1. Tendo presente os fundamentos aduzidos por uma das correntes jurisprudenciais anteriores e ainda: i) a redação dada pelo artº 4º da Lei nº 62/2011, de 12/12 aos artºs. 19º nº 8, 25º nºs 2 e 3 e 179º nº 2 do Estatuto do Medicamento, aprovado pelo D.L. n.º 176/2006, de 30/08; ii) que o artº 9º nº 1 da Lei nº 62/2011 atribuiu-lhes natureza interpretativa; iii) que a lei interpretativa integra-se na lei interpretada, nos termos do nº 1 do artº 13º do CC, é de recusar a adoção da providência cautelar de suspensão de eficácia de ato de Autorização de Introdução no Mercado de medicamento genérico, com fundamento na violação do direitos de propriedade industrial. II. Na concessão de Autorização de Introdução no Mercado (AIM) de medicamento genérico, não existe o dever de apreciar eventuais violações da patente do medicamento de referência. III. Tal resulta, quer do Estatuto do Medicamento, quer do ordenamento jurídico comunitário, os quais rejeitam a possibilidade de na concessão de AIM as autoridades nacionais fiscalizarem ou verificarem a existência de patentes válidas.
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO F. H……….-LA ………. AG, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 19/11/2011 que, no âmbito do processo cautelar por si movido contra o INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP, o Ministério da Economia e Inovação e as Contra-interessadas, A……….., SA e F…………. – Produtos Farmacêuticos e Dietéticos, Lda., indeferiu as providências cautelares requeridas, de suspensão de eficácia dos atos de Autorização de Introdução no Mercado concedidos pelo Infarmed e de suspensão de eficácia dos atos de atribuição de PVP, emitidos pela DGAE, absolvendo as entidades requeridas do pedido. Formula a aqui recorrente nas respectivas alegações (cfr. fls. 281 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem: “O que importa analisar e decidir é se um acto administrativo que concede uma autorização de comercialização de um medicamento genérico que irá violar uma patente válida e em vigor, é inválido porque ilegal e, por isso, se for concedido pelo Infarmed e/ou pela DGAE, deve ser anulado pelo tribunal. Colocada correctamente a questão, ao Tribunal a quo só restaria concluir que as AIM impugnadas deveriam ser declaradas nulas ao abrigo dos artigos 135° e 133°, nº 2 c) e d) do CPA, uma vez que levantam barreiras administrativas referentes à exploração de medicamento genérico, e logo violação, pelas Contra-Interessadas, da Patente. Tendo como consequência o permitir a violação de normas constitucionais (nomeadamente os artigos 62° e 266° da Constituição), que visam a protecção de um direito fundamental. Com a patente é conferido ao seu titular o direito exclusivo de explorar a invenção em qualquer parte do território português, sendo que tal corresponde ao direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, qualquer actuação que viole essa patente, seja o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio. Nos termos do artigo 316° do Código da Propriedade Industrial, o direito exclusivo emergente da titularidade de uma patente, goza das garantias estabelecidas para a propriedade em geral. Assim, é-lhe atribuída específica protecção constitucional, como direito fundamental tendo a natureza de “direitos, liberdades e garantias”, beneficiando do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17° da Constituição. Neste sentido tem entendido a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul, como defendido nos acórdãos proferidos no Processo n.° 3887/08; Processo n.° 3886/08, Processo n.° 4265/08; Processo n.° 4219/08, Processo n.° 4034/08 e mais recentemente Processo No. 05803/09. Sempre que não respeite o principio da legalidade, o acto de concessão de AIM a um medicamento, sendo um acto administrativo cujo objecto é o da viabilização jurídica da actividade de comercialização desse medicamento no território nacional, actividade essa que, doutro modo, estaria interdita ao interessado, dele decorrendo, além disso, a imposição ao seu titular do dever de exercício dessa mesma actividade, será ilegal. O princípio da legalidade contém um comando legal de obediência à lei e ao Direito que obriga a uma total conformidade com todo o ordenamento jurídico, sendo que a ausência dessa conformidade constitui infracção ao ordenamento jurídico e tem como consequência a invalidade da actividade administrativa. As AIM impugnadas devem ser declaradas nulas, nos termos do artigo 133° n° 2 alínea d) do Código de Procedimento Administrativo, urna vez que ofendem o conteúdo essencial de um direito fundamental – os Direitos de Propriedade Industrial da Recorrente emergentes da Patente. A principal missão da providência cautelar administrativa é a de garantir a utilidade efectiva da sentença a proferir na acção principal, sendo que o risco primordial a ser evitado no quadro das providências cautelares é, exactamente, o do facto consumado, isto é, o da decisão na acção principal se tornar absolutamente inútil. Só se tal risco se não se verificar é que serão de considerar os “prejuízos de difícil reparação”. Da emissão da AIM que se pretende anular resultará um facto consumado que retirará toda a utilidade a essa acção, tornando-se, assim, imperiosa e urgente a emissão de uma medida cautelar adequada a assegurar a utilidade da sentença a proferir na acção principal. Mas mesmo se assim não fosse considerado, o não decretamento desta providência causará danos imateriais de reparação difícil. A comercialização dos medicamentos genéricos irá implicar que a Recorrente fique, contra a sua vontade, privada do uso e fruição do exclusivo concedido pela Patente de que é titular, equivalendo essa situação à privação, com violência, do direito de propriedade de um bem pertencente à ora Recorrente. Trata-se de uma ofensa ao direito da Recorrente, causador de um dano imaterial, consistente na retirada temporária de uma parte do activo da Recorrente, o qual não poderá ser reparado mesmo que, na sequência de uma decisão condenatória, lhe viesse a ser atribuída uma compensação de natureza financeira. De facto, tal compensação seria insusceptível de reintegrar a Recorrente no gozo do seu direito ao monopólio legal da comercialização do invento. Se a providência não for concedida com base no argumento de que a Recorrente sempre poderia vir a ser compensada pelos prejuízos sofridos, tal iria contrariar o princípio basilar da acessoriedade da indemnização em relação à reconstituição natural e iria violar o princípio constitucional da efectiva protecção decorrente do artigo 20º, n° 4 da CRP. O facto de os danos resultarem da comercialização dos medicamentos genéricos pelas Contra-Interessadas não os desqualifica para efeitos da sua apreciação, uma vez que não têm que ser actuais mas sim, precisamente, futuros, no teor inequívoco da alínea b) do n° 1 do artigo 120º do CPTA. Acresce que a lei não exige que os danos futuros, que ao caso interessam sejam de ocorrência certa, mas sim que se verifique um justificado receio de que danos venham a ocorrer se a providência não for decretada, ou seja, que os danos sejam prováveis. A aplicação correcta do princípio da teoria da causalidade adequada ao caso dos autos leva-nos a concluir que a autorização administrativa para a introdução no mercado de um medicamento é causa adequada dos danos produzidos por essa introdução, uma vez que ela é condição desses danos actuando adequadamente para que se produzam. A ora Recorrente alegou factos que são suficientes para a demonstração do fundado receio de vir a sofrer prejuízos importantes e de difícil reparação. A providência requerida deve ser decretada porque se verificam todos os pressupostos legais para o seu decretamento. Tendo em conta o que foi provado nos presentes autos, conclui-se facilmente que os danos que resultariam da concessão da providência são manifestamente inferiores àqueles que podem resultar da sua recusa. As Contra-Interessadas não alegaram quaisquer prejuízos próprios decorrentes do decretamento da providência e mesmo que se verificassem, nunca seriam superiores aos da Recorrente, ao contrário d que é exigido pelo n° 2 do artigo 120° do CPTA para que as providências possam ser recusadas. A decisão recorrida violou e fez uma interpretação errada de diversos normativos legais, entre eles encontrando-se os artigos 511° do CPC, 563° do Código Civil, artigos 112° e 120º n° 1 a) e b) do CPTA, artigos 133° n° 2 c) e d) do CPA e artigos 18°, 62° e 266° da Constituição. O Tribunal Central Administrativo Sul tem concedido processos cautelares exactamente iguais ao dos presentes autos, com os mesmos argumentos apresentados pela ora Recorrente, através dos Acórdãos, entre outros, de 26 de Junho de 2008 (Processo n° 3887/08), de 3 de Julho de 2008 (Processo n° 3891/08), de 11 de Setembro de 2008 (Processo n° 3782/88), de 18 de Setembro de 2008 (Processo 3886/08), de 2 de Outubro de 2008 (Processo n.° 4265/08), de 17 de Outubro de 2008 (Processo n.° 04219/08), de 30 de Outubro de 2008 (Processos n.°s 4205/08 e 4232/08), de 6 de Novembro de 2008 (Processo n.° 3993/08), de 13 de Novembro de 2008 (Processo n.° 4231/08), de 4 de Dezembro de 2008 (Processo n.° 4351/08), de 22 de Janeiro de 2009 (Processo n.° 4614/08), de 12 de Fevereiro de 2009 (Processo n.° 3990/08), de 14 de Maio de 2009 (Processo n.° 4564/08), de 10 de Setembro de 2009 (Processos n.° 5333/09 e 5384/09) e mais recentemente a 28 de Janeiro de 2010 (processo No. 05803/09).”. Termina pedindo a procedência do recurso jurisdicional. * As Contra-interessadas e o Infarmed contra-alegaram, pedindo que seja negado provimento ao recurso e seja confirmada a sentença. * O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (cfr. fls. 435). * O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento. II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do CPC ex vi artº 140º do CPTA. A questão suscitada resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de direito quanto ao não decretamento das providências cautelares de suspensão de eficácia de ato de AIM e de fixação de PVP de medicamentos genéricos. III. FUNDAMENTOS DE FACTO O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos: “1 – A autorização de introdução no mercado dos medicamentos genéricos, denominados de: Gerousia e Acido Ibandrónico Farmalter, foi autorizado pelo Infarmed (cfr. doc°s. de fls. 64 e 65 dos autos, e admissão por acordo). 2 – A F. ……….. – ……….. AG, é titular da patente europeia n°…………, que protege o uso do ácido ibandrónico, para o tratamento da osteoporose, mediante administração de uma vez/mês (cfr. doc°. de fls. 41 a 63 dos autos, e admissão por acordo). 4 – A patente vigora até 2 de Maio de 2023 (cfr. doc°. de fls. 41 dos autos, e admissão por acordo). 5 – Os medicamentos, identificados em “1” supra, não estão a ser comercializados.”. DE DIREITO Considerada a factualidade supra fixada, não impugnada pela recorrente, importa, agora, entrar na análise do fundamento do presente recurso jurisdicional. Do erro de julgamento de direito A recorrente veio a juízo recorrer da sentença recorrida com fundamento no erro de julgamento de direito em que incorreu ao denegar as providências cautelares requeridas, de suspensão de eficácia dos atos de Autorização de Introdução no Mercado concedidos pelo Infarmed e de atribuição de PVP, emitidos pela DGAE, referentes aos medicamentos genéricos de Ácido Ibandrónico. Conforme decorre do requerimento inicial e da própria alegação do recurso, a recorrente fundamentou o seu pedido nos direitos que emergem da patente europeia nº 1506041, de que é titular, bem como nas obrigações que sobre o Estado e sobre os seus órgãos recaem, de não praticar atos que tenham por objecto a infração dos direitos resultantes dessa patente. A sentença recorrida indeferiu as providências requeridas com fundamento na não verificação dos pressupostos a que se referem as alíneas a) e b) do nº 1 do artº 120º do CPTA, decisão que a recorrente não aceita. A recorrente discorda da decisão proferida, com fundamento, em que um ato administrativo de concessão de AIM a um medicamento, é um ato que viabiliza juridicamente a actividade de comercialização de um medicamento genérico, que irá violar uma patente válida e em vigor, os direitos de exclusivo emergentes da titularidade de uma patente e a violação de normas constitucionais, nomeadamente, os artºs. 62º e 266º, que visam a protecção de um direito fundamental – os direitos de propriedade industrial da recorrente emergentes da patente. Mais invoca que da emissão da AIM resultará um facto consumado que retirará toda a utilidade à acção, assim como prejuízos de difícil reparação. De imediato se deve dizer ser de manter, na íntegra, a sentença sob recurso, por não proceder o erro de julgamento de direito que contra ela vem assacada. Na apreciação destas questões concordamos, na íntegra, com o defendido nos recentes Acórdãos deste Tribunal, datados de 10/11/2011, proc. n.º 8055/11 e de 17/11/2011, proc. n.º 8121/11, que espelham não só uma das correntes jurisprudenciais anteriormente existentes, como também a plenitude da visão deste Tribunal de recurso após a entrada em vigor da Lei nº 62/2011, de 12/12. Estabeleceu a Lei nº 62/2011, que “cria um regime de composição dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos, procedendo à quinta alteração ao Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 182/2009, de 7 de Agosto, 64/2010, de 9 de Junho, e 106-A/2010, de 1 de Outubro, e pela Lei n.º 25/2011, de 16 de Junho, e à segunda alteração ao regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 48-A/2010, de 13 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 106-A/2010, de 1 de Outubro” (cfr. artº 1º), no seu artº 9º, nº 1, referente a “Disposições transitórias”, o seguinte: “1 – A redacção dada pela presente lei aos artigos 19.º, 25.º e 179.º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, bem como o aditamento introduzido ao regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos e o disposto no artigo anterior, têm natureza interpretativa.”. Para tanto, prevê-se no nº 8 do artº 19º do D.L. n.º 176/2006, de 30/08, que aprova o Estatuto do Medicamento, que: “A realização dos estudos e ensaios necessários à aplicação dos n.ºs 1 a 6 e as exigências práticas daí decorrentes, incluindo a correspondente concessão de autorização prevista no artigo 14.º, não são contrárias aos direitos relativos a patentes ou a certificados complementares de protecção de medicamentos.”. Por sua vez, os nºs 2 e 3 do artº 25º do citado diploma, dispõem que: “o pedido de autorização de introdução no mercado não pode ser indeferido com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 18.º” e “para determinar se um medicamento preenche as condições previstas nas alíneas c) a f) do n.º 1, o INFARMED tem em conta os dados relevantes, ainda que protegidos”. Por último, o nº 2 do artº 179º do Estatuto do Medicamento, estatui que “a autorização, ou registo, de introdução no mercado de um medicamento não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial”. Assim, tendo presente a redacção dos citados normativos, que o nº 1 do artº 9º da Lei nº 62/2011, de 12/12, atribui-lhes natureza interpretativa e que a lei interpretativa integra-se na lei interpretada, nos termos do nº 1 do artº 13º do CC, não pode ser outra a decisão deste Tribunal ad quem senão a que mantenha a sentença recorrida, denegando procedência ao presente recurso jurisdicional. Para tanto, remete-se para o que foi decidido neste Tribunal no Acórdão de 10/11/2011, proc. n.º 8055/11, que é inteiramente aplicável ao presente caso e com o qual concordamos integralmente, pelo que se subscreve, mediante transcrição, por facilidade de exposição e economia de meios: “No presente procedimento cautelar debate-se uma questão que tem merecido da doutrina e da jurisprudência respostas contraditórias. Tal questão consiste em saber se, perante o novo Estatuto do Medicamento (EM), aprovado pelo Dec.-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, os actos de Autorização de Introdução no Mercado (AIM) de medicamentos genéricos, bem como os actos que fixam os respectivos preços de venda ao público (PVP) se devem debruçar, ou não, sobre as questões de direito de propriedade industrial (DPI), rectius, sobre o direito à patente do medicamente original ou medicamento de referência. Parte da doutrina portuguesa, sobretudo expressa em pareceres juntos a processos judiciais, designadamente deste TCAS, sustenta um ponto de vista afirmativo, baseando-se na natureza análoga aos direitos liberdades e garantias do DPI, o que na sua óptica imporia a rejeição da neutralidade administrativa no domínio da concessão das AIM, obrigando o INFARMED a sindicar a eventual colisão do medicamento genérico com patente em vigor, ainda que o EM não lhe imponha expressamente tal actuação (cf. VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos, A protecção do direito fundado em patente no âmbito do procedimento de autorização de comercialização de medicamentos, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 138º, Nov/Dez 2008, n.º3953, p.70 e ss.). Para outra doutrina, porém, tal dever não existe. Por um lado sustenta que a patente é direito patrimonial limitado pela sua função social que, sendo embora absoluto, no sentido de que deve ser respeitado por todos (eficácia erga omnes), não tem natureza de direito fundamental equiparável aos “direitos, liberdades e garantias”. Por outro, a lei portuguesa actual (ao contrário do que sucedia no anterior EM) e o ordenamento jurídico comunitário não prevêem nem muito menos impõem que na concessão de AIM sejam tidos em consideração quaisquer direitos de propriedade industrial. Neste contexto o INFARMED não pode actuar como autoridade de fiscalização ou controlo de existência, validade ou influência de patentes no procedimento de AIM, porque apenas lhe cabe sindicar os aspectos do medicamente que possam conflituar com a saúde pública, os quais se encontram legal e taxativamente fixados. A jurisprudência administrativa tem-se dividido quanto a estas questões. Nos tribunais de primeira instância há decisões contraditórias e neste TCA apenas um punhado de acórdãos, entre dezenas já proferidos sobre a questão dos medicamentos genéricos, tem seguido em maior ou menor grau a doutrina resumida em segundo lugar. Na verdade, para a corrente maioritária da jurisprudência deste tribunal, não só o direito de patente é análogo aos direitos, liberdade e garantias, perspectivando-se como fundamental, como na AIM têm de ser considerados eventuais DPI existentes, sob pena de ilegalidade de tal acto administrativo. E nesta perspectiva a referida jurisprudência vislumbra inconstitucionalidade na norma do art.º 25.º, n.º 1, do EM, “por falta de protecção mínima de um direito fundamental, se for interpretada como fixação taxativa dos fundamentos de indeferimento, obrigando o INFARMED a deferir o requerimento e proibindo-o de tomar conhecimento da existência da violação de patente, tal como seria inconstitucional a produção de efeitos contrários à patente.” (cf. Ac. do TCAS n.º 067797/10, de 04.11.2010 (Cristina Santos); no mesmo sentido Ac. n.º 07302/11, de 01.06.2011 (Paulo Pereira Gouveia), disponíveis in www.dgsi.pt.). Para além disso, as relações poligonais ou multipolares que giram em torno da introdução de medicamentos no mercado impõem a presença de todos os interessados no procedimento de AIM, pelo que a falta da sua audição gera a ilegalidade do respectivo acto administrativo. Há quem entenda, porém, que a concessão da AIM permite apenas que o interessado encete os preparativos da comercialização, que só pode iniciar-se quando findar o período de protecção da patente. O Supremo Tribunal Administrativo analisou estas “correntes interpretativas antagónicas”, que em seu entender não devem censuradas em Recurso de Revista cautelar, desde que qualquer delas “apresente base textual e coerência argumentativa, ficando a decisão de semelhante questão jurídica para o lugar e tempo oportuno que é a sentença na acção principal” (Ac. n.º 028/09, de 22-01-2009 (Cons. Rosendo José) e Ac. n.º 0177/09, de 04-03-2009 (Cons. Rosendo José), disponíveis in www.dgsi.pt). * A lei define medicamento genérico como sendo o medicamento com a mesma composição qualitativa e quantitativa em substâncias activas, a mesma forma farmacêutica e cuja bioequivalência com o medicamento de referência haja sido demonstrada por estudos de biodisponibilidade apropriados [art.º 3.º, n.º 1, al. nn), do EM]. Identificado pela substância activa e pela sua denominação comum ou designação comum internacional, o genérico tem a grande vantagem de apresentar um custo inferior ao do medicamento de referência, já que nele não se repercutem os custos de pesquisa e desenvolvimento do medicamento original. Sendo o preço um elemento decisivo na competitividade industrial, é fácil perceber que a introdução de genéricos no mercado não é do agrado das grandes empresas farmacêuticas, que despendem anualmente elevadíssimas quantias em inovação e desenvolvimento de medicamentos. Daí que se tenha vindo a assistir em todo o mundo a uma luta entre estas e os produtores de genéricos e muitas vezes entre as mesmas e governos, sobretudo de países que antes de 1994 não concediam patentes a medicamentos (v.g. Argentina, o Brasil, o Chile, Índia, Indonésia, Tailândia, Taiwan, Turquia e a Coreia do Sul). Com o Acordo TRIPS (Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights), obtido nesse ano na Uruguay Round, que transformou o General Agreement on Tariffs and Trade (GATT), na World Trade Organization, foi estabelecido um conjunto mínimo de normas protectoras de propriedade industrial, que não sendo directamente invocáveis perante as jurisdições nacionais, impunham aos países signatários a obrigação de as transpor e adaptar para o direito interno, passando a existir assim um quadro normativo internacional com princípios comuns em matéria de Propriedade Intelectual (FAUSTO DE QUADROS, O carácter selfexecuting de disposições de tratados internacionais. O caso concreto do Acordo TRIPS, in Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, Ano 61, 2001, págs. 1268 a 1312). A duração temporal da protecção das patentes foi estabelecida, no artigo 33.º pelo período de vinte anos, contados a partir da data de depósito ou do pedido. Contudo o Acordo possibilitou aos Estados afrouxar a rigidez desta disposição, tendo em conta as necessidades, designadamente de saúde pública, e as concretas condições vigentes em cada país. Com a Declaração de Doha (2001) foi reafirmada a possibilidade dos Estados protegerem a saúde pública, promovendo o acesso a medicamentos, em particular através de licenças obrigatórias, como sucedeu no Brasil em 2007 com o anti-retroviral Efavirenz. No que concerne à possibilidade de utilização de direitos exclusivos conferidos pela patente, a cláusula 30.º do Acordo TRIPS Article 30.º: Exceptions to Rights Conferred Members may provide limited exceptions to the exclusive rights conferred by a patent, provided that such exceptions do not unreasonably conflict with a normal exploitation of the patent and do not unreasonably prejudice the legitimate interests of the patent owner, taking account of the legitimate interests of third parties. permite que os Estados consagrem na legislação interna a chamada “cláusula bolar”, ou seja, a possibilidade de realização de testes e ensaios clínicos e, sobretudo, a apresentação de autorizações de introdução no mercado durante o período de vigência da patente. Essa cláusula foi introduzida, implicitamente, no ordenamento jurídico comunitário pela Directiva n.º 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro de 2001 (alterada, nomeadamente, pela Directiva 2004/27/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004), que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano, e onde se afirma que a autorização de introdução no mercado apenas pode ser recusada “pelas razões enumeradas na presente directiva”, entre as quais não se incluiu qualquer consideração de DPI, mas apenas ponderações relacionadas com a saúde pública (cfr. art.º 126.º) Aliás, o considerando 14.º da Directiva 2004/27/CE expressamente refere que dada a importância que os medicamentos genéricos têm no mercado dos medicamentos, “convém, à luz da experiência adquirida, facilitar o seu acesso ao mercado comunitário. Além disso, deverá ser harmonizado o período de protecção de dados respeitante aos ensaios pré-clínicos e clínicos”; A nova redacção dada por essa Directiva ao artigo 10.º, n.º 6, da Directiva n.º 2001/83/CE é elucidativa quanto a esta questão: “A realização dos estudos e ensaios necessários à aplicação dos n.os 1, 2, 3 e 4 e os consequentes requisitos práticos não são considerados contrários aos direitos relativos à patente nem aos certificados suplementares de protecção de medicamentos” (negrito nosso), devendo entender-se que a expressão requisitos práticos se refere a todos os actos tendentes a obter uma AIM. No ponto V, n.º 11, da Posição comum (CE) n.º 61/2003, adoptada pelo Conselho em 29 de Setembro de 2003 refere-se que “A alteração 134 relativa à denominada cláusula de tipo "Bolar" sobre protecção de patente foi aceite quanto ao seu princípio, excepto a parte referente a medicamentos para exportação. Em relação à apresentação de pedidos de autorização e à concessão das mesmas, o Conselho considera que estas actividades, sendo de natureza administrativa, não infringem a protecção de patentes. O Conselho e a Comissão sublinharam esta ideia numa declaração conjunta (Article 30.º: Exceptions to Rights Conferred / Members may provide limited exceptions to the exclusive rights conferred by a patent, provided that such exceptions do not unreasonably conflict with a normal exploitation of the patent and do not unreasonably prejudice the legitimate interests of the patent owner, taking account of the legitimate interests of third parties.). Deste modo, não é necessário ou apropriado incluir estas actividades numa disposição relativa a excepções à protecção de patentes" (Jornal Oficial nº C 297 E de 09/12/2003 p. 0041 – 0071) (negrito nosso). De resto, em Espanha, o legislador da Ley 29/2006, de 26 de julio (Lei do medicamento), que transpôs para o ordenamento jurídico espanhol as Directivas acima referidas, modificou a Lei de Patentes com propósito, expressamente afirmado na exposição de motivos, de introduzir a cláusula Bolar. E em Portugal, embora o legislador português não tenha sido tão assertivo, pode dizer-se que essa regra (cláusula Bolar) está aflorada nos art.os 18.º, n.º 4, e 19.º, n.º 1, e, implicitamente, no art.º 25.º, n.º 1, do EM, considerando neste caso a taxatividade das razões que podem justificar a recusa de AIM, nas quais não se inclui quaisquer considerações de DPI (COUTO GONÇALVES, Luis M., Manual de Direito Industrial, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2008, p. 127, nota 234, escreve o seguinte: “De acordo com o art.º 10.º n.º 6 da Directiva 2004/27/CE de 31/3/2004 (JO-L 136 de 30/4/2004, p. 34), transposta pelo DL 176/2006, de 30/8 (“Estatuto do Medicamento”), que altera a Directiva 2001/83/CE que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano, consagra-se a chamada excepção bolar segundo a qual a realização dos actos necessários para obter a autorização de comercialização de um medicamento genérico e os consequentes requisitos práticos não se consideram contrários ao direito de patentes nem aos certificados complementares de protecção dos medicamentos”. Um afloramento dessa excepção no direito interno pode ver-se no citado art.º 18.º, n.º 4, e no art.º 19.º, n.º 8, do Estatuto do Medicamento. Esta foi, também, a opinião veiculada na Newsletter de Novembro de 2006 da Vieira de Almeida & Associados, Sociedade de Advogados, em texto da autoria da Dra. Leonor Pimenta Pissarra, no qual textualmente se refere que o novo EM introduziu no ordenamento jurídico nacional a cláusula Bolar. (disponível em http://www.vda.pt/xms/files/Newsletters/NewsLetterGeralNovembro.pdf [em linha]. [cons. 08-11-2011].). Note-se, alias, que o EM expressamente invoca a transposição do direito comunitário em matéria de medicamentos para uso humano, que além de ser a causa genética do diploma nacional, goza de primazia na sua aplicação e constitui parâmetro incontornável na interpretação do direito interno. Mas onde esta excepção ou clausula Bolar se mostra de modo mais impressivo é na alínea c) do artigo 102.º do Código da Propriedade Industrial (CPI), que apenas impede o inicio da exploração industrial ou comercial dos produtos antes de se verificar a caducidade da patente que os protege. Dir-se-á, portanto, que a lei portuguesa está conforme à legislação comunitária neste domínio e ao Acordo TRIPS já referido, encontrando-se em sintonia com a esmagadora maioria dos restantes ordenamentos jurídicos comunitários e mesmo com os demais a nível mundial. Aliás, porque a interpretação que tem sido acolhida pela jurisprudência maioritária deste Tribunal escapa à consensualidade legislativa e jurisprudencial reinante na Europa, é que a Comissária Europeia da Concorrência, no relatório final do inquérito realizado ao sector farmacêutico da União (In http://ec.europa.eu/competition/sectors/pharmaceuticals/inquiry/communication_pt.pdf [em linha]. [cons. em 08-11-2011].), refere Portugal como um case study, pelos entraves que foram colocados à comercialização de genéricos por parte das empresas de medicamentos originais através de acções, incluindo procedimentos cautelares, que foram intentados nos tribunais administrativos. Argumenta-se contudo, em contrário, com uma suposta afronta das AIM ao DPI e, por via disso, de uma inconstitucionalidade por ofensa a um direito fundamental, visto como direito análogo aos direitos, liberdades e garantias (em nossa opinião o direito de propriedade industrial não é um direito fundamental de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, precisamente porque se trata de um direito de propriedade especial limitado pela sua função social. Neste sentido e fazendo uma resenha sobre as posições doutrinais e jurisprudenciais sobre esta questão, vd. COUTO GONÇALVES, Luis M., ob. cit., pp. 38 e ss.). Mas, salvo o devido respeito, nem uma nem outra se verificam. O Conselho e a Comissão da Comunidade Europeia são uníssonos a este respeito: “O Conselho e a Comissão consideram que a apresentação e a subsequente avaliação de um pedido de autorização de introdução no mercado, bem como a concessão de uma autorização, são tidos como actos administrativos e como tal não infringem a protecção das patentes” (cf. Jornal Oficial nº C 297 E de 09/12/2003 p. 0041 – 0071). No voto de vencido aposto pelo relator no Ac. do TCAS n.º 06154/10, de 06-05-2010, argumenta-se que a já referida cláusula ou excepção "Bolar", que visa incrementar a presença de genéricos no mercado e favorecer a competitividade e a saúde publica, permite a apresentação do pedido de AIM de medicamento genérico na vigência da patente, possibilitando a sua comercialização logo que a patente caduque, o que demonstra que a AIM não contende com a patente (aliás, é o que resulta do art.º 18.º, n.º 4, do EM e é defendido pela doutrina no âmbito do DPI, embora se entenda que a comercialização não possa iniciar-se antes de se verificar a caducidade da patente COUTO GONÇALVES, Luis M. ob. e loc. cit.). Se a AIM só pudesse ser concedida depois da patente ter caducado isso significaria que o medicamento genérico só podia ser comercializado em momento posterior. Ora, não é isso que resulta do CPI: o direito de exploração por terceiro de um invento protegido pela patente surge logo que tiver expirado o seu prazo de duração [art.º 37.º, n.º 1, al. a), do CPI], o que aponta para uma exploração imediata, incompatível com um processo administrativo autorizativo que só pudesse iniciar-se a posteriori (a Organização Mundial de Comércio defende, no documento Canada – Patent Protection Of Pharmaceutical Products, disponível in: http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/7428d.doc [em linha].[cons. 27-04-2010], que a AIM não conflitua com a patente do medicamento de referência quando se destina permitir que o medicamento genérico esteja apto a ser comercializado logo que aquela caduque). De facto, a violação de uma patente só se verifica no momento em que a cópia não autorizada do produto protegido é introduzida no mercado. É nesse momento que os direitos económicos e de exclusivo que a patente confere são efectivamente afrontados. Esta afirmação demonstra-se através do princípio do esgotamento das patentes, na maioria dos casos relacionado com importações paralelas de medicamentos, segundo o qual o titular da patente perde o direito a opor-se a posteriores comercializações do produto logo que o coloca no mercado. Isto é, a partir do momento da sua introdução legítima num mercado de determinado país, o produto pode ser comercializado no território de outro país que admita a importação, sem que o titular da patente nesse Estado se possa opor. O que justifica este princípio é a ideia de que o monopólio legalmente atribuído ao titular do direito, até por constituir uma excepção à regra da liberdade do comércio, deverá confinar-se ao mínimo indispensável ao desempenho da respectiva função (cf. Pedro Sousa e Silva, O “esgotamento” do direito e as “importações paralelas”, Desenvolvimentos recentes da jurisprudência comunitária e nacional, disponível em: http: //www.ptcs.pt/resources/pdfs/PSS_O_esgotamento_do_direito_e_as_importacoes_paralelas.pdfhttp://www.ptcs.pt/resources/pdfs/PSS_O_esgotamento_do_direito_e_as_importacoes_paralelas.pdfhttp://www.apdi.pt/APDI/DOUTRINA/O%20esgotamento%20do%20direito%20e%20as%20importa%C3%A7%C3%B5es%20paralelas.pdf. [cons. em 08-11-2011]). A ordem jurídica nacional consagra o princípio do esgotamento do direito de patente no art. 103.º do CPI; para além disso permite importações paralelas de medicamentos (cfr. art.os 80.º a 91.º do EM). Esta possibilidade demonstra, por sua vez, que a AIM de um medicamento genérico não pode ser vista como acto violador, ou se se quiser, como acto que autoriza a violação da patente do medicamento de referência. Pense-se na hipótese de um fabricante pedir em Portugal uma AIM para um medicamento genérico. Segundo a jurisprudência maioritária deste tribunal a concessão dessa AIM não seria possível por violação do direito de patente do medicamento de referência. Imagine-se então que o mesmo fabricante obteria uma AIM europeia ou noutro país da União. Assim, pese embora não fosse titular de AIM nacional nem por isso deixaria de poder comercializar o produto através da sua importação paralela! O absurdo desta solução, salvo o devido respeito demonstra a falta de fundamento da tese dominante e a sua desconformidade com o direito nacional e, maxime, com o direito europeu. Concluiu-se, assim, que se o direito de exclusivo se esgota no exacto momento em que o bem é vendido dentro do espaço europeu, então a violação de tal direito de exclusivo só ocorre, em concreto, quando o produto contrafeito ou cópia é introduzido no comércio. E se assim é a questão da inconstitucionalidade torna-se irrelevante, na medida em que no momento da concessão da AIM nenhuma ofensa ao direito da patente se verifica. E mesmo que se verificasse, então haveria que ponderar outras violações de direitos fundamentais, desde logo o direito à saúde de largas camadas da população e a própria sustentabilidade económico-financeira do Estado, que podem ser postos em causa por práticas restritivas da introdução de genéricos no mercado; e nesse contexto afigura-se-nos que a solução para essa colisão de direitos seria a de dar prevalência a estes últimos, designadamente à saúde pública em detrimento dos direitos particulares de natureza económica, do titular da patente (cfr. art.º 335.º, n.º 2, do CC). Tem sido invocado, porém, o argumento do EM impor que o titular do AIM inicia a comercialização no prazo de três anos após a concessão, o que tornaria a AIM numa verdadeira “Imposição de Introdução no Mercado”. Nessa perspectiva a AIM seria manifestamente violadora de DPI se concedida mais de três anos antes da caducidade da patente. Não nos parece correcta esta visão. Em primeiro lugar a AIM não pode ser vista como uma imposição; não passando de uma autorização, como o próprio nome indica, nenhuma obrigação legal impõe ao beneficiário da mesma a introdução inexorável do medicamento no mercado. Em segundo lugar a concessão da AIM não retira ao titular da patente os direitos que lhe assistem em caso de comercialização indevida do medicamento genérico. Em terceiro lugar, iniciado o procedimento de concessão de AIM de tal modo que esta seja concedida antes do inicio do prazo de três anos, recai apenas sobre o seu titular a impossibilidade de comercialização, se outras razões não existirem e que possam ditar solução diferente, designadamente em termos de suspensão desse prazo. Como quer que seja não parece que o argumento tenha consistência tal para, por si mesmo, suportar a construção teórica que dele pretende retirar acrescidas virtualidades. Em face de todo o exposto, pode concluir-se que apenas é exigível que o INFARMED se assegure, na concessão da AIM, de que a comercialização do medicamento se faz em condições que garantam a saúde pública, e sem que essa autorização envolva a apreciação de eventual ofensa a direito de patente ou assegure definitivamente a introdução do medicamento no mercado. Com efeito, outras autorizações são necessárias, desde logo a fixação do PVP, o que prova que a AIM não pode ser encarada como autorização em termos absolutos, na qual se tenham de apreciar todos e quaisquer aspectos ligados à comercialização dos medicamentos. E nesta visão das coisas não está na sua finalidade apreciar eventuais colisões com DPI. Se a AIM fosse susceptível de violar patente farmacêutica, ainda que indirectamente, seria incompreensível a exigência legal de demonstração da bioequivalência (art. 19.º, n.º 1, do EM), que por si só implica a produção, ainda que limitada, do medicamento genérico na vigência da patente. De resto, nem sequer o fabrico do medicamento para aprovisionamento, com o fito da sua comercialização logo que caducada a patente, lesa o DPI do respectivo titular. Deste modo, as alusões ao direitos de propriedade industrial que o EM faz nos seus art.os 18.º, n.º 4, 19.º, n.º 1 e 8, 20.º, n.º 1, constituem meras cláusulas de salvaguarda de tais direitos, não podendo tais normas ser encaradas como impondo uma conduta à Administração em defesa daqueles na esteira do disposto no art.º 14.º, n.º 11, e art.º 15.º do Regulamento (CE) n.º 726/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004., que para além do mais sempre seria incompatível com o quadro jurídico comunitário. Dessas normas apenas se pode retirar, como corolário, que o beneficiário da AIM não se pode prevalecer desta para se eximir à responsabilidade civil, contra-ordenacional ou mesmo criminal a que a sua conduta dê lugar, expressamente afirmada no art.º 29.º, n.º 1, al. n), do EM. Em resumo, dir-se-á que na nossa perspectiva não só a mera concessão de AIM não ofende os direitos de patente como não cabe ao INFARMED assegurar a inexistência dessa violação. Dito de outro modo, não pode ser considerado parâmetro da aferição de legalidade desse acto administrativo a consideração de quaisquer eventuais DPI nem tão pouco a falta de audiência procedimental de eventuais interessados de pretensas relações poligonais ou multipolares, conexionadas com tal direito. E se para nós assim é face ao direito constituído, então de iure condendo nenhuma dúvida nos fica. Referimo-nos à proposta de Lei n.º 13/XII, votada favoravelmente, em votação global, no passado dia 28 de Outubro. Nessa proposta consagram-se alterações ao EM que, grosso modo, se reconduzem à perspectiva por nós acima traçada. Na exposição de motivos refere-se que “Quanto à concessão da autorização de introdução no mercado, a Comissão, na sequência do anteriormente assumido na Posição Comum n.º 61/2003, recorda que a legislação comunitária que rege o sector farmacêutico não prevê a apresentação de observações por parte de terceiros e, menos ainda, intervenções formais durante a avaliação de um pedido de autorização de entrada no mercado. Além disso, no que diz respeito à fixação dos preços e do regime de reembolso, a Comissão Europeia entende que os Estados-Membros não devem aceitar observações de terceiros em que sejam levantadas questões relacionadas com as patentes”. E acrescenta: “Por outro lado, e tendo em conta que a jurisprudência nacional vem entendendo que os direitos de propriedade industrial podem ser afectados pela concessão das autorizações de introdução no mercado, do preço de venda ao público e da comparticipação do Estado no preço dos medicamentos, estabelece-se a compatibilização que se considera adequada desses direitos com outros de idêntica relevância, como é o caso do direito à saúde e ao acesso a medicamentos a custos comportáveis, bem como dos direitos dos consumidores. Assim, e indo também ao encontro das recomendações da Comissão Europeia, prevê-se expressamente que a concessão das referidas autorizações não depende da apreciação, pelas entidades administrativas competentes, da eventual existência de direitos de propriedade industrial. Subsequentemente, estabelece-se, ainda, que os pedidos de autorização não possam ser indeferidos com esse fundamento e que as mesmas autorizações não podem ser alteradas, suspensas ou revogadas, pelas respectivas entidades emitentes, com base na subsistência desses direitos”. Na alteração proposta ao art.º 19.º, é modificado o número 7, nestes termos: “A realização dos estudos e ensaios necessários à aplicação dos n.ºs 1 a 6, e as exigências práticas daí decorrentes, incluindo a correspondente concessão de autorização prevista no artigo 14.º, não são contrárias aos direitos relativos a patentes ou a certificados complementares de protecção de medicamentos”. E a redacção proposta para o art.º 25.º, n.º 2, é esta: “O pedido de autorização de introdução no mercado não pode ser indeferido com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 18.º”. É referido ainda, no n.º 1 do art.º 9.º, sob a epígrafe “Disposições transitórias”, que “a redacção dada pela presente lei aos artigos 19.º, 25.º e 179.º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, bem como o aditamento introduzido ao regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos e o disposto no artigo anterior, têm natureza interpretativa”. Como todas as considerações acima expendida valem tanto para as AIM como para a fixação de PVP, dir-se-á, para rematar, que nenhuma ilegalidade se vislumbra nos actos cuja suspensão se requer, claudicando as conclusões formuladas pela recorrente (…), que além de ser intrinsecamente irrazoável e infundada juridicamente, face a todo o expendido não merece qualquer outra refutação, e para demais onde se suscitam questões sobre a matéria de facto, cuja ampliação ou reformulação nenhuma virtualidade teriam na modificação da decisão. E deste modo, não tendo sido arguidas ilegalidades relacionadas com considerações de eficácia, qualidade e segurança dos medicamentos, que coloquem em causa a protecção da saúde pública, tem de concluir-se que o acto suspendendo é perfeitamente legal e, concomitantemente, manifestamente ilegais e com evidente falta de fundamento, as pretensões formuladas pela requerente. Isto é, constata-se a existência de patente fumus malus iuris que funciona como fundamento da recusa da providência requerida e dispensa a averiguação dos demais requisitos (periculum in mora e ponderação de interesses), que sempre se adianta não existirem. O primeiro porque, pelas razões sobejamente explanadas, não existe qualquer perigo patrimonial para a requerente, decorrente directamente da AIM, perigo esse que só se concretizaria com a introdução do medicamento genérico no mercado, facto que nem sequer pode ser encarado como uma agressão ao direito de exclusivo que a patente confere, pois como já se salientou nada impede eventual importação paralela. A ponderação de interesses, a ser feita só poderia pender para o interesse público, face ao valor absoluto da saúde pública na colisão com os direitos de natureza económica da requerente”. Como decidido no citado Acórdão datado de 17/11/2011, proc. nº 8121/11: “A esta argumentação poderá ainda acrescentar-se que a tese que tem vindo a ser maioritariamente seguida neste tribunal, ao recusar a concessão da AIM na vigência da patente do medicamento de referência, estende efectivamente o prazo de vigência dessa patente pelo período correspondente ao tempo necessário – e que não é curto – para ultrapassar todos os trâmites administrativos que a introdução de um medicamento genérico acarreta. O que a nosso ver é uma consequência a todos os títulos injusta (bem vistas as coisas, ilegal) que resulta dessa mesma jurisprudência. Por outro lado, no presente procedimento o tribunal a quo concluiu pela inexistência de ofensa à patente da recorrente, conclusão que se impõe acatar, quer porque a impugnação da matéria de facto foi rejeitada, quer porque não há qualquer justificação para usar dos mecanismos previstos no art.º 712.º, n.º 1, do CPC, desde logo face à impossibilidade de sindicar validamente a convicção da Mm.ª Juíza, quer porque não se está perante uma de qualquer das situações previstas nos números 3, 4 e 5 do referido artigo. O que dispensaria até mais largas lucubrações e permitiria acompanhar a judiciosa argumentação expendida na sentença recorrida.”. Deste modo, em face do todo que antecede, designadamente, pelas razões aduzidas nos citados arestos, aqui inteiramente aplicáveis, improcedem in totum as conclusões que se mostram formuladas contra a sentença recorrida, a qual se mantém nos seus exatos termos. * Pelo exposto, será de julgar improcedente o recurso, por não provados os seus respectivos fundamentos. * Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma: I. Tendo presente os fundamentos aduzidos por uma das correntes jurisprudenciais anteriores e ainda: i) a redação dada pelo artº 4º da Lei nº 62/2011, de 12/12 aos artºs. 19º nº 8, 25º nºs 2 e 3 e 179º nº 2 do Estatuto do Medicamento, aprovado pelo D.L. n.º 176/2006, de 30/08; ii) que o artº 9º nº 1 da Lei nº 62/2011 atribuiu-lhes natureza interpretativa; iii) que a lei interpretativa integra-se na lei interpretada, nos termos do nº 1 do artº 13º do CC, é de recusar a adoção da providência cautelar de suspensão de eficácia de ato de Autorização de Introdução no Mercado de medicamento genérico, com fundamento na violação do direitos de propriedade industrial. II. Na concessão de Autorização de Introdução no Mercado (AIM) de medicamento genérico, não existe o dever de apreciar eventuais violações da patente do medicamento de referência. III. Tal resulta, quer do Estatuto do Medicamento, quer do ordenamento jurídico comunitário, os quais rejeitam a possibilidade de na concessão de AIM as autoridades nacionais fiscalizarem ou verificarem a existência de patentes válidas. * Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os seus respectivos fundamentos. Custas pela recorrente. Registe e notifique. (Ana Celeste Carvalho - Relatora) (Maria Cristina Gallego Santos)Declaração de voto:Concordo com a decisão mas por fundamentação distinta, que segue. Com a entrada em vigor da Lei 62/2011 de 12.12, lei interpretativa por declaração expressa no texto do citado diploma, foram introduzidas alterações de natureza substantiva ao DL 176/06 de 30.08 que se referem especificamente, por via ablativa, aos pressupostos da competência concreta na matéria legalmente confiada ao Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP para efeitos de prática de actos de AIM e de registo de AIM atribuída em procedimento europeu, bem como da Direcção Geral das Actividades Económicas (DGAE) em matéria de actos de aprovação dos PVP. Dispõe o artº13° n° l CC que a lei interpretativa se integra na lei interpretada, o que significa que contém em si um comando de retroactividade, cujos reflexos esclarecedores sobre o ponto duvidoso fundado nas divergências sustentadas pela interpretação doutrinal, se hão-de fazer sentir sobe os casos que ainda se encontrem em aberto. Ou seja, na fonte interpretada "(..) a regra já existente continua[r] a valer naquela ordem jurídica, mas com uma alteração no seu título. Neste caso o título era primeiro a lei interpretada agora é a lei interpretada mais a lei interpretativa. O domínio de aplicação da regra mantém-se pois tal qual, apenas se esclarecendo que ela vale com o sentido que resulta da fonte interpretativa (..)", sendo que "(..) a lei portuguesa (art° 13/1) estabelece que ficam salvos os efeitos já produzidos pelo cumprimente da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de natureza análoga (..) pela lei interpretativa, podemos dizer que esta abrange todos os casos que se encontrarem ainda em aberto, que comandem ainda as actuações das partes, mas que deixa de fora as situações consumadas, cuja eficácia se extinguiu e persistem só nos efeitos definitivamente produzidos. (..)" (1) Do ponto de vista adjectivo, as alterações substantivas decorrentes da Lei 62/2311 de 12.12, contendem directamente com os pressupostos das providências cautelares requeridas e, consequentemente, no modo de apreciação e na decisão dos casos concretos presentes em juízo,, isto porque, em sede administrativa, o requisito cautelar da aparência do bom direito requer a emissão de um juízo positivo sobre o fumus boni iuris propriamente dito e, também, sobre a probabilidade da ilegalidade da actuação administrativa. O que significa que a apreciação do fumus boni iuris se estende à aparência de ilegalidade da actuação administrativa, alegada pela parte interessada no decretamento da providência como lesiva do direito que lhe assiste. Importam ao caso as alterações ao DL 176/06 de 30.08 que seguem, desde logo aos artºs 25° e 179°, a que foram aditados, inovatoriamente, o n°2, com a seguinte redacção: • "25°/2 - O pedido de autorização de introdução no mercado não pode ser indeferido com fundamento na eventual existência de direitos cê propriedade industrial, sem prejuízo do disposto no n° 4 do art° 18°." • "179°/2 - A autorização ou registo, de introdução no mercado de um medicamento não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial." Em sede de disposições transitórias, o artº9° n°l da Lei 62/2011 dispõe como segue • "A redacção dada pela presente lei aos art°s. 19°, 25a e 179° do Dec Lei 176/2006 de 30.08, bem como o aditamento introduzido ao regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos e o disposto no artigo anterior, têm natureza interpretativa." O "artigo anterior", ou seja, o art° 8° n°s. l, 2, 3 e 4 da Lei 62/2011 no tocante aos actos de autorização de PVP, tem a seguinte redacção: •"l - A decisão de autorização do P W do medicamento tem como o procedimento que àquela conduz, não têm por objecto a apreciação da existência de eventuais direitos de propriedade industrial." •"2 - A autorização do PVP dos medicamentos não é contrária aos direitos relativos a patentes ou a certificados complementares de protecção de medicamentos." •"3 - O pedido que visa a obtenção da autorização prevista nos números anteriores não pode ser indeferido com fundamento na existência de eventuais direitos de propriedade industrial." •"4 - A autorização do PVP do medicamento não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na existência de eventuais direitos dfc propriedade industrial." A nova injunção dos arts. 25° nº 2 e 179° n° 2 DL 176/06 introduzida pela Lei 62/2011 de 12.12, com natureza interpretativa veio fixar com carácter inovatório o âmbito de competência do Infarmed -Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP em matéria de AIM de nedicamentos genéricos e de actos de registo de AIM de medicamento genérico concedida em procedimento europeu, acarretando a de perda de valor interpretativo e consequente carácter de solução plausível em direito do entendimento até aqui sustentado de que, perante a alegação comprovada no procedimento "(…) da existência de um obstáculo jurídico à eficácia do acto de autorização o INFARMED não pode ignorar a intervenção e a prova fornecida (..) sabendo que, face à existência de uma patente sobre aquele produto, está a contribuir para a viabilização ou, pelo menos, aumenta decisivamente o perigo de viabilização de uma actividade ilícita e criminosa, ofensiva do direito subjectivo de terceiro que impõe, no mínimo, um dever de consideração e o consequente dever de ponderação do direito subjectivo em perigo. (..) (..) [a] norma do art° 25° do EM será inconstitucional, por falta de protecção mínima adequada de um direito fundamental, se for interpretada como fixação taxativa dos fundamentos de indeferimento, obrigando o INFARMED a deferir o requerimento e proibindo-o de tomar conhecimento de existência de violação de patente procedimentalmente comprovada - tal como seria inconstitucional a produção de efeitos contrários à patente (.-)" (2) E o mesmo ocorre na vertente respeitante à competência da Direcção Geral das Actividades Económicas (DGAE) em matéria de actos de aprovação dos PVP de medicamentos genéricos ex vi art° 8º e 9° n° l in fine da Lei 62/2011 de 12.12. Pelo que vem de ser dito e concretizando, deixou de ter sustentação jurídica a título de solução plausível em direito o entendimento sufragado e supra referido, central para julgar verificado o pressuposto da aparência do bom direito (fumus boni iuris) na vertente da provável ilegalidade da actuação administrativa traduzida (i) na emissão do acto de AIM de medicamento genérico na pendência do período de exclusividade da comercialização do medicamente de referência, (ii) na fixação de PVP sobre os medicamentos genéricos, bem como (iii) nos actos de registo de AIM de medicamentos genéricos concedida em procedimento europeu, nos termos suscitados pelo Requerente cautelar. O que implica a improcedência de todas as providências cautelares intentadas pelos titulares de direitos de patente/CCP sobre os concretos medicamentos de referência em face de AIM, pvp ou actos de registo dos alegados correspondentes medicamentos genéricos, com fundamento na falta do requisito da boa aparência do direito. Lisboa, 19.01.2012 (Cristina dos Santos) (1) Oliveira Ascensão, O Direito - introdução á teoria geral, Fundação Calouste Gulbenkian/21 edição/1980, págs.l98,440e443. (2) Vieira de Andrade, A protecção do direito fundado em patente no âmbito do procedimento de autorização da comercialização de medicamentos, in RLJ n° 3953, Ano 138, Nov/Dez/2008. (António Paulo Vasconcelos)