Os Tribunais Portugueses são competentes, em razão da nacionalidade, para proceder à partilha de um imóvel situado no estrangeiro, no âmbito de inventário instaurado na sequência de divórcio dos interessados com vista á partilha dos bens comuns do casal dissolvido, desde que essa competência resulte de algum dos critérios enunciados no artº 65º nº 1 do CPC.
Acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães. I – RELATÓRIO Albino, divorciado, residente em… requereu que se procedesse a inventário em consequência do divórcio que foi decretado no Tribunal Judicial de Celorico de Basto, que dissolveu o casamento que havia celebrado com M. Os autos de inventário correm termos por apenso ao processo de divórcio, onde, para além do mais, foi relacionado pelo requerente e cabeça de casal, como verba nº 5 da relação de bens, uma casa de habitação sita em … Sydney, na Austrália. Sem por em causa que tal bem é “comum” do extinto casal, defendeu a requerida, em reclamação, que o mesmo deveria ser excluído da relação de bens, porquanto a sua partilha só poderá ser efectuada na Austrália e de acordo com as leis vigentes. Foi proferido despacho que julgou procedente a reclamação de bens, decidindo-se que não deve ser reconhecida ao Tribunal Português competência para proceder á partilha do imóvel em causa, por se situar na Austrália, devendo, por isso, excluir-se da relação de bens. Inconformado, o requerente e cabeça de casal interpôs recurso de agravo de tal despacho, que foi admitido, apresentando alegações com as seguintes conclusões: 1- Decidiu o Tribunal o quo, em sede de reclamação à relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, aqui recorrente e relativamente ao prédio urbano sito em Sidney Austrália, não ser «...reconhecido ao Tribunal Português competência para proceder à partilha do imóvel objecto do incidente de reclamação, por se situar na Austrália, relacionado na relação de bens, devendo, por isso, excluir-se da relação de bens, sendo, por conseguinte, procedente nesta parte a reclamação deduzida". 2 - Alicerça esta decisão no seguinte: - O princípio de que o « ... Tribunal territorialmente para o presente inventário é aquele onde corre termos a acção de divórcio ... terá que ser postergado, quando não esteja assegurada, por convenção ou tratado , a eficácia da partilha efectuada pelo tribunal Português de bens situados em país estrangeiros ». - "Ao equilíbrio formal da repartição de bens efectuada não corresponderia um equilíbrio material, uma vez que a atribuição de alguns dos bens (os situados no estrangeiro) aos interessados não era exigível ". Não se aceita a decisão nem a sua fundamentação. 3 - Nos termos do art° 65 do n 1 b) C.P.C a competência internacional dos Tribunais Portugueses poderá verificar-se devendo a acção ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa, sendo certo que, de acordo com o preceituado no art° 75 do C.P.C., para as acções de divórcio (e de separação de bens) é competente o tribunal do domicílio ou de residência do autor. 4 - Nesta sequência, nos termos do art° 1404 n° 1 do C.P.C, decretada a separação judicial de pessoas e bens ou divórcio, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para partilha dos bens, pelo que o tribunal territorialmente competente para o presente inventario é aquele onde correu termos a acção de divórcio. 5 - Acresce que o cabeça de casal A, como a interessada M tem nacionalidade portuguesa, uma vez que nascidos em Portugal de pais portugueses — cfr. art° 1° da Lei no 37/81, de 03.10, na redacção dada pela Lei Orgânica n° 2/2006, de 17.04. 6 - Aliás, casaram em Portugal, nos termos e ao abrigo da lei portuguesa, tendo o seu casamento, em 08.12.1974, sido dissolvido por divórcio por mútuo consentimento, decretado por sentença proferida em 09.02.2007 pelo Tribunal Judicial de Celorico de Basto, em conversão de acção de divórcio litigioso, nos termos do art° 1407° n° 3 do CPC, e em cuja audiência estiveram presentes os membros do casal Vg. Processo principal - . 7- Ora, o art° 25° do CC preceitua que " o estado dos indivíduos, a capacidade das pessoas, as relações de família e as sucessões por morte são regulados pela lei pessoal dos respectivos sujeitos, salvas as restrições estabelecidas na presente sucede”. 8 - Acresce que o art° 52° do mesmo CC estabelece no seu n° 1 que " salvo a disposto no artigo seguinte, as relações entre os cônjuges são) reguladas pela lei nacional comum". 9 - Enquanto que o art.° 53° do CC, na parte que nos importa, prescreve no seu n° 1 que " a substancia e efeitos das convenções antenupciais e do regime de bens, legal ou convencional, são definidos pela lei nacional dos nubentes ao tempo da celebração do casamento". 10 - Assim, dado que a lei pessoal dos membros do casal aqui em causa é a lei portuguesa (art° 31° n° 1 do CC), e porque estes casaram em 06.12.1974, o regime legal de bens é o da comunhão de adquiridos, estabelecido no art° 1717° do dito CC e regulado nos arts. 1721° a 1731° do mesmo diploma legal. 11 - Ora, tendo ambos os cônjuges a nacionalidade portuguesa à data do casamento e considerando o disposto no n° 1 do art° 1714° do CC não é possível, e por isso inadmissível, uma alteração ao regime de bens legalmente fixado com o casamento. 12 - Acresce que também os esposos submeteram a dissolução do seu casamento à lei portuguesa, de harmonia com o disposto no n° 1 do art° 55° do CC, já que o processo respectivo foi iniciado no Tribunal Judicial de Celorico de Basto mediante acção de divórcio litigioso intentada pelo cônjuge marido contra a mulher, e na qual os cônjuges declaram, presencial e pessoalmente, pretenderem o divórcio mas por mútuo consentimento. 13 - Resulta do exposto que, à partilha dos bens por virtude do divórcio tem de ser aplicado o que decorre dos citados art°s 1721° e segs. do C.C. 14 - Acresce que e, na esteira de Lopes Cardoso, em Partilhas Judiciais, Volume I, Livraria Almedina, Coimbra pág. 461 e segs, a partilha deve obedecer ao principio da universalidade e às regras dos art°s 25° e 62° do C.C. 15 - De resto, os cônjuges acordaram no processo de divórcio que fazia parte da relação de bens comuns do casal comuns do casal a casa de habitação sita em Sidney — Austrália, sendo ainda certo que, partilhada a mesma no presente inventário pode a sentença homologatória da partilha ser revista e confirmada na Austrália, tornando-se exigível. Não foram apresentadas contra-alegações. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II - FUNDAMENTAÇÃO Objecto do recurso Considerando que: O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artºs 684º nºs 3 e 4 e 685-A nº 1 do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo DL 303/2007 de 24 de Agosto); Nos recursos se apreciam questões e não razões; Que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, A questão a decidir, no caso em apreço, é a de saber se o Tribunal de Celorico de Basto é competente, em razão da nacionalidade, para proceder á partilha do bem imóvel relacionado pelo cabeça de casal sob a verba nº 5, situado em Sydney, na Austrália. Dos elementos constantes dos autos e para além do circunstancialismo supra descrito no relatório, resultam assentes os seguintes factos: O requerente A e a requerida M, ambos de nacionalidade portuguesa, contraíram casamento católico em Braga, em 08/12/1974, sem escritura antenupcial, conforme Assento de Casamento Católico nº 164 da Conservatória do Registo Civil de Celorico de Basto; O requerente A intentou acção de divórcio litigioso contra a requerida M no Tribunal Judicial de Celorico de Basto; Tendo ambos acordado no divórcio por mútuo consentimento, verificados os pressupostos legais, foi decretado do divórcio entre ambos por sentença de 09/02/2007, proferida pelo mesmo Tribunal Português e já transitada em julgado; O requerente A reside no lugar de… concelho de Celorico de Basto e a requerida reside em Sydney, na Austrália. O DIREITO Está em causa apreciar a competência em razão da nacionalidade do Tribunal de Celorico de Bastos para a partilha de um imóvel sito na Austrália, no âmbito de inventário instaurado na sequência de divórcio dos interessados, com vista á partilha dos bens comuns do casal dissolvido. Nenhum dos interessados põe em causa que tal imóvel é um bem comum do extinto casal. O artº 65º nº1 do CPC enuncia os critérios de atribuição da competência internacional aos tribunais portugueses. Assim, com a ressalva inicial “sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais”, são quatro os referidos critérios, a saber: o critério do domicilio do réu (alínea a) ), o da coincidência ( alínea b), da causalidade ( al. c) e da necessidade (alínea d) ). Como refere Lebre de Freitas,[i] cada um dos factores atributivos de competência tem valor autónomo, pelo que basta a verificação de um deles para que os tribunais portugueses sejam competentes. De acordo com o disposto no artº 1404º nº 4 do CPC o presente inventário, para partilha de bens comuns do requerente e da requerida na sequência de divórcio, corre termos por apenso ao processo de divórcio que o determinou. Por sua vez, dispõe o artº 75º do mesmo diploma que, para as acções de divórcio e de separação de bens, é competente o tribunal do domicílio ou da residência do autor. Ora, a acção com vista ao divórcio das partes nestes autos foi intentada pelo ora requerente no tribunal judicial de Celorico de Basto, local onde este reside. O presente inventário corre por apenso aos autos de divórcio, obviamente no mesmo tribunal. Assim sendo, não restam dúvidas de que, pelo critério da coincidência previsto no art.º 65º nº 1 al b) do CPC, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para esta acção, já que, segundo as regras específicas da competência territorial estabelecidas na lei portuguesa, a mesma deve ser proposta em Portugal, no Tribunal de Celorico de Basto. A decisão recorrida não põe em causa as regras da competência acima referidas. Não obstante, o entendimento do Mmº Juiz a quo vai no sentido de que tais regras devem ser postergadas no presente inventário no que concerne ao bem comum situado na Austrália, por não estar assegurada neste país, por convenção ou tratado, a eficácia da partilha efectuada pelo tribunal Português quanto a esse bem. Como refere Lopes Cardoso[ii] A questão de saber se devem relacionar-se em inventário instaurado em Portugal bens situados em país estrangeiro é antiga, muito antiga mesmo. Assim, quer na doutrina, quer na jurisprudência, há quem entenda, tal como se entendeu na decisão recorrida, que os tribunais portugueses não são competentes para partilhar bens situados no estrangeiro, a não ser que exista um tratado ou convenção que assegure a eficácia da partilha efectuada por tribunal português no país onde se situa o bem.[iii] Outros porém, defendem que os bens situados no estrangeiro devem ser considerados no inventário que visa pôr termo à comunhão hereditária, apenas para apurar a quota disponível e a legítima, devendo os bens ser partilhados no país onde se situam.[iv] Finalmente, segundo a tese que contraria a do Mmº Juiz de primeira instância, verificando-se a competência dos tribunais portugueses de acordo com as regras processuais, nos inventários que correm nos nossos tribunais, devem ser relacionados e partilhados, independentemente da sua situação, todos os bens objecto de comunhão.[v] É esta última a tese a que aderimos, pelas razões que a seguir vamos expor, seguindo os argumentos dos citados autor e jurisprudência. Importa referir que à partilha que se pretende alcançar com o inventário, devem presidir os princípios da universalidade e da unidade, segundo os quais todos os bens objecto de comunhão deverão ser partilhados no mesmo inventário. A consagração de tais princípios implica necessariamente que, nos inventários instaurados em Portugal por serem competentes, em razão da nacionalidade, os tribunais portugueses, devem relacionar-se e partilhar-se todos os bens objecto de comunhão, independentemente da sua localização. As excepções a estes princípios referidas na decisão recorrida – partilha adicional e remessa das partes para os meios comuns - estão expressamente previstas na lei. Há que ter em conta que requerente e requerida têm nacionalidade portuguesa, celebraram o seu casamento em Portugal e que o requerente residia e reside no nosso país. Assim, da conjugação das normas dos artºs 52º, 53º e 55º do Código Civil, conclui-se que não existe qualquer norma de onde resulte que a “lex rei sitae” se sobrepõe à lei pessoal, ou seja, à lei nacional comum aos interessados no presente inventário.[vi] A inexistência de tratado ou convenção que facilite o reconhecimento das decisões dos tribunais portugueses no país onde se situam os bens a partilhar, não impede que tais decisões sejam reconhecidas de acordo com as normas internas de direito internacional privado vigentes em de cada Estado. Não se pode pois generalizar, afirmando-se que à míngua de tratado nunca se poderá tornar exequível no estrangeiro uma decisão portuguesa relativa á partilha. Aliás, embora Portugal e a Austrália não tenham subscrito tratado que especificamente facilita o reconhecimento deste tipo de decisões, sempre se dirá que os dois países subscreveram e ratificaram a XVIII Convenção sobre o Reconhecimento dos Divórcios e das Separações de Pessoas adoptada na 11ª Sessão - Haia, 1.06.1970 (cfr Resolução da Assembleia da República n.º 23/84), o que poderá facilitar pelo menos o reconhecimento do divórcio decretado em Portugal. Uma eventual dificuldade de reconhecimento de decisões proferidas pelos tribunais portugueses na Austrália, não pode postergar a aplicação das regras da competência em razão da nacionalidade, designadamente a que se aplica ao caso dos autos, prevista no artº 65º nº 1 al b), que prevalece autonomamente mesmo sem a existência de tratados ou convenções, como resulta da ressalva feita na primeira parte desta norma. O respeito pelos princípios da unidade e da universalidade também beneficiam os interessados e não se justifica que os mesmos devam ceder perante as razões invocadas na decisão em crise, em violação das normas legais nacionais citadas. Termos em que se conclui que o Tribunal de Celorico de Basto é competente, em razão da nacionalidade para proceder á partilha de bem comum dos interessados ainda que situado na Austrália, devendo o mesmo bem manter-se na relação de bens apresentada pelo cabeça de casal. III – DECISÃO Por tudo o exposto, acordam os Juízes que constituem esta secção cível em dar provimento ao agravo e, em consequência: Julgam competente, em razão da nacionalidade, o Tribunal Judicial de Celorico de Basto para proceder à partilha do bem imóvel situado na Austrália, relacionado na relação de bens apresentada pelo cabeça de casal; Revogam, em conformidade com o ora decidido, o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que, reconhecendo a competência do dito tribunal, em razão da nacionalidade, para proceder à partilha do identificado bem sito na Austrália, ordene o prosseguimento dos autos com vista á essa partilha, (sem prejuízo da consideração de outras razões que a possam impedir). Sem custas. Notifique. [i] Código de Processo Civil anotado, 2ª edição, volume 1º, pag. 137. [ii] Partilhas Judiciais, 3ª edição, pag.435. [iii] Veja-se Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13-05-2008, Pº. 380-B/1999.C1 in www.dgsi.pt, cujos argumentos são adoptados na decisão recorrida. [iv] [3] Antunes Varela, in Anotação ao Acórdão do S. T.J. de 21.3.85, na R. L. J., ano 123º, pág. 122 e segs. [v] Lopes Cardoso, ob citada pgs 435 e ss e Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12/03/2009, Processo 208-A/1999.E1, in www.dgsi.pt. [vi] Lopes Cardoso, ob. e voli. Citados, pag 446.