I. O thema decidendum no presente recurso é a apreciação da matéria de direito do Acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, que deferiu a extradição do Recorrente para a República Federativa do Brasil, aí acusado por crimes de “estelionato”. II. Numa linha, o Recorrente, a finalizar as suas Conclusões, requereu audiência. Não cumpriu, assim, o determinado pelo art. 411, n.º 5 do CPP. O Recorrente foi já ouvido (em 29/7/2021), e vastamente tendo explicitado os seus pontos de vista, que se encontram, ex abundantia, esclarecidos. De qualquer forma, não cumpriu os requisitos legais, não havendo especificado os pontos da motivação do recurso que desejaria ver debatidos. III. Alega omissão de pronúncia (máx. XXIII, XXIV e XXV das Conclusões). Porém, a invocação de omissão de pronúncia não pode ser genérica, mas, ao invés, deve ser muito específica. Cf., v.g., Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 27/10/2010, proferido no Proc.º n.º 70/07.0JBLSB.L1.S1: “VII - (…) Na impugnação da matéria fáctica não basta mera referência ou indicação genérica dos pontos de facto e das provas dissonantes, mas deve especificar-se os concretos pontos de facto e as concretas provas que impõem decisão diversa.” Está bastante sedimentada a jurisprudência sobre alegadas e não verificadas omissões de pronúncia. Cf. Acs. STJ de 07-04-2016, Proc. 6500/07.4TBBRG.G2.S3, de 31-05-2016, de 15-02-2017, Proc. 3254/13.9TBVCT.G1.S1, de 22-01-2019, Proc. 432/15.0T8PTM.E1.S1; de 10-02-2020, Proc. nº 35/18.7GBVVC. E1.S1; de 14-05-2020, Proc. n.º 498/18.0YRLSB.S1. Em suma, só há omissão de pronúncia quando o Tribunal deixou de se pronunciar sobre questões essenciais sobre que se deveria ter pronunciado (e não é uma tautologia), mandando até o princípio da economia processual e o de minimis… que se não perca nas florestas de enganos, ou nas selvas oscuras de algumas profusas e tautológicas ou derivativas argumentações, verdadeiros caminhos de floresta, que, por vezes, nem levam onde julgam conduzir (Holzwege) – sendas perdidas. Não avaliando aqui o caso concreto, a verdade é que as questões essenciais (ainda que, eventualmente, em certos casos, em termos hábeis ou de forma implícita em alguns elementos do iter) foram todas respondidas. IV. O fulcro das alegações do Recorrente, que não deixa de chamar de forma impressiva a atenção dos julgadores, mormente pela dramaticidade do horizonte que convoca (no limite prefigurando, prevendo, temendo, o seu próprio assassinato – o que corresponde a uma grave espada de Dâmocles) é, afinal de contas, uma nova questionação da matéria de facto. E não relevam significativamente, na argumentação, os factos por que se encontra acusado no Brasil (configurando crimes de estelionato – entre nós, burla), mas o espetro de futuras vinganças, retaliações, ou afins, que o Recorrente associa a uma sua atividade civicamente legítima, eventualmente com contornos também políticos e ideológicos, que latamente se poderia integrar no âmbito de uma sua alegada denúncia de “corrupção”. V. Porém, o Supremo Tribunal de Justiça não pode arvorar-se em tutor da qualidade do respeito pelos Direitos de países que Portugal reconhece como parceiros (nomeadamente na CPLP) e a que velhos laços, sempre renovados, dão o epíteto de irmãos. Sobretudo se as ameaças de desrespeito concreto dos mesmos Direitos são apenas conjeturais e potenciais. A questão (tal argumentário, mutatis mutandis) não é nova, nem sequer perante este Supremo Tribunal de Justiça. V. Ac. STJ de 16/5/2019, citado aliás pelo Acórdão recorrido. VI. Conforme o n.º 1 do art.º 3.º da Convenção de extradição entre os Estados-Membros da CPLP, apenas não haverá lugar a extradição nos casos aí mencionados. Nenhum deles se verifica aqui. VII. E é liminarmente relevante a impossibilidade de conhecimento da matéria de facto, de novo posta em causa, sob o manto da omissão de pronúncia, que, porém, não ocorreu. Cf. art. 434 do CPP VIII. A decisão de extradição é feita com o escrupuloso respeito por cuidados quanto à ordem jurídica que requer a extradição. Evidentemente, fala-se no plano da Constituição formal e da ordem jurídica formal. Não seria curial agir de outra forma, seguindo uma narrativa de conjetura e alarme. Extraditar o recorrente pretende dar-lhe oportunidade de pleitear a sua inocência perante Tribunais, ou de, se for o caso, pagar a sua dívida à sociedade. Não é levá-lo ao mundo da corrupção e do assassínio, mas colocá-lo na esfera da Justiça que, certamente, para mais sabendo dos seus receios (e do escândalo que seria se porventura viesse a ter razão), não deixará de devidamente o proteger. IX. Além de que, como é sabido, tendo o Brasil, tal como Portugal, subscrito a Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP, está aquele país obrigado a respeitar a regra da especialidade, segundo o qual uma vez entregue o requerido este não poderá ser perseguido, detido, julgado ou sujeito a qualquer outra restrição da liberdade por qualquer facto anterior à entrega diferente daquele que motivou a sua extradição – art. 14.°, n.° 1 da Convenção e art.° 16.° da Lei 144/99. X. Assim, a Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, Lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal, aplica-se, segundo o art. 1.º, n.º 1, al. a) à extradição. E o art.º 3.º indica hierarquia normativa. Assim sendo, o normativo que se aplica, neste caso, antes de mais, é a respetiva Convenção da CPLP (Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), que teve o seu início de vigência relativamente a Portugal em 01/03/2010, e fora aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 49/2008, de 15/09, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 67/2008, de 15/09. E só na sua insuficiência se aplicará o diploma em causa, e subsidiariamente as normas do CPP. Portanto, a invocação de outros diplomas só pode ter um efeito muito subsidiário, eventualmente como fontes hermenêuticas inspiradoras (fontes mediatas). E sobretudo não parece de forma alguma proceder uma invocação contraditória com o julgado e a ele alternativa, nomeadamente da Constituição Portuguesa, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, etc., contra a Convenção da CPLP. XII. Deve presumir-se que o Tribunal da Relação ponderou atenta e gravemente o que se encontra em jogo. E não teria agido de ânimo tão leve que se viesse no futuro a ter de conformar com um possível resultado trágico da sua decisão (que viesse a dar, ainda que parcialmente, apenas razão ao cenário pintado pelo Recorrente), ao não ter qualquer dúvida na sua decisão. Não ficou, pois, persuadido, dos factos alegados nem dos argumentos apresentados, e no seu juízo não demonstrou qualquer vacilação ou vício que nos permitisse sem temeridade alterar a sua decisão. Porquanto, não se pode olvidar que a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça é, por norma, parcimoniosa e prudente, sobretudo de verificação da justeza das operações judicatórias das instâncias. Tal é muito óbvio na verificação da proporcionalidade das penas, mas não deixa de ser um pano de fundo e timbre de uma forma de intervenção (cf., de entre inúmeros, AC. STJ de 2010-09-23, proferido no Proc.º n.º 10/08.0GAMGL.C1.S1). XII. A Justiça não pode claudicar no seu exercício diuturno e normal, nem recuar com medo de que eventuais ou conjeturais injustiças (“a coragem é uma virtude democrática”, relembra Wolfram Eilenberger), em situação patológica, a possam vir a atacar ou aos que julga e assim também protege. Mesmo que possa haver situações residuais e eventuais derivas na vigência das respetivas ordens jurídicas, os Estados, para mais ligados por tratados internacionais de cooperação, têm a obrigação de honrar os seus compromissos (como sublinha enfaticamente Monique Chemillier-Gendreau), e, no caso da cooperação judiciária, jamais podem ser os Tribunais a furtar-se a isso. Obviamente que sempre no respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, mesmo dos cidadãos arguidos, ou acusados ou condenados, naturalmente. Defendendo o Direito e os Direitos. Com confiança na Justiça. XIII. Tudo considerado, pois, reitera-se que não houve qualquer omissão de pronúncia, nem poderá ser reapreciada a matéria de facto (a matéria de facto provada e não provada não permite subscrever a narrativa do Recorrente), dado não se verificar nenhum dos vícios considerados no art. 410, n.° 2, do CPP. Acresce não se vislumbra existir em qualquer ordenamento jurídico alternativo aos considerados, com correta aplicação ao caso, base que sustente a pretensão concreta de não extradição (nem ao nível internacional, nem europeu, nem interno, nomeadamente constitucional). Mas ao cumprir-se o direito convencional que obriga do Estado Português (e o Brasileiro), em nada se contraria quaisquer daqueles ordenamentos. E obviamente não foi apenas o direito convencional o aplicado ao longo do Processo, foi também a Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, o CPP, direito nacional e aplicado conforme a referida hierarquia normativa vigente. Mantém-se, assim, o Acórdão recorrido e a decisão de extradição.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I Relatório 1. O cidadão brasileiro AA, na qualidade de extraditando, é o Recorrente nos presentes autos. É natural ..., ...– República Federativa do Brasil (e mais desenvolvidamente identificado nos autos), encontrando-se em Portugal detido, na sequência de Pedido de Detenção Provisória, com vista à extradição e atos a ele subsequentes. 2. O Pedido de Detenção Provisória veio acompanhado de cópia do pedido de extradição emitido em 9/7/2021 pela República Federativa do Brasil – Ministro da Justiça e da Segurança Pública/ Tribunal de Justiça ...– Comarca …, para efeitos de procedimento criminal contra o requerido pelas condutas descritas no aludido requerimento, puníveis com a pena máxima de cinco anos de prisão e multa. 3. Tendo o extraditando sido detido em 2/7/2021, pelas 2h30, na Cidade ..., procedeu-se à sua audição no dia 2/7/2021, tendo-lhe sido dado conhecimento dos fundamentos de facto e de direito do pedido de extradição formulado pela autoridade brasileira, vindo o extraditando a manifestar a sua oposição ao pedido de extradição, declarando, ainda, não renunciar ao princípio da especialidade. 4. O Tribunal da Relação do Porto deferiu o pedido de detenção provisória, determinando que o requerido aguardasse os ulteriores termos processuais em detenção provisória, nos termos do art.º 39 da Lei n.º 144/99, por verificação dos pressupostos da prisão preventiva, conforme previsto nos artigos 202, n.º 1, a) e 204, a), ambos do Código de Processo Penal. 5. Após ter sido apresentado o pedido formal de extradição às autoridades portugueses, Sua Excelência, a Sr.ª Ministra da Justiça, por despacho datado de 21/7/2021, considerou admissível o pedido de extradição (cfr. fls. 116 e 117). 6. O Ministério Público, em 23/7/2021, veio junto deste Tribunal requerer “nos termos dos artigos 49.º e seguintes da Lei n.º 144/99, de 31/8 e da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, de 23 de novembro de 2005” o cumprimento do pedido de extradição do cidadão AA, nos termos e com os fundamentos que se transcrevem: “1.º A Mm.ª Juíza … Vara da Comarca ... – Estado ..., depois de ter decretado a prisão preventiva do requerido, emitiu, no dia 20.04.2021, um mandado de detenção internacional, em virtude de ser imputada ao requerido a prática dos seguintes factos: (transcrição) “Quanto aos fatos em investigação, infere-se do caderno investigatório, em síntese, que o investigado AA, através de operações “Day Trade”, prometia lucros mensais em aplicações exorbitantes, cujo “lucro” aparecia nas primeiras operações, induzindo as vítimas a investirem cada vez mais. Todavia, os pagamentos começaram a atrasar e as vítimas não conseguiram obter devolução dos valores “investidos”, girando o prejuízo em torno de R$ 12.000.000,00 (doze milhões de reais). Registra-se, por oportuno, que nos autos da ação cível PJE …86-……. em resposta a solicitação deste juízo a B3 respondeu que no período de 17/12/2020 a 21/05/2021 não existiram extratos de movimentações e negócios por parte de J... Intermediações Lda”. Os factos que fundamentam o pedido foram praticados entre julho de 2019 e 14 de março de 2021. São identificadas como vítimas: Instituto Turismo e Transporte, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, LL , MM e NN. 2.º Os factos que lhe são imputados integram vários crimes de estelionato, em concurso formal, previstos nos art.s 70.º e 171.º do Código Penal Brasileiro, sendo cada um deles punível com uma pena de um a cinco anos de reclusão e multa. 3.º E também previstos e igualmente puníveis, pelo menos, pelos arts. 217.º e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do Código Penal Português. 4.º Não corre perante os tribunais portugueses qualquer processo criminal contra o extraditando pelos mesmos factos que fundamentam o presente pedido de extradição. 5.º As autoridades brasileiras solicitam a extradição do requerido, para efeitos de procedimento criminal, ao abrigo da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua portuguesa, de 23 de novembro de 2005. 6.º O pedido formal de extradição apresentado às autoridades portuguesas pelas autoridades brasileiras satisfaz os requisitos dos arts. 1.º a 4.º e 10.º da citada Convenção de Extradição e art. 31.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, tendo a Senhora Ministra da Justiça, por despacho de 21 de julho de 2021, considerado o mesmo admissível e autorizado o seu prosseguimento. 7.º O extraditando foi detido no dia 02.07.2021, pelas 02.30 horas, em virtude de, a pedido das autoridades brasileiras, ter sido requerida a sua detenção com vista à extradição. 8.º E apresentado para audição judicial, neste Tribunal da Relação do Porto, foi validada e mantida a sua detenção provisória, por despacho de 02.07.2021, nos termos do disposto nos arts. 38.º e 62.º e ss. Da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto e 202.º, n.º 1, al. a) e 204.º, alínea a), ambos do Código de Processo Penal. 9.º Tendo o prazo máximo da detenção provisória sido prorrogado por 40 dias após o seu início, por despacho judicial de 16.07.2021, verificados que foram os condicionalismos previstos nos arts. 38.º, n.º 5, 63.º, n.º 3 e 64.º, n.ºs 2 e 3 todos da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto. 10.º Este Tribunal da Relação do Porto é o competente para decretar a extradição, nos termos do art. 49.º, n.º 1 da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto. Assim, considerando o disposto nos artigos 1.º, 2.º, n.º 1, 6.º, 8.º, 13.º da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, de 23 de novembro de 2005 e o disposto nos art.ºs. 3.º, 31.º, 49.º e 50.º da Lei n.º 144/99, de 31/8, requer-se que, D. e A.: a) Se sigam os ulteriores termos do processo, a que se reportam os art.ºs. 51.º e ss e 62.º e ss da mesma Lei (tendo-se em consideração, particularmente, o que prescreve o art. 63.º, n.º 4, quer quanto aos prazos processuais – 1ª parte – quer quanto ao novo prazo a quo da detenção do extraditando – 2ª parte); b) Que sejam apensos aos autos de validação de detenção – Processo n.º 150/21……, da 1ª Secção deste Tribunal; c) Concedendo-se, a final, a extradição do referido cidadão brasileiro para o Brasil. Mais se requer que, visto o disposto no art.º 204.º, al. a) do Código de Processo Penal, seja mantida a medida de detenção provisória do extraditando, em virtude de ser a única capaz de assegurar a efectiva entrega do mesmo às autoridades brasileiras.”. 7. Foi ainda ouvido o extraditando, nos termos do artigo 54 da Lei, n.º 1 da Lei 144/99, de 31 de agosto, o qual, para além de não ter abdicado da regra da especialidade, não consentiu na sua extradição para a República Federativa do Brasil e não renunciou à fase judicial do processo, tendo sido mantida a medida detentiva aplicada. 8. O Extraditando foi notificado para deduzir oposição por escrito, no prazo de oito dias, nos termos previstos no disposto no artigo 55º, da citada Lei nº144/99. Viria, com efeito, a deduzir oposição ao pedido de extradição, apresentado prova documental e invocando, em súmula, o seguinte: “O Extraditando é pessoa de bem e requer a V. Excelência a sua Não Extradição pelos fundamentos supra invocados, sob pena de ao não se decidir assim, se estar a decretar a sua SENTENÇA DE MORTE, com a qual teremos de viver amarguradamente no nosso pensamento, algo que é absolutamente desnecessário do ponto de vista da Defesa, sendo perfeitamente justificável o não decretamento da Extradição, ao abrigo da proteção dos denunciantes de casos de corrupção, e do respeito pelas normas previstas pela nossa Constituição, na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e legislação conexa com esta matéria. A presente peça processual não visa discutir os factos alegadamente vertidos no inquérito judicial que corre termos na Comarca ... (….) mas, à luz dos Preceitos Constitucionais e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, evitando que o Direito à Vida possa ser posto em causa por expedientes menos corretos por parte de quem os implementou. Todo o acervo probatório que aqui se apresenta, demonstra claramente a Verdade dos factos narrados pelo Extraditando em sede de Audição perante V. Excelência. O Extraditando opõe-se legitimamente à sua Extradição por considerar que existem fundadas razões que será submetido a tratamentos cruéis e degradantes, e à própria morte, seja pelo terror que se vive no sistema prisional, seja pelo poder desenfreado das autoridades policias cujo apoio provém do Presidente da República Federativa do Brasil que incentiva à prática de violência sobre os Cidadãos, e apoia as Milícias, com aliás, é do conhecimento Público. Observe-se o disposto no artigo 3º da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984) Artigo 3º §1. Nenhum Estado Membros procederá à expulsão, devolução ou extradição de uma pessoa para outro Estado, quando houver razões substanciais para crer que a mesma corre perigo de ali ser submetida a tortura. §2. A fim de determinar a existência de tais razões, as autoridades competentes levarão em conta todas as considerações pertinentes, inclusive, se for o caso, a existência, no Estado em questão, de um quadro de violações sistemáticas, graves e maciças de direitos humanos. É este o caso do Brasil... TERMOS EM QUE, Requer a V. Excelência, a admissão da presente Oposição, devendo ser declarada a não extradição do Extraditando AA, pelos fundamentos supra alegados e em consequência ser ordenada a emissão de mandado de soltura. Ser aplicada medida de coação não detentiva da liberdade e que seja adequada e proporcional às necessidades cautelares, por forma a responder a todos os quesitos do inquérito judicial em curso, através de carta rogatória e sempre com respeito pela presunção da sua Inocência.”. 9. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de a oposição deduzida ser julgada improcedente e de ser concedido provimento ao pedido, invocando para tanto, em síntese, o seguinte: “1. Ao abrigo da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP, a República Federativa do Brasil solicitou ao Estado Português, extradição do referido cidadão na sequência do Mandado de Detenção Internacional contra ele emitido em 20/4/2021 pela Tribunal do Município ..., Estado ..., para efeitos de procedimento criminal, pela prática de factos– descritos naquele pedido e que aqui se dão como inteiramente reproduzidos - que integram crimes de estelionato, em concurso formal, previstos nos art.s 70.º e 171.º do Código Penal Brasileiro, sendo cada um deles punível com uma pena de um a cinco anos de reclusão e multa. 2. Os factos pelos quais é pedida a entrega do requerido constituem, igualmente, infração punível pela Lei Portuguesa como crime de burla, p. e p. pelos arts. 217.º e 218.º, n.ºs 1 e 2- a) do Código Penal Português, com pena de prisão de 1 a 8 anos, pelo que, independentemente dos seus elementos constitutivos ou da sua qualificação, se verifica a dupla incriminação dos factos. 3. Por despacho de 21/7/2021, a Ministra da Justiça declarou admissível o pedido de extradição apresentado pela República Federativa do Brasil. 4. No dia 29/7/2021 procedeu-se, neste Tribunal da Relação, à sua audição e nesse ato, o requerido opôs-se à sua entrega às autoridades brasileiras e requereu prazo para deduzir a sua oposição por escrito, tendo-lhe sido concedidos, para tal, 8 dias para fundamentar a sua oposição, o que veio fazer invocando: Correr perigo de sujeição a tratamentos cruéis e degradantes ou perigo de vida. A cooperação ser solicitada para o perseguir em razão das suas convicções. O processo penal brasileiro não respeitar as exigências da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais nem outros instrumentos internacionais relevantes nessa matéria, ratificados por Portugal. 5. Acaba por reconduzir os fundamentos da sua oposição às causas de recusa de cooperação previstas no art.º 6º, nº 1- a), b), c) e e) da Lei 144/99, de 31 de Agosto. Porém, 6. A pessoa reclamada não tem nacionalidade portuguesa. 7. Não se trata de crime de natureza política ou de crime militar. 8. Não há violação da Convenção dos Direitos do Homem. 9. Não há qualquer motivo para suspeitar que a extradição tenha sido solicitada para perseguir o extraditando, em virtude da sua raça, sexo, nacionalidade, língua, convicções políticas ou ideológicas ou por pertencer a determinado grupo social 10. O julgamento não será feito por tribunal de exceção. 11. O crime imputado ao extraditando é punível quer pela lei brasileira. quer pela lei portuguesa, com pena de prisão superior a um ano, não sendo punível com pena de morte ou de prisão perpétua 12. E não foi instaurado em Portugal procedimento criminal pelos mesmos factos. 13. Na realidade, ao extraditando é imputada a prática de factos suscetíveis de integrar crime de estelionato previsto nos art.s 70.º e 171.º do Código Penal Brasileiro. 14. Tal crime não tem, assim, natureza política, nem se vislumbra em que medida o pedido de extradição do requerido possa ter por finalidade a sua perseguição ou punição em razão da sua etnia ou da sua alegada convicção ideológica ou religiosa. 15. Por outro lado, o julgamento não será feito por tribunal de exceção, mas por tribunais ordinários, e o processo penal brasileiro oferece garantias de respeitar as condições internacionalmente reconhecidas como indispensáveis à salvaguarda dos Direitos do Homem (Reserva formulada na Resolução da Assembleia da República n° 28/89 e art.º 6° n° 1. a), da Lei n° 144/99). 16. Acresce que tendo o Brasil, tal como Portugal, subscrito a referida Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP, está aquele país obrigado a respeitar a regra da especialidade, segundo o qual uma vez entregue o requerido este não poderá ser perseguido, detido, julgado ou sujeito a qualquer outra restrição da liberdade por qualquer facto anterior à entrega diferente daquele que motivou a sua extradição – art.° 14°, n° 1 da Convenção e art.° 16° da Lei 144/99. 17. Tal princípio da especialidade afasta, também, o perigo de ao requerido poder vir a ser aplicada pena de prisão de carácter perpétuo ou de duração indefinida. 18. Razão por que não se verificam - a nosso ver - qualquer dos fundamentos alegados pelo requerido na sua oposição [art.° 6° n° 1-a), b) c) da L 144/99] e que determinem a recusa (obrigatória) da sua extradição. Pelo exposto, e porque inexiste qualquer fundamento normativo de recusa de cumprimento do presente pedido de extradição, deve negar-se provimento a qualquer das pretensões formuladas pelo extraditando, decretando-se a sua entrega às justiças da República Federativa do Brasil para procedimento criminal.”. 10. Tendo dado com provados factos fundamentadores da extradição, e como não provados factos que poderiam eventualmente a ela ser prejudiciais, ou mesmo impeditivos, à luz do direito convencional e dos Direitos Humanos em geral (como se verá infra), o Tribunal da Relação do Porto decidiu, em suma, que: “Nos termos e pelas razões invocadas, acordam as juízas que integram o Tribunal de turno da Relação do Porto em julgar procedente o pedido de extradição formulado pela República Federativa do Brasil, determinando-se a entrega do cidadão de nacionalidade brasileira AA às autoridades judiciárias brasileiras para procedimento criminal, nos moldes requeridos e delimitados por esta decisão. Decide-se, ainda, pela manutenção da medida de detenção provisória, mantendo-se válidos e atuais os pressupostos que estiveram subjacentes à sua aplicação, mostrando-se tal medida necessária para prevenir o perigo de fuga e assegurar a efetiva entrega do extraditando às autoridades brasileiras (cfr. o art.º 52.º da Lei n.º 144/99, de 31/8)”. 11. Inconformado, AA interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído as suas longas e veementes alegações com as seguintes Conclusões: “I AA, na qualidade de Extraditando, adiante designado como Recorrente, é natural ..., ...– República Federativa do Brasil. II Em 02 de Julho do corrente Ano, foi detido pela Polícia Judiciária Portuguesa, em cumprimento de mandado de detenção internacional emitido pelo Tribunal do Município ..., Estado ..., sua Terra Natal. III Por Despacho da Ex.ma Senhora Juíza Desembargadora, datado de 02.07.2021, exarada a fls. 36 e 37, foi decidida a aplicação da sua detenção provisória, fundamentada nos termos do artigo 39º da Lei 144/99 de 31 de Agosto, sujeita ao limite normal de 18 dias, excepcionalmente prorrogáveis até 40 dias. IV Por Despacho proferido a 16.07.2021 pelo Ex.mo Senhor Juíz Desembargador, foi prorrogado o prazo da referida detenção provisória, pelo prazo de 40 dias, após o seu início, para aguardar a recepção do pedido de Extradição, nos termos do artigo 38º, nº 5, da lei 144)) de 31 de Agosto. V Procedeu-se à sua Audição nos termos do artigo 54º da lei 144/99 de 31 de Agosto. VI O Extraditando, no final da referida Audição declarou não aceitar a sua extradição e por conseguinte, opôs-se ao pedido de Extradição peticionado pela … Vara Cível, Criminal e da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Estado ..., por considerar estar a ser vítima de perseguição deste Tribunal que, alegadamente, serve os interesses pessoais de várias personalidades que foram alvo de denuncias de corrupção ao mais alto nível do Município .... VII Nessa mesma Oposição apresentou prova documental (prints de mensagens, reportagens jornalísticas sobre o caso em questão e áudios que fundamentam a sua Oposição. VIII Lamentavelmente, não foi nenhuma desta prova analisada e por conseguinte valorada pelas Senhoras Juízes Desembargadoras que simplesmente adoptaram uma visão formalista e positivista do Direito, concluindo, afirmando que: “Os crimes imputados ao extraditando configuram delitos comuns e não podem ser reputados de “crimes políticos”. IX Por outro lado, o julgamento não será efetuado por um tribunal de “excepção”, nem se verifica qualquer motivo para suspeitar que a extradição tenha sido solicitada para perseguir o requerido, em virtude da sua raça, sexo, nacionalidade, convicções políticas ou ideológicas, ou por pertencer a determinar grupo social – ou sequer que a sua situação processual seja agravada por qualquer das razões atrás indicadas. X Como observa o Exmo. Procurador-Geral Adjunto na resposta apresentada a fls. 202/205, o extraditando acaba por reconduzir os fundamentos da sua oposição às causas de recusa de cooperação previstas no art.º 6.º, n.º 1, alíneas a), b), c) e e), da Lei n.º 144/99, de 31/8. XI Porém, ao extraditando é imputada a prática de factos suscetíveis de integrar crime (ou crimes) de estelionato, previsto nos artigos 70.º e 171.º do Código Penal Brasileiro. Tal ilícito não tem, assim, natureza política, nem se vislumbra em que medida o pedido de extradição do requerido possa ter por finalidade a sua perseguição ou punição em razão da sua alegada convicção ideológica ou por “vendeta” pessoal. XII Por outro lado, e como já observámos, o julgamento não será feito por tribunal de exceção, mas por tribunais ordinários, e o processo penal brasileiro oferece garantias de respeitar as condições internacionalmente reconhecidas como indispensáveis à salvaguarda dos Direitos do Homem. XIII Acresce que tendo o Brasil, tal como Portugal, subscrito a referida Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP, está aquele país obrigado a respeitar a regra da especialidade, segundo o qual uma vez entregue o requerido este não poderá ser perseguido, detido, julgado ou sujeito a qualquer outra restrição da liberdade por qualquer facto anterior à entrega diferente daquele que motivou a sua extradição – art.° 14., n.° 1 da Convenção, e art.° 16.° da Lei 144/99. XIV Tal princípio da especialidade afasta, também, o perigo de ao requerido poder vir a ser aplicada pena de prisão de carácter perpétuo ou de duração indefinida. Para os fundamentos que convoca, o extraditando aporta razões de natureza institucional e organizacional, quais sejam as condições em que se processa o cumprimento de penas no sistema prisional, com evidentes sinais de superlotação das prisões e as degradantes condições como os presos são tratados. XV Como salienta o acórdão do STJ de 16/5/2019 2, a propósito de uma situação com contornos idênticos aos do presente caso, “As condições de estada nas prisões brasileiras tornar-se-ia, segundo parece fazer crer, o recorrente, um ponto de antinomia e frágua relativamente ao sistema sedimentado em Portugal orientado para a reinserção social e a reintegração do individuo no meio social de que provém. […] XVI Porém, a lei não prevê a interdição ou negação do pedido de extradição para as situações em que as situações de prisão que o extraditando terá de enfrentar no seu país não são as mais adequadas e condizentes com a dignidade humana. […].”. XVII O requerido invoca que, caso seja extraditado, será alvo de retaliações na decorrência das denúncias que efetuou, designadamente contra um ex-prefeito ..., havendo sérios riscos de ver afetada a sua integridade física e até a sua vida, o que, contudo, não fica demonstrado. Como se salienta no mencionado acórdão do STJ de 16/5/2019, “Alegar que o sistema prisional que está instalado no Estado requerente padece de mazelas e deficiências que o permitem qualificar como um sistema caótico, desregrado, anómico, coactivo, violento e desapiedado não integra a causa de recusa inscrita no direito convencionado interestadual nem pan-estadual. XVIII Não colhe, por isso, como fundamento da pretensão recursiva a alegação de que o sistema prisional não oferece condições de reinserção e reintegração compatíveis com a pauta civilizada dos direitos humanos.”. XIX Consideramos, assim, que não se encontra comprovada a existência de qualquer fundamento normativo de recusa de cumprimento do presente pedido de extradição, negando-se provimento a qualquer das pretensões formuladas peld. itando e decretando-se a sua entrega à justiça da República Federativa do Brasil, para procedimento criminal. XX Decide-se, ainda, pela manutenção da medida de detenção provisória, mantendo-se válidos e atuais os pressupostos que estiveram subjacentes à sua aplicação, mostrando-se tal medida necessária para prevenir o (real) perigo de fuga e assegurar a efetiva entrega do extraditando às autoridades brasileiras (cfr. o art.º 52.º da Lei n.º 144/99). XXI O Recorrente não se conforma com tal Decisão, e por conseguinte, recorre do Acórdão proferido pelo Tribunal “ad quem”, por considerar que o mesmo não analisou a prova que foi junta com a Oposição e por tal facto considerar o recorrente que, houve OMISSÃO DE PRONÚNCIA. XXII A análise e conhecimento de toda a prova era fundamental por forma a comprovar o alegado pelo recorrente em sede de Oposição e caso tivesse a mesma sido analisada criteriosamente, necessariamente, culminaria numa Decisão Conforme o Direito e não seria com toda a certeza decidida a extradição do recorrente/ extraditando. XXIII O recorrente considera ter havido OMISSÃO DE PRONÚNCIA, face á ausência de decisão sobre questões que a lei impõe que sejam conhecidas, que abrange quer as questões de conhecimento oficioso, quer as questões colocadas à apreciação do tribunal pelos sujeitos processuais. XXIV Esta omissão de pronúncia é geradora de nulidade pois não respondeu a cada um dos motivos, argumentos, usados pelo interveniente. XXV Deverá, portanto, ser declarada a nulidade do Acórdão proferido pela Relação. XXVI Igualmente grave, é o facto de o Tribunal da Relação do Porto ter proferido Decisão de extraditar o recorrente quando, da análise da prova junta aos autos resultar claramente que não se verificam os pressupostos da extradição – artigo 55º, nº 2 da Lei 144/99 de 31 de Agosto, devendo o pedido de cooperação ser recusado por verificação das alíneas a), b) c) e e) do artigo 6º da Lei 144/99 de 31 de Agosto, pelo facto do processo de Extradição requerido não satisfazer e não respeitar: a) as exigências da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950. b) os instrumentos internacionais relevantes nessa matéria, ratificados por Portugal pois, está em claro risco a Vida Humana do Extraditando, como adiante se comprovará. XVII Apresentou o recorrente, prova mais do que suficiente e credível no sentido de demonstrar que existem ainda fundadas razões para crer que a cooperação é solicitada com o fim de perseguir e punir uma pessoa em virtude da sua convicção política e ideológica, uma vez que o Extraditando denunciou, em data anterior à investigação encetada contra a sua pessoa, queixas crimes de corrupção. XXVIII Existe, de facto, o risco de agravamento da situação processual Recorrente, sendo que dos factos a que respeitam pode resultar lesão irreversível da integridade física da pessoa, ou seja, perigo de Vida, nomeadamente pela insegurança que se vive naquele País e que é notícia diária e de há décadas, sendo do conhecimento público o terror que se vive no sistema penitenciário e nas cadeias de todo o Brasil. XXIX O Recorrente considera que a Decisão da relação do Porto não teve em conta a análise da prova que foi junta e que levaria necessariamente a uma Decisão contrária à que ali foi proferida, ou seja, recusado o pedido de Extradição. XXX Passa a demonstrar a V. Excelências o porquê de recorrer de um Acórdão proferido pelo Tribunal “ad quem”, que inusitadamente não teve a diligência de analisar a prova documental que foi junta com a Oposição, e ter desconsiderado em absoluto toda a Jurisprudência Europeia, e a própria Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nomeadamente o seu artigo 3º, e decidido apenas sobre o ponto de vista formal , descurando em absoluto que o que aqui está em causa é a perseguição de um denunciante de corrupção que, merece toda a protecção e segurança a ser assegurada pelo Estado Requerido, Portugal. XXXI As Senhoras Juízes Desembargadoras que se encontravam de turno no Tribunal da Relação do Porto, não diligenciaram no sentido de ler e ouvir toda a prova que se encontra junto aos autos e que foi junta com a oposição escrita tempestivamente apresentada. XXXII apelar a V. Excelência que, muito embora exista uma Convenção com os Países da CPLP em matéria de Extradição, se lembre este venerando Tribunal da Relação do Porto que esta é uma Decisão Judicial destinada a proteger a Vida Humana de um Cidadão e não uma Decisão Convencional. XXXIII É o mal quando se mistura tudo… Língua portuguesa com matéria judicial e ainda por cima com matéria delicada como esta em que ao abrigo de uma Convenção, negociamos extradições com Países do terceiro Mundo como o Brasil em que não se respeitam os Direitos Humanos, nomeadamente os direitos dos detidos e dos reclusos, tendo dos piores senão o pior sistema penitenciário do Mundo, onde os homicídios são uma constante e a contração de doenças é absolutamente assustadora. XXXIV E se V. Excelências considerarem que do ponto de vista formal a Convenção por ter força de um tratado internacional deve prevalecer sobre qualquer Lei, então, salvo o devido respeito, entendam V. Excelências que esta é matéria de exclusiva decisão judicial e que deve ser negada a extradição do Cidadão AA, por respeito ao Direito à Vida previsto não só na Constituição da República Portuguesa, mas também na Convenção Europeia dos Direitos do Homem. XXXV Requer-se a V. Excelências a visualização e audição de todo este acervo probatório que ora se junta, por forma a ficar percebido o que atrás se expôs, estando certo que após a sua visualização/ audição, V. Excelências verificaram que tudo o que afirma o Extraditando espelha a mais pura das verdades e que de facto, a sua Vida Humana está em risco se for extraditado para o Brasil, país que como acima se referiu não respeita os Direitos Humanos nas Penitenciárias e nas Prisões e que está minado de corrupção por todos os lados, não garantindo a segurança e um processo justo e equitativo dada a influência que OO tem na Comunidade …, sendo um amigo/ conhecido e querido pelo Delegado de Polícia, o qual requereu a prisão preventiva do Extraditando e sendo amigo da Juíz que emitiu o mandado de detenção e de prisão preventiva e que vem com total descaramento só porque lhe é permitido usar a Convenção da CPLP para prender um cidadão de bem sabendo que o seu destino é a morte. XXXVI Perante toda esta factualidade e analisada toda a prova documental que se anexou à Oposição, nomeadamente todos os prints e áudios, se percebe claramente que o extraditando não tem condições para ser extraditado. E mesmo que V. Excelência exija determinadas garantias, estas, num País como o Brasil, quer queiramos quer não, serão desrespeitadas, basta ver a corrupção que existe naquele País, na necessidade das forças policiais andarem com coletes à prova de balas, munidos com armas de exército, transportando-se me carros blindados e com um sistema prisional considerado por muitos o pior do Mundo, com cadeias sobrelotadas, com execuções sumárias, decapitações, imolações, violações, agressões físicas graves, tortura, coacção, execuções a pedido do exterior. XXXVII O Brasil não é um País Europeu, não é um país desenvolvido do ponto de vista da civilização, e dos Direitos Humanos. XXXVIII É um país que tem milhões de cidadãos que não têm qualquer respeito pela Vida Humana. XXXIX A corrupção é um cancro que envergonha aquele País, basta vermos as notícias diárias de corrupção entre polícias, de execuções sumárias a pedido dos corruptores, de corrupção na política, no favorecimento pessoal em larga escala, no tráfico de droga e no que isso alimenta, desde a prostituição, ao tráfico de seres humanos, ao tráfico de armas, à miséria humana que caracteriza esse país. XL Veja-se aqui em Portugal e nomeadamente nesta Cidade ..., o fluxo de imigração de Cidadãos Brasileiros que relatam terem fugido literalmente de um País que está na miséria, com uma desvalorização da moeda assustadora, sem regras de controlo da pandemia de COVID-19, com o apelo do Presidente da República daquele País ao desrespeito pelas normas sanitárias, da sobrelotação das cadeias e dos homicídios entre reclusos, da política de justiça penitenciária em combater a sobrelotação das cadeias mandando reclusos para casa sob medida de vigilância electrónica à distância. XLI Conforme os dados do CNMP, o Brasil tinha, até 2018, 729.949 presos, mas só 437.912 vagas. Superlotação de 166%, portanto. E só naquele ano 1.424 pessoas morreram enquanto estavam encarceradas. XLII E nós, portugueses, celebramos Convenções com países como este, de 3º Mundo, apenas porque falamos todos a língua portuguesa. XLIII Caso V. Excelência entenda que deve dar primazia à Convenção da CPLP, pergunta-se se a Vida Humana e os Direitos previstos na Convenção Europeia dos Direitos do Homem não estarão acima desta Convenção. XLIV Pois aqui trata-se da mesma situação. O Brasil embora não seja um País que oficialmente tenha pena de morte, é um país que não respeita os Direitos dos seus presos, é um País ultra corrupto e que para se eliminar fisicamente uma pessoa bastam meia dúzia de Reais!!! o Extraditando peticionando a V. Excelência a visualização das seguintes notícias: LINK: QUESTÃO DE IMAGEM Corte italiana nega extradição de advogado por má condição das prisões brasileiras - S…...Advogados (s…..advocacia.adv.br) O Tribunal de Apelação …, na Itália, negou pedido de extradição do brasileiro PP para o Brasil. De acordo com decisão unânime do dia 3 de julho, o Estado brasileiro não tem condições de garantir que os direitos fundamentais do advogado, que também é cidadão português, serão respeitados dentro do sistema carcerário. O processo transitou em julgado no dia 3 de setembro e não cabem mais recursos. Segundo esse acórdão, o sistema carcerário brasileiro é notoriamente degradante e desrespeitoso com os direitos fundamentais dos presos. A decisão cita alguns dos casos de rebeliões em presídios que terminaram com decapitações de presos, a superlotação da maioria das prisões e a decisão do Supremo Tribunal Federal brasileiro reconhecendo o “estado inconstitucional de coisas” do sistema carcerário. Ainda, p.f. clicar no LINK abaixo CDHM apresenta relatório na ONU sobre violações de direitos humanos | Partido dos Trabalhadores (pt.org.br) XLV O relatório “Direitos Humanos no Brasil em 2019”, será (foi) apresentado na 42ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, em Genebra, na Suíça, e foi organizado pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM). O documento aponta de forma detalhada, em 26 itens, uma série de números e exemplos que mostram a falta de compromisso do atual governo com os direitos humanos, além de não cumprir orientações de organismos internacionais. O objetivo da iniciativa é evidenciar o quadro extremamente crítico dos direitos humanos no Brasil, explicou o presidente da CDHM, deputado Helder Salomão (PT-ES), que participa da missão, de 16 a 20 se setembro. “Esperamos que ao lado de autoridades do sistema ONU e da comunidade das nações possamos encontrar soluções a esses desafios”, afirmou. A deputada Erika Kokay (PT-DF) também participa da missão em Genebra. “Direitos Humanos no Brasil 2019” mostra o caminho contrário do governo federal em relação às recomendações da Revisão Periódica Universal (RPU). São 26 pontos tratando, por exemplo, do genocídio da juventude negra, letalidade policial e execução sumária; a situação do sistema carcerário e os massacres; extinção dos mecanismos de controle e participação social; violência no campo; desigualdade racial; violência contra as mulheres; redução das políticas de drogas, saúde mental e HIV/Aids e ataques à preservação do meio ambiente. A seguir, alguns exemplos do material que será apresentado na ONU. “Execuções sumárias defendidas por altas autoridades!. O relatório exemplifica a defesa de execuções sumárias por Wilson Witzel, governador do Rio de Janeiro, que tem feito afirmações como “tiros na cabecinha” quando se refere ao assassinato de suspeitos em ações da polícia militar. Também posta fotos empunhando armas potentes ou participando de tiroteios em helicópteros e defende a ação de “snipers”, atiradores de elite. A ONG Redes da Maré divulgou relatório contabilizando as mortes nos primeiros meses do governador, no conjunto de 16 favelas que formam a Maré. Foram 21 operações policiais com 15 mortos, 14 delas ocorreram em ações com uso de helicóptero. Outras 12 mortes foram causadas por dez confrontos entre grupos armados. Em todo o ano de 2018, 16 operações com 19 mortos. A ONG afirma que todas as mortes tinham indícios de execução”. Já o presidente Jair Bolsonaro defende a aprovação da excludente de ilicitude, dizendo que com ele bandidos “vão morrer na rua igual barata”. A ampliação das hipóteses de excludente de ilicitude – a exclusão da culpabilidade de agentes de segurança pública que venham a cometer homicídios, o que é uma verdadeira “licença para matar” – é proposta pelo Poder Executivo, que enviou ao Congresso Nacional um “pacote anticrime”, desenhado pelo Ministro da Justiça, o ex-juiz QQ. Essa medida atingirá, principalmente, a população pobre que mora nas periferias”. “Tortura” “Em junho deste ano o presidente Jair Bolsonaro extinguiu o Mecanismo Nacional de Combate e Prevenção à Tortura (MNPCT). Os onze profissionais que trabalhavam no colegiado foram demitidos. O MNPCT foi criado em 2013 dentro do Sistema Nacional de Combate e Prevenção à Tortura e fazia parte do acordo para adesão do Brasil ao Protocolo Facultativo à Convenção Contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes da Organização das Nações Unidas (ONU), do qual o País é signatário desde 2007. O Presidente da República é, aliás, um entusiasta da tortura. Com afirmações como “Pau-de-arara funciona. Sou favorável à tortura, tu sabe disso. E o povo é favorável também.” (1999). “Se tivéssemos agido como a Colômbia, com humanismo, teríamos uma FARC no coração do Brasil e graças aos militares não temos” (2018). “Errar, até na sua casa, todo mundo erra. Quem nunca deu um tapa no bumbum do filho e depois se arrependeu? Acontece.” (2018). “O erro da ditadura foi torturar e não matar.” (2018). “Ninguém tem prova de nada (…) Suicídio acontece, pessoal pratica suicídio”. (2018). XLVI Se tais referências não bastassem, por último, a denuncia pública feita pelo insigne jornalista , Editor do Jornal Folha de São Paulo, e comentador da rádio Band News,, aquando da sua crónica de 03.08.2021 (P.F. usar LINK: https://youtu.be/RhwYfpBq3BY em que refere, aliás, acusa, o Presidente Jair Bolsonaro de ser apoiante das Milícias o mesmo que assassinos a soldo – numa clara prova de que Direitos Fundamentais como o Direito à Vida, não são respeitados no Brasil, sabendo-se, como é largamente noticiado nos media, que os seu filhos poderão estar ligados às milícias no Reio de Janeiro e eventualmente implicados na morte a tiro da Vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, também activista de Direitos Humanos, poderemos confiar que perante atis afirmações, e com os elementos anexos aos presentes autos, os Tribunais Brasileiros apliquem a Justiça ou permitam que o Extraditando seja enviado para a Morte Certa (aliás Jair Bolsonaro é defensor da pena de morte – ver P.F. a sua afirmação no Senado constante da crónica consultável no LINK acima citado). XLVII Perante este cenário socio-politico, o Extraditando nunca poderá ter no seu país, um processo justo e equitativo, nunca irá ver a sua integridade física respeitada, correndo um enorme risco de Vida. XLVIII Estará Portugal, considerado o 3º País mais seguro do Mundo, habilitado a assegurar todos os Direitos previstos na Constituição da República e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ou a assegurar que o inquérito judicial da … Vara da Comarca de ... se faça através de carta rogatória, (como aconteceu com o nosso Ex-Deputado RR, acusado do Homicídio de SS) e assim decorra com todas as garantias Constitucionais? XLIX Portugal tem toda a capacidade, e as condições para assegurar aquilo que por vezes ninguém atribui grande relevância que, é a Presunção da Inocência, Princípio Basilar do Direito, o Direito a um Julgamento Justo e equitativo com profundo respeito pelos Direitos, Liberdades e Garantias dos Cidadãos, sejam eles nacionais ou estrangeiros. L O Extraditando é pessoa de bem e requer a V. Excelência a sua Não Extradição pelos fundamentos supra invocados, sob pena de ao não se decidir assim, se estar a decretar a sua SENTENÇA DE MORTE, com a qual teremos de viver amarguradamente no nosso pensamento, algo que é absolutamente desnecessário do ponto de vista da Defesa, sendo perfeitamente justificável o não decretamento da Extradição, ao abrigo da protecção dos denunciantes de casos de corrupção e do respeito pelas normas previstas pela nossa Constituição, na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e legislação conexa com esta matéria. LI A preesnte peça processual não visa discutir os factos alegadamente vertidos no inquérito judicial que, corre termos na Comarca ...... mas, à luz dos Preceitos Constitucionais e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, evitar que o Direito à Vida possa ser posto em causa por expedientes menos correctos. LII Todo o acervo probatório que aqui se apresenta demonstra claramente a Verdade dos factos narrados pelo Extraditando em sede de Audição perante V. Excelência. LIII Extraditando opõe-se legitimamente à sua Extradição por considerar que existem fundadas razões que o Extraditando será submetido a tratamentos cruéis e degradantes, seja pelo terror vivido no sistema prisional, seja pelo poder desenfreado das autoridades policiais cujo apoio provém do presidente da república Federativa do Brasil que incentiva à prática de violência sobre os Cidadãos e apoio de Milícias, com aliás, é do conhecimento Público. LIV O TEDH, desde o acórdão Soering c. Reino Unido, de 7-07-1989, considera que os Estados podem incorrer em responsabilidade se decidirem extraditar uma pessoa que corra o risco de ser sujeita a tratamentos desumanos no Estado requerente, jurisprudência que reafirmou posteriormente em muitos outros acórdãos, neste domínio devendo ser de ponderar a qualidade da garantia do Estado requerente de que os direitos do extraditando serão respeitados e a confiança que merece a prática seguida pelas autoridades requerentes. LV Tendo em vista apreciar da existência desse risco, o Tribunal pondera as consequências previsíveis do reenvio do extraditando para o Estado requerente, tendo em vista a situação geral no país e das circunstâncias específicas do requerente, sendo que, quanto às circunstâncias gerais no país, o Tribunal atribui relevância a relatórios recentes oriundos de associações internacionais independentes de defesa dos direitos do homem ou de fontes governamentais, mas sem que se deva entender em si contrária ao mencionado direito a mera possibilidade de abuso resultante de condições instáveis num país, recaindo sobre o requerente o ónus de produzir os elementos de prova suscetíveis de demonstrar que há razões sérias para crer que, se a decisão autorizando a extradição for executada, ele ficará exposto a um risco real de sofrer tratamentos contrários aos previstos no art.º 3.º da Convenção. LVI No caso de o Estado requerente oferecer garantias diplomáticas, assegurando o respeito dos direitos humanos relativamente ao extraditando, as mesmas constituem um fator pertinente a que o Tribunal atende, embora possam não ser suficientes para garantir uma proteção satisfatória contra o risco de maus LVII tratos, sendo necessário verificar se as mesmas prevêem na sua aplicação prática, uma garantia bastante de que o extraditando se mostra protegido do risco de maus tratos, sendo o valor a atribuir a tais garantias dependente das circunstâncias específicas de cada caso e em cada momento. LVIII No caso concreto, não se provam factos que conduzam à conclusão de que o extraditando será sujeito a um processo que não oferece garantias jurídicas de um procedimento penal respeitador das condições internacionalmente reconhecidas como indispensáveis à salvaguarda dos direitos do homem ou que o cumprimento da respectiva pena ocorrerá em condições desumanas. LIX recusa, por desrespeito às exigências da CEDH, nomeadamente dos seus arts. 3.º (Proibição da tortura) e 6.º (Direito a um processo equitativo), como previsto na al. a) do artigo 6.º da Lei 144/99, de 31-08. LX Observe-se o disposto no artigo 3º da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984): Artigo 3º §1. Nenhum Estado Membros procederá à expulsão, devolução ou extradição de uma pessoa para outro Estado, quando houver razões substanciais para crer que a mesma corre perigo de ali ser submetida a tortura. §2. A fim de determinar a existência de tais razões, as autoridades competentes levarão em conta todas as considerações pertinentes, inclusive, se for o caso, a existência, no Estado em questão, de um quadro de violações sistemáticas, graves e maciças de direitos humanos. É este o caso do Brasil!!! LXI Não restam dúvidas que o Recorrente não deve ser Extraditado. LXII A CEDH garante a qualquer cidadão relevando da jurisdição dos Estados Membros, nomeadamente, o direito a um processo equitativo (artigo 6.º), e o direito a não ser submetido a torturas nem a penas e tratamentos desumanos e degradantes (artigo 3.º), podendo o Estado Português incorrer em responsabilidade internacional, no caso de autorizada a extradição de uma pessoa para um país onde existem razões para acreditar que ela será submetida a um tratamento contrário ao artigo 3.º, porquanto o Estado que extradita expõe o indivíduo a um risco de tratamento contrário ao disposto na referida norma. LXIII Nesse sentido, o n.º 2 do artigo 19.º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia expressamente consagra que «ninguém pode ser (…) extraditado para um Estado onde corra sério risco de ser sujeito a pena de morte, a tortura ou a outros tratos ou penas desumanos ou degradantes». LXIV O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), como se referiu no anterior acórdão deste Supremo Tribunal proferido nos autos, desde o acórdão Soering c. Reino Unido, de 7 de julho de 1989, considera que os Estados podem incorrer em responsabilidade se decidirem extraditar uma pessoa que corra o risco de ser sujeita a tratamentos desumanos no Estado requerente, jurisprudência que reafirmou posteriormente em muitos outros acórdãos, neste domínio devendo ser de ponderar a qualidade da garantia do Estado requerente de que os direitos do extraditando serão respeitados e a confiança que merece a prática seguida pelas autoridades requerentes. LXV Tendo em vista apreciar da existência desse risco, o Tribunal pondera as consequências previsíveis do reenvio do extraditando para o Estado requerente, tendo em vista a situação geral no país e das circunstâncias específicas do requerente, sendo que, quanto às circunstâncias gerais no país, o Tribunal atribui relevância a relatórios recentes oriundos de associações internacionais independentes de defesa dos direitos do homem ou de fontes governamentais, mas sem que se deva entender em si contrária ao mencionado direito a mera possibilidade de abuso resultante de condições instáveis num país, recaindo sobre o requerente o ónus de produzir os elementos de prova suscetíveis de demonstrar que há razões sérias para crer que, se a decisão autorizando a extradição for executada, ele ficará exposto a um risco real de sofrer tratamentos contrários aos previstos no artigo 3.º da Convenção. LXVI Pelo exposto, o Tribunal não interpretou, nem aplicou correctamente a Lei e descurou porque nem sequer analisou toda a prova junta aos autos, bem com assim toda a jurisprudência Europeia. LXVII Nos termos supra alegados, deve se declarada a nulidade do Acordão proferido, que ordenou a Extradição do recorrente e ser substituída por outra que declare a não extradição do recorrente. Mais requer a V. Exas. a audição dos mandatários em alegações orais. TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E POR VIA DELE, SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA E, EM CONSEQUÊNCIA, SER DECLARADA A NÃO EXTRADIÇÃO DO RECORRENTE, FAZENDO-SE ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA.” 12. A Resposta do Ministério Público, que não veio articulada com Conclusões proprio sensu, foi essencialmente a seguinte: “O recorrente AA vem impugnar o acórdão de 12 de Agosto de 2021, do Tribunal da Relação do Porto, exarado nos autos de extradição em epígrafe, fazendo-o nos termos e com os fundamentos que ressumam das extensas conclusões da sua motivação de recurso. Em essência, entende que o acórdão recorrido, que decretou a sua extradição para a República Federativa do Brasil, padece de nulidade por omissão de pronúncia, pois, a seu ver, não teria conhecido de todas as questões que estava obrigado a conhecer. Mas aproveita este declarado fundamento do recurso para voltar à carga com todo o argumentário da oposição que oportunamente deduzira contra o pedido de extradição, parecendo almejar que o Supremo Tribunal de Justiça volte a apreciar a matéria de facto que carreara para a referida oposição. Cremos que o recurso está votado ao insucesso. É patente, desde logo, que não existe qualquer omissão de pronúncia. De acordo com o artigo 379.°, n° 1, alínea c), do Código de Processo Penal, há omissão de pronúncia quando o tribunal não se debruça sobre questões que devesse apreciar - cf. também os artigos 615.°, n.° 1, alínea d), e 608.°, n.° 2, do Código de Processo Civil. O que interessa, nesta matéria, é que o tribunal resolva todas essas questões, não se lhe impondo que aborde todos os factos, argumentos, considerações ou razões produzidos pelas partes em abono dos seus pontos de vista. Nas palavras do saudoso Professor Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra Editora, 1984, reimpressão, pgs. 143, são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão. A questão, ou questões, se quisermos, que o recorrente, na sua oposição, colocara ao tribunal, radicam numa aventada existência de pressupostos que conduziriam à denegação da extradição. Pois bem, a leitura do acórdão permite constatar que foi emitida pronúncia sobre todos esses invocados pressupostos, tendo o tribunal concluído pela sua improcedência, aliás de forma sustentada e bem fundada, quer à luz da Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto, quer à luz da Convenção de Extradição celebrada entre os Estados da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Curiosamente, o recorrente não identifica as questões concretas que alegadamente ficaram por conhecer e chega até a afirmar que a imputada omissão de pronúncia se traduz na falta de resposta a cada um dos motivos, argumentos usados pelo interveniente - ponto 11 do corpo da motivação do recurso - ou que consiste na falta de análise de todas as provas oferecidas com a oposição - conclusão XXI da motivação. Ora, já vimos que isto não constitui omissão de pronúncia. Não há, pois, qualquer nulidade por omissão de pronúncia, pelo que soçobra este fundamento do recurso. Como assinalámos supra, o recorrente volta a esgrimir, na motivação do recurso, todo o argumentado usado na sua oposição ao pedido de extradição, o que sugere a pretensão de ver amplamente reapreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça a matéria de facto que carreara para a referida oposição. Salvo melhor juízo, esta pretensão carecerá de fundamento. A regra plasmada no artigo 434. ° do Código de Processo Penal é a de que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, apenas sendo admissível, em sede de matéria de facto, e no que ora interessa, a abordagem restrita permitida pelo artigo 410. °, n.° 2 , do Código de Processo Penal. Ou seja, pode o Supremo Tribunal de Justiça conhecer oficiosamente dos vícios previstos naquele artigo 410. °, n.° 2, do Código de Processo Penal, o que se justifica ante a necessidade de evitar uma decisão de direito tolhida por qualquer desses vícios (insuficiente matéria de facto, erro de apreciação da prova ou contradição insanável). Neste sentido, ver, v.g., o acórdão do STJ, de 19.09.2007, Processo 07P3338, relatado por Raul Borges, acessível através de www.dgsi.pt. Só que, também nesta parte, perscrutando a decisão recorrida, não se vislumbra que padeça de qualquer daqueles vícios previstos no artigo 410.°, n.° 2, do Código de Processo Penal, por forma a caucionar uma incursão do Supremo Tribunal pela matéria de facto. Igualmente por este prisma, a pretensão do recorrente está fadada ao insucesso, naufragando também este fundamento encapotado do recurso. Em suma e em conclusão, mostram-se insubsistentes os argumentos esgrimidos pelo recorrente na sua motivação, pelo que deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se integralmente o acórdão recorrido, o que é de justiça.” Sem vistos, dada a presente situação pandémica, cumpre apreciar e decidir em conferência. II Do Acórdão recorrido Particularmente relevantes se afigura o seguinte segmento fáctico do Acórdão recorrido, sem prejuízo, como é óbvio, da atenção que merece a integralidade do mesmo: “1. Da matéria de facto. Da prova junta aos autos mostram-se assentes, com pertinência para a decisão, os seguintes factos: a. No âmbito do processo n.º ..…84-….400, que corre termos no Juízo …Vara da Comarca ..., a autoridade Brasileira solicita ao Estado Português a extradição de AA, melhor identificado supra, cidadão de nacionalidade Brasileira, para efeitos de procedimento criminal, por se encontrar indiciado como autor de crimes de estelionato, p. e p. pelo art.º 171.º do Código Penal Brasileiro, crimes puníveis com pena de 1 até um máximo de 5 anos de prisão e, ainda, com pena de multa, por factos praticados entre julho de 2019 e 14 de março de 2021. b. Tais factos consubstanciam-se na circunstância de o extraditando ter induzido, de forma fraudulenta, diversas vítimas a investirem determinadas quantias pecuniárias através de operações “Day Trade”, prometendo-lhes lucros avultados, acabando por causar-lhes, intencionalmente, um prejuízo global na ordem dos doze milhões de reais. c. As infrações em causa não são puníveis na República Federativa do Brasil com pena de morte, nem com prisão perpétua. d. O extraditando apresentou uma denúncia junto do Promotor de Justiça da Comarca ... contra BB e TT, sendo o último ex-prefeito da .... Factos não provados: a. Que o pedido de extradição insere-se no objetivo de silenciar o extraditando; b. Caso seja entregue à justiça Brasileira o extraditando será submetido a tratamentos cruéis e degradantes e à própria morte.” III Fundamentação A Questões Processuais Prévias 1. Não se vislumbram quaisquer motivos que impeçam o conhecimento do recurso por este Supremo Tribunal de Justiça. 2. É consensual que, sem prejuízo do conhecimento oficioso de certas questões legalmente determinadas – arts. 379, n.º 2 e 410, n.º 2 e 3 do CPP – é pelas Conclusões apresentadas em recurso que se recorta ou delimita o âmbito ou objeto do mesmo (cf., v.g., art. 412, n.º 1, CPP; v. BMJ 473, p. 316; jurisprudência do STJ apud Ac. RC de 21/1/2009, Proc. 45/05.4TAFIG.C2, Relator: Conselheiro Gabriel Catarino; Acs. STJ de 25/3/2009, Proc. 09P0486, Relator: Conselheiro Fernando Fróis; de 23/11/2010, Proc. 93/10.2TCPRT.S1, Relator: Conselheiro Raul Borges; de 28/4/2016, Proc. 252/14.9JACBR., Relator: Conselheiro Manuel Augusto de Matos). 3. O thema decidendum no presente recurso é a apreciação da matéria de direito do Acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, que deferiu a extradição do Recorrente para a República Federativa do Brasil. B Do requerimento de Audiência 1. Numa linha, o Recorrente, a finalizar as suas Conclusões, requer audiência: “Mais requer a V. Exas. a audição dos mandatários em alegações orais.” O Recorrente não cumpriu, assim, o determinado pelo art. 411, n.º 5 do CPP. E tal basta para indeferir a sua pretensão nesta questão. Não se crê, entretanto, que haja prejuízo para o princípio do contraditório que a apreciação e decisão seja feita em Conferência. Contudo (quod abundat non nocet), ocorrerá a este propósito citar o Ac. deste STJ de 11-01-2018, no Proc.º n.º 1331/17.6YRLSB.S1, Relator: Conselheiro Manuel Augusto de Matos: “Citando o acórdão deste Supremo Tribunal de 05-12-2012, proferido no processo n.º 105/11.2TBRMZ.E1-A.S1 – 3.ª Secção: «“(…) VIII – O princípio do contraditório tem no moderno processo penal o sentido e o conteúdo das máximas audiatur et altera pars e nemo potest inauditu damnari (cf. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1974, p. 149 e ss.). O princípio, que tem conteúdo e sentido autónomo, impõe que seja dada a oportunidade a todo o participante processual de ser ouvido e de expressar as suas razões antes de ser tomada qualquer decisão que o afecte; nomeadamente para que o acusado possa ter a efectiva possibilidade de contrariar e contestar as posições da acusação. IX – Na construção convencional, o contraditório, colocado como integrante e central nos direitos do acusado (apreciação contraditória de uma acusação dirigida contra um indivíduo), tem sido interpretado como exigência de equidade, no sentido em que ao acusado deve ser proporcionada a possibilidade de expor a sua posição e de apresentar e produzir as provas em condições que não lhe coloquem dificuldades ou desvantagens em relação à acusação. X – O princípio do contraditório tem, assim, uma vocação instrumental da realização do direito da defesa e do princípio da igualdade de armas: numa perspectiva processual, significa que não pode ser tomada qualquer decisão que afecte o arguido sem que lhe seja dada a oportunidade para se pronunciar; no plano da igualdade de armas na administração das provas, significa que qualquer um dos sujeitos processuais interessados, nomeadamente o arguido, deve ter a possibilidade de convocar e interrogar as testemunhas nas mesmas condições que aos outros sujeitos processuais (a “parte” adversa). Ou, em outra formulação mais abrangente e que contemple diversas especificidades do sistema processual, a possibilidade e o modo de administrar as provas devem ser idênticos para todos os sujeitos, seja o MP, o assistente ou o arguido. (…)” No mesmo sentido, veja-se o douto acórdão proferido pelo STJ no processo n.º 65/14.8YREVR.S1, em 09-07-2015. E ainda no mesmo sentido, veja-se também o douto acórdão proferido pelo STJ no processo n.º 796/16.8YRLSB.S1, em 29-03-2017. Revertendo ao caso dos autos, mostra-se cumprido o princípio do contraditório, tendo o Extraditando sido ouvido nos autos em 5 de Setembro de 2017, tendo sido notificado em 27 de Outubro de 2017 para deduzir oposição ao pedido de extradição e tendo-a deduzido e apresentado documentos, sem requerer diligências de prova, tendo sido notificado da resposta do Ministério Público (alegações) e para alegar, querendo, em 5 dias, tendo apresentado alegações com as quais juntou documentos. Ou seja, foi-lhe sempre concedido o direito de exercer o contraditório sobre a posição do Ministério Público. Assim, por não haver qualquer diligência de prova a realizar, não havia lugar à realização de Audiência de Julgamento, não tendo, pois, ocorrido qualquer omissão de notificação ao Recorrente, por parte do Tribunal “a quo”. O princípio do contraditório mostra-se devidamente assegurado, visto que ambas as partes (acusação e defesa) foram ouvidas sobre as mesmas questões antes de ser produzida decisão, sendo que o Extraditando foi o último a intervir no processo. Ao invés do invocado pelo Recorrente, os autos demonstram que não houve qualquer violação do artigo 32º n.ºs 1, 2, 3, 5, 7 e 10 da Constituição Portuguesa, bem como dos artigos 64º n.º 1 alíneas c), d), g) e h), 312º n.º 1 alínea b) e 332º n.º 1, todos do Código de Processo Penal, tendo sido respeitados os princípios da ampla defesa, do contraditório e da paridade de armas». Esta argumentação não pode deixar de merecer a nossa concordância. O princípio do contraditório – com assento constitucional no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República – impõe que seja dada oportunidade a todo o participante processual de ser ouvido e de expressar as suas razões antes de ser tomada qualquer decisão que o afecte, designadamente que seja dada ao acusado a efectiva possibilidade de contrariar e contestar as posições da acusação. Conforme é entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência, o princípio do contraditório reconduz-se ao facto de nenhuma prova dever ser aceite, nem nenhuma decisão dever ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar. Como ensina FIGUEIREDO DIAS, o princípio do contraditório apresenta-se como a «oportunidade conferida a todo o participante processual de influir, através da sua audição pelo tribunal, no decurso do processo» [7]. Nas palavras de MARIA JOÃO ANTUNES, «de acordo com o princípio do contraditório, toda a prossecução processual deve cumprir-se de forma a fazer ressaltar as razões da acusação e da defesa», decorrendo também deste princípio «o dever de ouvir qualquer sujeito do processo penal ou mero participante processual quando deve tomar-se qualquer decisão que pessoalmente o afecte». E, «quando perspectivado da parte do arguido – acrescenta a mesma autora – este princípio é uma das garantias de defesa que o processo criminal lhe deve assegurar (artigo 32.º, n.º 1, da CRP)», integrando o se (do arguido) estatuto processual, «ao qual são reconhecidos, em qualquer fase do processo, os direitos processuais de estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito, de ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte e de intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo diligências que se lhe afigurem necessárias»[8]. O princípio do contraditório, consagrado no artigo 32.º, n.º 5, da CRP, consiste, pois, para além do direito à defesa, no direito de o arguido – mas também dos demais intervenientes processuais – de contradizer ou de se pronunciar sobre as alegações, as iniciativas, os actos ou quaisquer atitudes processuais da autoria dos outros sujeitos processuais. Sendo que a decisão do juiz só pode ser proferida após ouvir todo o participante nos autos relativamente ao qual tome decisão que processualmente o afecte. Na situação de onde emerge a questão de que agora nos ocupamos, entendemos que o princípio do contraditório foi integralmente respeitado em todo o procedimento não tendo, de forma alguma, sido postergado com a realização do julgamento em conferência no Tribunal da Relação, o mesmo sucedendo com o seu julgamento, em conferência, no âmbito do presente recurso. Improcede, assim, o recurso nesta parte.” Tal como improcede nos presentes autos, porquanto o Recorrente foi já ouvido (dizem os autos que em 29/7/2021), e vastamente tendo explicitado os seus pontos de vista, que se encontram, ex abundantia, esclarecidos. De qualquer forma, não cumpriu os requisitos legais, não havendo especificado os pontos da motivação do recurso que desejaria ver debatidos. C Da Alegada Omissão de Pronúncia e consequente pretendida Nulidade 1. Consta das Conclusões da Motivação do Recurso do Recorrente essencialmente que: “XXIII O recorrente considera ter havido OMISSÃO DE PRONÚNCIA, face á ausência de decisão sobre questões que a lei impõe que sejam conhecidas, que abrange quer as questões de conhecimento oficioso, quer as questões colocadas à apreciação do tribunal pelos sujeitos processuais. XXIV Esta omissão de pronúncia é geradora de nulidade pois não respondeu a cada um dos motivos, argumentos, usados pelo interveniente. XXV Deverá, portanto, ser declarada a nulidade do Acórdão proferido pela Relação.” 2. A invocação de omissão de pronúncia não pode ser genérica, mas muito específica. Veja-se, por exemplo, este trecho do Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 27/10/2010, proferido no Proc.º n.º 70/07.0JBLSB.L1.S1 (Relator: Conselheiro Pires da Graça): “VII - (…) Na impugnação da matéria fáctica não basta mera referência ou indicação genérica dos pontos de facto e das provas dissonantes, mas deve especificar-se os concretos pontos de facto e as concretas provas que impõem decisão diversa.” 3. Está bastante sedimentada a jurisprudência sobre alegadas e não verificadas omissões de pronúncia. Confira-se, a título meramente exemplificativo, os arestos do Supremo Tribunal de Justiça de 07-04-2016, Proc. 6500/07.4TBBRG.G2.S3, de 31-05-2016, de 15-02-2017, Proc. 3254/13.9TBVCT.G1.S1, e de 22-01-2019, Proc. 432/15.0T8PTM.E1.S1. Como refere o Ac. deste STJ de 10-02-2020, Proc. nº 35/18.7GBVVC. E1.S1: “A completude e cabal fundamentação e decisão de um aresto não depende de uma exauriente análise de todos e quaisquer argumentos (ou mesmo eventuais excursos e obiter dicta) das alegações das partes, mas de uma resposta clara, compreensível, lógica e fundamentada às questões efetivamente fundantes colocadas, em já de si resumidas nas Conclusões. Por uma questão, desde logo, de economia processual, celeridade na resposta e omissão devida de atos inúteis. Havendo profusa jurisprudência que o atesta. Com efeito, a omissão de pronúncia, geradora de nulidade da decisão está em correspondência direta com o dever imposto ao juiz no sentido de o mesmo ter de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução (ou resposta) dada a outra. Tal não significa, porém, que o juiz se tenha de ocupar de todas as considerações feitas pelas partes, já que são coisas diferentes deixar de conhecer de questão de que devia conhecer; e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento, ou razão produzida nos autos. Em consequência, a nulidade por omissão de pronúncia apenas se verificará nos casos em que a omissão de conhecimento, relativamente a cada questão, é absoluta, ou quando se tenham descurado as razões e argumentos invocados pelas partes. Mas não, por exemplo, quando a apreciação das questões fundamentais à justa decisão da lide tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.” Subsidiariamente se recorde também que a decisão considerando que determinadas questões não podem ser conhecidas por via da irrecorribilidade não consubstancia omissão de pronúncia, conforme é jurisprudência pacífica do STJ. A nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379, n.º 1, al. c), ex vi art. 425, n.º 4, ambos do CPP, verifica-se quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre questão que devia ter apreciado, seja esta questão suscitada, no recurso, pelos sujeitos processuais, ou seja a mesma de conhecimento oficioso. Verifica-se que questão é o dissídio ou o problema concreto a decidir que diretamente contenda com a substanciação da causa de pedir e do pedido e que só existe omissão de pronúncia quando não se pondera a questão e se impunha conhecer da mesma (Ac. STJ, Relatora Conselheira Margarida Blasco, 14-05-2020, Proc. n.º 498/18.0YRLSB.S1 - 5.ª Secção). Em suma, só há omissão de pronúncia quando o Tribunal deixou de se pronunciar sobre questões essenciais sobre que se deveria ter pronunciado (e não é uma tautologia), mandando até o princípio da economia processual e o de minimis… que se não perca nas florestas de enganos, ou nas selvas oscuras de algumas profusas e tautológicas ou derivativas argumentações, verdadeiros caminhos de floresta, que, por vezes, nem levam onde julgam conduzir (Holzwege) – sendas perdidas. Não avaliando aqui o caso concreto, a verdade é que as questões essenciais (ainda que, eventualmente, em certos casos, em termos hábeis ou de forma implícita em alguns elementos do iter) foram todas respondidas. Como bem argumenta o Ministério Público: “É patente, desde logo, que não existe qualquer omissão de pronúncia. De acordo com o artigo 379. °, n° 1, alínea c), do Código de Processo Penal, há omissão de pronúncia quando o tribunal não se debruça sobre questões que devesse apreciar - cf. também os artigos 615.°, n.° 1, alínea d), e 608.°, n.° 2, do Código de Processo Civil. O que interessa, nesta matéria, é que o tribunal resolva todas essas questões, não se lhe impondo que aborde todos os factos, argumentos, considerações ou razões produzidos pelas partes em abono dos seus pontos de vista. Nas palavras do saudoso Professor Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra Editora, 1984, reimpressão, pgs. 143, são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão. A questão, ou questões, se quisermos, que o recorrente, na sua oposição, colocara ao tribunal, radicam numa aventada existência de pressupostos que conduziriam à denegação da extradição. Pois bem, a leitura do acórdão permite constatar que foi emitida pronúncia sobre todos esses invocados pressupostos, tendo o tribunal concluído pela sua improcedência, aliás de forma sustentada e bem fundada, quer à luz da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, quer à luz da Convenção de Extradição celebrada entre os Estados da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Curiosamente, o recorrente não identifica as questões concretas que alegadamente ficaram por conhecer e chega até a afirmar que a imputada omissão de pronúncia se traduz na falta de resposta a cada um dos motivos, argumentos usados pelo interveniente - ponto 11 do corpo da motivação do recurso - ou que consiste na falta de análise de todas as provas oferecidas com a oposição - conclusão XXI da motivação. Ora, já vimos que isto não constitui omissão de pronúncia. Não há, pois, qualquer nulidade por omissão de pronúncia, pelo que soçobra este fundamento do recurso.” D Do Direito em Geral 1. O fulcro das alegações do Recorrente, que não deixa de chamar de forma impressiva a atenção dos julgadores, mormente pela dramaticidade do horizonte que convoca (no limite prefigurando, prevendo, temendo, o seu próprio assassinato – o que corresponde a uma grave espada de Dâmocles) é, afinal de contas, uma nova questionação da matéria de facto. E não relevam significativamente, na argumentação, os factos por que se encontra acusado no Brasil, mas o espetro de futuras vinganças, retaliações, ou afins, que o Recorrente associa a uma sua atividade civicamente legítima, eventualmente com contornos também políticos e ideológicos, que latamente se poderia integrar no âmbito de uma sua alegada denúncia de “corrupção”. 2. Porém, por muito que a narrativa apresentada possa eventualmente preocupar a sensibilidade de quem a lê, trata-se de uma elaboração da realidade, e sobretudo de uma prognose de um futuro que, em situação de oralidade e imediação, em sede própria, não logrou alcançar convencimento. E se expressamente ficou provado que “d. O extraditando apresentou uma denúncia junto do Promotor de Justiça da Comarca ... contra BB e TT, sendo o último ex-prefeito ....”, tal facto não chega para daí deduzir nem a culpabilidade dos denunciados, nem, para usar os termos do Acórdão recorrido, “a. Que o pedido de extradição insere-se no objetivo de silenciar o extraditando; b. Caso seja entregue à justiça Brasileira o extraditando será submetido a tratamentos cruéis e degradantes e à própria morte.” – pontos estes últimos que se integraram nos factos não provados. 3. Traça o Recorrente do Brasil um panorama catastrofista, algo apocalíptico em matéria penal e prisional que, certamente, a verificar-se na sua plenitude e integralidade, o apartaria do conjunto das “nações civilizadas”, expressão que, na interpretação atualista de Yadh Ben Achour é, afinal, sinónimo, de nações democráticas e respeitadoras dos Direitos Humanos. Mas a conclusão que se teria que tirar daí seria a impossibilidade de cumprimento das normas convencionais de extradição de todos os cidadãos brasileiros. E, a pari, e até a fortiori, porque não para outros países, sobre os quais, de quando em vez, pairam notícias preocupantes neste âmbito? Coisa diferente seria se houvesse uma prova evidente de uma promessa de tortura, execução ou prisão perpétua por parte de autoridades do país para que se extradita alguém. Não se compreenderá muito bem como o Recorrente, que parece ter sempre permanecido em Portugal em lugares de passagem, estabelecimentos hoteleiros (e que nem saberia o endereço da namorada portuguesa), perante uma tal ameaça que alega, sempre tenha aqui vivido como que provisoriamente, dos seus próprios recursos, e sobretudo, que se saiba, sem procurar “asilo”. Sempre chegaria o momento de ter de voltar ao Brasil, a menos que se dessem passos no sentido de uma consolidada estada no nosso País. 4. O Supremo Tribunal de Justiça não pode arvorar-se em tutor da qualidade do respeito pelos Direitos de países que Portugal reconhece como parceiros (nomeadamente na CPLP) e a que velhos laços, sempre renovados, dão o epíteto de irmãos. Sobretudo se as ameaças de desrespeito concreto dos mesmos Direitos são apenas conjeturais e potenciais. A questão (tal argumentário, mutatis mutandis) não é nova, nem sequer perante este Supremo Tribunal de Justiça, e é conhecida do Tribunal a quo, que bem cita, no seu Acórdão: “Como salienta o acórdão do STJ de 16/5/2019, a propósito de uma situação com contornos idênticos aos do presente caso, “As condições de estada nas prisões brasileiras tornar-se-ia, segundo parece fazer crer, o recorrente, um ponto de antinomia e frágua relativamente ao sistema sedimentado em Portugal orientado para a reinserção social e a reintegração do individuo no meio social de que provém. […] Porém, a lei não prevê a interdição ou negação do pedido de extradição para as situações em que as situações de prisão que o extraditando terá de enfrentar no seu país não são as mais adequadas e condizentes com a dignidade humana. […].”. O requerido invoca que, caso seja extraditado, será alvo de retaliações na decorrência das denúncias que efetuou, designadamente contra um ex-prefeito da ..., havendo sérios riscos de ver afetada a sua integridade física e até a sua vida, o que, contudo, não fica demonstrado. Como se salienta no mencionado acórdão do STJ de 16/5/2019, “Alegar que o sistema prisional que está instalado no Estado requerente padece de mazelas e deficiências que o permitem qualificar como um sistema caótico, desregrado, anómico, coactivo, violento e desapiedado não integra a causa de recusa inscrita no direito convencionado interestadual nem pan-estadual. Não colhe, por isso, como fundamento da pretensão recursiva a alegação de que o sistema prisional não oferece condições de reinserção e reintegração compatíveis com a pauta civilizada dos direitos humanos.”. Alegações deste tipo, próprias de um Estado de não Direito, não se concretizariam senão num processo de natureza política, ou perante tribunal de exceção, etc. No caso, pelo contrário, estão em causa factos do foro criminal comum. A serem julgados numa ordem jurídica com garantias, recursos, e a panóplia de proteção das pessoas própria dos Estados de Direito. Não quer dizer que aquele tipo de instrumentalização não ocorra ou tenha ocorrido – porém, em regimes ou situações de facto de anti Direito. Além de que (questionar-se-á) como pode um tribunal superior estrangeiro servir de escudo especial a um cidadão contra os seus temores (subtraindo-o à Justiça do seu País, que se define constitucionalmente como Estado democrático de Direito – art. 1.º da CRFB - 1988), sem que ele tenha conseguido provar na Instância adequada a plausibilidade dos seus receios? Como poderia eximir-se ao cumprimento das normas que o vinculam, nomeadamente a Convenção de extradição no âmbito da CPLP? Conforme o n.º 1 do art.º 3.º da Convenção de extradição entre os Estados-Membros da CPLP, apenas não haverá lugar a extradição nos seguintes casos: “a) Quando se tratar de crime punível com pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física; b) Quando se tratar de crime que o Estado requerido considere ser político ou com ele conexo. A mera alegação de um fim ou motivo político não implicará que o crime deva necessariamente ser qualificado como tal; c) Quando se tratar de crime militar que não constitua simultaneamente uma infração de direito comum; d) Quando a pessoa reclamada tiver sido definitivamente julgada, indultada, beneficiada por amnistia ou objeto de perdão no Estado requerido com respeito ao facto ou aos factos que fundamentam o pedido de extradição; e) Quando a pessoa reclamada tiver sido condenada ou dever ser julgada no Estado requerente por um tribunal de exceção; f) Quando se encontrarem prescritos o procedimento criminal ou a pena em conformidade com a legislação do Estado requerente ou do Estado requerido.” Nenhum deles se verifica, no caso. 5. Note-se que os receios do Recorrente certamente não seriam, no limite, aplacados com uma recusa da extradição. Não será efabular muito se se disser que, no mundo globalizado de hoje, a longa manus de quem lhe quisesse supostamente mal, poderia facilmente até atravessar o Atlântico. Em termos absolutos, recorde-se Aragon: “nada é tão precário como o viver”. E resta saber onde e como estará o Recorrente mais protegido... Além de que, como é óbvio, o seu processo no Brasil não está findo. Poderá ainda esgrimir os seus argumentos e fazer valer as suas razões num sistema judicial que – comprovadamente – também possui múltiplas oportunidades de defesa e de recurso. 6. De qualquer forma, o mais liminarmente relevante é a impossibilidade de conhecimento da matéria de facto, de novo posta em causa, sob o manto da omissão de pronúncia, que, porém, não ocorreu. A matéria de facto (e a fortiori matéria de facto suposta, conjetural, presumida ou eventualmente presumível, etc.) não pode, salvo conhecidas e restritas situações, ser apreciada, por não caber nos poderes de cognição deste Supremo Tribunal de Justiça. Com efeito, como é sabido, reza o art. 434 do CPP: “Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, nºs 2 e 3, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito.”. 7. Padeceria a decisão proferida dos vícios constantes das diversas alíneas do nº 2 do artigo 410 do Código de Processo Penal? Estatui este preceito legal que: (…) 2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova Estes são vícios da decisão que se devem detetar da sua simples leitura, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Ora, lida e relida a decisão recorrida, a factualidade assente, a não provada e a respetiva motivação, conclui-se que nenhum dos vícios elencados no art.º 410 n.º 2 do Código Processo Penal está patente no texto da decisão recorrida, nem se vislumbra nulidade de conhecimento oficioso, o que desencadeia, nessa parte, a improcedência do recurso. A decisão proferida encontra-se devidamente fundamentada. Exige-se, hoje, que a fundamentação do tribunal permita a quem a leia refazer e perceber o percurso decisório; as provas que foram consideradas e porque o foram, a credibilidade dada aos depoimentos prestados e a razão dessa credibilidade por confronto com aqueles que a não mereceram, as ilações retiradas, os raciocínios efetuados, os indícios e as inferências que a partir deles se fizeram, como e quando se apelou às regras de experiência comum para se dar por assentes alguns factos e como o recurso a essas regras afastou a prova de outros, etc.. E para que se possa concluir que a decisão tomada não foi arbitrária é que o artigo 374 nº 2 do Código de Processo Penal impõe que a fundamentação objetive os factos provados e não provados, “(…) com uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal.” A decisão recorrida está devidamente fundamentada. Seria redundante e improfícuo (além de consumir tempo precioso), sopesar explicitamente e rebater ou valorar de forma menos decisiva a imensidão de alegações das Alegações do Recorrente, para mais muitas delas consistindo em simples postulados ou interpretações, sem factos invocados, ou coloridas com uma factualidade geral, de que é sempre logicamente temerário inferir uma possível futura aplicação no caso concreto. Carecidas, pois, daquela firmeza silogística que tanto se requere para poder caminhas em sendas seguras, nas veredas do Direito. Atente-se numa outra narrativa, que se julga mais rigorosamente lógica: “Haverá problemas no sistema penal brasileiro, de acordo com algumas notícias; pode ser que alguns presos sejam vítimas (nessa medida inocentes) desse sistema; pode ser que o Recorrente tenha feito inimigos perigosos; mas daí (mesmo a verificarem-se as hipóteses) a concluir-se que voltar ao Brasil para ser julgado pelos crimes que a Justiça do seu País lhe imputa – julgado, não necessariamente condenado e encarcerado, e não necessariamente seviciado – não é condição suficiente para que venha a ser abatido pelos que teme – e muito menos pelo sistema judicial brasileiro.”. A decisão de extradição é feita com o escrupuloso respeito por cuidados quanto à ordem jurídica que requer a extradição. Evidentemente, fala-se no plano da Constituição formal e da ordem jurídica formal. Não seria curial agir de outra forma, seguindo uma narrativa de conjetura e alarme. Extraditar o cidadão AA não pretende ser conduzi-lo a um corredor da morte, mas dar-lhe oportunidade de pleitear a sua inocência perante Tribunais, ou de, se for o caso, pagar a sua dívida à sociedade. Não é levá-lo ao mundo da corrupção e do assassínio, mas colocá-lo na esfera da Justiça que, certamente, para mais sabendo dos seus receios (e do escândalo que seria se porventura viesse a ter razão), não deixará de devidamente o proteger. Além de que, como é sabido, tendo o Brasil, tal como Portugal, subscrito a Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP, está aquele país obrigado a respeitar a regra da especialidade, segundo o qual uma vez entregue o requerido este não poderá ser perseguido, detido, julgado ou sujeito a qualquer outra restrição da liberdade por qualquer facto anterior à entrega diferente daquele que motivou a sua extradição – art. 14. °, n.° 1 da Convenção e art.° 16. ° da Lei 144/99. 8. Há ainda uma outra ordem de argumentos do Recorrente que não deve ser esquecida. É verdade que, por exemplo, o renomado jurista italiano Luigi Lombardi Vallauri considerou já há alguns anos que viveríamos hoje um pluralismo de fontes que nos aproximaria dos tempos alto-medievais. Podendo o intérprete / aplicador do Direito confrontar-se com um sem-número de normas conflituantes, e para mais provindas de diferentes ordens ou planos normativos. Porém, estamos municiados hoje, legal, doutrinalmente, jurisprudencialmente de parâmetros relativamente bem preparados para lidar com esse pluralismo. E nesse sentido, há algumas regras que muito dificilmente podem ser subvertidas na hierarquia das normas, ou na pirâmide normativa vigente. O Tribunal a quo bem andou ao ter no seu horizonte hermenêutico primário e primeiro o instrumento de direito internacional concretamente aplicável ao caso. Na verdade, poderá haver vários caminhos para chegar a esta conclusão, mas uma é seguir a via do direito interno, evitando escolhos e seguindo uma via mais clássica. Assim, a Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, Lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal, aplica-se, segundo o art. 1.º, n.º 1, al. a) à extradição. E o art.º 3.º, com epígrafe significativa a remeter para a questão da hierarquia das normas, estabelece: “Artigo 3.º Prevalência dos tratados, convenções e acordos internacionais 1 - As formas de cooperação a que se refere o artigo 1.º regem-se pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste diploma. 2 - São subsidiariamente aplicáveis as disposições do Código de Processo Penal.” Assim sendo, o normativo que se aplica, neste caso, antes de mais, é a respetiva Convenção da CPLP (Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), que teve o seu início de vigência relativamente a Portugal em 01/03/2010, e fora aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 49/2008, de 15/09, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 67/2008, de 15/09. E só na sua insuficiência se aplicará o diploma em causa, e subsidiariamente as normas do CPP. Portanto, a invocação de outros diplomas só pode ter um efeito muito subsidiário, eventualmente como fontes hermenêuticas inspiradoras (fontes mediatas). E sobretudo não parece de forma alguma proceder uma invocação contraditória com o julgado e a ele alternativa, nomeadamente da Constituição Portuguesa, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, etc., contra uma ao menos aparentemente estigmatizada Convenção da CPLP. Designadamente, considerando “que não se verificam os pressupostos da extradição – artigo 55º, nº 2 da Lei 144/99 de 31 de Agosto, devendo o pedido de cooperação ser recusado por verificação das alíneas a), b), c) e e) do artigo 6º da Lei 144/99 de 31 de Agosto, pelo facto de o processo de Extradição requerido não satisfazer e não respeitar: a) as exigências da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950, (nomeadamente o seu artigo 3.º); b) os instrumentos internacionais relevantes nessa matéria, ratificados por Portugal, pois, está em claro risco a Vida Humana do Extraditando, como adiante se comprovará.” Já se viu que é a própria lei invocada, a Lei 144/99 de 31 de Agosto, que remete para a Convenção aplicável. E a latere se anote que reza o referido artigo 3.º da invocada Convenção Europeia: “ARTIGO 3° Proibição da tortura Ninguém pode ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes.” Não se nos afigura que traga nada de especialmente particular ou novo relativamente ao património constitucional universal comum, ou Constituição material universal (pois integra-o, não o supera ou exceciona), que é pressuposto ser cumprido por todos os membros da comunidade internacional. (cf. P. Ferreira da Cunha, Repensar o Direito Internacional, Coimbra, Almedina, 2019, p. 286 ss., máx. p. 299) e naturalmente em nada colide com a Convenção da CPLP. O instrumento internacional pertinente, no caso, é a Convenção da CPLP, e evidentemente que não se descortina, na panóplia dos instrumentos firmados por Portugal contradição com o curso normal da extradição segundo a dita Convenção. 9. O que se diz sobre a não contradição com os documentos internacionais que obrigam o Estado Português (poderia também ter-se invocado, por exemplo, o art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos – mas nada está contra a sua lição – pelo conrário) pode dizer-se relativamente aos instrumentos internos, e nomeadamente quanto à Lei “geral da extradição”, Lei 144/99 de 31 de agosto. A síntese a seu tempo produzida pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto é significativa: “6. A pessoa reclamada não tem nacionalidade portuguesa. 7. Não se trata de crime de natureza política ou de crime militar. 8. Não há violação da Convenção dos Direitos do Homem. 9. Não há qualquer motivo para suspeitar que a extradição tenha sido solicitada para perseguir o extraditando, em virtude da sua raça, sexo, nacionalidade, língua, convicções políticas ou ideológicas ou por pertencer a determinado grupo social 10. O julgamento não será feito por tribunal de exceção. 11. O crime imputado ao extraditando é punível quer pela lei brasileira. quer pela lei portuguesa, com pena de prisão superior a um ano, não sendo punível com pena de morte ou de prisão perpétua 12. E não foi instaurado em Portugal procedimento criminal pelos mesmos factos. 13. Na realidade, ao extraditando é imputada a prática de factos suscetíveis de integrar crime de estelionato previsto nos art.s 70.º e 171.º do Código Penal Brasileiro. 14. Tal crime não tem, assim, natureza política, nem se vislumbra em que medida o pedido de extradição do requerido possa ter por finalidade a sua perseguição ou punição em razão da sua etnia ou da sua alegada convicção ideológica ou religiosa. 15. Por outro lado, o julgamento não será feito por tribunal de exceção, mas por tribunais ordinários, e o processo penal brasileiro oferece garantias de respeitar as condições internacionalmente reconhecidas como indispensáveis à salvaguarda dos Direitos do Homem (Reserva formulada na Resolução da Assembleia da República n° 28/89 e art.º 6° n° 1. a), da Lei n° 144/99). 16. Acresce que tendo o Brasil, tal como Portugal, subscrito a referida Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP, está aquele país obrigado a respeitar a regra da especialidade, segundo o qual uma vez entregue o requerido este não poderá ser perseguido, detido, julgado ou sujeito a qualquer outra restrição da liberdade por qualquer facto anterior à entrega diferente daquele que motivou a sua extradição – art.° 14°, n° 1 da Convenção e art.° 16° da Lei 144/99. 17. Tal princípio da especialidade afasta, também, o perigo de ao requerido poder vir a ser aplicada pena de prisão de carácter perpétuo ou de duração indefinida. 18. Razão por que não se verificam - a nosso ver - qualquer dos fundamentos alegados pelo requerido na sua oposição [art.° 6° n° 1-a), b) c) da L 144/99] e que determinem a recusa (obrigatória) da sua extradição.” Ou seja, aplicando a Lei 144/99, a solução seria a mesma. 10. Recapitulando, neste ponto: há milhares de documentos internacionais que espelham a constante e perpétua vontade de cooperação dos países e dos povos, e que, de uma forma ou de outra, espelham os esforços de humanizar e fraternizar as relações internacionais e entre ordens jurídicas e cidadãos de diferentes países. Contudo, eles são concordantes, e esgrimir uns contra os outros não é caminho hermenêutico fecundo. Houvesse antinomia, e tal como nas ordens jurídicas nacionais haveria que recorrer a um procedimento de obtenção de uma concordância prática. Nada há que obste a que se invoque até a Declaração Universal dos Direitos Humanos; mas ela tem de ser interpretada como grande pano de fundo. Não como instrumento concretamente apto a resolver a situação sub judicio. No caso, nada se revela contrário à panóplia de documentos internacionais, nem sequer à doutrina ou jurisprudência. E volta a relevar a questão da prova: não ficou provado que os alegados crimes de que poderia vir a ser vítima o Recorrente seriam plausíveis, e, como tal, recomendassem ao Tribunal a quo uma decisão diversa. 11. Deve presumir-se que o Tribunal da Relação ponderou atenta e gravemente o que se encontra em jogo. E não teria agido de ânimo tão leve que se viesse no futuro a ter de conformar com um possível resultado trágico da sua decisão (que viesse a dar, ainda que parcialmente, apenas razão ao cenário pintado pelo Recorrente), ao não ter qualquer dúvida na sua decisão. Não ficou, pois, persuadido, dos factos alegados nem dos argumentos apresentados, e no seu juízo não demonstrou qualquer vacilação ou vício que nos permitisse sem temeridade alterar a sua decisão. Porquanto, não se pode olvidar que a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça é, por norma, parcimoniosa e prudente, sobretudo de verificação da justeza das operações judicatórias das instâncias. Tal é muito óbvio na verificação da proporcionalidade das penas, mas não deixa de ser um pano de fundo e timbre de uma forma de intervenção (cf. Acs. de 09-11-2000, Proc. n.º 2693/00 - 5.ª; de 23-11-2000, Proc. n.º 2766/00 - 5.ª; de 30-11-2000, Proc. n.º 2808/00 - 5.ª; de 28-06-2001, Procs. n.ºs 1674/01 - 5.ª, 1169/01 - 5.ª e 1552/01 - 5.ª; de 30-08-2001, Proc. n.º 2806/01 - 5.ª; de 15-11-2001, Proc. n.º 2622/01 - 5.ª; de 06-12-2001, Proc. n.º 3340/01 - 5.ª; de 17-01-2002, Proc. n.º 2132/01 - 5.ª; de 09-05-2002, Proc. n.º 628/02 - 5.ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 16-05-2002, Proc. n.º 585/02 - 5.ª; de 23-05-2002, Proc. n.º 1205/02 - 5.ª; de 26-09-2002, Proc. n.º 2360/02 - 5.ª; de 14-11-2002, Proc. n.º 3316/02 - 5.ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208; de 11-12-2003, Proc. n.º 3399/03 - 5.ª; de 04-03-2004, Proc. n.º 456/04 - 5.ª, in CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 220; de 11-11-2004, Proc. n.º 3182/04 - 5.ª; de 23-06-2005, Proc. n.º 2047/05 - 5.ª; de 12-07-2005, Proc. n.º 2521/05 - 5.ª; de 03-11-2005, Proc. n.º 2993/05 - 5ª; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 229 e 235; de 29-03-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 225; de 15-11-2006, Proc. n.º 2555/06 - 3.ª; de 14-02-2007, Proc. n.º 249/07 - 3.ª; de 08-03-2007, Proc. n.º 4590/06 - 5.ª; de 12-04-2007, Proc. n.º 1228/07 - 5.ª; de 19-04-2007, Proc. n.º 445/07 - 5.ª; de 10-05-2007, Proc. n.º 1500/07 - 5.ª; de 14-06-2007, Proc. n.º 1580/07 - 5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 220; de 04-07-2007, Proc. n.º 1775/07 - 3.ª; de 05-07-2007, Proc. n.º 1766/07 - 5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 242; de 17-10-2007, Proc. n.º 3321/07 - 3.ª; de 10-01-2008, Proc. n.º 907/07 - 5.ª; de 16-01-2008, Proc. n.º 4571/07 - 3.ª; de 20-02-2008, Procs. n.ºs 4639/07 - 3.ª e 4832/07 - 3.ª; de 05-03-2008, Proc. n.º 437/08 - 3.ª; de 02-04-2008, Proc. n.º 4730/07 - 3.ª; de 03-04-2008, Proc. n.º 3228/07 - 5.ª; de 09-04-2008, Proc. n.º 1491/07 - 5.ª e Proc. n.º 999/08 - 3.ª; de 17-04-2008, Procs. n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, Proc. n.º 4723/07 - 3.ª; de 21-05-2008, Procs. n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5.ª secção; de 29-05-2008, Proc. n.º 1001/08 - 5.ª; de 03-09-2008, no Proc. n.º 3982/07 - 3.ª; de 10-09-2008, Proc. n.º 2506/08 - 3.ª; de 08-10-2008, nos Procs. n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3.ª secção; de 15-10-2008, Proc. n.º 1964/08 - 3.ª; de 29-10-2008, Proc. n.º 1309/08 - 3.ª; de 21-01-2009, Proc. n.º 2387/08 - 3.ª; de 27-05-2009, Proc. n.º 484/09 - 3.ª; de 18-06-2009, Proc. n.º 8523/06.1TDLSB - 3.ª; de 01-10-2009, Proc. n.º 185/06.2SULSB.L1.S1 - 3.ª; de 25-11-2009, Proc. n.º 220/02.3GCSJM.P1.S1 - 3.ª; de 03-12-2009, Proc. n.º 136/08.0TBBGC.P1.S1 - 3.ª; e de 28-04-2010, Proc. n.º 126/07.0PCPRT.S1” (cf. Acórdão deste STJ de 2010-09-23, proferido no Proc.º n.º 10/08.0GAMGL.C1.S1). 12. A Justiça não pode claudicar no seu exercício diuturno e normal, nem recuar com medo de que eventuais ou conjeturais injustiças (“a coragem é uma virtude democrática”, relembra Wolfram Eilenberger), em situação patológica, a possam vir a atacar ou aos que julga e assim também protege. Mesmo que possa haver situações residuais e eventuais derivas na vigência das respetivas ordens jurídicas, os Estados, para mais ligados por tratados internacionais de cooperação, têm a obrigação de honrar os seus compromissos (como sublinha enfaticamente Monique Chemillier-Gendreau), e, no caso da cooperação judiciária, jamais podem ser os Tribunais a furtar-se a isso. Obviamente que sempre no respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, mesmo dos cidadãos arguidos, ou acusados ou condenados, naturalmente. Defendendo o Direito e os Direitos. Com confiança na Justiça. 13. Dos factos dados como provados nos autos, como abundantemente vimos e escalpelizamos hermenêuticamente, nomeadamente com textos, cotextos e contextos, não se pode concluir que haja causa alguma de recusa de extradição obrigatória que possa ser legitimamente aplicada. Não há factualidade provada que, designadamente, permita fundamentar a recusa com base (especialmente) nas líneas b) ou c) do art. 6.º da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em matéria Penal (que indica, como se sabe, os Requisitos gerais negativos da cooperação internacional), ou outro diploma pertinente. 14. Tudo considerado, pois, reitera-se que não houve qualquer omissão de pronúncia, nem poderá ser reapreciada a matéria de facto (a matéria de facto provada e não provada não permite subscrever a narrativa do Recorrente), dado não se verificar nenhum dos vícios considerados no art. 410, n.° 2, do CPP. Acresce não se vislumbra existir em qualquer ordenamento jurídico alternativo aos considerados com correta aplicação ao caso base que sustente a pretensão concreta de não extradição (nem ao nível internacional, nem europeu, nem interno, nomeadamente constitucional). Mas ao cumprir-se o direito convencional que obriga do Estado Português (e o Brasileiro), em nada se contraria quaisquer daqueles ordenamentos. E obviamente não foi apenas o direito convencional o aplicado ao longo do Processo, foi também a Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, o CPP, direito nacional e aplicado conforme a referida hierarquia normativa vigente. IV Dispositivo Termos em que, decidindo em conferência, a 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça acorda em negar provimento ao recurso, confirmando integralmente o Acórdão recorrido. Sem tributação (artigo 73 da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto). Supremo Tribunal de Justiça, 8 de setembro de 2021 Ao abrigo do disposto no artigo 15.º-A da Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, o relator atesta o voto de conformidade da Ex.ma Senhora Juíza Conselheira Adjunta, Dr.ª Maria Teresa Féria de Almeida. Dr. Paulo Ferreira da Cunha (Relator) Dr.ª Maria Teresa Féria de Almeida (Juíza Conselheira Adjunta)