os princípios constitucionais portugueses relativamente à punição e que devem respeitar os direitos fundamentais, não competindo ao tribunal fazer a correspondência entre as normas punitivas de um Estado e do outro em concreto, de modo a equiparar e converter a pena consoante beneficie o condenado. 4. A garantia dos direitos de defesa da condenada no âmbito do processo de revisão e confirmação de sentença penal estrangeira reporta-se ao procedimento próprio da execução de sentenças penais estrangeiras, previsto no Titulo IV, Capítulo I da LCJIMP ( artigo 95.º e seguintes), assim como nos artigos 234.º a 240.º do CPP e artigos 978.º e seguintes do Código de Processo Civil, podendo deduzir oposição, interpor recurso, assim se concretizando o exercício daquele direito, mas sempre reportado ao processo de revisão e confirmação regulado pela lei portuguesa e limitado pelo disposto no artigo 100.º da LCJIMP. 5. As normas constitucionais alegadamente violadas sempre terão de se reportar ao processo de revisão e confirmação de sentença e não ao julgamento efetuado no Brasil, cuja sentença transitou e obedece a todos os demais requisitos legais para ser revista e confirmada, para execução em Portugal da concreta pena de prisão ali aplicada. 6. O tribunal português não tinha que questionar o tribunal brasileiro sobre a perícia invocada pela recorrente, porquanto tal constituiria uma violação do limite estabelecido no artigo 100.º nº 2, alínea a) da LCJIMP, não sendo caso da aplicação do n.º 3 da citada norma. De igual modo, não tinha que se debruçar sobre o relatório social junto pela recorrente para determinação da pena, na medida em que lhe estava vedada a modificação da sentença nos termos pretendidos pela recorrente, sendo certo que, o artigo 101.º da LCJIMP, ao abrigo do qual pretende que se atenda ao relatório social, não tem aqui aplicação, pois tal norma reporta-se a um momento posterior, em que o condenado já está a cumprir a pena aplicada por sentença penal estrangeira revista e confirmada. Trata-se de norma de execução da pena, fase que ainda não iniciou. 7. O tribunal não considerou ser de aplicar a Convenção sobre a Transferência de Pessoas Condenadas Entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. O que fez foi ponderar as vias legais de cooperação, concluindo pela aplicação do regime previsto na LCJIMP, por se tratar de ato de cooperação subsequente à recusa de extradição, com fundamento na nacionalidade portuguesa da extraditanda, não sendo necessário o consentimento da condenada para que seja admissível a execução daquela sentença brasileira em Portugal, de acordo com o artigo 96.º n.º 3 da LCJIMP. 8. Talmatéria não se mostra regulada na Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, que apenas contém normas relativas ao procedimento criminal, porquanto decorre da lei geral (LCJIMP, artigo 32.º n.º 1 alínea b) e n.º 3) que a extradição de nacional é admitida excecionalmente, apenas para efeito de procedimento criminal, o que justifica que a convenção de extradição, em caso de recusa, apenas se refira ao julgamento pelo Estado requerido. 9. O âmbito de aplicação da Convenção sobre a transferência de Pessoas Condenadas Entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa restringe-se aos condenados que já se encontram presos em cumprimento de pena de prisão, que a seu pedido ou do Estado onde se encontram, pretendam cumprir a pena no Estado da sua nacionalidade ou residência permanente. No caso, a condenada não se encontra presa no Estado requerente, está no Estado requerido, não sendo necessária a transferência, mas sim a revisão e confirmação da sentença para que a pena de prisão aplicada adquira eficácia e possa ser cumprida em estabelecimento prisional português. 10. O acórdão recorrido analisou todas as questões pertinentes, nomeadamente as suscitadas na oposição apresentada pela requerida, sendo exaustivo na apreciação das mesmas, fez correta interpretação do quadro legal aplicável, que foi citado e detalhadamente analisado, pelo que o recurso não deve merecer provimento. “] 1.6 - Admitido o recurso e remetido a este Supremo Tribunal de Justiça, o MºPº emitiu parecer no sentido do não provimento, dizendo no essencial: “ A Senhora magistrada do Ministério Público junto do Tribunal da Relação apresentou resposta que entendemos como extremamente assertiva, completa e bem fundamentada, abordando e dando resposta a todos os aspetos que a recorrente levantou relativamente à decisão, nomeadamente quanto ao que alega entender como omissões de pronúncia geradoras de nulidade e contradições entre a fundamentação e a decisão, resposta que acompanhamos aqui integralmente, entendendo que nada há a acrescentar à mesma. Pelo que é parecer do Ministério Público que o recurso deverá ser julgado totalmente improcedente.” 1.7 - A recorrente, por sua vez, respondeu a este parecer, dizendo, no essencial: 1. O Ministério Púbico junto deste tribunal no seu parecer remeteu na íntegra para a resposta do Ministério Público junto da Relação, entendendo que nada há a acrescentar à mesma, pugnando pela improcedência total do recurso. 2. A recorrente dá como reproduzido os fundamentos versados no seu recurso. 3. Porém, em resposta ao parecer do MP, e relativamente à adequação da pena, nos termos do artigo 237.º, n.º 3 do Código do Processo Civil, acrescenta que, inversamente ao pugnado pelo MP, existem decisões de tribunais superiores que entendem que a adequação da pena terá de se converter naquela que a lei portuguesa estabelece ou reduzindo-a ao limite adequado para o crime em questão. 4. Designadamente, a decisão proferida no âmbito do processo n.º 20/14.8YRCBR pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 10/07/2014, em que o arguido fora condenado a 14 anos de prisão pelo crime de homicídio voluntário na forma tentada no Grã-Ducado do Luxemburgo, o Tribunal ao confirmar e rever a sentença penal estrangeira, entendeu que “a pena de prisão aplicada na sentença revidenda ultrapassa o máximo legal fixado pela lei portuguesa para o crime em questão”, motivo pelo qual reduziu-a até ao limite de 8 anos e 6 meses de prisão. Diz esse Tribunal “neste quadro, considerando o critério aplicável previsto no art. 71º do C. Penal, tendo em conta o modo de cometimento do facto, a personalidade do recluso e as exigências de “prevenção geral e especial, requeridas pelo caso, reduz-se a pena aplicada pelo Tribunal de Apelo do Grão-Ducado do Luxemburgo, nos termos do art. 237.º, n.º 3 do C. Processo Penal, a 8 anos e 6 meses de prisão.” 5. E, segundo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20/03/2014, proferido no âmbito do processo n.º 131/14.0YRLSB-9, em que o Tribunal reviu e confirmou a sentença aplicada ao ali arguido, reduzindo a pena a 12 anos de prisão. Efectivamente, neste processo o arguido tinha sido condenado no Reino da Tailândia por um crime contra a lei dos estupefacientes na pena de prisão perpétua, pena esta proibida pelo ordenamento jurídico português, razão pela qual o Tribunal reduziu-a ao limite adequado, convertendo-a na pena de 12 anos. Sucede que, aplicando o raciocínio versado na resposta do MP, deveria esse Tribunal ter aplicado o máximo legal da pena de prisão, ou seja, 20 anos, conforme previsto no artigo 41.º, n.º 1, do Código Penal, contudo não o fez (sublinhado nosso). Pelo exposto, requer-se a V. Ex.ª que tenha em consideração as decisões supra e, consequentemente, a procedência total do recurso.”(fim de transcrição) 1.8 - Após exame preliminar e vistos legais foram remetidos os autos à Conferência, cumprindo agora explicitar os fundamentos e a deliberação tomada. II- Delimitação das questões a conhecer no âmbito do presente recurso 2.1- Visando permitir e habilitar este Supremo Tribunal a conhecer as razões de discordância da decisão recorrida e tal como tem sido, aliás, posição pacífica da jurisprudência, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões, devidamente congruentes, que o(s) recorrente(s) extrai(em) da respectiva motivação, sem prejuízo da ponderação das questões que sejam de conhecimento oficioso. (5) 2.2- Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as cinco(5)questões a decidir no presente recurso, por ordem de precedência lógica, são as seguintes: • Nulidade por omissão de pronúncia por parte do Tribunal da Relação recorrido porquanto o acórdão recorrido não se pronunciou sobre a adaptação da pena da sentença brasileira, face às regras da lei portuguesa”. • Nulidade por omissão de pronúncia por parte do Tribunal da Relação recorrido sobre pedido da requerente para elaboração de relatório social nos termos do artº 370º do CPP para determinação da medida da pena. • Nulidade por omissão de pronúncia por parte do Tribunal da Relação recorrido quanto à não apreciação da violação pelo tribunal Brasileiro de garantias de defesa da requerente ao não relevar relatório pericial junto aos autos para prova de factos essenciais e não ter pedido informações necessárias ao Tribunal Brasileiro quanto à questão em apreço. • Inconstitucionalidade da norma prevista no artigo 101.º, n.º 1 da lei 144/44, de 31 de agosto, ao ser aplicada no sentido de que não compete aos tribunais portugueses sindicar ou exercer qualquer censura sobre a decisão estrangeira, seja no âmbito da matéria de facto, seja na aplicação do direito • Contradição na fundamentação por o Tribunal referir que o processo em causa visa a execução de uma sentença penal estrangeira, na sequência de pedido de transferência para Portugal de pessoa condenada, quando afirma que não se aplica esta Convenção, uma vez que não há lugar a transferência de condenado. A lei n.º 144/99, de 31 de agosto excepciona o consentimento da recorrente no seu artigo 96.º, n.º 3, mas só se aplica esta lei subsidiariamente. 2.3 – O Direito 2.3.1- Os factos provados são os que constam já de transcrição anterior em 1.3 e que se dão aqui por reproduzidos. 2.3.2 - Apreciação das questões enunciadas 2.3.2.1- Da questão da nulidade por omissão porquanto o acórdão recorrido não se terá pronunciado sobre a adaptação da pena da sentença brasileira, face às regras da lei portuguesa”. Nesta primeira questão, a recorrente aborda o tema defendendo que “deveria o Tribunal recorrido converter a pena aplicada naquela que ao caso coubesse segundo a lei portuguesa ou reduzindo-se a mesma ao limite adequado e que o acórdão recorrido não se pronunciou sobre a adaptação da pena da sentença brasileira, face às regras da lei portuguesa, pelo que nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código do Processo Penal o acórdão recorrido é nulo. Ora bem. Por sentença penal, datada de 18 de novembro de 2011, transitada em julgado a 26/02/2019, proferida pela ... Vara do Tribunal de Justiça Federal de ..., e confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça do Estado de ..., República Federativa do Brasil, foi a ora recorrente AA, com dupla nacionalidade, portuguesa e brasileira, condenada na pena de 8 anos e 4 meses de prisão, pela prática de um crime de receptação qualificada, previsto e punido (p. e p.) pelos artigos 180, parágrafo 1º e 71º do Código Penal da República Federativa do Brasil e prevista, no Código Penal Português, no artigo 231ºnº1 . O artº 231º nº1 do CP, norma mais equivalente ao caso na perspectiva da legislação portuguesa, e verificada assim a dupla incriminação na lei nacional, prevê no entanto uma pena de prisão até um máximo de 5 anos ou multa até 600 dias. A qualificação jurídica do Tribunal Brasileiro como crime de receptação qualificada nunca foi colocada em causa e os factos subjacentes à condenação compreendem actividade continuada da arguida e outros , pelo menos entre 2005 e 2010, agindo em unidade de desígnios, de forma consciente e voluntária, consistindo na aquisição e revenda, no exercício e actividade comercial, de medicamentos desviados de hospitais públicos. Discorrendo sobre este primeiro problema, assinala-se que o tribunal recorrido não se pronunciou positivamente sobre a adaptação da pena em função da que seria aplicável no ordenamento jurídico penal português ( com um máximo de 5 anos de prisão). Mas não o fez, por aparente exclusão implícita face ao que entendeu o Tribunal da Relação recorrido ao referir, a dado passo, a págs 13: “Por outro lado é facto assente que «de acordo com o sistema de revisão e confirmação vigente no nosso ordenamento jurídico, o qual decorre do CPP (arts. 234.º a 240.º), do CPC (arts. 1094.º a 1102.º), da Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas (Resolução da AR 8/93, de 18-02 – arts. 9.º a 11.º) e da LCJI (Lei 144/99, de 31-08 – arts. 100.º a 103.º), não compete aos nossos tribunais sindicar ou exercer qualquer censura sobre a decisão estrangeira, seja no âmbito da matéria de facto, seja na aplicação do direito» (6), o que leva à inaptidão da argumentação baseada nas alegadas deficiências de julgamento para a produção de efeitos no âmbito do presente processo especial.” Daqui parece poder ler-se resultar por parte do tribunal recorrido uma posição, concorde-se ou não com ela no seu acerto jurídico e hermenêutico, no sentido de entender (assim inexistindo por aqui, omissão alguma) que não deveria sindicar nem exercer censura sobre a matéria de facto e sobre a matéria de direito, nesta última se incluindo, pela sua natureza, a questão da adaptação da pena, caso em que não faria sentido ser necessário modificá-la no limite aplicado pelo tribunal brasileiro. Ou seja, não podendo sindicar de facto e de direito, a pena não teria que ser modificada por adaptação/conversão. Nesta perspectiva, ter-se-á de considerar inexistir nulidade por omissão de pronúncia pois, a ser assim, tomou-se posição, ainda que por remissão fundamentativa genérica para as normas supra citadas, assumindo-se ser uma questão de natureza interpretativa e no sentido de que a adaptação da pena seria impedida por não se poder mexer na questão de direito. Ponto será, contudo, saber se deveria ou não tê-la modificado, adaptando-a, em função da realidade jurídico penal portuguesa e do previsto no tipo penal contido no artº 231º nº1 do CP, cujo máximo de prisão é de 5 anos. A solução terá de ser encontrada por via da sua localização expressa em convenção internacional vinculativa do Estado Português e do Estado Brasileiro ou, na sua ausência, por aplicação das regras de revisão internas previstas na legislação portuguesa. E pode ser alinhável em, pelo menos, três perspectivas: 1)- Manter a pena aplicada por não ultrapassar o máximo geral de 25 anos previsto na lei penal portuguesa; II) Convertê-la ao máximo admissível ( in casu, de 5 anos) no tipo legal do artº 231º nº1 do CP; III)- Ou, dentro deste tipo legal, fixar uma pena concreta entre mínimo e o máximo da moldura abstracta ali prevista. Tendo como ponto de partida a consideração de que não estamos perante uma transferência efectiva da pessoa em si, pois que a recorrente se encontra já em Portugal, há que recorrer a elementos hermenêuticos coadjuvantes que nos indiquem como se passariam as coisas se, por via de uma transferência efectiva, se tivesse de rever e confirmar a sentença subjacente ao pedido. Na verdade, Sabemos que a execução de sentenças penais estrangeiras constitui uma forma de cooperação judiciária internacional em matéria penal que se rege pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português e, na sua falta ou insuficiência, pelos art. 95.º a 103.º da Lei n.º 144/99, de 31-08, sendo subsidiariamente aplicáveis as disposições do CPP [art. 1.º, n.º 1, al. c), e 3.º do mesmo diploma]. As sentenças penais estrangeiras, transitadas em julgado, podem ser executadas em Portugal nas condições previstas, em primeiro lugar, nas convenções internacionais a que os Estados envolvidos hajam aderido e ratificado ou, não havendo nelas norma que resolva a problemática que se coloque, v.g. quanto à exigibilidade ou não da conversão da pena segundo uma daquelas 3 perspectivas, aplica-se subsidiariamente a Lei n.º 144/99, dependendo a sua força executiva de prévia revisão e confirmação, segundo o disposto no CPP e o previsto nas al. a) e c) do n.º 2 do art. 6.º da Lei n.º 144/99 (art. 95.º e 100.º deste diploma). Sendo instrumental desta forma de cooperação (art. 234.º, n.º 1, do CPP), isoladamente ou no âmbito da transferência de pessoas condenadas (art. 1.º, n.º 1, al. c) e d), 95.º a 103.º e 123.º da Lei n.º 144/99), o processo de revisão e confirmação de sentenças estrangeiras reflete essa diversidade normativa, em particular no que diz respeito aos requisitos e às condições de admissibilidade do pedido e à extensão e valor da sentença de reconhecimento, da competência dos tribunais portugueses (artº. 100.º, n.º 2, e 103.º da Lei n.º 144/99). Podemos ainda afirmar com segurança que o regime de execução de sentenças penais estrangeiras estabelecido nos art. 95.º e ss. da Lei n.º 144/99 reproduz o dos art. 89.º e ss. do DL n.º 43/91, de 22-01 (revogado pelo art. 166.º da Lei n.º 144/99), que têm por fonte, nomeadamente, os art. 42.º e 44.º da Convenção Europeia sobre o Valor Internacional das Sentenças Penais ( não obstante nunca ratificada ainda), pelo que a ordem de execução é precedida da conversão das sanções penais impostas no estrangeiro nas correspondentes da lei portuguesa, com as limitações impostas pelo n.º 2 do art. 100.º da Lei n.º 144/99 e pelo n.º 3 do art. 237.º do CPP. Dispõe o nº2 do artº100º da lei nº144/99 que o tribunal de revisão está vinculado à matéria de facto provada na sentença estrangeira ( alínea a), não pode converter a pena privativa de liberdade em pena pecuniária (alínea b) nem agravar em caso algum a reacção estabelecida na sentença estrangeira. Por sua vez o nº3 do artº 237º do CPP impõe ao tribunal de recurso o dever de se retirar da procedência respectiva as consequências legalmente impostas relativamente a tida a questão recorrida mesmo quando haja limitação do recurso ã matéria de facto ou à questão de direito. A Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto rege sobre diversas formas de cooperação judiciária internacional em matéria penal, em que se inclui a matéria da transferência de pessoas condenadas a pena ou medida privativas da liberdade, sendo certo que sobre o regime que institui devem prevalecer as normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português (cfr. artigo 3.º da referida lei). Por sua vez, já na Convenção sobre a Transferência de Pessoas Condenadas entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (doravante CtpcPLP) 7 se dispõe igualmente no artº 9º: Artigo 9.º Execução 1 — A transferência de qualquer pessoa condenada apenas poderá ter lugar se a sentença for exequível no Estado para o qual a pessoa deva ser transferida. 2 — O Estado para o qual a pessoa deve ser transferida não pode: a) Agravar, aumentar ou prolongar a pena ou a medida aplicada no Estado da condenação, nem privar a pessoa condenada de qualquer direito para além do que resultar da sentença proferida no Estado da condenação; b) Alterar a matéria de facto constante da sentença proferida no Estado da condenação. 3 — Na execução da pena, observam -se a legislação e os procedimentos do Estado para o qual a pessoa tenha sido transferida. A questão de saber se o tribunal recorrido pode ou não alterar a pena aplicada no Estado requerente (Estado da condenação) constitui-se, assim, no tema mais central do presente recurso. À semelhança do que sucede com outras formas de cooperação, remete esta questão, numa primeira formulação genérica, para um regime, multifacetado, conformado por uma diversidade de normas aplicáveis em função da participação do Estado português em espaços institucionais e regionais de cooperação multilateral (Conselho da Europa, União Europeia) ou de quadros legais específicos de cooperação bi ou multilateral, enformados por acordos, tratados e convenções, ou, na falta deles, pelo princípio da reciprocidade [artigos 1.º, n.º 1, al. c), 3.º e 4.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto] numa aplicação instrumental desta forma de cooperação (a força executiva de uma sentença penal estrangeira que deva ter eficácia em Portugal depende de prévia revisão e confirmação – artigo 234.º, n.º 1, do CPP), isoladamente ou no âmbito da transferência de pessoas condenadas (artigos 1.º, n.º 1, al. c) e d), 95.º a 103.º e 123.º da Lei n.º 144/99) Esse processo de revisão e confirmação de sentenças estrangeiras para futuro cumprimento de pena em Portugal (artigos 234.º, n.º 1, do CPP e 95.º, n.º 1, e 100.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99), ao qual se subtraem, atualmente, as sentenças penais proferidas no espaço da União Europeia, espelha essa multiplicidade normativa, sobretudo no que diz respeito aos requisitos e às condições de admissibilidade do pedido e à extensão e valor da sentença de reconhecimento, da competência dos tribunais portugueses (artigos 100.º, n.º 2, e 103.º da Lei n.º 144/99). A evolução da cooperação neste âmbito resultou na adopção de mecanismos próprios que, na fase mais avançada de construção do Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça [artigos 3.º, n.º 2, do Tratado da União Europeia e 4.º, n.º 2, al. j), e Título V – artigos 67.º a 76 e 82.º a 86.º – da Parte III do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)], baseada no princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais (artigo 82.º, n.º 1, do TFUE), se autonomizaram da revisão e confirmação, através de um regime de reconhecimento dotado de completude normativa, substantiva e processual, que encontra expressão em instrumentos jurídicos adotados com base nos Tratados, em particular, no que respeita às penas privativas da liberdade, na Decisão-Quadro 2008/909/JAI, do Conselho, de 27 de novembro de 2008, transposta para o direito interno pela Lei n.º. 158/2015, de 17 de setembro. (cfr, nesta abordagem, por todos, Ac STJ de 23 de fevereiro de 2022 ( Lopes da Mota), no procº 1626/21.4YRLSB.S1): “ (…) 11. A observação dos regimes de execução de sentenças penais estrangeiras permite identificar dois métodos substancialmente distintos: a cooperação por via da continuação da execução da pena, como sucede no caso de esta se iniciar no Estado da condenação e o condenado ser transferido para outro Estado para continuar a cumprir a pena, e a cooperação por via da conversão ou adaptação da condenação, em processo de exequatur, seja naquele caso, seja no caso de a pessoa se encontrar no Estado de execução. “ Esta diferenciação resulta expressa no texto do n.º 1 do artigo 9.º da Convenção do Conselho da Europa relativa à Transferência de Pessoas Condenadas, de 21.3.1983 [ratificada pelo Decreto do Presidente da República (DPR) n.º 8/93, de 20 de abril, e aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República (RAR) n.º 8/93, DR-I Série A, de 20.4.1993], sob a epígrafe “Efeitos da transferência para o Estado da execução”, que dispõe: “1 - As autoridades competentes do Estado da execução devem: a. Continuar a execução da condenação imediatamente ou com base numa decisão judicial ou administrativa, nas condições referidas no artigo 10.º; ou b. Converter a condenação, mediante processo judicial ou administrativo, numa decisão desse Estado, substituindo assim a sanção proferida no Estado da condenação por uma sanção prevista pela legislação do Estado da execução para a mesma infração, nas condições referidas no artigo 11.º.” Por sua vez, nos termos do artigo 10.º: “No caso de continuação da execução, o Estado da execução fica vinculado pela natureza jurídica e pela duração da sanção, tal como resultam da condenação” (n.º 1). E, de acordo com o n.º 1 do artigo 11.º: “No caso de conversão da condenação aplica-se o processo previsto pela lei do Estado da execução. (sublinhado nosso) Ao efectuar a conversão, a autoridade competente: a) ficará vinculada pela constatação dos factos na medida em que estes figurem explícita ou implicitamente na sentença proferida no Estado da condenação; b) não pode converter uma sanção privativa da liberdade numa sanção pecuniária; c) descontará integralmente o período de privação da liberdade cumprido pelo condenado; e d) não agravará a situação penal do condenado nem ficará vinculada pela sanção mínima eventualmente prevista pela lei do Estado da execução para a infracção ou infracções cometidas”. Assim, havendo conversão, se a natureza ou a duração desta sanção forem incompatíveis com a legislação do Estado da execução ou se a legislação deste Estado o exigir, o Estado da execução pode, com base em decisão judicial ou administrativa, adaptá-la à pena ou medida previstas na sua própria lei para infracções da mesma natureza. Quanto à sua natureza, esta pena ou medida corresponderá, tanto quanto possível, à imposta pela condenação a executar. Ela não pode agravar, pela sua natureza ou duração, a sanção imposta no Estado da condenação nem exceder o máximo previsto pela lei do Estado da execução” (n.º 2). E é aqui, no confronto destas normas da Convenção do CoE sobre TPC que vinculam Portugal e o Brasil (vide nota 9 de rodapé”(…) entrou em vigor para o Brasil a 01/10/2023, tendo-a ratificado a 26/06/2023.), que se pode encontrar um incontornável apoio hermenêutico para a solução do presente caso, não obstante, como antes avisámos, não se estar propriamente numa situação de transferência efectiva de pessoa condenada mas, ao menos, servirá de fonte interpretativa, mutatis mutandis, na localização do espírito dos Estados contratantes e face às reservas de Portugal precisamente nesse conspecto . E porquê? Precisamente tendo em consideração as ditas reservas de Portugal e a sua compreensão contida na Recomendação 84(11) do CoE que adiante indicaremos. Por ocasião da ratificação desta Convenção, que visou complementar a Convenção Europeia sobre o Valor Internacional das Sentenças Penais, com o objetivo de simplificar e tornar mais célere a transferência de condenados (cfr. relatório explicativo, ponto 8), Portugal formulou as seguintes declarações (RAR n.º 8/93): a) “utilizará o processo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º, nos casos em que seja o Estado de execução”; b) “a execução de uma sentença estrangeira efectuar-se-á com base na sentença de um tribunal português que a declare executória, após prévia revisão e confirmação”; c) que “quando tiver de adaptar uma sanção estrangeira, Portugal, consoante o caso, converterá, segundo a lei portuguesa, a sanção estrangeira ou reduzirá a sua duração, se ela ultrapassar o máximo legal admissível na lei portuguesa”. Assim, por virtude destas declarações, e tendo conta o relatório explicativo, Portugal só continua uma execução já iniciada no Estado de condenação, com base numa decisão judicial de revisão e confirmação, só nesse caso ficando vinculado pela natureza jurídica e pela duração da sanção, tal como resultam da condenação, podendo, contudo- como interpretamos ser o melhor alcance daquela reserva- quando se inicie a execução em Portugal ou se a duração da sanção for incompatível com a legislação nacional, adaptá-la à pena prevista na lei interna para infrações semelhantes, em medida correspondente, tanto quanto possível, à imposta pela condenação a executar, sem agravar, pela sua duração, a sanção imposta no Estado da condenação nem exceder o máximo previsto na lei interna, convertendo a sanção estrangeira, segundo a lei portuguesa, ou reduzindo a sua duração, se ela ultrapassar o máximo legal admissível na lei portuguesa. No entanto, um elemento importante hermenêutico coadjuva a tese da adaptação da pena. Resulta do Relatório explicativo desta Convenção que a diferença entre o procedimento de "continuação da execução", previsto no artigo 10º, e o procedimento de "conversão da condenação", previsto no artigo 11º, é que, no primeiro caso, o tribunal de execução continua a executar a sentença proferida pelo tribunal de condenação (eventualmente adaptada nos termos do nº 2 do artigo 10º), enquanto no segundo caso, a sanção é convertida numa sanção do Estado de condenação, o que tem por resultado que a pena executada já não se baseia diretamente na sanção imposta no Estado de condenação.8 Embora o procedimento previsto na alínea a) do artigo 9º e explicitado no artigo 10º, aponte como regra a intocabilidade da natureza e duração da pena imposta no Estado da condenação, sempre que a duração dessa pena seja superior ao limite máximo da pena abstracta prevista na legislação do Estado de execução para o crime a que são subsumíveis os factos praticados, este Estado pode mesmo reduzir essa pena e determiná-la dentro da moldura abstracta prevista na sua legislação para esse tipo penal. Ademais, resulta da Recomendação R (84) 11 do Conselho de Ministros aos Estados Membros, relativa à informação sobre a Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas 9e que a seguir se transcreve em tradução livre da versão em inglês 10: “(…)Que pena será cumprida após a transferência? (Estados que aplicam o procedimento de "continuação da execução") A duração máxima da pena a cumprir após a transferência corresponderá à duração da pena inicial, deduzida de qualquer privação da liberdade sofrida no Estado da condenação antes da data da transferência. Se a duração da pena imposta no Estado da condenação for superior à pena prevista para a mesma infração no Estado da execução ou se as duas penas forem de natureza diferente, a pena inicial será adaptada à pena que melhor corresponda ao direito do Estado de execução, sendo que a sanção resultante não será nem mais longa nem mais grave do que a pena inicial. (…)”(itálico nosso) Por conseguinte, é assim possível concluir com desafogo jurídico e em face daquela orientação contida na Recomendação 84 (11)do CoE, que a reserva relativa à redução da sanção contida na sentença estrangeira ao “máximo legal admissível na lei portuguesa” deve, no limite, poder também reportar-se, sem restrição de uma interpretação literalista, ao limite máximo da sanção estabelecida na moldura abstrata dos diferentes crimes previstos na parte especial do Código Penal. A declaração apresentada por Portugal levou em conta a exigência de revisão e confirmação imposta pela lei portuguesa, em conformidade com o disposto nos artigos 234.º, n.º 1, do CPP e 95.º e seguintes da Lei n.º 144/99. Nos termos do artigo 100.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, quando se pronunciar pela revisão e confirmação, o tribunal está vinculado à matéria de facto considerada provada na sentença estrangeira, não pode converter uma pena privativa de liberdade em pena pecuniária e não pode agravar, em caso algum, a pena estabelecida na sentença estrangeira. Se a sentença penal estrangeira tiver aplicado pena que a lei portuguesa prevê, mas em medida superior ao máximo legal admissível, a sentença é confirmada, mas a pena aplicada converte-se naquela que ao caso coubesse segundo a lei portuguesa ou reduz-se até ao limite adequado (artigo 237.º, n.º 3, do CPP). O regime de execução de sentenças penais estrangeiras estabelecido nos artigos 95.º e seguintes da Lei n.º 144/99, que reproduz o dos artigos 89.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 43/91, de 22 de janeiro (revogado pelo artigo 166.º da Lei n.º 144/99), têm por fonte, nomeadamente, os artigos 42.º e 44.º da Convenção Europeia sobre o Valor Internacional das Sentenças Penais (“European Convention on the International Validity of Criminal Judgments”), de 28.5.1970, do Conselho da Europa, assinada por Portugal em 1979, mas ainda não ratificada [cfr. Manuel A. Lopes Rocha e Teresa Alves Martins, Cooperação Judiciária em Matéria Penal (Comentários), Aequitas/Editorial Notícias, 1992]. Segundo o artigo 44.º desta Convenção, se o pedido de execução for aceite, o tribunal do Estado de execução deve substituir a pena privativa da liberdade imposta no Estado da condenação por uma pena prevista na lei interna do Estado de execução para o mesmo crime, a qual, não podendo agravar a situação do condenado (proibição da reformatio in pejus) e estando vinculada aos factos descritos na condenação (artigo 42.º), pode ser de duração diferente da imposta no Estado da condenação. Como se refere no respetivo relatório explicativo, este artigo confere ao Estado de execução o direito de adaptar a sanção ao seu próprio sistema penal (cfr. “Explanatory Report – ETS 70 – International Validity of Criminal Judgments”, em www.coe.int). No caso de execução de sentenças penais estrangeiras – lê-se no preâmbulo do Decreto-lei n.º 43/91 – “exige-se a revisão e confirmação da sentença estrangeira, para que possa produzir efeitos em Portugal, segundo a tradição do direito português, reafirmada no Código de Processo Penal vigente. A ordem de execução é precedida da conversão das sanções impostas no estrangeiro nas correspondentes da lei portuguesa”. Ora, aquela declaração de opção pelo regime do artº 9º da CTPC do CoE só seria de levar à solução da manutenção/inalterabilidade da pena aplicada pelo tribunal brasileiro se fosse o caso de continuação de execução e no limite de uma interpretação demasiado literalista sem ter em conta Recomendação 84(11) do CoE. Esta continuação de execução não faz sentido no caso concreto pois nem sequer se iniciou ou, pelo menos, inexiste notícia de ter-se iniciado no Brasil. Então, podemos concluir que, quando Portugal formulou a reserva, também assumiu supletivamente a possibilidade de conversão da pena (ao excluir-se a sua inalterabilidade por não ser o caso de “continuação” de execução). De todo o modo, não se tendo ainda iniciado a execução da pena, só resta então convertê-la dentro da moldura penal aplicável ao crime previsto na lei portuguesa (in casu, do artº 231 nº1 do CP) quanto à pena de prisão e sua efectividade de acordo com as regras que seriam aplicáveis, mutatis mutandis, se fosse julgado em Portugal, respeitados porém aqueles limites de natureza da pena e inalterabilidade da sua efectividade. Uma vez que este Supremo Tribunal não conhece as condições actuais, concretas, socio familiares e profissionais do arguido, a pena deve ser determinada no tribunal recorrido o qual, na medida do necessário a esse efeito, poderá socorrer-se de eventual elaboração de relatório social. 2.3.2.2- Nulidade por omissão de pronúncia sobre pedido da requerente para elaboração de relatório social nos termos do artº 370º do CPP para determinação da medida da pena. A recorrente alega que “(…)requereu ao Tribunal recorrido a elaboração de relatório social, ao abrigo do artigo 370.º do Código do Processo Penal, com vista à correcta determinação da pena concreta que eventualmente podia vir a ser aplicada e que o Tribunal recorrido, mais uma vez, não se pronunciou sobre o pedido da recorrente. (…)” Ora, tendo em conta o referido no ponto anterior, deve ser reaferida a necessidade de eventual elaboração de relatório social com vista à determinação da duração da pena de prisão efectiva dentro da moldura penal aplicável ao crime segundo a lei penal portuguesa (artº 231º nº1 do CP) num máximo de até 5 anos de prisão e tendo em atenção a situação mais actual da recorrente no plano socio familiar, pessoal e laboral ou noutro plano que seja tido pro pertinente e útil à fixação conversão da pena de prisão. 2.3.2.3 - Nulidade por omissão do Tribunal da Relação recorrido quanto à não apreciação da violação pelo tribunal Brasileiro de garantias de defesa da requerente ao não relevar relatório pericial junto aos autos para prova de factos essenciais e não ter pedido informações necessárias ao Tribunal Brasileiro quanto à questão em apreço. Alega a recorrente que juntou aos autos no seu requerimento de oposição um relatório pericial constante nos autos de inquérito do processo que deu origem a sentença condenatória brasileira relativamente a apreensão levada a cabo pela polícia federal à casa da recorrente, onde foram efectivamente apreendidas 4 caixas de S........ e 1 caixa de R......., onde os peritos ao quesito se os produtos farmacêuticos tinham indicações de procedência de algum órgão público ou do Sistema Único de Saúde responderam não. Mais alega que a decisão condenatória brasileira não o relevou, nem para efeitos de matéria de facto dado como provada nem para efeitos de matéria de facto dada como não provada, simplesmente omitiu essa prova que era fundamental, razão pela qual a recorrente entende que não lhe foram asseguradas todas as garantias de defesa num processo criminal,princípiofundamentaldoordenamento jurídico português – direitos, liberdades e garantias do arguido, e porquanto, em todos osrecursos que interpôs, o Tribunalem causa nunca se pronunciou acerca do relatório constante nos autos de inquérito e que desqualificava a qualidade dos medicamentos apreendidos, porquanto era claro que os medicamentos não eram da rede pública hospitalar; a sentença brasileira contém disposições contrárias aos princípios do ordenamento jurídico português. E conclui que “(…) resulta que não foram valorados os argumentos e documentos que atestam que não foi garantida todas as defesas e garantias à aqui recorrente no processo a que alude a sentença revidenda e que foram levados a juízo pela recorrente. Os quais nem foram referidos, o que põe em crise o princípio da verdade material. Acresce que, tal como resulta do artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e em complemento, o artigo 154.º do Código de ProcessoCivil, todasasdecisõesjudiciaisdevem serfundamentadas, a apreciando-se a prova apresentada. Ora, ao não o ter feito, o douto acórdão recorrido enferma de nulidade, com as legais consequências previstas nos artigos 118.º, 120.º, n.º 2, alínea d) e 379.º, n.º 1, alínea c), do Código do Processo Penal, subsidiariamente aplicável ao presente caso concreto, devendo o mesmo ser substituído por outro que aprecie a prova apresentada. O Tribunal recorrido poderia muito bem pedir informações necessárias ao Tribunal Brasileiro quanto à questão em apreço, designadamente quanto à questão da perícia que não foi relevada o Tribunal recorrido ao não se pronunciar sobre a questão em apreço violou mais uma vez, salvo melhor opinião em contrário, a norma prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), que tem como consequência a nulidade. Esta questão terá de ter resposta no sentido da total improcedência. Situa-se ao nível da prova dos factos constantes da sentença revidenda sobre a qual o tribunal recorrido não tinha que se pronunciar com pedidos de esclarecimento às autoridades brasileiras. A matéria de facto constante da sentença estrangeira deve ter-se por inalterável como já anteriormente se retirou das regras convencionadas da CTPC do CoE. As questões atinentes a vícios e nulidades da decisão são assunto soberano do tribunal estrangeiro e a ele devem ou deviam ser colocadas directamente como aliás terão sido por via de recurso. Não cabe ao tribunal português apreciar a prova nem a falta dela nem muito menos criticar a convicção formada sobre a prova ali produzida ou sindicar os mecanismos de valoração e apreciação dessa prova. Recorrendo aos já aludidos elementos de apoio hermenêutico, vemos por exemplo que, nos casos de pedidos de transferência, em que se aplique quer aquela Convenção do CoE quer a Convenção Tpc dos Países de Língua oficial Portuguesa 11, mutatis mutandis embora não seja o caso, voltamos a sublinhar, de transferência propriamente dita uma vez que a recorrente está já em Portugal, o artigo 9.º nº2 alínea b) dispõe que, em matéria de execução : “1 - A transferência de qualquer pessoa condenada apenas poderá ter lugar se a sentença for exequível no Estado para o qual a pessoa deva ser transferida. 2 — O Estado para o qual a pessoa deve ser transferida não pode: a) Agravar, aumentar ou prolongar a pena ou a medida aplicada no Estado da condenação, nem privar a pessoa condenada de qualquer direito para além do que resultar da sentença proferida no Estado da condenação; b) Alterar a matéria de facto constante da sentença proferida no Estado da condenação. (sublinhado nosso) 3 — Na execução da pena, observam -se a legislação e os procedimentos do Estado para o qual a pessoa tenha sido transferida.” Assim, além de ter sido intenção dos Estados contratantes não se poder alterar a matéria de facto, também foi, surgindo aqui em reforço argumentativo e por maioria de razão, intenção de deixar a cargo do estado de condenação a jurisdição e competência para eventual recurso de revisão (veja-se, vg., no artigo 11.º nº:1; Apenas o Estado da condenação tem o direito de decidir sobre qualquer recurso interposto para revisão da sentença.2 — A decisão é comunicada ao Estado da execução,devendo este executar as modificações produzidas na condenação” Também na já aludida Convenção sobre Transferência de Pessoas Condenadas do CoE), a qual vigora para o Brasil e Portugal (12) o artº 11º dispõe, como vimos antes: Artigo 11.º Conversão da condenação 1 - No caso de conversão da condenação aplica-se o processo previsto pela lei do Estado da execução. Ao efectuar a conversão, a autoridade competente: a) Ficará vinculada pela constatação dos factos na medida em que estes figurem explícita ou implicitamente na sentença proferida no Estado da condenação; b) Não pode converter uma sanção privativa da liberdade numa sanção pecuniária; c) Descontará integralmente o período de privação da liberdade cumprido pelo condenado; e d) Não agravará a situação penal do condenado nem ficará vinculada pela sanção mínima eventualmente prevista pela lei do Estado da execução para a infracção ou infracções cometidas. 2 –(…)” De acordo pois, com estes elementos das convenções aludidas, decorre inequivocamente que entre os Estados envolvidos e contratantes se quis claramente manter inalterada a matéria de facto fixada nas sentenças cuja execução seja pedida e no processo de confirmação/ revisão de sentença para execução de pena, internamente, no Estado requerido. Ademais, de todo o modo, as convenções internacionais estão arrimadas na sua aplicação na ordem jurídica interna portuguesa à protecção constitucional decorrente da previsão contida no artº 8º nºs1 e 2 do Texto Fundamental (CRP), prevalecendo sobre a ordem interna. 2.3.2.4- Inconstitucionalidade da norma prevista no artigo 101.º, n.º 1 da lei 144/44, de 31 de agosto, ao ser aplicada no sentido de que não compete aos tribunais portugueses sindicar ou exercer qualquer censura sobre a decisão estrangeira, seja no âmbito da matéria de facto, seja na aplicação do direito. Entende a recorrente que “(…) a norma prevista no artigo 101.º, n.º 1 da lei 144/44, de 31 de agosto, ao ser aplicada no sentido de que não compete aos tribunais portugueses sindicar ou exercer qualquer censura sobre a decisão estrangeira, seja no âmbito da matéria de facto, seja na aplicação do direito, é inconstitucional por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1 e 205.º da CRP, bem como por violação do disposto no artigo 6.º da CEDH e do artigo 47.º e 48.º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, quando se juntam provas que comprovam que a decisão estrangeira não relevou factos que deveriam ter sido considerados, bem como quando essa decisão estrangeira é obscura e omissa na sua motivação. “ Esta questão ficou respondida nos termos já analisados nos pontos anteriores, dada a explicada prevalência do alcance e sentido das Convenções internacionais mencionadas e cuja osmose na lei interna de Cooperação Judiciária absorve a “mens legis” ali convencionada, conforme a todos os elementos hermenêuticos elaborados anteriormente enunciados, não sendo pois oponível crítica face ao arrimo daquelas normas e elementos hermenêuticos ao texto constitucional, e sequer tendo tido a recorrente a preocupação de densificar com clareza e coerência a propalada inconstitucionalidade. Ou, dito de outra forma, o convocado problema dessa “interpretação normativa alegadamente inconstitucional” fica ultrapassado com a decisão que se anteviu, ao determinar-se que o acórdão recorrido não seja alterado de facto face à prevalência de arrimo constitucional das Convenções Internacionais e sua valoração interpretativa mas apenas o seja só de direito, quanto à não manutenção da pena originária constante da condenação pelo Tribunal Brasileiro. Uma vez que se encontrou no ordenamento infraconstitucional (não convencional, por não haver instrumentos que regulem a situação) a solução, tal permite concluir que a ratio decidendi é alternativa e, ainda que um juízo de inconstitucionalidade fosse formulado, a decisão seria idêntica dando razão à alterabilidade da pena concreta fixada, nos termos aliás em alternativa, impetrados pela recorrente. 2.3.2.5- Da alegada “contradição na fundamentação por o Tribunal referir que o processo em causa visa a execução de uma sentença penal estrangeira, na sequência de pedido de transferência para Portugal de pessoa condenada, quando afirma que não se aplica esta Convenção, uma vez que não há lugar a transferência de condenado e que a Lei n.º 144/99, de 31 de agosto excepciona o consentimento da recorrente no seu artigo 96.º, n.º 3, mas só se aplica esta lei subsidiariamente. Vejamos. Em relação ao caso da recorrente, a mesma encontra-se em Portugal. Não está em execução de pena no Brasil e, por isso, não se pode dizer ser um caso de transferência, pois seria inconsistente transferir alguém que, por outro meio, quiçá voluntário, (auto) transferida estava. Depois, exigir um consentimento para transferência (está implícito que a recorrente o negaria) seria garantir uma total impunidade penal. Não sendo pois, caso de aplicação directa de qualquer uma das Convenções de TPC no segmento da transferência física, por a recorrente estar já em Portugal, e muito menos aplicável já a possibilidade (aliás negada) de extradição, é evidente que só poderia intervir supletivamente o recurso à norma do artº 96º nº3 da Lei 144/99 que dispensa o consentimento em casos de evasão para Portugal ou noutra situação em que a pessoa aqui se encontre e tenha sido negada a extradição pelos factos constantes da sentença. Não vislumbramos pois, neste segmento, nem incoerência nem contradição alguma. III- DECISÃO 3.1 - Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente provido quanto à adaptação/conversão da pena de prisão solicitada a efectuar no Tribunal recorrido nos termos mencionados nos pontos 2.3.2.1 e 2.3.2.2. STJ, 23 de Maio de 2024 (texto elaborado em suporte informático , revisto e rubricado pelo relator – (artº 94º do CPP) Agostinho Torres (Relator) Jorge Bravo (1º adjunto) Albertina Pereira (2ª adjunta) ________________________________________________ 1. Quando a extradição não puder ter lugar ou for recusada por se verificar algum dos fundamentos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º ou nas alíneas a) e b) do artigo 4.º, o Estado requerido deverá, caso o Estado requerente o solicite e as leis do Estado requerido o permitam, submeter o caso às autoridades competentes para que providenciem pelo procedimento criminal contra essa pessoa por todos ou alguns dos crimes que deram lugar ao pedido de extradição.↩︎ 2. Cfr. Acórdão do STJ, no processo 53/10.3YREVR.S2, de 13-04-2011.↩︎ 3. Quando a extradição não puder ter lugar ou for recusada por se verificar algum dos fundamentos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º ou nas alíneas a) e b) do artigo 4.º, o Estado requerido deverá, caso o Estado requerente o solicite e as leis do Estado requerido o permitam, submeter o caso às autoridades competentes para que providenciem pelo procedimento criminal contra essa pessoa por todos ou alguns dos crimes que deram lugar ao pedido de extradição.↩︎ 4. Cfr. Acórdão do STJ, no processo 53/10.3YREVR.S2, de 13-04-2011.↩︎ 5. Neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.↩︎ 6. Cfr. Acórdão do STJ, no processo 53/10.3YREVR.S2, de 13-04-2011.↩︎ 7. assinada na Cidade da Praia em 23 de Novembro de 2005 sobre a Transferência de Pessoas Condenadas entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa teve início de vigência relativamente a Portugal a 01/03/2010, [sendo que de acordo com o Aviso n.º 182/2011, de 10/08/2011, a Convenção já se encontra em vigor para a para a República Federativa do Brasil (bem como igualmente para a República de Moçambique, para a República Democrática de São Tomé e Príncipe e, desde 1 de Agosto de 2009, para a República de Angola, desde 1 de Janeiro de 2011, e para a República Democrática de Timor-Leste, desde 1 de Maio de 2011] De acordo com o Aviso n.º 110/2018, de 02/10, esta Convenção encontra-se em vigor para a República de Cabo Verde desde 01/09/2018 ↩︎ 8. Cfr. Ponto 46 do Rapport explicatif – STE 112 – Transférement des personnes condamnées (convention) disponível em STCE 112 - Rapport explicatif de la Convention sur le transfèrement des personnes condamnées (coe.int)↩︎ 9. in https://rm.coe.int/16804c0aef↩︎ 10. What sentence would need to be served following transfer? - (States using the "continued enforcement" procedure:) The maximum sentence to be served following transfer would be the amount of the original sentence which remained after deduction of any remission earned in (sentencing State) up to the date of transfer. If the sentence imposed in (sentencing State) was longer or of a different nature than the sentence which could be imposed for the same offence in (administering State), it would be adapted to the nearest equivalent sentence which was available under the law of (administering State) without being longer or more severe than the original sentence.↩︎ 11. Por Resolução da Assembleia da República n.º 48/2008 foi aprovada a Convenção sobre a Transferência de Pessoas Condenadas entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, assinada na Cidade da Praia em 23 de Novembro de 2005. Esta Convenção (doravante CPLP TPC) sobre a Transferência de Pessoas Condenadas entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa teve início de vigência relativamente a Portugal a 01/03/2010, [sendo que de acordo com o Aviso n.º 182/2011, de 10/08/2011, a Convenção já se encontra em vigor para a para a República Federativa do Brasil (bem como igualmente para a República de Moçambique, para a República Democrática de São Tomé e Príncipe e, desde 1 de Agosto de 2009, para a República de Angola, desde 1 de Janeiro de 2011, e para a República Democrática de Timor-Leste, desde 1 de Maio de 2011] De acordo com o Aviso n.º 110/2018, de 02/10, esta Convenção encontra-se em vigor para a República de Cabo Verde desde 01/09/2018 ↩︎ 12. https://www.coe.int/en/web/conventions/full-list?module=treaties-full-list-signature&CodePays=BRA Convenção assinada em Estrasburgo a 21/03/1983, aberta a adesão a Estados Terceiros, entrou em vigor para o Brasil a 01/10/2023, tendo-a ratificado a 26/06/2023.↩︎

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