I - A providência de habeas corpus tem os seus fundamentos previstos, de forma taxativa, nos arts. 220.º, n.º 1, e 222.º, n.º 2, ambos do CPP, consoante o abuso de poder derive de uma situação de detenção ilegal ou de uma situação de prisão ilegal, respectivamente. A ilegalidade da prisão pode provir (art. 222.º, n.º 2): a) ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial. II – Esta providência está processualmente configurada como uma providência excepcional, não constituindo recurso sobre actos do processo, designadamente sobre actos através dos quais é ordenada ou mantida a privação de liberdade do arguido, nem sendo um sucedâneo dos recursos admissíveis, estes sim, os meios adequados de impugnação de decisões judiciais. III - A detenção do requerente foi efectivada ao abrigo dos arts. 39.º da LCJI e art. 21.º da Convenção de Extradição entre os Estados membros da CPLP, no âmbito de um pedido de extradição formulado por autoridade judiciária estrangeira. Trata-se de uma detenção provisória admitida pelo art. 38.º da LCJI e pelo citado art. 21.º da Convenção, como acto inserido no procedimento de extradição a desencadear. A qualidade de nacional do requerente é apreciada no momento em que seja tomada, pelo Tribunal da Relação, a decisão sobre a extradição. IV - Não cabe em sede de providência de habeas corpus discutir a questão da admissibilidade ou não admissibilidade da extradição do requerente. Não pode o STJ, nesta sede, emitir pronúncia quanto às questões que se podem colocar quanto à compatibilidade do art. 4.º da Convenção de Extradição com o art. 33.º da CRP que admite a extradição de cidadãos portugueses do território nacional nas condições prescritas no seu n.º 3, pois tal compete ao tribunal competente para apreciar e decidir do pedido de extradição. Só em fase de recurso o STJ terá de intervir (cf. art. 49.º da LCJI). V - Independentemente da admissibilidade ou não da extradição pedida pelas autoridades brasileiras, questão que não compete ao STJ apreciar e decidir no âmbito da providência de habeas corpus por carecer de competência, não se podendo sobrepor a uma decisão a adoptar oportunamente pelo Tribunal da Relação, e sobre a qual o STJ poderá ser chamado a intervir em instância recursória, o certo é que ao requerente é imputada a prática de um crime de homicídio, p. e p. pelo art. 131.º do CP, cujo crime admite prisão preventiva; foi aplicada por autoridade judicial competente, fundando-se em razões que constam do despacho proferido, por se reconhecer inadequadas e insuficientes outras medidas e ainda não decorreu o prazo previsto no art. 21.º, n.º 4 da Convenção referida em III. Carece assim de fundamento legal a providência requerida.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – RELATÓRIO 1. AA, através do seu Mandatário, vem, invocando os artigos 31.° da Constituição da República Portuguesa e 222.° e seguintes do Código de Processo Penal, requerer providência de HABEAS CORPUS, nos termos e com os fundamentos que se reproduzem: «1º Encontra-se em prisão preventiva, nos termos do auto de folhas 38 e seguintes. 2° Tal prisão preventiva é ilegal e não podia sequer ter sido decretada. Efectivamente, 3º Foi determinada com base no facto de haver mandado de detenção internacional, emanado de autoridades brasileiras, e para efeitos de futura extradição. 4° Ocorre que, sendo cidadão português, a sua extradição de Portugal para o Brasil não é possive1. 5° Tal quer dizer que a sua prisão preventiva não tem objecto, não tem qualquer razão de ser, pela simples razão de ter sido decretada para finalidade impossível. 6° E a prisão preventiva só pode ser decretada se NECESSÁRIA. 7° O que a torna acta inútil e, como tal, proibido por lei (artigo 130° do C.P.C.). 8° Em vão, requereu em 5 de Agosto último, a sua libertação por a prisão preventiva ter sido determinada fora dos casos previstos na lei. Termos em que, no provimento da presente, deve ser ordenada a sua imediata libertação.» 2. Foi prestada no processo a seguinte informação, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do Artigo 223.º do Código de Processo Penal: «O requerente, de nacionalidade portuguesa, foi detido pela PSP no dia 28/07/16, por haver indicação que sobre si pendia mandado de captura internacional, emitido pelas autoridades brasileiras, pela prática de um crime de homicídio, alegadamente cometido em 30/09/08. Estando em causa a futura extradição do requerido para o Brasil, foi o mesmo apresentado pelo M.P. neste Tribunal, para audição judicial e decisão de validação da detenção, nos termos combinados dos Artsº 38,39, 62, n02 e 64, todos da Lei 144/99 de 31/08. Ouvido o detido, no dia 29/08/16, foi determinada a sua prisão preventiva, nos termos conjugados dos Artsº 192, 193, 202 nº l al. a) e 204 als. a) e c) do CPP e 38 e 62 e segs da Lei 144/99 de 31/08, situação na qual se encontra.» 3. Convocada a secção criminal e notificados o Ministério Público e o Mandatário do requerente, teve lugar a audiência, nos termos dos artigos 223.º, n.os 2 e 3, e 435.º do Código de Processo Penal, cumprindo tornar pública a respectiva deliberação. II - FUNDAMENTAÇÃO A. Os factos Constam dos autos os seguintes elementos fácticos que interessam para a decisão da providência requerida: O requerente, de nacionalidade portuguesa, foi detido pela PSP no dia 28de Julho de 2016, em cumprimento de mandato de captura internacional emitido pelas autoridades judiciárias do Brasil, pela prática de um crime de homicídio, alegadamente cometido em 30 de Setembro de 2008. Estando em causa a futura extradição do requerido para o Brasil, o requerente foi apresentado pelo M.P. no Tribunal da Relação do Porto para audição judicial e decisão de validação da detenção, nos termos dos artigos combinados dos artigos 38.º, 39.º, 62.º, n.º 2 e 64.º, todos da Lei n.º 144/99 de 31de Agosto. Conforme consta do requerimento formulado pelo MºPº, «[a] detenção foi levada a efeito nos termos dos artigos 39.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto e 21.º da Convenção de Extradição entre os Estados membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa de 23.Nov.2005, publicada no DR I Série de 15 de Setembro de 2008, por segundo informação do gabinete Nacional da Interpol o detido ser procurado pelas autoridades brasileiras, para procedimento criminal por factos que justificam detenção». Ouvido o detido, no dia 29 de Julho de 2016, foi determinada a sua prisão preventiva, nos termos dos artigos 192.º, 193.º, 202.º, n.º 1, alínea a) e 204.º, alíneas a) e c), do Código de Processo Penal, doravante CPP, e dos artigos 38.º e 62.º e seguintes da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto. Consignou então a Ex.ma Desembargadora Relatora que: «[o requerente] foi presente para interrogatório em virtude de ter sido pedida pelas autoridades judiciais brasileiras a sua detenção para efeitos de futura extradição. Não se suscitam dúvidas sobre a competência da autoridade requerente. Consta dos autos a indicação de que o detido terá praticado o crime de homicídio, punido pela lei portuguesa nos termos do artigo 131.º do Código Penal a que corresponde, em abstracto, a pena de 8 a 16 anos de prisão, sendo punido pela legislação Brasileira pelos artigos 311.º e 312.º do respectivo Código Penal, que comina com pena de prisão até 30 anos. A natureza do crime e sua gravidade resultam quer da pena aplicável quer ainda do modus operandi e respectivas consequências para a vítima. O arguido pese embora o declarado [negação de qualquer participação na morte daquela que foi sua companheira] logrou furtar-se à justiça durante cerca de 8 anos e tem facilidade de se deslocar e trabalhar no estrangeiro. São pois, manifestos os perigos de fuga e de alarme e de perturbação da ordem pública, não se vislumbrando, no contexto presente, que qualquer das medidas de coacção não privativas da liberdade consigam acautelar as especiais exigências do caso. E também a medida de permanência na habitação, ainda que sujeita a vigilância electrónica, não se afigura por ora suficiente, proporcional ou sequer adequada.» B. O direito 1. Estabelece o artigo 31.º, n.os 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, que o próprio ou qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos pode requerer, perante o tribunal competente, a providência de habeas corpus em virtude de prisão ou detenção ilegal. O instituto do habeas corpus «consiste essencialmente numa providência expedita contra a prisão ou detenção ilegal, sendo, por isso, uma garantia privilegiada do direito à liberdade, por motivos penais ou outros. (…). «Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa dos direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade», podendo ser requerido «contra decisões irrecorríveis, (…) mas não é de excluir a possibilidade de habeas corpus em alternativa ao recurso ordinário, quando este se revele insuficiente para dar resposta imediata e eficaz à situação de detenção ou prisão ilegal»[1]. Visando reagir contra o abuso de poder, por prisão ou detenção ilegal, o habeas corpus constitui, para GERMANO MARQUES DA SILVA, «não um recurso, mas uma providência extraordinária com natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo em muito curto espaço de tempo a uma situação de ilegal privação de liberdade»[2]. Como o Supremo Tribunal de Justiça vem afirmando, esta providência constitui «um processo que não é um recurso mas uma providência excepcional destinada a pôr um fim expedito a situações de ilegalidade grosseira, aparente, ostensiva, indiscutível, fora de toda a dúvida, de prisão e, não, a toda e qualquer ilegalidade, essa sim, objecto de recurso ordinário ou extraordinário…»[3] (destacado agora). Daí que, a providência de habeas corpus tenha os seus fundamentos previstos, de forma taxativa, nos artigos 220.º, n.º 1 e 222.º, n.º 2 do CPP, consoante o abuso de poder derive de uma situação de detenção ilegal ou de uma situação de prisão ilegal, respectivamente. 2. Tratando-se de habeas corpus em virtude de prisão ilegal, situação que se destaca por ser aquela que o requerentes invoca, esta há-de provir, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 222.º do CPP, de: a) Ter sido efectuada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto que a lei não permite; ou c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial. Como este Supremo Tribunal vem sistematicamente decidindo, a providência de habeas corpus está processualmente configurada como uma providência excepcional, não constituindo um recurso sobre actos do processo, designadamente sobre actos através dos quais é ordenada ou mantida a privação de liberdade do arguido, nem sendo um sucedâneo dos recursos admissíveis, estes sim, os meios adequados de impugnação das decisões judiciais. Assim, como se considera no seu acórdão de 15-01-2014, proferido no proc.º n.º 1216/05.9GCBRG-A.S1 - 3.ª, «está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça substituir-se ao tribunal que ordenou a prisão em termos de sindicar os fundamentos que a ela subjazem, ou seja, de conhecer da bondade da decisão, já que, se o fizesse, estaria a criar um novo grau de jurisdição. Conforme acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-04-2015 (Proc. n.º 21/15.9SHLSB-A.S1 - 3.ª Secção): «I - A providência de habeas corpus constitui um incidente que se destina a assegurar o direito à liberdade constitucionalmente garantido – arts. 27.º, n.º 1, e 31.º, n.º 1, da CRP –, sendo que visa pôr termo às situações de prisão ilegal, efectuada ou determinada por entidade incompetente, motivada por facto pelo qual a lei a não permite ou mantida para além dos prazos fixados na lei ou por decisão judicial – art. 222.º, n.ºs 1 e 2, als. a) a c), do CPP. II - Esta providência não constitui um recurso sobre actos de um processo, designadamente sobre actos através dos quais é ordenada e mantida a privação de liberdade do arguido, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis, estes sim, os meios ordinários e adequados de impugnação das decisões judiciais. III - Por outro lado, está vedado ao STJ substituir-se ao tribunal que ordenou a prisão que está na base da petição de habeas corpus em termos de sindicar os motivos que a ela subjazem, visto que se o fizesse estaria a criar um novo grau de jurisdição, igualmente lhe estando vedado apreciar eventuais anomias processuais situadas a montante ou a jusante da decisão que ordenou a prisão, a menos que a situação de privação da liberdade subjacente ao pedido de habeas corpus consubstancie um inequívoco abuso de poder ou um erro grosseiro na aplicação do direito.» 3. A procedência do pedido de habeas corpus pressupõe ainda uma actualidade da ilegalidade da prisão aferida em relação ao tempo em que é apreciado o pedido. Trata-se de asserção que consubstancia jurisprudência sedimentada no Supremo Tribunal de Justiça, como se dá nota no acórdão de 21 de Novembro de 2012 (Proc. n.º 22/12.9GBETZ-0.S1 – 3.ª Secção), onde se indicam outros arestos no mesmo sentido, bem como no acórdão de 9 de Fevereiro de 2011 (Proc. n.º 25/10.8MAVRS-B.S1 – 3.ª Secção). 4. Alega o requerente que se encontra «detido em situação de prisão ilegal, porque «foi determinada com base no facto de haver mandado de detenção internacional, emanado de autoridades brasileiras, e para efeitos de futura extradição», que «sendo cidadão português, a sua extradição de Portugal para o Brasil não é possível», pelo que «a sua prisão preventiva não tem objecto, não tem qualquer razão de ser, pela simples razão de ter sido decretada para finalidade impossível». A detenção do agora requerente foi efectivada ao abrigo doa artigos 39.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, e 21.º da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP, no âmbito de um pedido de extradição formulado por autoridade judiciária estrangeira, neste caso, do Brasil Trata-se de uma detenção provisória, admitida pelo artigo 38.º da Lei n.º 144/99 e pelo artigo 21.º da citada Convenção, como acto inserido no procedimento de extradição a desencadear. De acordo com o disposto no artigo 49.º da citada Lei n.º 144/99, a competência para apreciação do processo judicial de extradição pertence ao tribunal da Relação em cujo distrito se encontrara a pessoa reclamada. Nos termos do n.º 3 da mesma disposição, «Só cabe recurso da decisão final, competindo o seu julgamento à secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça». 5. Na situação que nos ocupa, o procedimento de extradição tem ou terá como sujeito um cidadão português, razão pela qual o requerente alega que, «sendo cidadão português, a sua extradição de Portugal para o Brasil não é possível». Esta afirmação suscita, desde já, as seguintes notas. Em primeiro lugar, não pode ser discutida no âmbito da presente providência a questão da admissibilidade ou não admissibilidade da extradição pela singela razão de que ainda não foi proferida qualquer decisão judicial nesse sentido pelo competente Tribunal da Relação. Oportunamente, se for o caso, o Supremo tribunal de Justiça há-de intervir mas, como dispõe o artigo 49.ºda Lei n.º 144/99, só por via de recurso. Qualquer pronúncia acerca da admissibilidade ou não da extradição do requerente para o Brasil que este Supremo Tribunal, agora, no âmbito deste processo, constituiria uma subversão da competência material legalmente instituída, uma invasão da competência que não lhe pertence, pois cabe, como se disse, ao Tribunal da Relação. A segunda nota que cumpre consignar reporta-se ao regime jurídico convocável ao caso. A normação fundamental que, desde logo e por isso mesmo, tem de ser considerada é a já citada Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, assinada na Cidade da Praia em 23 de Novembro de 2005, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 46/2008, em 18 de Julho de 2008, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 64/2008, de 12 de Setembro, tendo entrado em vigor em 1 de Março de 2010. Trata-se de uma convenção que, como referido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Novembro de 2013 (processo n.º 87/13.6YREVR.S1), deriva «da cooperação judicial em matéria penal, entre Estados com afinidades culturais especiais ou interesses político-económicos privilegiados». No desejo de se incrementar a cooperação judiciária internacional em matéria penal e convencidos da necessidade de a simplificar e agilizar; Reconhecendo a importância da extradição no domínio desta cooperação; e com o propósito de combater de forma eficaz a criminalidade (do preâmbulo), dispõe o artigo 1.º dessa Convenção que: «Artigo 1.º Obrigação de extraditar Os Estados Contratantes obrigam-se a entregar, reciprocamente, segundo as regras e as condições estabelecidas na presente Convenção, as pessoas que se encontrem nos seus respectivos territórios e que sejam procuradas pelas autoridades competentes de outro Estado Contratante, para fins de procedimento criminal ou para cumprimento de pena privativa da liberdade por crime cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente.» O artigo 4.º prevê, como recusa facultativa de extradição a circunstância de a pessoa reclamada ser nacional do Estado requerido. O artigo 32.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99 contempla os casos em que é excluída a extradição. A extradição é excluída se: a) O crime tiver sido cometido em território português; b) A pessoa reclamada tiver nacionalidade portuguesa, salvo o disposto no número seguinte. O n.º 2 do mesmo preceito estabelece que é admissível a extradição de cidadãos portugueses do território nacional desde que: a) A extradição de nacionais esteja estabelecida em tratado, convenção ou acordo de que Portugal seja parte; b) Os factos configurem casos de terrorismo ou criminalidade internacional organizada; e c) A ordem jurídica do Estado requerente consagre garantias de um processo justo e equitativo. Por seu lado, dispõe o n.º 5 que: «Quando for negada a extradição com fundamento nas alíneas do n.º 1 do presente artigo ou nas alíneas d), e) e f) do n.º 1 do artigo 6.º, é instaurado procedimento penal pelos factos que fundamentam o pedido, sendo solicitados ao Estado requerente os elementos necessários. O juiz pode impor as medidas cautelares que se afigurem adequadas.» A qualidade de nacional é apreciada no momento em que seja tomada a decisão sobre a extradição, conforme dispõe o n.º 6 do preceito citado. 6. A Convenção de Extradição entre os Estados da CPLP vigora «na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincular internacionalmente o Estado Português» (artigo 8.º, n.º 2, da Constituição) tendo primado sobre o direito interno infraconstitucional, prevalecendo, assim, sobre a legislação ordinária interna por força do princípio do primado do Direito Internacional convencional. As normas da citada Convenção prevalecem, assim, sobre as disposições paralelas da Lei n.º 144/99, aplicando-se este diploma, por seu lado, nas matérias não reguladas pela Convenção. Da comparação ente as normas contidas no artigo 32.º da Lei n.º 144/99 e no artigo 4.º da Convenção de Extradição a que se vem fazendo referência, resulta ser diverso o regime em matéria de extradição de cidadãos portugueses. No artigo 32.º daquela Lei exclui-se a extradição se a pessoa reclamada tiver nacionalidade portuguesa, sendo, porém, admissível desde que a extradição de nacionais esteja estabelecida em tratado, convenção ou acordo de que Portugal seja parte; os factos configurem casos de terrorismo ou criminalidade internacional organizada; e a ordem jurídica do Estado requerente consagre garantias de um processo justo e equitativo. Por seu turno, do artigo 4.º da Convenção de Extradição retira-se que é admissível a extradição de cidadão que seja nacional do Estado requerido, sem a restrição que figura no preceito da Lei n.º 144/99, admitindo-se, no entanto, a recusa facultativa de extradição. É esta última disposição cuja aplicação deve ser ponderada, não se ignorando as questões que que se podem colocar quanto à sua compatibilidade com o artigo 33.º da Constituição da República que admite a extradição de cidadãos portugueses do território nacional nas condições prescritas no seu n.º 3. Todavia, como já se disse, não pode este Supremo Tribunal emitir pronúncia sobre tal questão no âmbito deste processo, pois tal compete ao tribunal competente para apreciar e decidir do pedido de extradição. Só em fase de recurso este Supremo Tribunal terá de intervir. 7. De todo o modo, cumpre dar nota de que, ainda que seja negada a extradição do cidadão nacional, por motivo da sua nacionalidade portuguesa, o artigo 32.º, n.º 5, da Lei n.º 144/99 determina a obrigatoriedade da instauração de procedimento criminal pelos factos que fundamentam o pedido de extradição, sendo solicitados ao Estado requerente os elementos necessários, podendo o juiz impor as medidas cautelares que se afigurem adequadas. Esta norma é de aplicação supletiva às situações abrangidas pela normação da Convenção de Extradição uma vez que este instrumento jurídico não prevê tal hipótese. Aliás, como pondera MANUEL JOÃO COSTA, «a administração supletiva da justiça penal atribui ao Estado português, em abstracto, jurisdição sobre os factos pelos quais recusa a extradição»[4], sendo certo que, conforme estabelece o artigo 5.º, n.º 1, alínea e), do Código Penal, a lei portuguesa á aplicável a factos cometidos por portugueses quando os agentes forem encontrados em Portugal, forem também puníveis pela legislação do lugar em que tiverem sido praticados, salvo quando nesse lugar não se exercer poder punitivo e constituírem crime que admita extradição e esta não possa ser concedida ou seja decidida a não entrega do agente em execução, designadamente, de instrumento de cooperação internacional que vincule o Estado Português. Trata-se, como também salienta o autor citado, da manifestação do princípio da legalidade que impõe que se persiga penalmente a generalidade dos factos sobre os quais o Estado Português tenha jurisdição. O recebimento de um pedido de extradição desencadeia, como observa o autor que se vem citando, um processo de extradição passiva, constituindo simultaneamente notícia de um crime, o que deveria, em princípio, levar o Estado português a instaurar um processo penal, nos termos do princípio da legalidade processual[5]. «Olhando sob o prisma da extradição, ainda segundo o mesmo autor, isso significa que quando o Estado recebe um pedido só pode acontecer uma de duas coisas: ou o Estado extradita (dedere); ou não extradita (non dedere) e, em consequência, age penalmente (judicare)»[6]. 8. No caso presente, do que se trata é única e exclusivamente de apreciar da ilegalidade da prisão preventiva aplicada ao requerente. Ora, independentemente da admissibilidade ou não da extradição pedida pelas autoridades brasileiras, questão que, repete-se, não compete a este Supremo Tribunal apreciar e decidir no âmbito desta providência de habeas corpus por carecer de competência, não se podendo sobrepor a uma decisão a adoptar oportunamente pelo Tribunal da Relação e sobre a qual, então sim, poderá ser chamado a intervir em instância recursória, o certo é que ao requerente é imputada a prática de um crime de homicídio p. e p. pelo artigo 131.º do Código Penal, correspondendo-lhe uma pena de 8 a 16 anos de prisão. Este crime admite prisão preventiva, conforme artigo 202.º, n.º 1, alínea a), do CPP. Esta medida de coacção foi aplicada por autoridade judicial competente fundando-se em razões que constam do despacho proferido, por se reconhecer inadequadas e insuficientes outras medidas. 9. Em face do exposto, emanando a prisão do requerente de decisão judicial proferida em 29 de Julho de 2016, na sequência de audição de detido, tratando-se de medida de coacção – prisão preventiva – aplicada por imputação ao requerente da prática de um crime de homicídio punível com pena de prisão de 8 a 16 anos de prisão, sendo, pois, admissível em conformidade com o disposto no artigo 202.º, n.º 1, alínea a), do CPP, medida que se entendeu como sendo a única adequada, suficiente e proporcional às exigências cautelares do caso, sendo certo ainda que não decorreu o prazo previsto no artigo 21.º, n.º 4, da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP. Carece, assim, de fundamento legal a providência de habeas corpus requerida. III. DECISÃO Termos em que acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a providência de habeas corpus requerida por AA, por falta de fundamento legal bastante [artigo 223.º, n.º 4, alínea a), do CPP]. Custas pelo requerente, com 4 UC (unidades de conta) de taxa de justiça. SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 12 de Agosto de 2016 (Processado e revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP) Os Juízes Conselheiros Manuel Augusto de Matos (Relator) Francisco Caetano _______________________________________________________ [1] Citou-se J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição revista, 2007. Coimbra Editora, pp. 508 e 510. [2] Curso de Processo Penal, II, Editorial Verbo, p. 260. [3] Acórdão de 16 de Dezembro de 2003, proferido no Habeas Corpus nº 4393/03, 5ª Secção, e acórdão de 11 de Dezembro de 2014 (Proc. 1049/12.6JAPRT-C.S1 – 5.ª Secção), ambos disponíveis, tal como os demais que se citarem sem outra indicação quanto à fonte, nas Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ, em www.dgsi.pt. [4] Dedere aut Judicare? – A Decisão de Extraditar ou Julgar à luz do Direito Português, Europeu e Internacional, Instituto Jurídico – Faculdade de Direito – Universidade de Coimbra, p. 69. [5] Ob. cit., pp. 69 e 128. [6] Idem, p. 69.