I - Em matéria de reconhecimento de sentenças estrangeiras, perfilam-se duas orientações extremas: a da “revisão de mérito” e a da “aceitação plena”: a) no primeiro caso, a recepção de uma sentença impõe uma revisão de mérito, o que implica quase que se ignore o aresto de origem, relegado para a posição de simples fundamento, para que o Estado do foro proceda a julgamento, emitindo a final uma nova decisão de mérito; b) no segundo caso, advoga-se o acolhimento amplo das sentenças estrangeiras, sendo certo que cedo se reconheceu a dificuldade da sua aplicação no estado puro, o que originou a existência de excepções, considerando as peculiaridades dos ordenamentos jurídicos dos países de acolhimento. II - O sistema português de revisão de sentenças estrangeiras inspira-se no chamado sistema de delibação, isto é, de revisão meramente formal, o que significa que o tribunal, em princípio, se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma, não conhecendo do fundo ou mérito da causa. III - Desde que o tribunal nacional se certifique de que tem perante si uma verdadeira sentença estrangeira, deve reconhecer-se os efeitos típicos das decisões judiciais, não fazendo sentido que se proceda a um novo julgamento da causa. IV - A excepção à referida regra só ocorre se a sentença tiver sido proferida contra pessoa singular ou colectiva de nacionalidade portuguesa, caso em que a impugnação também pode ser fundada na circunstância de que o resultado da acção lhe teria sido mais favorável se o tribunal estrangeiro tivesse aplicado o direito material português, quando por este devesse ser resolvida a questão, segundo as normas de conflitos da lei portuguesa – cf. art. 1100.º, n.º 2, do CPC. V - Em Portugal está consagrado o princípio segundo o qual as sentenças estrangeiras são admitidas a desenvolver na ordem jurídica do foro os efeitos que lhe são atribuídos no sistema jurídico de origem, tendo o Estado Português condicionado a produção de tais efeitos, salvo tratado ou lei especial em contrário, a um conjunto de requisitos sediados nos arts. 1094.º e segs. do CPC. VI - Nas situações em que se pede revisão de uma decisão que decretou o divórcio de um casal, proferida em tribunal estrangeiro, mesmo que a sentença revidenda integre a partilha dos bens do casal, não é legítimo fazer apelo à regra da competência exclusiva dos tribunais portugueses, constante do art. 65.º-A do CPC.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – AA, residente em ......... ......... PI NW .......... DC, Estados Unidos da América, veio requerer contra BB, residente em Rua .......... n.º ..., .........l, .......... Sintra, nos termos dos art. 1094.º e seguintes do Código de Processo Civil, a revisão e confirmação da sentença que decretou o divórcio entre ambos, proferida pelo Tribunal Superior do Distrito de Columbia, nos Estados Unidos da América, em 13 de Janeiro de 2010 e registada definitivamente, porque transitada em julgado, em 25 de Março de 2010. Alega, em síntese, que celebrou casamento com a requerida em 31 de Agosto de 1982, registado em Portugal e que a sentença foi proferida na sequência de um pedido de divórcio apresentado anteriormente à data de 13 de Janeiro de 2010. Conclui, dizendo que estão reunidos todos os requisitos para que seja revista a referida sentença estrangeira e, consequentemente, para a sua confirmação, com as necessárias e legais consequências e, nomeadamente, em sede de registo civil, decretando em Portugal o divórcio entre as partes. Foram juntas certidões da sentença e certidão do casamento dos cônjuges. Devidamente citada, a requerida deduziu oposição, invocando, em síntese: – a sentença que o requerente pretende ver confirmada não se limitou a decretar o divórcio pois igualmente homologou um acordo datado de 23 de Novembro de 2009, acordo este que foi obtido sob coacção da requerida; – no referido acordo, que o requerente nem se digna juntar aos autos, foi partilhado património que constitui bem comum do casal e do qual faz parte um imóvel, sito em território português; – é da competência exclusiva dos tribunais portugueses preparar e julgar as acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre bens imóveis, sitos em território português (art. 65.º- A, al. a) do CPC); – é manifesto que o requerente não limita o seu pedido aos efeitos civis da sentença que decretou o divórcio, pretendendo antes a confirmação da sentença na sua máxima extensão; – não poderá a sentença que decretou o divórcio ser confirmada na sua máxima extensão, como pretende o requerente, nomeadamente no que respeita à homologação daquele acordo, datado de 23 de Novembro de 2009; – a certidão da sentença não está legalizada nos termos do art. 540.º do CPC e nos termos da Convenção de Haia de 5 de Outubro de 1961, relativa à supressão da exigência de legalização dos actos públicos estrangeiros, pelo que não se configura como um documento autêntico, não fazendo prova plena dos factos que refere, razão pela qual se impugna (art. 369.º a 371.º do Código Civil); – sem uma correcta legalização do documento, subsistem dúvidas sobre a autenticidade do documento, razão pela qual a confirmação deve ser recusada; – na acção que correu termos no Tribunal Superior do Distrito de Columbia a causa de pedir é a violação do dever de coabitação entre o requerente e a requerida; – encontra-se a correr na 1.ª secção do Juízo de Família e Menores de Sintra – Comarca da Grande Lisboa – Noroeste, o processo de divórcio litigioso com o n.º 6871/10.5T2SNT, em que são sujeitos o requerente e a requerida, instaurado em 19 de Março de 2010 e sendo a causa de pedir igualmente a violação do dever de coabitação entre ambos, tendo sido citado o requerido; – sendo manifesta a repetição da causa por litispendência, por haver identidade de pedidos, de causa de pedir e de pedido, pelo que deve ser negada a confirmação da sentença; – não foram assegurados os direitos de defesa da requerida, no âmbito da acção que correu termos no Tribunal Superior do Distrito de Columbia, e do qual resultou a sentença cuja confirmação é pedida pelo requerente, pois, devido à sua precária situação económica, não pôde ser devidamente aconselhada nem representada em juízo por mandatário forense, pelo que, ao abrigo do art. 8.º da Convenção de Haia sobre o Reconhecimento de Divórcios e Separação de Pessoas, deve ser recusado o reconhecimento. O requerente respondeu. Foi dado cumprimento ao disposto no art. 1099.º, n.º 1, do CPC. O Ministério Público pronunciou-se no sentido da inexistência de obstáculo legal à confirmação e revisão pretendidas da decisão, pelo que se deveria atender a pretensão. A requerida apresentou as suas alegações, pugnando pela recusa da revisão e confirmação da sentença estrangeira. Também o requerente apresentou alegações a favor da procedência da pretensão. A final, a Relação proferiu acórdão a julgar procedente a acção e, em consequência, a confirmar a sentença, proferida em 13 de Janeiro de 2010, pelo Tribunal Superior do Distrito de Columbia, Estados Unidos da América, e transitada em julgado em 25 de Março de 2010, que decretou o divórcio entre o requerente AA e a requerida BB. Inconformada, interpôs a Requerida recurso de revista, recurso que foi admitido. A Requerida apresentou as suas alegações, formulando as seguintes conclusões: 1. A certidão de sentença junta aos autos não se encontra legalizada nos termos do art. 540.º do Código Processo Civil, conforme o legislador exige para atribuir força probatória a documentos exarados por autoridades públicas estrangeiras, como é o caso da sentença junto aos autos. 2. Tal sentença não se encontra, igualmente, legalizada, nos termos impostos pela Convenção de Haia de 5 de Outubro de 1961 relativa à supressão da exigência da legalização dos actos públicos estrangeiros. 3. Não se encontrando a sentença cuja revisão o Recorrido pretende devidamente legalizada, não configura tal documento um documento autêntico, pelo que deverá ser negada sua confirmação (art. 1096.º, al. a) do Código Processo Civil). 4. Tanto mais que o documento junto com a petição inicial de onde consta a sentença cuja confirmação é requerida é constituída por três folhas, sendo que posteriormente o recorrido juntou diverso documento donde consta outra sentença constituída por quatro folhas, havendo pois dúvidas sobre a sua autenticidade e teor. 5. Acresce que a sentença cuja confirmação o Recorrido pretende, homologa um acordo, acordo este que tem relevantes consequências em sede patrimonial e que o Recorrido não junta aos autos. 6. Sem a junção aos autos do referido acordo não é possível ter conhecimento da real extensão da sentença, cuja confirmação é pretensão do Recorrido 7. A sentença, cuja confirmação o Recorrido pretende, abrange a partilha dos bens adquiridos pela Recorrente durante a constância do matrimónio e dos quais faz parte um imóvel sito em território nacional. 8. Sendo da exclusiva competência dos tribunais portugueses a decisão de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre bens imóveis sitos em território nacional (art. 65.º-A, al. a) do Código Processo Civil). 9. Acresce que nada no pedido formulado pelo Recorrido na petição inicial permite concluir que este pretenda a confirmação da sentença exclusivamente para efeitos civis. 10. Aliás, a utilização do advérbio de modo “nomeadamente” conduz mesmo a que se entenda que este não pretende que a confirmação da sentença se limite aos referidos efeitos civis. 11. Para mais, aquando da propositura da presente acção já se encontrava a correr na 1ª Secção do Juízo de Família e Menores de Sintra – Comarca da Grande Lisboa-Noroeste – processo de divórcio litigioso, sob o processo n.º 6871/10.5T2SNT, acção de divórcio litigioso em que as partes são a Recorrente e o Recorrido, a causa de pedir – a violação do dever de coabitação – é a mesma e o pedido – a decretação do divórcio – também o mesmo. 12. Entre a acção que se encontra a correr na Comarca da Grande Lisboa-Noroeste e a acção que correu termos no Tribunal Superior do Distrito de Columbia, nos Estados Unidos da América há pois identidade de sujeitos, de causa de pedir e de pedido. 13. Verificando-se identidade de sujeitos, de causa de pedir e de pedido, é manifesta a repetição da causa. 14. Deverá pois, também por este fundamento – litispendência –, ser recusada a confirmação da sentença. 15. Ao assim não entender violou o douto acórdão recorrido, por erro de interpretação, os art.ºs 65.º-A, al. a) 140.º, n.º 1, 497.º, 498.º, 499.º, 540.º, n.º 1 e 1096.º, al.s a), c) e d), todos do Código de Processo Civil. Houve contralegações. Cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação II.1. Na Relação foi dada como provada a seguinte factualidade: 1 – O requerente AA e a requerida BB contraíram casamento um com o outro no dia 31 de Agosto de 1982 no Distrito de Columbia, Estados Unidos da América. 2 – O casamento encontra-se registado em Portugal, através do registo n.º 2555, do ano de 1983, da Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa. 3 – Por sentença proferida pelo Tribunal Superior do Distrito de Columbia, Washington, D.C., Estados Unidos da América, datada de 13 de Janeiro de 2010, foi dissolvido por divórcio o casamento entre o requerente e a requerida. 4 – Não foi interposto recurso dessa sentença. 5 – Essa sentença foi registada definitivamente em 25 de Março de 2010. 5 – Consta nessa sentença, além do mais: «No dia 12 de Janeiro de 2010, foi esta acção apresentada em audiência após a petição aqui arquivada e com as partes, conforme a lei, devidamente citadas a comparecer perante o Tribunal, o qual perante a produção de provas apresentadas, fez a seguinte: (…) 4. Que desde 31 de Dezembro de 2005 que as partes têm vivido separadas e longe uma da outra sem coabitação e sem interrupção; e 5. Que nem pensão ou direitos de propriedade deverão ser adjudicados entre as partes, já que as partes deram entrada a um Acordo de Separação datado de 23 de Novembro de 2009; 6. Que não existe uma possibilidade razoável de uma reconciliação deste casamento. Conclusão de Direito Com base na referida Avaliação das Provas, o Tribunal conclui como matéria de direito que: Este Tribunal tem jurisdição sobre as partes e sobre a matéria deste assunto. Que o Requerente, AA tem direito a uma sentença de Divórcio Absoluto da Requerida, BB, fundada no facto de que as partes têm vivido separadas e longe uma da outra sem interrupção nem coabitação por um período de mais de um (1) ano imediatamente anterior ao início desta acção. As partes resolveram todos os assuntos relativos à propriedade conjugal, e o seu acordo está contido em certo acordo escrito datado de 23 de Novembro de 2009, que deverá ser incorporado mas não fundido nesta Sentença, de modo a que continue a existir e seja cumprido como um contrato separado entre as partes. Sentença Por conseguinte, é pelo Tribunal ao 13º dia de Janeiro de 2010 Ordenado, Adjudicado e Decretado que: A. Ao Requerente, AA, seja e por este meio é concedido um Divórcio Absoluto da Requerida, BB, com o fundamento de separação sem interrupção nem coabitação por um (1) ano imediatamente anterior ao início desta acção, ESTIPULANDO, CONTUDO, que esta Sentença deverá tornar-se efectiva para a dissolução dos laços de Casamento trinta (30) dias a seguir ao registo deste decreto ou sentença, a não ser que qualquer das partes requeira a suspensão da execução da sentença junto do Tribunal Superior de Distrito de Columbia ou no Tribunal de Recurso do Distrito de Columbia. Se o requerimento para a suspensão for negado, a sentença passará a definitiva após a entrada do despacho judicial negando a suspensão. Se as partes derem entrada a uma declaração conjunta de renúncia ao direito, a sentença tornar-se-á efectiva para a dissolução dos laços de casamento assim que ambos sentença e declaração conjunta de renúncia ao direito tenham sido registados. B. Que o Acordo entre as partes datado de 23 de Novembro de 2009, e aqui registado como anexo, seja e por este meio é incorporado, mas não fundido, nesta Sentença de Divórcio.» 6. Em 13 de Janeiro de 2010 foi registada no Tribunal Superior do Distrito de Columbia, Washington D.C., Estados Unidos da América, a declaração de renúncia ao direito de recorrer assinada pelo requerente em 12 de Janeiro de 2010 e assinada pela requerida em 13 de Janeiro de 2010. 7. Encontra-se pendente na comarca da Grande Lisboa-Noroeste, Sintra – Juízo de Família e Menores – 1.ª Secção, acção de divórcio instaurada por BB contra AA, tendo a petição inicial dado entrada em juízo em 19 de Março de 2010. II.2. – Como resulta dos artigos 684.º, n.º 4 e 690.º do Código de Processo Civil, as conclusões das alegações delimitam o âmbito do recurso. As únicas questões em discussão são as seguintes: a) se há dúvidas sobre a autenticidade do documento de que consta a sentença a rever; b) se ocorre a excepção de litispendência; c) se o requerente pretende a revisão e confirmação de um acordo homologado na sentença estrangeira de partilha do património comum do casal do qual fazem parte imóveis sitos em Portugal e se tal acordo versa sobre matéria de competência exclusiva dos tribunais portugueses, nos termos do art. 65.º-A, al. a) do CPC, II.3. Em matéria de reconhecimento de sentenças estrangeiras, perfilam-se duas orientações extremas: a da “revisão de mérito e a da “aceitação plena”. No primeiro caso, a recepção de uma sentença impõe uma revisão de mérito, o que implica quase que se ignore o aresto de origem, relegado para a posição de simples fundamento, para que o Estado do foro proceda a julgamento, emitindo a final uma nova decisão de mérito, só esta passando a assumir força de caso julgado com efeito executivo. No segundo caso advoga-se o acolhimento amplo das sentenças estrangeiras, sendo certo que cedo se reconheceu a dificuldade da sua aplicação no estado puro, o que originou a existência de excepções, considerando as peculiaridades dos ordenamentos jurídicos dos países de acolhimento. O nosso sistema de revisão de sentenças estrangeiras inspira-se basicamente no chamado sistema de delibação, isto é, de revisão meramente formal. O que significa que o tribunal, em princípio, se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz a certos requisitos de forma, não conhecendo, pois, do fundo ou mérito da causa. Ou seja, desde que o tribunal nacional se certifique de que tem perante si uma verdadeira sentença estrangeira, deve reconhecer-lhe os efeitos típicos das decisões judiciais, não fazendo sentido que proceda a um novo julgamento da causa (cf. ALBERTO DOS REIS, Processos Especiais, vol. II, reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, p.141). A excepção à referida regra só ocorre se a sentença tiver sido proferida contra pessoa singular ou colectiva de nacionalidade portuguesa, caso em que a impugnação também pode ser fundada na circunstância de que o resultado da acção lhe teria sido mais favorável se o tribunal estrangeiro tivesse aplicado o direito material português, quando por este devesse ser resolvida a questão, segundo as normas de conflitos da lei portuguesa (artigo 1.100.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). Esta excepção não se verifica no caso em apreço. II.4. Ultrapassada esta primeira questão debrucemo-nos ainda sobre o sistema português de revisão de sentenças estrangeiras. Em Portugal está consagrado o princípio, segundo o qual as sentenças estrangeiras são admitidas a desenvolver na ordem jurídica do foro os efeitos que lhe são atribuídos no sistema jurídico de origem. Contudo, o Estado Português condicionou, salvo tratado ou lei especial em contrário, a produção de tais efeitos a um conjunto de requisitos sediados nos artigos 1.094.º e ss. do Código de Processo Civil (diploma ao qual doravante pertencerão os normativos citados, se nada se disser em contrário). Comecemos pela análise dos requisitos de revisão de sentenças estrangeiras e dos pressupostos da sua impugnação, à luz do direito interno português. Nos termos do artigo 1.096.º, a revisão e a confirmação de sentenças estrangeiras depende da verificação dos seguintes pressupostos: – exclusão de dúvida sobre a inteligência da decisão ou sobre a autenticidade do documento que a consubstancia; – trânsito em julgado segundo a lei do país em que foi proferida; – proveniência de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei; – não ser a matéria sobre que verse da exclusiva competência dos tribunais portugueses; – ininvocabilidade de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal português, salvo se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição; – citação regular do réu e observância dos princípios do contraditório e da igualdade das partes; – conteúdo não manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português. Vejamos agora os fundamentos de impugnação dos pedidos de revisão de sentenças estrangeiras, à luz do mencionado regime. Nos termos dos artigos 771.º, alíneas a), c) e f), e 1.100.º, o pedido de revisão de sentenças estrangeiras proferidas contra cidadãos estrangeiros só pode ser impugnado com algum dos fundamentos seguintes: – falta de algum dos requisitos atrás referidos; – existência de sentença criminal transitada em julgado reveladora de que a sentença revidenda foi proferida por prevaricação, concussão, peita, suborno ou corrupção do juiz seu autor; – existência de documento suficiente para modificar a sentença revidenda em sentido mais favorável à parte contrária de que esta não tivesse tido conhecimento ou não tivesse podido dele fazer uso no processo em que foi proferida; – ser a sentença revidenda contrária a outra que constitua caso julgado para as partes formado anteriormente. É, pois, face a estes princípios que será apreciado o caso sub judice. II.5. Sobre a primeira questão disse-se no acórdão recorrido: “Sustenta a requerida que o documento de onde consta a sentença estrangeira não está devidamente legalizado subsistindo dúvidas sobre a sua autenticidade. O art. 365º do Código Civil determina: «1. Os documentos autênticos ou particulares passados em país estrangeiro, na conformidade da respectiva lei, fazem prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal. 2. Se o documento não estiver legalizado, nos termos da lei processual, e houver dúvidas acerca da sua autenticidade ou da autenticidade do reconhecimento, pode ser exigida a sua legalização.». Nos termos do nº 1 do art. 540º do CPC «Os documentos autênticos passados em país estrangeiro, na conformidade da lei desse país, consideram-se legalizados desde que a assinatura do funcionário público esteja reconhecida por agente diplomático ou consular português no Estado respectivo e a assinatura deste agente esteja autenticada com o selo branco consular respectivo.». No domínio da Convenção de Haia de 5 de Outubro de 1961 a legalização do documento faz-se através da aposição duma apostilha pela entidade pública que o Estado de origem para o efeito tenha designado. Em anotação ao art. 365º do Código Civil explicam Pires de Lima e Antunes Varela: «A obrigatoriedade da legalização dos documentos passados em país estrangeiro, na conformidade da lei desse país, foi, em princípio, abolida. Os tribunais, como quaisquer repartições públicas, devem, pois, atribuir a esses documentos todo o seu valor probatório, independentemente de legalização. Esta, porém, pode tornar-se obrigatória, se vierem a suscitar-se dúvidas acerca da sua autenticidade ou da autenticidade do reconhecimento.» (cfr Código Civil anotado, vol, I, 4ª ed, pág. 324 e no mesmo sentido, Ac do STJ de 25/10/1974 – BMJ 240º-199 citado também no Ac do STJ de 8/5/2003 – Proc. 03B1123 – in www.dgsi.pt). Também a este respeito escrevem José Lebre de Freitas, A. Montalvão e Rui Pinto: «A legalização não é indispensável para que o documento passado em país estrangeiro faça prova em Portugal. O art. 365º do CC confere a tal documento, seja autêntico seja particular, desde que elaborado em conformidade com a lex loci, a mesma força probatória que têm os documentos da mesma natureza elaborados em Portugal; e só se houver fundadas dúvidas acerca da sua autenticidade, ou da autenticidade do reconhecimento, é que pode ser exigida a sua legalização nos termos do art. 540º).» (in Código de Processo Civil anotado, Vol 2º, 2ª ed, pág. 474). No caso concreto, a requerida reconhece que o documento junto aos autos com a petição inicial, de fls. 6 a 12 , contém a sentença – a fls. 10 a 12 – que foi proferida pelo Tribunal Superior do Distrito de Columbia, Estados Unidos da América. Além disso, as fls. 10 a 12 estão autenticadas com selo branco onde são visíveis os caracteres «Superior Court District of Columbia» e nesse selo consta também um carimbo com os dizeres «A True Copy Test: Clerk, Superior Court of The District of Columbia», lendo-se ainda, imediatamente abaixo os dizeres: «TIME WITHIN WICH TO PLF APPEAL HAS EXPIRED». Por outro lado, no documento de fls. 124 a 132 a Secção Consular da Embaixada de Portugal em Washington certificou o seguinte: «Primeiro: Que as fotocópias apensas a esta certidão foram extraídas nesta Secção Consular, da cópia certificada do documento original que me foi apresentada, que conferi e devolvi ao apresentante. Segundo: Que ocupa quatro folhas de uma face que levam aposto o selo branco desta Secção Consular e vão por mim rubricadas. Terceiro: Que o original diz respeito à Sentença de Divórcio de AA e BB, emitida pelo Tribunal Superior de Família do Distrito de Columbia, aos 13/07/2010.». É certo que a fls. 6 do documento junto com a petição inicial se refere que a cópia certificada da sentença está exarada em três folhas, nestes termos: «Certifico ser esta uma tradução fiel e correcta, efectuada nesta Chancelaria da Secção Consular da Embaixada de Portugal em Washington, da cópia certificada da Sentença de Divórcio Absoluto, em anexo na língua inglesa, referente a AA e BB, emitida pelo Tribunal Superior do Districto de Columbia, Estados Unidos da América, exarada em três folhas de uma face com as quais está conforme». Porém, como facilmente se verifica pela comparação entre os escritos de fls. 10 a 12 e de fls. 130 a 132, o seu teor é exactamente o mesmo, tratando-se ambos da cópia certificada da sentença proferida em 13 de Janeiro de 2010 pelo Superior Court Of The District of Columbia, Family Court, Domestic Relations Branch e em que são requerente e requerida, respectivamente, AA e BB. Quanto aos escritos de fls. 125 e 129, que não estão traduzidos, não foram juntos com a petição inicial. O teor de fls. 125 é igual ao de fls. 129 e aí se lê, entre o mais: «Court of the District Of Columbia Family Court Domestic Relations (…) Joint waiver of appeal of divorce order/judgement Plaintiff and Defendant each state that: 1. I have received the Divorce Order/Judgement that will be entered in this case. 2. I understand that either party has the right to appeal the Divorce Order/Judgement for up 30 days after the order entered on the court docket. 3. I understand that the divorce is not considered final until this time to appeal has expired unless we both agree to waive our right to appeal. Knowing this, both parties sign below to show that we give up our right do appeal. Respectfully Submited» Nesses escritos consta a assinatura do ora requerente AA imediatamente acima dos dizeres «Plaintiff’s Signature» e a assinatura da ora requerida imediatamente acima dos dizeres «Defendant’s Signature». Na parte superior direita desses escritos está aposto um carimbo com os dizeres: «Family Court Entered on Docket JAN 13 2010 (…)». Está também aposto no escrito de fls. 129 um selo branco onde são visíveis os caracteres «Superior Court District of Columbia» e nesse selo consta também um carimbo com os dizeres «A True Copy Test: 7/13/10 Family Court Clerk, Superior Court of The District of Columbia». Como se disse, não está junta tradução de fls. 125 e 129. Invoca a requerida o art. 139º do CPC para sustentar a obrigatoriedade da tradução desses escritos. Porém, este normativo reporta-se à língua a empregar nos actos judiciais. Portanto, o artigo a considerar não é esse mas sim o 140º do CPC, que prevê: «1 – Quando se ofereçam documentos escritos em língua estrangeira que careça de tradução, o juiz oficiosamente ou a requerimento de alguma das partes, ordena que o apresentante a junte. 2 – Surgindo dúvidas fundadas sobre a idoneidade da tradução, o juiz ordenará que o apresentante junte tradução feita por notário ou autenticada por funcionário diplomático ou consular do Estado respectivo; na impossibilidade de obter a tradução ou não sendo a determinação cumprida no prazo fixado, pode o juiz determinar que o documento seja traduzido por perito designado pelo tribunal.». Como em anotação a este artigo explicam José Lebre de Freitas, A. Montalvão e Rui Pinto: «As peças do processo são escritas em língua portuguesa. Mas tal não impede a junção de documentos pré-constituídos redigidos em língua estrangeira. Já assim era no CPC de 1939, que, diversamente do de 1876, não exigia que o documento nessas condições fosse oferecido acompanhado da tradução para a língua portuguesa: quando a tradução não acompanhasse o documento, o juiz podia ordenar, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, que o apresentante a juntasse, o que ficava ao seu prudente arbítrio, visto que a língua do documento podia ser de tal modo familiar às partes e ao tribunal que a tradução fosse dispensável (Alberto dos Reis, Comentário, cit II, p. 41) (in Código de Processo Civil anotado, Vol 1º, 2ª ed, pág. 256). Ora, da leitura de fls. 125 e 129 apreende-se facilmente que esses escritos não contém a sentença que decretou o divórcio, mas sim e apenas uma declaração assinada pelo requerente e pela requerida renunciando ao direito de recorrerem da sentença, sendo certo que resulta evidente dos autos que a requerida percebe a língua inglesa. Portanto, o teor dos escritos de fls. 125 e 129, onde aliás consta a assinatura da requerida, pode ser atendido nos presentes autos sem necessidade de tradução, tanto mais que em nada contende com o teor da sentença que decretou o divórcio. Perante o que se expôs, não há dúvidas sobre a autenticidade do documento onde consta a sentença a rever e por isso, não se mostra necessário que se proceda à sua legalização nos termos da lei processual através do reconhecimento da assinatura do funcionário do referido Tribunal Superior estrangeiro que emitiu a certidão ou através da apostilha prevista na Convenção de Haia de 5 de Outubro de 1961.” Sobre este ponto nada de particular relevância haverá a dizer, aderindo-se à fundamentação da decisão recorrida, apenas se salientando que o facto de existir uma certidão de três folhas e uma decisão de 4 folhas, não tem qualquer importância, como, de resto, se diz na decisão recorrida, porquanto a folha a mais na certidão de folhas 124 a 132 é o “Joint waiver of appeal of divorce order/judgement”, ou seja, a declaração conjunta de renúncia ao recurso da decisão de divórcio, o que implica o trânsito em julgado desta. É o que consta na sentença na parte em que, na tradução, se lê: “Se as partes derem entrada a um recurso (sic) conjunto de renúncia ao direito a sentença tornar-se-á efectiva para a dissolução dos laços do casamento assim que ambos sentença e recurso conjunto de renúncia tenham sido registados”. E daí que a certidão da sentença faça constar o trânsito em julgado da decisão através da expressão TIME WHITHIN WHICH TO FILE APPEAL HAS EXPIRED, mal reproduzida na decisão recorrida, por o respectivo carimbo estar borratado a fls.12 (mas mais legível a fls. 128 e 132), o que significa que o prazo para recorrer expirou. Não há, assim, fundamento para se não reconhecer à decisão revidenda o valor de documento autêntico. II.6. Quanto à questão da litispendência, comungamos do entendimento sufragado no acórdão recorrido, o qual faz apelo à posição consagrada na jurisprudência e doutrina (vide Ac do STJ de 3.7.2008, Proc. 0B81733 e Ac da RP de 21.9.2010, Proc. 179/08.3YRCBR, ambos em www.dgsi.pt). Como diz ALBERTO DOS REIS (Processos Especiais, II vol., p.169), deve ser negada a confirmação, quando, perante tribunal português, está a correr ou já foi decidida acção idêntica à julgada pela sentença cuja revisão se pede, salvo se, antes de a acção ser proposta em Portugal, já havia sido intentada perante o tribunal estrangeiro. O fenómeno da prevenção da jurisdição, a que se reporta a parte final da aludida al. d), pressupõe, ainda, segundo o mesmo ilustre MESTRE, um caso de competência electiva, isto é, que para a mesma acção sejam simultaneamente competentes dois tribunais diferentes, podendo a acção ser proposta em qualquer deles, à escolha do autor. Na data em que a petição inicial da acção de divórcio deu entrada no Juízo de Família e Menores de Sintra ainda não tinha transitado em julgado a sentença proferida pelo Tribunal Superior de Columbia, pois o mesmo só se deu em 25 de Março de 2010. No entanto, esse tribunal estrangeiro já havia prevenido a jurisdição, pois a acção foi proposta primeiro naquele (a acção que corre termos em Portugal foi proposta em 19 de Março de 2010), sendo que nem sequer se pode invocar a existência de caso julgado relativamente à acção proposta em Portugal. Logo, a pendência da acção no tribunal português não pode obstar à confirmação da sentença revidenda, improcedendo necessariamente a excepção de litispendência. II.7. Invoca, ainda, a recorrente pretender o requerente, com a presente acção, obter a confirmação de um acordo, homologado na sentença revidenda, onde se procede à partilha do património comum do casal, do qual fazem parte imóveis sitos em Portugal e que esse acordo versa sobre matéria de competência exclusiva dos tribunais portugueses, nos termos do art. 65.º-A, al. a) do CPC. Disse-se no acórdão recorrido: “… da leitura da petição inicial e da resposta à oposição é manifesto que o requerente apenas pede a confirmação da sentença que decretou o divórcio. Além disso, nem sequer está junto aos autos qualquer acordo sobre partilha dos bens comuns do casal. Por outro lado, a sentença estrangeira não homologou qualquer acordo sobre partilha dos bens comuns pois apenas ordenou que fosse registado como anexo, considerando-o um contrato separado, um acordo que foi celebrado entre as partes, nestes termos: «As partes resolveram todos os assuntos relativos à propriedade conjugal, e o seu acordo está contido em certo acordo escrito datado de 23 de Novembro de 2009, que deverá ser incorporado mas não fundido nesta Sentença, de modo a que continue a existir e seja cumprido como um contrato separado entre as partes» e «Que o Acordo entre as partes datado de 23 de Novembro de 2009, e aqui registado como anexo, seja e por este meio é incorporado, mas não fundido, nesta Sentença de Divórcio». Sempre se dirá, todavia que a partilha de bens imóveis situados em Portugal feita em tribunal estrangeiro em acção de divórcio não é da competência exclusiva dos tribunais portugueses pois esta acção não pode ser qualificada como uma acção relativa a direitos reais por não estar em causa qualquer litígio sobre esses direitos. Isto é, a partilha dos bens do património comum do casal numa acção de divórcio não tem por finalidade determinar quem é o titular do direito de propriedade ou de outro direito real sobre bens imóveis e assegurar a respectiva titularidade. Assim, inexiste reserva de jurisdição dos tribunais portugueses para a partilha de bens imóveis sitos em território português em acção de divórcio perante tribunal estrangeiro (neste sentido, cfr Ac do STJ de 13/1/2005 – Proc. 04B3808, Ac da RL de 8/3/2007 – Proc. 9936/2006-6, Ac da RL de 24/5/2007 – Proc. 5499/2006-6 e Ac da RC de 3/3/2009 – Proc. 237/07.1YRCBR, todos disponíveis em www.dgsi.pt).” De facto, o A. apenas pede a revisão da decisão de divórcio e o acordo feito entre os cônjuges relativo à propriedade conjugal não é uma parte decisória da sentença, nem sequer havendo homologação, constituindo mero anexo da decisão. O requerente reafirmou nas alegações de fls. 96 e ss, que não pretende outra coisa que não a confirmação da sentença de divórcio e o facto é que nenhuma das partes fez juntar o referido acordo, desconhecendo-se a integralidade do seu conteúdo. Acresce que, mesmo nas situações em que a decisão revidenda integra a partilha dos bens do casal, não é legítimo fazer apelo à regra da competência exclusiva do artigo 65.º-A do CPC, porquanto se deve entender, de acordo com a abundante fundamentação do acórdão de 13.01.2005, acima citado (em cuja esteira se situa o de 21.09.2006, proc. 06P2283, também deste Tribunal e igualmente inserto em www.dgsi.pt) “não ser suficiente para determinar a competência exclusiva dos tribunais portugueses, conforme a alínea a) do art. 65.º-A do CPC, que a acção se prenda indirecta ou acessoriamente com um direito real sobre imóvel, sendo indispensável que este constitua o objecto ou fundamento a título de causa de pedir, com vista a assegurar a titularidade do sujeito respectivo”. O que torna dispensável ponderar especificamente a suscitada questão da competência exclusiva dos tribunais portugueses, por prejudicada pelo que anteriormente se disse. III – Termos em que se acorda em negar a revista e em confirmar a decisão recorrida. Custas pela recorrente. Lisboa, 12 de Julho de 2011 Paulo Sá (Relator) Garcia Calejo Hélder Roque