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Acórdão STJ de 2010-11-02

726/08.0TBESP-D.P1.S1

TribunalSupremo Tribunal de Justiça
Processo726/08.0TBESP-D.P1.S1
Nº Convencional1.ª SECÇÃO
RelatorHelder Roque
DescritoresDivórcio por Mútuo Consentimento, Regime de Comunhão de Adquiridos, Inventário, Partilha dos Bens do Casal, Anulação da Partilha, Bens Próprios, Bens Comuns
Data do Acordão2010-11-02
VotaçãoUnanimidade
Referência de PublicaçãoCJASTJ, ANO XVIII, TOMO III/2010, P. 153
Privacidade1
Meio ProcessualREVISTA
DecisãoConcedida Parcialmente a Revista
Área TemáticaDireito Civil - Direito da Família
Doutrina- Abel Pereira Delgado, O Divórcio, 27. - Alberto dos Reis, Processos Especiais, II, 449. - Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, VII, 196. - Guilherme de Oliveira, Sobre o Contrato-Promessa de Partilha de Bens Comuns, RLJ, Ano 129º (1996), 279 a 287; e Temas de Direito da Família, 1, Coimbra Editora, 1999, 236. - Pereira Coelho, Curso de Direito de Família, edição policopiada de 1986, 563, 565 e 569. - Pereira Coelho, Curso de Direito de Família, 1977, 483, nota 1. - Pereira Coelho, Reforma do Código Civil, 1981, 48. - Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito de Família, I, 3ª edição, 2003, 484 e seguintes e 589. - Pires de Lima, RLJ, Ano 99º, 172. - Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, IV, 2ª edição, revista e actualizada, 1987, 561. - Rita Lobo Xavier, em comentário ao Acórdão do STJ, de 26-5-1993, RDES, 1994, 155. - Rita Lobo Xavier, Limites à Autonomia Privada na Disciplina das Relações Patrimoniais Entre os Cônjuges, 389 e 390. - Santoro-Passarelli, Teoria Geral do Direito Civil, 1967, 181 e 186.
Legislação NacionalCÓDIGO CIVIL (CC)- NA REDACÇÃO ANTERIOR À RESULTANTE DA REFERIDA LEI Nº 61/2008, DE 31 DE OUTUBRO: - ARTIGOS 294.º, 857.º, 1412.º, 1688.º, 1689.º, 1721.º, 1723.º, B), 1724.º, A), 1768.º, 1775.º, NºS 1, 2 E 3, 1776.º, NºS 1 E 2, 1778.º, 1789.º, 2101.º, NºS 1 E 2, 2102.º, Nº 1. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 497.º, Nº 1 E 498.º, NºS 1 E 3, 673.º, 1404.º, 1407.º, NºS 2 E 3, 1419.º, Nº 1, 1420.º, Nº 1. DL N.º 324/2007, DE 28 DE SETEMBRO, QUE DEU NOVA REDACÇÃO AO ARTIGO 14°, Nº 2, DO DL N.º 272/2001, DE 13 DE OUTUBRO. CÓDIGO DE REGISTO CIVIL: - ARTIGOS 272.º, Nº 1, B), 272.º-A, NºS 1 E 2. CÓDIGO DO TRABALHO DE 2003: - ARTIGO 394.º, N.º4.
Jurisprudência NacionalACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 6-6-1991, BMJ Nº 408º, 575; - DE 7-4-1992, BMJ Nº 416º, 547; - DE 17-11-1994, CJ (STJ), ANO II, T3, 148; - DE 21-2-2006, SJ200602210017014, IN WWW.DGSI.PT .

Sumário

I - A relação especificada dos bens comuns do casal não importa o acordo dos cônjuges quanto à partilha dos respectivos bens, o que significa que se destina, tão-só, a protegê-los contra os riscos de, após o divórcio, virem a ser surpreendidos com a acusação da respectiva omissão. II - Os cônjuges não podem modificar o seu estatuto patrimonial depois da celebração do casamento, não podendo, designadamente, bens comuns ser atribuídos, em propriedade exclusiva, a qualquer deles, ou os bens próprios entrar na comunhão ou ser transmitidos, onerosa ou irrevogavelmente, de um para o outro, com excepção do regime das doações entre casados, não havendo lugar à alteração do valor das massas patrimoniais do casal. III - Sendo a partilha dos bens do casal uma consequência da cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges, a que, obviamente, só se procede, após esta cessação, por mútuo acordo, é, porém, nula quando realizada, na pendência do casamento e antes de findas as relações patrimoniais. IV - A sentença que decretou o divórcio, por mútuo consentimento, não constituiu caso julgado, relativamente à questão do acordo de partilha parcial dos bens comuns do casal, quanto à posterior partilha dos mesmos. V - Encontrando-se os cônjuges ainda casados, por ocasião em que a compensação pecuniária, de natureza global, referente a indemnização em substituição de créditos laborais, foi recebida por um deles, o mesmo bem, ao entrar na esfera patrimonial deste, assumiu, imediatamente, a qualidade de bem comum do casal, passando a estar sujeito, desde a propositura da acção, ao regime da partilha dos bens comuns, em consequência de divórcio.


Texto Integral

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (1): Procede-se a inventário para partilha dos bens comuns do casal dissolvido, composto por AA e BB, na sequência da acção de divórcio litigioso instaurada por esta contra aquele, em cuja tentativa de conciliação e, após conversão do divórcio litigioso em divórcio, por mútuo consentimento, foi proferida sentença que decretou o divórcio, por mútuo consentimento, entre ambos, e, ao abrigo do disposto pelo artigo 1778º, do Código Civil (CC), homologou, definitivamente, os acordos que ficaram a constar da acta. Apresentada a relação especificada dos bens comuns móveis pelo cabeça-de-casal, AA, foi a mesma objecto de reclamação, por parte da requerida, BB, que se opôs à inclusão nos bens partíveis dos que foram relacionados, sob as verbas nº 1 a 36 e 37 e 38 da referida relação de bens, por considerar que já tinham sido adjudicados à requerida as verbas nºs 1 a 36, e ao requerente as verbas nºs 37 e 38, como parte integrante do acordo estabelecido no processo de divórcio, por mútuo consentimento, solicitando ainda a exclusão da verba nº 39, por entender não se tratar de um bem comum do casal, e bem assim como a inclusão nos bens comuns a relacionar do saldo da conta bancária do M... BCP, da quantia de €66.768,93, referente ao valor pago ao cabeça-de-casal, a título de créditos salariais, e bem assim como do valor dos salários pagos ao mesmo, nos meses decorridos desde que foi decretado o arrolamento. Esta reclamação veio a ser decidida, por despacho datado de 24 de Outubro de 2009, que a julgou, parcialmente, procedente, sendo determinado que o cabeça-de-casal apresentasse uma nova relação de bens, da qual exclua a verba nº 39 [A] e inclua o saldo da conta bancária nº ... do M... BCP [B1] e metade do salário auferido relativo ao mês de Julho de 2008, no montante de €892,56 [B2]. Desta decisão, a interessada BB interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado, parcialmente, procedente a apelação, e, alterando a decisão recorrida, determinou que sejam eliminados da relação de bens comuns a partilhar os bens constantes das verbas nºs 1 a 36, por se considerar terem sido já objecto de partilha entre os ora recorrente e recorrido, nos termos que ficaram a constar do acordo consignado em acta de tentativa de conciliação, e homologado por sentença que, na mesma altura, foi proferida, e bem assim como que seja aditada à mesma relação, como bem comum a partilhar, uma verba respeitante ao valor correspondente à quantia de €66.768,93, recebida pelo recorrido, a título de compensação pecuniária, de natureza global, por créditos laborais, em tudo o mais considerando improcedente o recurso e confirmando a decisão recorrida. Do acórdão da Relação do Porto, o interessado AA interpôs recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, no que concerne à primeira e segunda questões apreciadas, com a confirmação, na totalidade, da douta sentença do Tribunal de 1ª instância, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1ª - No que concerne à primeira questão apreciada pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, 2ª - Não fez uma correcta apreciação dos factos constantes do despacho recorrido, porquanto: 3ª - Concluiu que toda a fundamentação legal invocada pela ora recorrida não tinha aplicabilidade ao caso concreto. 4ª - Fundamentou o seu acórdão, no que a esta matéria diz respeito, apenas na interpretação parcial que fez do teor do acordo de vontades, constante da acta de convolação de divórcio litigioso em mútuo, relegando na sua apreciação o ponto 4 do acordo. 5ª – Ignorou o facto de os bens constantes dos pontos 5 e 6 do acordo serem os mesmos que se encontravam arrolados nos processos de arrolamento apensos. 6ª - Ignorou também o facto de as partes terem acordado a partilha de tais bens oportunamente. 7ª - Não tendo tido matéria de facto ou de direito suficiente para fundamentar e concluir o seu acórdão da forma como o fez. 8ª - Por último e no que toca a esta questão não podemos deixar de referir que o Venerando Tribunal da Relação do Porto quer na sua fundamentação quer na sua conclusão, omitiu por completo a sua decisão relativamente aos bens constantes do ponto 6 do acordo, constantes das verbas 37 e 38 da relação de bens. Por isto também andou mal o Venerando Tribunal. 9ª - No que concerne à segunda questão apreciada pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, 10ª - Ignorou o Venerando Tribunal da Relação do Porto, o facto de no montante da indemnização recebida pelo ora recorrente, estar incluído o vencimento de Dezembro de 2008. 11ª - Encontrando-se em plena contradição com o decidido na terceira questão do acórdão ora recorrido. 12ª - Andou mal ao afastar a aplicabilidade do disposto no n°1 do artigo 1789°, do Código Civil, ao caso em apreço. 13ª - Fundamentou esse afastamento em disposições legais e doutrina que ao caso não são aplicáveis, em virtude da imperatividade, alcance e eficácia do disposto no n° 1 do artigo 1789° do Código Civil. 14ª - No que concerne à terceira questão apreciada pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, 15ª - Nada a apontar, porquanto, teve, tal como o Tribunal a quo, uma correcta apreciação dos factos, e decidiu a contento da Lei, aplicando o disposto no n° 1 do artigo 1 789° do Código Civil. Nas suas contra-alegações, a interessada BB conclui no sentido da confirmação do acórdão recorrido. O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz, acrescentando-lhe, porém, dois novos, sob os nºs 9 e 10, com base nas disposições combinadas dos artigos 369º, nº 1 e 371º, nº 1, do CC, 659º, nº 3, 713º, nº 2 e 726º, do CPC: 1. Nos autos de divórcio litigioso que, sob o nº 726/08.0TBESP, correram termos no Tribunal Judicial de Espinho, 2° Juízo, sendo autora, a ora recorrida, BB, e réu, o ora recorrente, AA, teve lugar, a 27 de Janeiro de 2009, tentativa de conciliação, tendo os ali autora e réu declarado pretender a conversão do divórcio litigioso em divórcio, por mútuo consentimento, para o que formularam os seguintes acordos: "1) Autores partes acordam em fixar o valor da pensão de alimentos, a título definitivo, a pagar pelo réu AA à autora BB, em €500,00 (quinhentos euros) mensais, que o réu deverá pagar através de transferência bancária, para o NIB que a Ilustre Mandatária da autora se compromete a indicar aos autos no prazo de 5 dias, até ao dia 8 de cada mês, iniciando-se tal pagamento no próximo mês de Fevereiro, nada mais havendo a exigir a título de alimentos. 2) Não existem filhos menores. 3) Autores partes acordam que a casa de morada de família seja atribuída à autora BB. 4) Autores partes acordam que os bens comuns a partilhar, oportunamente, correspondem àqueles cujo arrolamento foi ordenado nos respectivos processos de arrolamento apensos. 5) Autora e Réu, desde já acordam, em relação aos bens móveis que compõem o recheio da casa morada de família, que os mesmos fiquem a pertencer à autora. 6) As partes acordam, que o veículo descrito na verba 38 do requerimento inicial do apenso B e o material descrito na verba 37 dessa mesma peça e desse mesmo apenso, no estado em que se encontrarem, fiquem a pertencer ao réu. 7) Em relação aos restantes bens arrolados, que se resumem a quantias pecuniárias, autora e réu comprometem-se a dividi-las, em sede própria e oportunamente". 2. Seguidamente, a Mmª Juiz proferiu sentença em que, para além do mais decretou: "… Atento o propósito dos cônjuges em se divorciarem por Mútuo Consentimento e verificados que estão os requisitos previstos nos artigos 1775º do Código Civil e 1407º, nº 2 e 3 do Código do Processo Civil, ainda ao abrigo do artigo 1778º daquela Lei substantiva, homologo definitivamente os acordos que antecedem e, em consequência, decreto o divórcio por Mútuo Consentimento entre BB, residente na R... , Nº ..., ...º S..., ... E... e AA, residente na R... ..., nº ..., ...º andar, ... E...." 3. Na decisão que, após produção de prova, recaiu sobre a reclamação da relação de bens apresentada nos autos de Inventário para Partilha de Bens em Casos Especiais, que correm termos, no Tribunal Judicial de Espinho, 2° Juízo, com o nº 726/08.0TBESP-C, vem dada como adquirida a seguinte factualidade, que ora releva para a decisão das questões em apreço: 4. Que, conforme decorre do processo de divórcio litigioso apenso, as verbas indicadas sob os números 1 a 36 foram adjudicadas à requerida, enquanto acordo integrante do processo de divorcio, por mútuo consentimento, com o n°726/08.0TBESP, que correu termos, no 2° juízo deste tribunal, conforme consta do ponto 5 da acta de tentativa de conciliação que veio a ser homologada, por sentença judicial, proferida naqueles autos, em 27 de Janeiro de 2009, e já transitada em julgado. 5. Resulta ainda dali que as verbas nºs 37 e 38 foram adjudicadas ao requerente, no ponto 6 daquela acta de tentativa de conciliação. 6. Quanto à verba nº 39, resultou demonstrado, através dos depoimentos simples e coerentes das testemunhas irmãs da reclamante, que estas receberam, por morte de sua mãe, cerca de 15.000,00€, cada uma, e ainda que BB utilizou tal montante para constituir um certificado de aforro. 7. Consta do ponto 4 do acordo integrante do processo de divorcio por mútuo consentimento, com o n° 726/0B.OTBESP, que correu termos no 2° Juízo deste Tribunal – acta de tentativa de conciliação que veio a ser homologada, por sentença judicial, proferida naqueles autos, em 27 de Janeiro de 2009, e já transitada em julgado - que "Autores partes acordam que os bens comuns a partilhar, oportunamente, correspondem àqueles cujo arrolamento foi ordenado nos respectivos processos de arrolamento apensos". 8. Conforme carta da CC-B...S.A.., datada de 3 de Março de 2009, junta aos autos de arrolamento a folhas 309, foi paga ao cabeça-de-casal, ora recorrente, pela CC-B...S.A.., a quantia de 66.768,93€, recebida pelo recorrido, em final de 2008, a título de compensação pecuniária, de natureza global, por créditos salariais. 9. A acção de divórcio, aludida em 1 e 2, deu entrada em juízo, a 16 de Julho de 2008 – acórdão recorrido. 10. Os interessados AA e BB foram casados um com o outro, segundo o regime da comunhão de adquiridos – acórdão recorrido. * Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir. As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes: I – A questão da partilha parcial dos bens realizada nos autos onde foi decretado o divórcio, por mútuo consentimento, por conversão do divórcio litigioso, por sentença que homologou os acordos, incluindo o acordo relativo à partilha de bens comuns. II – A questão da excepção do caso julgado. III – A questão da natureza jurídica do bem resultante de indemnização emergente de contrato de trabalho do cabeça-de-casal, que nasceu, perdurou e cessou durante a vigência do casamento. I. DA PARTILHA REALIZADA EM DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO RESULTANTE DA CONVERSÃO DO DIVÓRCIO LITIGIOSO I. 1. Muito embora não venha certificada a data da entrada em juízo da acção de divórcio, importa concluir, tal como foi decidido pelo acórdão recorrido, e obteve a aquiescência de ambas as partes, que não impugnaram esse entendimento, que se trata de processo instaurado ainda antes das alterações verificadas quanto ao regime de divórcio, introduzidas pela Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, que entrou em vigor, a 30 de Novembro de 2008, portanto, sem aplicação aos processos pendentes, como se trata do caso em apreço, já que este diploma, entre outras alterações, veio abolir o divórcio litigioso, passando o divórcio a assumir as modalidades de divórcio, por mútuo consentimento, e de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, atendendo ao estipulado pelos artigos 1775º, nº1 e 1779º, nº 1, ambos do CC, na redacção introduzida pelo artigo 1º, da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro. Deste modo, a situação em análise e, em particular, a presente questão a solucionar, deve ser decidida, à luz do Código Civil, na redacção anterior à resultante da referida Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro. Determina o artigo 1407º, nº 3, do CPC, com referência ao artigo 1776º, nº 2, do CC, que, na tentativa de conciliação, ou em qualquer altura do processo, as partes poderão acordar no divórcio, por mútuo consentimento, quando se verifiquem os necessários pressupostos. Por seu turno, o divórcio, por mútuo consentimento, só pode ser decretado quando estiverem reunidos determinados requisitos, para além da exigência fundamental do recíproco consenso dos cônjuges, que se consubstanciam na subscrição de acordos sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça, o exercício das responsabilidades parentais, relativamente aos filhos menores, e o destino da casa de morada de família, em termos de os interesses dos próprios cônjuges e dos filhos ficarem, suficientemente, acautelados (2), consoante flui do disposto pelo artigo 1775º, nºs 1, 2 e 3, do CC. São estes e apenas estes os pressupostos determinantes para que, no âmbito do processo de divórcio litigioso, então, vigente, os cônjuges pudessem acordar na sua convolação em divórcio, por mútuo consentimento. Por sua vez, o artigo 1419º, nº 1, do CPC, estabelece que o requerimento para o divórcio, por mútuo consentimento, será assinado por ambos os cônjuges ou pelos seus procuradores e instruído com os seguintes documentos: certidão de narrativa completa do registo de nascimento [a]; relação especificada dos bens comuns, com indicação dos respectivos valores [b]; acordo que hajam celebrado sobre o exercício do poder paternal, relativamente aos filhos menores, se os houver [c]; acordo sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que careça deles [d]; certidão da convenção antenupcial e do seu registo, se os houver [e] e acordo sobre o destino da casa de morada da família [f]. A relação especificada dos bens comuns não importa o acordo dos cônjuges quanto à partilha dos respectivos bens, o que significa que se destina, tão-só, a protegê-los contra os riscos de, após o divórcio, virem a ser surpreendidos com a acusação da respectiva omissão. E a falta de algum dos documentos exigidos pelo artigo 1419º, nº 1, do CPC, pode determinar o indeferimento liminar do requerimento de divórcio, por mútuo consentimento (3), ou, pelo menos, o sobrestar na sua apreciação, com vista à designação da conferência, a que aludem os artigos 1776º, nº 1, do CC, e 1420º, nº 1, do CPC, enquanto a omissão não for sanada pelos interessados. Na hipótese em apreço, encontravam-se presentes todos os documentos obrigatórios, muito embora os interessados tenham junto aos autos, igualmente, um documento donde constava um acordo quanto aos bens móveis que compõem o recheio da casa morada de família, que ficariam a pertencer à autora BB, e ao veículo descrito, na verba 38 do requerimento inicial do apenso B, e ao material descrito, na verba 37 dessa mesma peça e desse mesmo apenso, no estado em que se encontrassem, que ficariam a pertencer ao réu AA, ao passo que, em relação aos restantes bens arrolados, que se resumem a quantias pecuniárias, autora e réu comprometeram-se a dividi-los, em sede própria, e, oportunamente. Por isso, considerando que os cônjuges haviam junto aos autos todos os documentos e acordos indispensáveis à aludida conversão do divórcio litigioso, foi decretado o divórcio, por mútuo consentimento, com base no preceituado pelos artigos 1775º e 1778º, do CC, e 1407º, nºs 2, 3 e 4 e 1419º, do CPC. I. 2. Os cônjuges têm direito à meação no património comum, sabendo cada um deles que goza da prerrogativa de ver preenchida essa metade, no momento da dissolução do casamento, e ainda que o valor da meação vai depender do valor que o património comum tiver, nessa ocasião, sendo certo que o valor dos bens concretos e das respectivas meações deve ser actual e referido a um certo momento, que deve coincidir com a altura da partilha. O princípio da imutabilidade das convenções antenupciais e do regime de bens resultante da lei está consagrado, no artigo 1714º, do CC, cujo nº 1 estatui que “fora dos casos previstos na lei, não é permitido alterar, depois da celebração do casamento, nem as convenções antenupciais nem os regimes de bens legalmente fixados”, acrescentando o seu nº 2 que “consideram-se abrangidos pelas proibições do número anterior os contratos de compra e venda e sociedade entre os cônjuges, excepto quando estes se encontrem separados judicialmente de pessoas e bens”. Consoante resulta dos dois preceitos acabados de transcrever, o princípio da imutabilidade abrange as cláusulas da convenção que tiver sido celebrada, as regras legais respeitantes à administração ou disposição de bens e ainda a situação concreta dos bens dos cônjuges que interessa às relações entre estes. Efectivamente, estas regras estão em harmonia com a ideia geral de que os cônjuges não podem modificar o seu estatuto patrimonial depois da celebração do casamento, não podendo, designadamente, bens comuns ser atribuídos, em propriedade exclusiva, a qualquer deles, ou os bens próprios entrar na comunhão ou ser transmitidos, onerosa ou irrevogavelmente, de um para o outro (4), com excepção do regime das doações entre casados. Na verdade, se não existisse a proibição de todo e qualquer meio concreto de tornar próprio um bem comum, os cônjuges poderiam iludir o princípio da imutabilidade, mediante negócios modificativos de domínio sobre bens concretos, independentemente de simulação. Deste modo, nenhum dos cônjuges corre perigo de ter sido influenciado e prejudicado pelo outro, que pudesse ter exercido um ascendente psicológico, pelo que o cônjuge mais fraco não perde qualquer um dos seus bens próprios, nem vê diminuída a sua meação nos bens comuns, nenhum deles indo acrescentar o seu património próprio, à custa do património do seu consorte ou à custa do património comum. E se o regime de bens permanece intacto, se não muda a classificação de qualquer bem concreto e se, portanto, não há alteração do valor das massas patrimoniais do casal, então, não há perigo, nem para qualquer dos cônjuges, nem para terceiros. I. 3. Entretanto, com a dissolução do casamento, por força da decretação do divórcio, cessam as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges, sem prejuízo das disposições do Código Civil relativas a alimentos, recebendo estes ou os seus herdeiros os respectivos bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património, nos termos do estipulado pelos artigos 1688º, 1689º e 1789º, todos do CC. Na constância do matrimónio, os bens do casal constituem um património a que a lei confere determinada autonomia e que pertence, em comum, ao marido e à mulher, embora sem repartição de quotas ideais, sendo assim, uma comunhão sem quotas. Porém, dissolvendo-se o casamento, extingue-se a comunhão conjugal, razão pela qual só, então, através de partilha, judicial ou extrajudicial, pode concretizar-se o direito de cada um dos cônjuges sobre os bens que integram a comunhão, atento o disposto pelos artigos 2101º, do CC, e 1404º, do CPC. Ao contrário do que sucede na compropriedade, propriamente dita, ou comunhão com quotas, que é susceptível de dissolução, por simples acto de vontade de qualquer um dos comproprietários, a todo o tempo, salvo se tiver sido acordada a indivisão, por se tratar de um direito potestativo extintivo, como resulta do preceituado pelo artigo 1412º, do CC, a partilha convencional dos bens comuns, antes da dissolução do casamento, está ferida de nulidade. Assim sendo, a proibição dos cônjuges partilharem os bens comuns do casal, na pendência do casamento, não é uma consequência do princípio da imutabilidade do regime de bens, mas antes algo que decorre, necessariamente, da própria definição, afectação e natureza jurídica daquela massa patrimonial. Com efeito, sendo a partilha dos bens do casal uma consequência da cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges, a que, obviamente, só se procede, após esta cessação, por mútuo acordo, é, porém, nula quando realizada, na pendência do casamento e antes de findas as relações patrimoniais decorrentes do regime da comunhão de adquiridos. De facto, a relação especificada dos bens comuns, a apresentar, conjuntamente, com o requerimento para a conversão do divórcio litigioso em divórcio, por mútuo consentimento, não visa determinar a forma de proceder à partilha, nem pode conter a partilha, propriamente dita, quer total, quer parcial, que apenas ocorrerá, quer através de escritura pública, quer por intermédio de inventário judicial, se os cônjuges não optarem por permanecer na indivisão, atento o disposto pelo artigo 2101º, nºs 1 e 2, do CC, após ter sido decretado o divórcio, mas, tão-só, constituir uma base de referência, com vista a uma futura partilha dos bens. Efectivamente, o acordo sobre a partilha parcial dos bens comuns do casal que os cônjuges alcançaram, não os pode limitar, seguramente, em relação à eventualidade da sua partilha posterior. Não se tratou, portanto, de um negócio jurídico abdicativo ou renunciativo da subsequente partilha judicial dos respectivos bens, face ao precedente acordo de partilha parcial, cuja validade possa ser discutida (5), o qual, aliás, seria nulo, por contrariar disposição legal de carácter imperativo, atento o teor das disposições conjugadas dos artigos 2101, º 2 e 294º, ambos do CC. Assim sendo, uma vez transitada em julgado a sentença que decretou o divórcio, por mútuo consentimento, com a consequente dissolução do casamento, e, simultaneamente, homologou os acordos especiais, legalmente, exigidos, sobre os aspectos essenciais da situação pós-matrimonial, havendo-os, como acontece, no caso em apreço, a partilha dos bens do casal resulta como consequência necessária daquela sentença, desde que acordada ou requerida, nos termos do estipulado pelos artigos 2101º, nº 1 e 2102º, nº 1, do CC, mais não sendo do que a fase executiva do divórcio, relativamente aos referidos bens, até para que cada um dos cônjuges possa libertar o seu património pessoal da acção dos credores do outro (6). Além do mais, a necessidade do inventário poderá ainda fundar-se no princípio subjacente ao disposto pelo artigo 1768º, do CC, sendo certo que a razão de ser justificativa da judicialidade do divórcio, que consiste na protecção dos interesses de terceiros e, nomeadamente, dos credores, encontra, no inventário para separação de meações, uma redobrada fundamentação(7). I. 4. Aliás, convém não esquecer o terreno bem movediço em que, frequentemente, se movimentam os interesses dos cônjuges, subjacentes à dissolução do casamento, pela via do divórcio, por mútuo consentimento, com acordos mantidos sob a pressão temporária do intervalo que medeia entre a decisão da convolação e a conferência, a que se reporta o artigo 1776º, nº 1, do CC, na qual, por via de regra, aquele é decretado. Nada é, muitas vezes, suficientemente, transparente, nos acordos e documentos com que deve ser instruído o requerimento para o divórcio, por mútuo consentimento, com resultados à vista, em especial, em sede de regulação do exercício do poder paternal, após a prolação da respectiva sentença homologatória, os quais, como baralho de cartas, não raro, se desfazem, num instante. II. DA EXCEPÇÃO DO CASO JULGADO Porém, a sentença que decretou o divórcio definitivo terá força de caso julgado, no que se refere ao denominado “acordo de partilha parcial dos bens comuns”? A excepção do caso julgado, hoje, de carácter dilatório, verifica-se quando houver repetição de uma causa, o que pressupõe a identidade das acções, quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, nos termos do disposto pelos artigos 497º, nº 1 e 498º, nº 1, do CPC. E a identidade de pedido tem lugar, em conformidade com o disposto pelo artigo 498º, nº 3, do CPC, quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. Efectivamente, na acção de divórcio, pede-se a dissolução do casamento, enquanto que, no inventário para separação de meações, é pedida a descrição, avaliação e a partilha dos bens comuns, segundo os direitos dos respectivos interessados, razão pela qual se não verifica a excepção do caso julgado. Assim sendo, importa considerar que a sentença que decretou o divórcio, por mútuo consentimento, não constituiu caso julgado, relativamente à questão do acordo de partilha parcial dos bens comuns do casal, pois nada decidiu quanto a estes, e aquela só constitui caso julgado, nos precisos limites e termos em que julga, face ao disposto pelo artigo 673º, do CPC, pelo que carece de fundamento legal a conclusão de que a homologação dos acordos, nomeadamente, o que se refere à declaração especificada sobre os bens comuns do casal, constitui caso julgado quanto à posterior partilha dos bens comuns do casal. De facto, o juiz há-de apreciar e homologar os acordos dos cônjuges, relativamente aos filhos menores, se os houver, ao pedido de alimentos do cônjuge que deles careça e ao direito à casa de morada de família(8), sendo certo que não é obrigatório o entendimento prévio quanto à partilha dos bens comuns (9), podendo até nem ser consensual a discriminação sobre a natureza comum, de todos ou alguns deles, mas sem qualquer significado, neste particular, quanto ao decretamento do divórcio. E, na conferência dos cônjuges, os interessados declararam não haver filhos menores do casamento, que a casa de morada de família seria adjudicada ao cônjuge BB, fixando-se ainda o valor da pensão de alimentos, a título definitivo, a pagar a esta, pelo cônjuge AA, em €500,00 mensais. É certo que os interessados declararam, também, que os bens comuns a partilhar, oportunamente, correspondem àqueles cujo arrolamento foi ordenado nos respectivos processos de arrolamento apensos. Contudo, a sentença que decretou o divórcio limitou-se a homologar os acordos respeitantes aos alimentos entre os cônjuges e à casa de morada de família. Não se verifica, pois, a excepção do caso julgado sobre a existência ou inexistência do acordo de partilha parcial dos bens comuns do casal, não podendo, portanto, ser respeitado o aludido acordo, ao contrário do que defendeu o acórdão recorrido. Importa ainda deixar claro que o processo de divórcio não tem, por via de regra, como objecto, a partilha dos bens do dissolvido casal. A possibilidade de, no âmbito do processo de divórcio, se processar a partilha dos bens do dissolvido casal, apenas veio a ser introduzida pelo DL n.º 324/2007, de 28 de Setembro, que deu nova redacção ao artigo 14°, nº 2, do DL n.º 272/2001, de 13 de Outubro, bem como ao artigo 272º, nº 1, b) e aditou o artigo 272º-A, nºs 1 e 2, estes do Código de Registo Civil, introduzindo o denominado «procedimento simplificado de partilha do património conjugal», permitindo, assim, que, no processo de separação judicial de pessoas e bens ou de divórcio, por mutuo consentimento, instaurado na Conservatória, se proceda, também, à partilha dos bens comuns, quer imóveis, quer móveis ou participações sociais sujeitos a registo. Trata-se, no entanto, de um procedimento que apenas pode ter lugar nos divórcios, por mútuo consentimento, instaurados nas Conservatórias do Registo Civil, dependendo de expressa formulação dessa intenção, por parte dos cônjuges requerentes, acompanhada de acordo de partilha sobre os bens comuns do casal. III. DA NATUREZA DA INDEMNIZAÇÃO POR CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO Defende ainda o interessado AA que, ao contrário do decidido pelo acórdão impugnado, não deveria ser incluída, na relação dos bens comuns a partilhar, a verba correspondente ao valor de €66.768,93, referente a indemnização recebida, em substituição dos créditos laborais. Ficou provado, neste particular, que foi paga ao interessado AA, pela CC-“B... SA”, a quantia de €66.768,93, que aquele recebeu, em final de 2008, a título de compensação pecuniária, de natureza global, alusiva a créditos salariais. Tendo os interessados sido casados entre si, segundo o regime supletivo da comunhão de adquiridos, o produto do trabalho dos cônjuges é um bem integrado na comunhão, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1721º e 1724º, a), ambos do CC. Efectivamente, fazem parte da comunhão as indemnizações, por qualquer causa, que tenham na sua base uma intenção de compensar a diminuição da capacidade de ganho (10). Trata-se, no caso em análise, de um quantitativo pago ao interessado AA, pela sua entidade patronal, por ele recebido, em finais de 2008, a título de compensação pecuniária, de natureza global, alusiva a créditos salariais, em conformidade com o preceituado pelo artigo 394º, nº 4, do Código do Trabalho de 2003. Dispunha o artigo 393º, do Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, aplicável por força do preceituado no artigo 7º, nº 1, da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprovou o Novo Código do Trabalho de 2009, que “o empregador e o trabalhador podem fazer cessar o contrato de trabalho por acordo, nos termos do disposto no artigo seguinte”. E o artigo 394º, nº 4, do Código do Trabalho de 2003, preceitua que “se, no acordo de cessação, ou conjuntamente com este, as partes estabelecerem uma compensação pecuniária de natureza global para o trabalhador, presume-se que naquela foram pelas partes incluídos e liquidados os créditos já vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude dessa cessação”. Deste modo, a compensação pecuniária, de natureza global, por créditos salariais, recebida pelo interessado AA, presume-se englobar os créditos já vencidos, à data da cessação do contrato, ou exigíveis, em virtude dessa cessação, que aconteceu em finais de 2008, após a data da propositura da acção de divórcio, mas antes da prolação da sentença que decretou o divórcio, por mútuo consentimento. Cessando, em princípio, as relações patrimoniais entre os cônjuges com a dissolução do casamento, em consequência do divórcio, os efeitos deste apenas se produzem, a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença, mas retrotraem-se, por via de regra, à data da propositura da acção, quanto às aludidas relações, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1688º e 1789º, nº 1, ambos do CC. Na verdade, o princípio da retroactividade, consagrado pelo artigo 1789º, nº 1, do CC, visa defender cada um dos cônjuges contra delapidações e abusos que o outro possa cometer na pendência da acção (11), ou seja, evitar que um dos cônjuges seja prejudicado pelos actos de insensatez, de prodigalidade ou de pura vingança, que o outro venha a praticar, desde a propositura da acção, sobre valores do património comum (12), mas sem esquecer os interesses de terceiros, a quem os efeitos patrimoniais do divórcio só podem ser opostos, a partir da data do registo da sentença (13). Porém, encontrando-se os cônjuges ainda casados, por ocasião em que a compensação pecuniária, de natureza global, por créditos salariais, foi recebida pelo interessado AA, o mesmo bem, ao entrar na esfera patrimonial deste, assumiu, imediatamente, a qualidade de bem comum do casal, passando a estar sujeito, desde a propositura da acção, ao regime da partilha dos bens comuns, em consequência de divórcio, a que alude o artigo 1404º e seguintes, do CPC, sendo certo que a retroacção dos efeitos do divórcio, à data da instauração da acção, abrange a totalidade das relações patrimoniais entre os cônjuges, qualquer que seja a sua fonte, e não apenas aquelas que dependam de facto próprio de cada um deles (14). Assim sendo, retroagindo os efeitos patrimoniais do divórcio, à data da propositura da acção, e encontrando-se, então, integrado na comunhão o produto do trabalho dos cônjuges, no qual se inclui a verba correspondente ao valor de €66.768,93, referente a indemnização recebida em substituição dos créditos laborais, em finais de 2008, a título de compensação pecuniária, de natureza global, trata-se, inequivocamente, de um bem que faz parte da comunhão, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1721º e 1724º, a), ambos do CC. Efectivamente, o interessado AA e a sua ex-entidade patronal, ao convencionarem a aludida compensação global, em substituição de todos os créditos já vencidos, à data da cessação do contrato de trabalho ou exigíveis em virtude dessa cessação, mais não fizeram do que extinguir todos esses créditos, por meio da criação de uma nova obrigação em lugar deles, nos termos do preceituado pelo artigo 857º, do CC, cujo fundamento imediato deixa de ser o contrato de trabalho para passar a ser um outro contrato revogatório, que põe fim aquela relação, surgindo o novo crédito como consequência desta revogação (15). Mas se, de facto, deve considerar-se que o fundamento imediato deste novo crédito não é o contrato de trabalho, o que se verifica, para todos os efeitos, através da novação objectiva, é a substituição da anterior obrigação decorrente do vínculo laboral, por uma nova obrigação que, tendo como fundamento imediato o acordo revogatório, não deixa de ter origem na anterior obrigação, decorrente da relação laboral. Por isso que, na situação referida nos autos, não pode deixar de considerar-se, como bem comum a relacionar, o valor correspondente à quantia de €66.768,93, recebida pelo interessado AA, a título de compensação pecuniária, de natureza global, alusiva a créditos laborais, assim se acautelando, em situações em que a lei prevê a coexistência de um património comum ao lado de patrimónios próprios dos cônjuges, a consistência de cada um deles, face às possíveis vicissitudes de que possam ser objecto os bens e direitos que os integram, sendo, para tanto, necessário que sempre que se verifique a substituição de um bem por outro, ou, como no caso em análise, a substituição de um crédito por outro, o bem adquirido, ou o crédito resultante da novação, mantenha o carácter que tinha antes da substituição, ou, pelo menos, que aquele crédito seja substituído na massa patrimonial que dele ficou privada, por virtude da novação, por um direito de compensação sobre a massa ou património na qual ingressou (16) . Esta é, efectivamente, a intenção do legislador, consoante resulta, desde logo, do mecanismo de funcionamento da sub-rogação real, prevista no artigo 1723º, b), do CC, enquanto afloramento de um princípio geral que obriga a compensações entre os patrimónios próprios dos cônjuges, e entre estes e o património comum, sempre que um deles, no final do regime, se encontre enriquecido em detrimento de outro, e que, igualmente, encontra expressão no disposto pelo artigo 1689°, do CC. Neste contexto, e sob pena de se dar cobertura a manobras ou actuações que se traduziriam no enriquecimento do património próprio de um dos ex-cônjuges à custa do empobrecimento do património comum, não pode deixar de concluir-se que, tendo origem o novo crédito em crédito nascido na constância do casamento, deve o valor correspondente integrar os bens comuns a partilhar. Basta pensar na facilidade com que de poderia protelar a exigência de créditos salariais, para momento posterior ao divórcio, para só, então, serem exigidos, no contexto da negociação de uma compensação pecuniária global, subtraindo, deste modo, do património comum rendimentos que foram realizados na constância do casamento. Procedem, pois, apenas, em parte, as conclusões constantes das alegações de revista do interessado AA. CONCLUSÕES: I – A relação especificada dos bens comuns do casal não importa o acordo dos cônjuges quanto à partilha dos respectivos bens, o que significa que se destina, tão-só, a protegê-los contra os riscos de, após o divórcio, virem a ser surpreendidos com a acusação da respectiva omissão. II - Os cônjuges não podem modificar o seu estatuto patrimonial depois da celebração do casamento, não podendo, designadamente, bens comuns ser atribuídos, em propriedade exclusiva, a qualquer deles, ou os bens próprios entrar na comunhão ou ser transmitidos, onerosa ou irrevogavelmente, de um para o outro, com excepção do regime das doações entre casados, não havendo lugar à alteração do valor das massas patrimoniais do casal. III - Sendo a partilha dos bens do casal uma consequência da cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges, a que, obviamente, só se procede, após esta cessação, por mútuo acordo, é, porém, nula quando realizada, na pendência do casamento e antes de findas as relações patrimoniais. IV – A sentença que decretou o divórcio, por mútuo consentimento, não constituiu caso julgado, relativamente à questão do acordo de partilha parcial dos bens comuns do casal, quanto à posterior partilha dos mesmos. V - Encontrando-se os cônjuges ainda casados, por ocasião em que a compensação pecuniária, de natureza global, referente a indemnização em substituição de créditos laborais, foi recebida por um deles, o mesmo bem, ao entrar na esfera patrimonial deste, assumiu, imediatamente, a qualidade de bem comum do casal, passando a estar sujeito, desde a propositura da acção, ao regime da partilha dos bens comuns, em consequência de divórcio. DECISÃO (17): Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em conceder, em parte, a revista do interessado e cabeça-de-casal e, em consequência, revogam o acórdão recorrido, na parte em que determinou que sejam eliminadas da relação de bens comuns a partilhar os bens constantes das verbas nºs 1 a 36, inclusive, devendo o mesmo cabeça-de-casal apresentar uma nova relação de bens, na qual inclua as aludidas verbas nºs 1 a 36, mantendo, quanto ao demais, o decidido pelo douto acórdão recorrido. * Custas da revista, a cargo da interessada BB e do cabeça-de-casal AA, na proporção do vencimento. * Notifique. Supremo Tribunal de Justiça, Lisboa, 2 de Novembro de 2010. Helder Roque (Relator) * Sebastião Póvoas Moreira Alves _________________________________________ (1) Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Sebastião Póvoas; 2º Adjunto: Conselheiro Moreira Alves. (2) Pereira Coelho, Curso de Direito de Família, edição policopiada de 1986, 563. (3) Alberto dos Reis, Processos Especiais, II, 449; Pereira Coelho, Curso de Direito de Família, 1977, 483, nota 1. (4) Pires de Lima, RLJ, Ano 99º, 172; Guilherme de Oliveira, Sobre o Contrato-Promessa de Partilha de Bens Comuns, RLJ, Ano 129º (1996), 279 a 287; e Temas de Direito da Família, 1, Coimbra Editora, 1999, 236; Rita Lobo Xavier, em comentário ao Acórdão do STJ, de 26-5-1993, RDES, 1994, 155. (5) Santoro-Passarelli, Teoria Geral do Direito Civil, 1967, 181 e 186. (6) Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, VII, 196. (7) Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito de Família, I, 3ª edição, 2003, 484 e seguintes. (8) Pereira Coelho, Curso de Direito de Família, edição policopiada de 1986, 565 e 569. (9) Abel Pereira Delgado, O Divórcio, 27. (10) Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito de Família, I, 3ª edição, 2003, 589. (11) Pereira Coelho, Reforma do Código Civil, 1981, 48. (12) Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, IV, 2ª edição, revista e actualizada, 1987, 561. (13) Pereira Coelho, Reforma do Código Civil, 1981, 48, citado. (14) STJ, de 17-11-1994, CJ (STJ), Ano II, T3, 148; STJ, de 7-4-1992, BMJ nº 416º, 547; STJ, de 6-6-1991, BMJ nº 408º, 575. (15) STJ, de 21-2-2006, SJ200602210017014, in www.dgsi.pt (16) Rita Lobo Xavier, Limites à Autonomia Privada na Disciplina das Relações Patrimoniais Entre os Cônjuges, 389 e 390. (17) Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Sebastião Póvoas; 2º Adjunto: Conselheiro Moreira Alves.

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