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Acórdão STJ de 2023-03-22

110/23.6YRLSB.S1

TribunalSupremo Tribunal de Justiça
Processo110/23.6YRLSB.S1
Nº Convencional3.ª SECÇÃO
RelatorSénio Alves
DescritoresExtradição, Oposição, Recusa de Cooperação
Data do Acordão2023-03-22
VotaçãoUnanimidade
Privacidade1
Meio ProcessualEXTRADIÇÃO/M.D.E./RECONHECIMENTO SENTENÇA ESTRANGEIRA
DecisãoNegado Provimento

Sumário

I -    Os recursos não se destinam a conhecer de questões novas, não suscitadas perante o tribunal recorrido e, por isso, por ele não conhecidas. II -  O Brasil é um Estado democrático, assente em princípios fundamentais como a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e a separação de poderes, regendo-se nas suas relações internacionais pelos princípios da prevalência dos direitos humanos, sendo certo que subscreveu inúmeras convenções internacionais respeitantes aos direitos humanos e à Cooperação Judiciária Internacional, nomeadamente a Convenção de 1987 contra a tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes e a Convenção de extradição entre os Estados membros da CPLP. III - Por essa razão, as autoridades brasileiras não deixarão de assegurar, de forma integral, o respeito pelos direitos fundamentais do extraditando e, nomeadamente, a sua própria integridade física.


Texto Integral

Acordam nesta 3ª secção do Supremo Tribunal de Justiça: I. 1. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa promoveu o cumprimento do pedido de extradição, para efeitos de procedimento criminal, do aí requerido e ora recorrente AA, com os demais sinais dos autos, ao abrigo da Convenção de Extradição entre Estados Membros da CPLP aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.° 49/2008, de 15 de Setembro, e da Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto. 2. O extraditando deduziu oposição a tal pedido, com os seguintes fundamentos: «1 - No ponto 1. do requerimento supra citado, do MP suscita-se que as autoridades Judiciárias do Brasil solicitaram, através da Interpol, a detenção do extraditando, com vista à sua traslação para aquele país, com base num pedido de detenção internacional emitido pelo Juiz do Quarto Tribunal .... 2 - Apurou-se que o requerido tinha sido detido pelo SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) para cumprir uma pena de 20 anos de prisão, pela suposta prática de um crime de homicídio, em ..., Brasil. 3 - Este cidadão de nacionalidade brasileira que, atualmente, residia em ..., foi detido na via pública, sem oferecer resistência. 4 - Foi presente ao Tribunal da Relação de Lisboa para aplicação das medidas de coação até que fosse julgado o processo de extradição que sobre ele incidia. 5 - O processo-crime que corre nas instâncias judiciais brasileiras não tem decisão judicial de condenação, o que existe é uma acusação formal contra o extraditando, formulada pelo Ministério Público do ..., ... Promotoria de Justiça Criminal, junto da ... Vara do Júri da capital, no Brasil. 6 - Os fatos reportam-se ao dia 1 de março de 2018. 7 - Refere o Sr. Digníssimo Procurador do MP no ponto 8. que o pedido de detenção satisfaz os requisitos exigidos pelo artigo 2.º, n.º 1, da Convenção de Extradição entre os Estados membros da CPLP, uma vez que os fatos que lhe são imputados (ao extraditando) são também punidos pela lei portuguesa. 8 - Reitera que a detenção foi efetuada com observância do disposto no artigo 39.º, da Lei n.º 144/99 e mais ainda que não existem motivos de exclusão da extradição (art. 31.º e 32.º da mesma Lei). 9 - No ponto 11. afirma a falta de prescrição do procedimento criminal. 10 - Ora, o extraditando vem opor-se ao pedido de extradição formulado pelas Autoridades Judiciárias Brasileiras, pela seguinte ordem de razões: 11 - Bem sabemos que o processo especial de extradição não impõe a defesa quanto à acusação de que o extraditando é vítima antes e só se refere à oposição à pretensão de extradição e essa tem dois fundamentos: a - Não ser o detido a pessoa reclamada; b - Não se preencherem os requisitos legais para aplicação da decisão executória de extradição (art. 55.º da Lei citada). 12 - O artigo 10.º da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) dispõe que: “Quando se tratar de pedido para procedimento criminal, o pedido de extradição deverá ser acompanhado de original ou cópia certificada do mandado de prisão ou de ato processual equivalente”. 13 - Sucede que o mandado de detenção contra a pessoa reclamada, não foi efetuado segundo estes trâmites previstos no art. 10.º desta Convenção e está incompleto. 14 - É que, estando em causa - como no caso presente - um pedido de extradição para procedimento criminal, que não tem em vista o cumprimento de uma decisão condenatória, é ainda necessário que o pedido de extradição seja acompanhado da decisão que ordena a prisão preventiva e seus fundamentos, como decorre claramente do art. 10.º da Convenção. 15 - O ato jurídico assinalado violou, pois, a disposição legal acima citada, pelo que deverá ser revogado e recusar-se a extradição. 16 - Acresce uma violação do disposto no art. 4.º, al. e) da Convenção da CPLP, por a pessoa reclamada ter sido condenada à revelia pela infração que deu lugar ao pedido de extradição (…), o que igualmente releva para estes autos, como pressuposto para a exclusão da extradição. 17 - O Ministério Público promoveu, com efeito, a extradição para procedimento criminal contra o recorrente por este se «encontrar indiciado» pela prática, no Brasil, de crime de homicídio, a que, em abstrato, corresponde pena de prisão. 18 - A fonte para a delimitação do âmbito terá sido - deduz-se - a primária indiciação submetida à instrução e à decisão do juiz de instrução brasileiro, vistos os termos em que o magistrado enquadra a questão que lhe foi submetida, pelo que nada mais resta se não indeferir o pedido de extradição tal como ele foi instruído, por violação das normas do Tratado Internacional entre os dois países, Portugal e Brasil, art.s 10.º e 4.º, al. e) e défice instrutório no que concerne à documentação junta pelas Autoridades Brasileiras». 3. Por acórdão proferido em 22 de Fevereiro de 2023, no Tribunal da Relação de Lisboa, foi decidido conceder a extradição, para a República Federativa do Brasil, do cidadão brasileiro AA, para efeitos de procedimento criminal, no âmbito do Proc.º ...01 que corre termos na ... Vara do Tribunal do Júri da Capital - Tribunal ..., no qual se encontra acusado da prática de um crime de homicídio e de um crime de ocultação de cadáver, previstos e puníveis pelo disposto nos artigos 121, § 2°, 1 e IV e 211 do Código Penal brasileiro, respectivamente, c/c art.º 29.º do CP, com penas máximas abstratamente aplicáveis de 30 e 3 anos de prisão, respectivamente, e um crime de associação criminosa para tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo disposto no artigo 35° da Lei 11343 de 23 de agosto de 2006, com pena máxima abstratamente aplicável de 10 anos de prisão. 4. Inconformado, recorreu o extraditando, pedindo a revogação da decisão recorrida e extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcritas): «1º Nos presentes autos está em causa um pedido de extradição do Requerido para efeito de procedimento criminal, no âmbito do Proc.º ...01, que corre termos na ... Vara do Tribunal do Júri da Capital - Tribunal .... 2º O presente recurso é interposto da douta decisão proferida pelo Tribunal da Relação que concedeu a requerida extradição, para o Brasil, do cidadão brasileiro AA, AA, ora recorrente. 3º Não pode, porém, o recorrente conformar-se com a decisão contra si proferida. 4º Com o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo não tomou em consideração a denegação facultativa da cooperação internacional, vertida no n.º 2, do artigo 18º da Lei 144/99 de 31 de Agosto. Vejamos. 5º No auto de denúncia emanado pelo Ministério Público do ... - ... Promotoria de Justiça Criminal da Capital, Central de Inquéritos, junto aos presentes autos, com referência ...78, que se transcreve um trecho: “O denunciado e mandante BB, igualmente, negou a autoria do delito (páginas 344 e 345 do inquérito policial). No entanto, o denunciado AA confirmou ter sido aquele o mandante, ao passo em que a perícia realizada em aparelho celular revelou, após discussões entre eles, ameaças e a confirmação da tudo. Eis um pequeno trecho da transcrição das palavras do denunciado BB: Tu tá pensando que todo mundo é comédia, visse, tinha que dar graças a Deus que eu passei o pano em tu, visse?! Porque tu era pra tá igual a teu comparsa lá que tu fez!”. 6º Fica claro, que o recorrente denunciou o suposto mandante do crime e neste trecho da transcrição telefónica, o mandante ameaça de morte o recorrente. 7º O recorrente, caso seja extraditado, será alvo de retaliações na decorrência da denúncia que efetuou, designadamente contra o mandante do crime, havendo sérios riscos de ver afetada a sua integridade física e até a sua vida. 8º Ainda, conforme n.º 2, do artigo 18º da Lei 144/99 de 31 de Agosto, há que ponderar o confronto entre a gravidade do facto e a gravidade das consequências da extradição para o extraditando. 9º No caso em apreço, assume significativo relevo criminal o facto, mas as ameaças de morte (não alegadas, mas provadas nos autos) consubstanciam prejuízo grave para o recorrente. 10º Pelo acima exposto, o recorrente pede que seja tomado em consideração a denegação facultativa da cooperação internacional, plasmada no n.º 2, do artigo 18º da Lei 144/99 de 31 de Agosto, e consequentemente, seja declarada a sua não extradição. Nestes termos e nos mais de Direito que serão doutamente supridos por V. Exas., deverá o presente recurso obter provimento, revogando-se o acórdão recorrido e, em consequência, ser declarada a não extradição do recorrente, fazendo-se assim, V. Exas. a tão acostumada JUSTIÇA!» 5. Respondeu o Exmº Procurador-Geral Adjunto naquele Tribunal da Relação, pugnando pelo não provimento do recurso e extraindo da sua resposta as seguintes conclusões (igualmente transcritas): «1 - O pedido de extradição foi formulado pelo Brasil, sendo o recorrente cidadão daquele Estado. 2 - O Estado brasileiro possui uma Constituição escrita que congrega e integra um amplo conjunto de regras e princípios que regulam o exercício do poder, sujeitando-o a regras jurídicas e desta forma, garantindo aos seus cidadãos a protecção dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente tuteladas, máxime, em ambiente prisional. 3 - A possibilidade de denegação facultativa da cooperação internacional prevista no nº 2, do artº 18º da Lei nº 144/99, de 31 de agosto, visa apenas tutelar, por razões humanitárias, motivos de carácter pessoal do extraditando, mormente relacionados com a idade e a saúde, não tendo tal norma o âmbito de aplicação sugerido pelo recorrente. 4 - Deve o recorrente prestar contas à justiça, máxime, quando estão em causa factos de elevada gravidade como os dos autos e se sabe, que para se furtar à justiça, aquele abandonou o país onde os cometeu. 5 - Consequentemente se pugna pela improcedência do recurso, devendo a decisão recorrida ser confirmada». II. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir: São as conclusões extraídas pelo recorrente da sua motivação que delimitam o âmbito do recurso - artº 412º, nº 1 do CPP. Em síntese, a questão colocada neste recurso consiste em saber se se verifica causa de denegação facultativa da extradição, prevista no nº 2 do artigo 18º da Lei 144/99 de 31 de Agosto. III. O tribunal a quo desta forma enunciou a matéria de facto relevante para a decisão: 1 - O Estado Brasileiro solicitou ao Estado Português o cumprimento do pedido de extradição do cidadão brasileiro AA, nascido a .../.../1995, em ..., ... - Brasil, de alcunha “CC”, de nacionalidade brasileira, filho de DD e de EE, titular do passaporte emitido pelas autoridades da República Federativa do Brasil a 25/06/2018 com o n.° ..., válido até 24/06/2028, residente na Rua ..., ... ..., para efeitos de procedimento criminal, no âmbito do Proc.º ...01, que corre termos na ... Vara do Tribunal do Júri da Capital - Tribunal ..., no qual se encontra acusado da prática de um crime de homicídio e de um crime de ocultação de cadáver, previstos e puníveis pelo disposto nos artigos 121, § 2°, 1 e IV e 211 do Código Penal brasileiro, respectivamente, c/c art.º 29.º do C. Penal, com penas máximas abstratamente aplicáveis de 30 e 3 anos de prisão, respectivamente, e de um crime de associação criminosa para tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo disposto no artigo 35° da Lei 11343 de 23 de agosto de 2006, com pena máxima abstratamente aplicável de 10 anos de prisão, por factos praticados em 1 de Março de 2018; 2 - Os factos imputados ao Requerido no referido processo, pela prática dos quais é pedida a sua extradição, são resumidamente os seguintes: «O acusado AA, juntamente com outros acusados do mesmo processo mataram a vítima FF, na data de 01.03.2018, nas imediações do estacionamento da marinha Rua ..., bairro de ..., .../PE, mediante disparos de arama de fogo, tendo ainda ocultado o cadáver, jogando-o no rio; por este ter “roubado” 19 quilos da droga conhecida como “Skank”, que estava sob guarda do acusado, o qual era subordinado no tráfico por outro acusado dos autos chamado BB. O corpo fora encontrado na data de 03.03.2018, em avançado estado de decomposição.» 3 - As autoridades Judiciárias do Brasil solicitaram, através da Interpol, a detenção do referido cidadão brasileiro AA, com vista à sua extradição para aquele país; 4 - Tal pedido foi inserido no sistema de informação policial da INTERPOL com o n.º 2022/51532 (Controlo n.º A-6571/8-2022), com base no Mandado de Detenção emitido pelo Juiz do Quarto Tribunal ..., Brasil, em 25 de Setembro de 2018, com o n.º ...- ...01-19; 5 – O Requerido AA foi detido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras no dia 4 de Janeiro de 2023, pelas 10 horas, quando se encontrava em Santo António dos Cavaleiros; 6 - O Requerido, detido em 04.01.2023, foi ouvido neste Tribunal da Relação no dia seguinte, 05.01.2023, declarando então não consentir na sua extradição e não renunciar ao benefício da regra da especialidade; 7 - O extraditando é cidadão brasileiro, encontrando-se a residir em Portugal, onde foi localizado, e, quando ouvido neste Tribunal da Relação, foi-lhe aplicada a medida de detenção provisória, situação em que se encontra; 8 - O pedido de extradição de AA formalizado pelo Estado Brasileiro, através do Departamento de Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça da República Federativa do Brasil, deu entrada na Procuradoria-Geral da República Portuguesa em 12.01.2023; 9 - Recebido o pedido de extradição, a Procuradoria-Geral da República, verificada a sua regularidade formal, submeteu-o, ao abrigo do disposto no n.° 1 do art.° 48.° da Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto, a apreciação de Sua Excelência a Ministra da Justiça, que, por despacho proferido em 26 de Janeiro de 2023, concluiu que «Nestes termos, considerando o disposto nos artigos 1.º, 2.º, n.º 1 e 10.º, n.ºs 1 e 3 da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e bem assim os artigos 3.º e 4.º a contrario da mesma Convenção e 6.º a 8.º a contrario e 48.º, n.º 2 da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, aprovada pela Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, e tendo em conta a informação prestada pela Procuradoria-Geral da República, declaro admissível o pedido de extradição apresentado pela República Federativa do Brasil respeitante a AA.»; 10 - Os factos imputados ao Requerido AA são igualmente puníveis no ordenamento jurídico nacional, de acordo com os art.ºs 131.º, 132.º, 254.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, cabendo-lhes pena máxima abstratamente aplicável de 25 anos de prisão, de 2 anos de prisão ou multa de 240 dias e de 15 anos de prisão, respectivamente; 11 - Quer perante o ordenamento jurídico brasileiro (cfr. art.°s 109.° do C. Penal Brasileiro), quer perante o ordenamento jurídico português (art.° 118.º do C. Penal Português), o procedimento criminal não se encontra prescrito; 12 - Os factos que integram os crimes a que se reporta o presente pedido de extradição não foram objecto de procedimento criminal em Portugal; 13 – Antes de detido, o Extraditando vivia com a sua noiva na Rua ..., ..., ... ..., .... E desta forma justificou o tribunal a quo a concedida extradição: « C – Da Execução do Pedido de Extradição O presente pedido de extradição mostra-se formulado ao abrigo da Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidades dos Países de Língua Portuguesa, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.° 49/2008, de 15 de Setembro, e publicada no Diário da República, Iª Série, n.º 178, de 15.09.2008, e da Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, aprovada pela Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto. Nos termos do art.º 1.º da referida Convenção de Extradição entre Estados Membros da CPLP, os Estados Contratantes obrigam-se a entregar, reciprocamente, segundo as regras e as condições estabelecidas na presente Convenção, as pessoas que se encontrem nos seus respectivos territórios e que sejam procuradas pelas autoridades competentes de outro Estado Contratante, para fins de procedimento criminal ou para cumprimento de pena privativa da liberdade por crime cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente. E, de harmonia com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 2.º da mesma Convenção, dão causa à extradição os factos tipificados como crime segundo as leis do Estado requerente e do Estado requerido, independentemente da denominação dada ao crime, os quais sejam puníveis em ambos os Estados com pena privativa de liberdade de duração máxima não inferior a um ano, sendo que , se a extradição for requerida para o cumprimento de uma pena privativa da liberdade exige-se, ainda, que a parte da pena por cumprir não seja inferior a seis meses. A Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, estabelece no seu artigo 3.º a prevalência do direito internacional convencional sobre o direito interno, consignando que as formas de cooperação a que se refere o artigo 1.º regem-se pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste diploma, sendo subsidiariamente aplicáveis as disposições do Código de Processo Penal. A Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, aprovada pela mencionada Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, acolhe os princípios comumente aceites, tais como o princípio da reciprocidade, da dupla incriminação, do ne bis in idem, da especialidade e da não reextradição. Nos termos previstos no art.º 46.º, n.º 3, da Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto, a fase judicial do processo de extradição é da exclusiva competência do Tribunal da Relação e destina-se a decidir, com audiência do interessado, sobre a concessão da extradição por procedência das suas condições de forma e de fundo, não sendo admitida prova alguma sobre os factos imputados ao extraditando. No caso sub judice, está em causa um pedido de extradição passiva de cidadão brasileiro, AA, para efeito de procedimento criminal, no âmbito do Proc.º ...01, que corre termos na ... Vara do Tribunal do Júri da Capital - Tribunal ..., no qual se encontra acusado da prática de um crime de homicídio e de um crime de ocultação de cadáver, previstos e puníveis pelo disposto nos artigos 121, § 2°, 1 e IV e 211 do Código Penal brasileiro, respectivamente, c/c do art.º 29.º CP, com penas máximas abstratamente aplicáveis de 30 e 3 anos de prisão, respectivamente, e um crime de associação criminosa para tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo disposto no artigo 35° da Lei 11343 de 23 de agosto de 2006, com pena máxima abstratamente aplicável de 10 anos de prisão, por factos praticados em 1 de Março de 2018. Assim, e muito embora aquando da detenção provisória prevista no art.º 21.º da Convenção de Extradição entre Estados Membros da CPLP e no art.º 39.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, se tenha referido que a extradição do Requerido visava o cumprimento de uma pena de 20 anos de prisão em que o mesmo teria sido condenado, certo é que tal referência constitui um lapso, o qual foi corrigido aquando da apresentação do pedido formal de extradição, sendo esclarecido que a extradição visava o procedimento criminal e não o cumprimento de qualquer pena. E o processo referido era, de facto, o Proc.º ...01, que corre termos na ... Vara do Tribunal do Júri da Capital - Tribunal ..., e no qual o Requerido AA se encontra acusado da prática de um crime de homicídio e de um crime de ocultação de cadáver, previstos e puníveis pelo disposto nos artigos 121, § 2°, 1 e IV e 211 do Código Penal brasileiro, respectivamente, c/c art.º 29.º do C. Penal, com penas máximas abstratamente aplicáveis de 30 e 3 anos de prisão, respectivamente, e um crime de associação criminosa para tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo disposto no artigo 35° da Lei 11343 de 23 de agosto de 2006, com pena máxima abstratamente aplicável de 10 anos de prisão, por factos praticados em 1 de Março de 2018. No âmbito de tal processo foi emitido, em 25 de Setembro de 2018, o mandado de detenção para aplicação da prisão preventiva, com o n.º ...- ...01-19, pelo Juiz do Quarto Tribunal ..., Brasil, mandado que justificou a notícia vermelha inserida no sistema de informação policial da INTERPOL com o n.º 2022/51532 (Controlo n.º A-6571/8-2022). Assim, apenas por lapso ficou a constar que estava em causa o cumprimento de uma pena, sendo certo que o Requerido AA ainda não foi julgado no âmbito daquele processo, pelos factos ocorridos em 01.03.2018, processo que com o n.º ...01 corre termos na ... Vara do Tribunal do Júri da Capital - Tribunal .... Tal lapso inicial não coartou, porém, quaisquer direitos do Requerido, já que a detenção foi efectuada por crime que admite a extradição, nos termos previstos no art.º 39.° da Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto. Estando, assim, em causa nos presentes autos um pedido de extradição do Requerido AA para efeito de procedimento criminal, vejamos se se mostram reunidos os requisitos legais necessários ao deferimento de tal pedido. O Requerido está acusado, no âmbito do aludido processo, pela prática de um crime de homicídio e de um crime de ocultação de cadáver, previstos e puníveis pelo disposto nos artigos 121, § 2°, 1 e IV e 211 do Código Penal brasileiro, respectivamente, c/c art.º 29.º do CP, com penas máximas abstratamente aplicáveis de 30 e 3 anos de prisão, respectivamente, e um crime de associação criminosa para tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo disposto no artigo 35.° da Lei 11343 de 23 de Agosto de 2006, com pena máxima abstratamente aplicável de 10 anos de prisão, por factos praticados em 1 de Março de 2018. O ordenamento jurídico português também prevê e pune os factos em causa, os quais integram a prática do crime de homicídio qualificado, nos termos previstos nos art.ºs 131.º e 132.º do Código Penal, punido com pena máxima de 25 anos de prisão, do crime de profanação de cadáver, previsto pelo art.º 254.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal e punido com pena até dois anos de prisão ou multa até 240 dias, e do crime de associação criminosa, previsto e punido pelo art.º 28.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com pena de prisão até 15 anos. Verifica-se, pois, a dupla incriminação quanto a tais factos, nos termos exigidos pelo citado art.º 2.º, n.º 1, da Convenção de Extradição entre Estados Membros da CPLP. Atento o disposto no n.º 1 do art.º 31.º da mencionada Lei de Cooperação Judiciária em Matéria Penal, a extradição pode ter lugar para efeitos de procedimento penal ou para cumprimento de pena ou medida de segurança privativas da liberdade por crime cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente, sendo que, de harmonia com o disposto no n.º 2 do mesmo art.º 31.º, para qualquer desses efeitos, só é admissível a entrega da pessoa reclamada no caso de crime, ainda que tentado, punível pela lei portuguesa e pela lei do Estado requerente com pena ou medida privativas da liberdade de duração máxima não inferior a um ano. O art.º 2.º, n.º 1, da Convenção de Extradição entre Estados Membros da CPLP estipula igualmente que dão causa à extradição os factos tipificados como crime segundo as leis do Estado requerente e do Estado requerido, independentemente da denominação dada ao crime, os quais sejam puníveis em ambos os Estados com pena privativa de liberdade de duração máxima não inferior a um ano. O pedido de extradição mostra-se instruído com todos os elementos exigidos pelos art.ºs 44.º e 48.º da mencionada Lei de Cooperação Judiciária em Matéria Penal. Os factos pelos quais foi requerida a extradição foram praticados no Brasil, estando por isso sujeitos à jurisdição penal exclusiva daquele País. Por outro lado, os factos integradores dos crimes a que se reporta o presente pedido de extradição não foram, nem são objecto de procedimento criminal em Portugal, inexistindo assim qualquer violação do princípio ne bis in idem. O procedimento criminal não se mostra prescrito, nem perante o ordenamento jurídico brasileiro (art.° 109.° do C. Penal Brasileiro), nem perante o ordenamento jurídico português (art.° 118.º do C. Penal Português). O pedido de extradição foi julgado admissível por despacho de Sua Excelência a Ministra da Justiça, requisito formal previsto pelo art.º 48.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, que, no entanto, não vincula a autoridade judiciária. Perante os todos os elementos referidos, poderá ter lugar a extradição. Não obstante, vejamos se se verifica alguma causa de exclusão da extradição. O art.º 32.º Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal prevê os casos em que é excluída a extradição nos seguintes termos: «1 - Para além dos casos referidos nos artigos 6.º a 8.º, a extradição é excluída quando: a) O crime tiver sido cometido em território português; b) A pessoa reclamada tiver nacionalidade portuguesa, salvo o disposto no número seguinte. 2 - É admissível a extradição de cidadãos portugueses do território nacional desde que: a) A extradição de nacionais esteja estabelecida em tratado, convenção ou acordo de que Portugal seja parte; b) Os factos configurem casos de terrorismo ou criminalidade internacional organizada; e c) A ordem jurídica do Estado requerente consagre garantias de um processo justo e equitativo. 3 - No caso previsto no número anterior, a extradição apenas terá lugar para fins de procedimento penal e desde que o Estado requerente garanta a devolução da pessoa extraditada a Portugal, para cumprimento da pena ou medida que lhe venha a ser aplicada, após revisão e confirmação nos termos do direito português, salvo se essa pessoa se opuser à devolução por declaração expressa. 4 - Para efeitos de apreciação das garantias a que se refere a alínea c) do n.º 2, ter-se-á em conta o respeito das exigências da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e de outros instrumentos internacionais relevantes na matéria ratificados por Portugal, bem como as condições de protecção contra as situações a que se referem as alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 6.º 5 - Quando for negada a extradição com fundamento nas alíneas do n.º 1 do presente artigo ou nas alíneas d), e) e f) do n.º 1 do artigo 6.º, é instaurado procedimento penal pelos factos que fundamentam o pedido, sendo solicitados ao Estado requerente os elementos necessários. O juiz pode impor as medidas cautelares que se afigurem adequadas. 6 - A qualidade de nacional é apreciada no momento em que seja tomada a decisão sobre a extradição. 7 - Acordos especiais, no âmbito de alianças militares ou de outra natureza, poderão admitir crimes militares como fundamento de extradição. E, nos termos do art.º 6.º da mesma Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, que estabelece os requisitos gerais negativos da cooperação internacional, o pedido de cooperação é recusado quando: a) O processo não satisfizer ou não respeitar as exigências da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950, ou de outros instrumentos internacionais relevantes na matéria, ratificados por Portugal; b) Houver fundadas razões para crer que a cooperação é solicitada com o fim de perseguir ou punir uma pessoa em virtude da sua raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, das suas convicções políticas ou ideológicas ou da sua pertença a um grupo social determinado; c) Existir risco de agravamento da situação processual de uma pessoa por qualquer das razões indicadas na alínea anterior; d) Puder conduzir a julgamento por um tribunal de excepção ou respeitar a execução de sentença proferida por um tribunal dessa natureza; e) O facto a que respeita for punível com pena de morte ou outra de que possa resultar lesão irreversível da integridade da pessoa; f) Respeitar a infracção a que corresponda pena de prisão ou medida de segurança com carácter perpétuo ou de duração indefinida. 2 - O disposto nas alíneas e) e f) do número anterior não obsta à cooperação: a) Se o Estado que formula o pedido, por acto irrevogável e vinculativo para os seus tribunais ou outras entidades competentes para a execução da pena, tiver previamente comutado a pena de morte ou outra de que possa resultar lesão irreversível da integridade da pessoa ou tiver retirado carácter perpétuo ou duração indefinida à pena ou medida de segurança; b) Se, com respeito a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requerente, pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, o Estado requerente oferecer garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada; c) Se o Estado que formula o pedido aceitar a conversão das mesmas penas ou medidas por um tribunal português segundo as disposições da lei portuguesa aplicáveis ao crime que motivou a condenação; ou d) Se o pedido respeitar ao auxílio previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 1.º, solicitado com fundamento na relevância do acto para presumível não aplicação dessas penas ou medidas. 3 - Para efeitos de apreciação da suficiência das garantias a que se refere a alínea b) do número anterior, ter-se-á em conta, nomeadamente, nos termos da legislação e da prática do Estado requerente, a possibilidade de não aplicação da pena, de reapreciação da situação da pessoa reclamada e de concessão da liberdade condicional, bem como a possibilidade de indulto, perdão, comutação de pena ou medida análoga, previstos na legislação do Estado requerente. 4 - O pedido de cooperação é ainda recusado quando não estiver garantida a reciprocidade, salvo o disposto no n.º 3 do artigo 4.º 5 - Quando for negada a extradição com base nas alíneas d), e) e f) do n.º 1, aplica-se o mecanismo de cooperação previsto no n.º 5 do artigo 32.º O art.º 7.º da mesma Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal prevê ainda a recusa da extradição com base na natureza da infracção, estabelecendo: «1 - O pedido é também recusado quando o processo respeitar a facto que constituir: a) Infracção de natureza política ou infracção conexa a infracção política segundo as concepções do direito português; b) Crime militar que não seja simultaneamente previsto na lei penal comum. 2 - Não se consideram de natureza política: a) O genocídio, os crimes contra a Humanidade, os crimes de guerra e infracções graves segundo as Convenções de Genebra de 1949; b) As infracções referidas no artigo 1.º da Convenção Europeia para a Repressão do Terrorismo, aberta para assinatura a 27 de Janeiro de 1977; c) Os actos referidos na Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adoptada pela Assembleia das Nações Unidas em 17 de Dezembro de 1984; d) Quaisquer outros crimes a que seja retirada natureza política por tratado, convenção ou acordo internacional de que Portugal seja parte.» Por fim, o art.º 8.º da mesma Lei prevê a exclusão da cooperação se se verificar a extinção do procedimento penal, estipulando: «1 - A cooperação não é admissível se, em Portugal ou noutro Estado em que tenha sido instaurado procedimento pelo mesmo facto: a) O processo tiver terminado com sentença absolutória transitada em julgado ou com decisão de arquivamento; b) A sentença condenatória se encontrar cumprida ou não puder ser cumprida segundo o direito do Estado em que foi proferida; c) O procedimento se encontrar extinto por qualquer outro motivo, salvo se este se encontrar previsto, em convenção internacional, como não obstando à cooperação por parte do Estado requerido. 2 - O disposto nas alíneas a) e b) do número anterior não se aplica se a autoridade estrangeira que formula o pedido o justificar para fins de revisão da sentença e os fundamentos desta forem idênticos aos admitidos no direito português. 3 - O disposto na alínea a) do n.º 1 não obsta à cooperação com fundamento na reabertura de processo arquivado previsto na lei.» Ora, perante o pedido formulado nos autos e seus fundamentos, é manifesto que não se verifica qualquer das situações que poderiam levar à recusa da extradição previstas nos art.ºs 6.º a 8.º e 32.º Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, aprovada pela Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto. Nos termos previstos no n.º 2 do art.º 55.º do mencionada Lei, a oposição só pode fundamentar-se em não ser o detido a pessoa reclamada ou em não se verificarem os pressupostos da extradição. O Extraditando deduziu oposição ao pedido de extradição, alegando essencialmente que o processo-crime que corre nas instâncias judiciais brasileiras não tem decisão judicial de condenação, mas apenas uma acusação formal contra o extraditando, formulada pelo Ministério Público do ..., ... Promotoria de Justiça Criminal, junto da ... Vara do Júri da capital, no Brasil, que o artigo 10.º da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) dispõe que “Quando se tratar de pedido para procedimento criminal, o pedido de extradição deverá ser acompanhado de original ou cópia certificada do mandado de prisão ou de ato processual equivalente”, e que não foi cumprido o disposto na referida disposição legal, já que, estando em causa um pedido de extradição para procedimento criminal, o pedido de extradição não foi acompanhado da decisão que ordena a prisão preventiva e seus fundamentos. Em face disso considera que deve recusar-se a extradição, por deficiência de instrução do pedido. O Ministério Público respondeu à oposição deduzida sustentando não assistir razão ao Extraditando já que, contrariamente ao por ele alegado, consta da instrução deste processo cópia do Mandado de Prisão nº ...- ...01-19, emitido a 25.09.2018 pela ... Vara do Tribunal do Júri da Capital, na cidade ..., pelo Senhor Juiz GG, com data de validade até 25.09.2038, que a notícia vermelha que instruiu o pedido de extradição de AA encontra-se devidamente elaborada, estando o Extraditando identificado através de quatro documentos, a saber, o n.º de Identificação Nacional, a Carta de Condução, o Cartão de Identidade e o Passaporte, mostrando-se ainda descrita a conduta criminosa que lhe é imputada, bem como junta ao processo cópia da acusação deduzida em 04.09.2018, peça processual emitida pelo Ministério Público do ... – ... Promotoria de Justiça Criminal da Capital (Central de Inquéritos), de tudo concluindo que deve ser dado provimento ao pedido de extradição julgado admissível pela Senhora Ministra da Justiça. Tem efectivamente razão o Ministério Público. Com efeito, o mandado de detenção com o n.º       ...- ...01-19, da ... Vara do Tribunal do Júri da Capital, com data de validade até 25.09.2038, emitido em 25.09.2018, na cidade ..., pelo Senhor Juiz GG, mostra-se junto ao pedido de extradição formulado pelo Estado Brasileiro. E foi com base em tal mandado de detenção, emitido em 25 de Setembro de 2018, com o n.º ...- ...01-19, que o pedido de detenção do Requerido foi inserido no sistema de informação policial da INTERPOL com o n.º 2022/51532 (Controlo n.º A-6571/8-2022). É, pois, evidente a falta de razão do Extraditando, mostrando-se o processo instruído com todos os elementos necessários, nos termos atrás referidos. Como acima vimos, sob a epígrafe «Obrigação de extraditar», determina-se no art.º 1.º da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa que os Estados Contratantes obrigam-se a entregar, reciprocamente, segundo as regras e as condições estabelecidas na presente Convenção, as pessoas que se encontrem nos seus respectivos territórios e que sejam procuradas pelas autoridades competentes de outro Estado Contratante, para fins de procedimento criminal ou para cumprimento de pena privativa da liberdade por crime cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente. No caso em apreço, é manifesto que o pedido de extradição satisfaz os requisitos previstos nos art.ºs 1.º e 2.° da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, e ainda o disposto no art.º 31.º da Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto, mostrando-se devidamente instruído. Por outro lado, não se verifica qualquer causa de recusa de extradição legalmente prevista. Nestes termos, inexistindo razões que pudessem fundamentar a recusa de cooperação internacional, mostrando-se reunidos todos os pressupostos necessários ao deferimento do pedido de extradição, há que autorizar o mesmo». IV. Aqui chegados:            Como facilmente se alcança da leitura da motivação de recurso, o recorrente coloca à apreciação deste Supremo Tribunal de Justiça uma questão inteiramente nova, que não havia suscitado na oposição que deduziu ao pedido de extradição e que, por isso e necessariamente, não foi objecto de conhecimento no acórdão recorrido. Com efeito, só em sede recursiva o extraditando suscitou a possibilidade de, em caso de extradição, ser “alvo de retaliações na decorrência da denúncia que efetuou, designadamente contra o mandante do crime, havendo sérios riscos de ver afetada a sua integridade física e até a sua vida”, para os efeitos previstos no artº 18º, nº 2, da Lei 144/99 de 31 de Agosto. E dispõe-se em tal preceito: “Pode ainda ser negada a cooperação quando, tendo em conta as circunstâncias do facto, o deferimento do pedido possa implicar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal”. Ora, como é consabido, “os recursos não se destinam a conhecer de questões novas, antes são remédios jurídicos, destinados a eliminar os erros de apreciação e de julgamento cometidos no tribunal recorrido. É com base no texto da decisão recorrida que o tribunal de recurso julga, pelo que todas as questões que não tenham sido conhecidas pelo tribunal recorrido não podem ser suscitadas ex novo pelo recorrente no tribunal de recurso” [1]. E daí que este recurso estivesse, desde logo, condenado ao insucesso. Mas ainda que assim não fosse: Corre o recorrente corre risco de vida ou de ver afectada a sua integridade física se regressar ao Brasil? O recorrente fundamenta a existência desse risco numa pretensa ameaça de morte que entende poder extrair-se de um trecho de uma conversação/mensagem havida entre o ora recorrente e o pretenso mandante do crime denunciado, constante do auto de notícia junto ao presente processo de extradição. De um lado, como bem refere o Exmº Procurador-Geral Adjunto na resposta que ofereceu ao recurso, “do segmento do trecho transcrito, que alegadamente refere a promessa de comissão de um crime de ofensa à integridade física ou à vida, não se pode extrair a ilação feita pelo recorrente. Naquele trecho o locutor formula frase declarativa, sem o potencial ofensivo sugerido de prenúncio de mal ou de aviso de mal”. De outro: Posto que o dito mal tanto pode concretizar-se no Brasil como em Portugal, admite-se que o recorrente pretenda afirmar que a extradição facilitará a concretização da pretensa ameaça, pelo facto de o mesmo ficar recluso em estabelecimento prisional brasileiro, como se desse facto decorresse um aumento de perigo para a sua própria segurança quando, efectivamente, seria de supor o contrário. A verdade é que o Brasil é um Estado democrático, assente em princípios fundamentais como a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e a separação de poderes, regendo-se nas suas relações internacionais pelos princípios da prevalência dos direitos humanos, sendo certo que subscreveu inúmeras convenções internacionais respeitantes aos direitos humanos e à Cooperação Judiciária Internacional, nomeadamente a Convenção de 1987 contra a tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes [2] e a Convenção de extradição entre os Estados membros da CPLP [3], razão pela qual as autoridades brasileiras não deixarão de assegurar, de forma integral, o respeito pelos direitos fundamentais do extraditando e, nomeadamente, a sua própria integridade física. Como, aliás, se refere no Ac. STJ de 7/9/2017, Proc. 483/16.7YRLSB.S1, «Tendo cada país um regime político-criminal próprio os países subscritores da Convenção da CPLP não deixaram de ter em conta uma comum identidade de princípios e valores de defesa dos direitos humanos quando reciprocamente se obrigaram à extradição enquanto forma de cooperação judiciária internacional em matéria penal, de forma a combater de forma eficaz a criminalidade. E no que respeita ao Brasil, que é hoje indiscutivelmente um país democrático, é desde logo a Constituição da República que no seu art.º 1.º garante a dignidade da pessoa humana, a independência dos poderes (legislativo, executivo e judiciário) (art.º 2.º), a regência das suas relações internacionais com prevalência dos direitos humanos (…) e a concessão de asilo político (art.º 4.º). No art.º 5.º garante que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; (…) XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; (…) XLVIII – a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; (…) LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;  Para além disso, o Brasil é um Estado Parte do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas (1966), que ratificou em 1992, bem como da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969) e que, à semelhança da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, não deixam de lhe conferir o direito a um processo justo e equitativo, no modo como é consagrado pelo art.º 6.º desta Convenção e acolhido no art.º 20.º da CRP, como, de resto, explanou o acórdão recorrido, do direito à publicidade, direito ao contraditório, direito à igualdade de armas, direito a estar presente, direito ao silêncio e direito a julgamento em prazo razoável». Daí que haja que concluir pela inexistência desse perigo para a vida ou integridade física do recorrente, subsequente à concessão da extradição. De outro lado, como se refere no acórdão deste STJ, de 30/10/2013, Proc. 86/13.8YREVR.S1, “A Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP não prevê a possibilidade de recusa de extradição com fundamento no alegado funcionamento deficiente do sistema de justiça e do sistema prisional do Estado emissor do pedido de cooperação”.  E isto porque à dita Convenção “encontra-se subjacente a ideia de cooperação judiciária internacional em matéria penal, tendo em vista o combate célere e eficaz da criminalidade, na base da confiança recíproca entre os Estados contratantes e do reconhecimento mútuo, princípios através dos quais se garante que as decisões judiciais de qualquer um dos Estados serão respeitadas e tomadas em consideração por todos os outros Estados nos precisos termos em que foram proferidas”. Ou, como se refere no Ac. STJ de 22/4/2020, Proc. 499/18.9YRLSB.S1, “O princípio de confiança mútua que subjaz e constitui o cerne da cooperação judiciária internacional funda-se na convicção de que todos os subscritores dos instrumentos daquela cooperação comungam de um conjunto de valores nucleares tributários dos direitos do Homem, estando sujeitos aos mesmos mecanismos específicos e comuns da garantia daqueles valores”. [4] E também por aí improcede a pretensão do recorrente.  V. Por tudo quanto exposto fica, acordam os Juízes desta 3.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto por AA, mantendo integralmente o douto acórdão recorrido. b) Sem custas - artigo 73.º, nº 1 da Lei n.º 144/99, de 31/08. Lisboa, (processado e revisto pelo relator, nos termos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP). Sénio Alves (Juiz Conselheiro relator) Ana Brito (Juíza Conselheira adjunta) M. Carmo Silva Dias (Juíza Conselheira adjunta) ______ [1] Ac. STJ de 18/2/2016, Proc. 207/15.6YRCBR.S1, disponível, como todos relativamente aos quais não for indicada fonte diversa, em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, cfr., a título meramente exemplificativo, Acs. STJ de 25/3/2010, Proc. 76/10.2YRLSB.S1, de 22/11/2017, Proc. 1323/17.5YRLSB.S1, de 9/9/2020, Proc. 132/19.1YREVR.S1 e de 3/2/2022, Proc. 2865/21.3YRLSB.S1. [2] Aprovada pelo Congresso Nacional, através do Decreto Legislativo nº 4, de 23 de Maio de 1989, ratificado pelo Decreto do Presidente da República nº 40, de 15 de Fevereiro de 1991. [3] Tal Convenção foi igualmente ratificada pelo Decreto da Presidente da República Federativa do Brasil nº 7.935, de 19/2/2013, sendo certo que o Congresso Nacional havia já aprovado tal Convenção através do Decreto Legislativo nº 45 de 30/3/2009. [4] Ainda neste sentido, cfr. Ac. STJ de 21/4/2021, Proc. 5/21.8YREVR.S1, com o mesmo relator deste acórdão.

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