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Acórdão TCA Sul de 2013-02-21

08914/12

TribunalTribunal Central Administrativo Sul
Processo08914/12
SecçãoCA- 2º JUÍZO
Data do Acordão2013-02-21
RelatorRui Pereira
DescritoresAim de Medicamentos Genéricos – Lei Nº 62/2011, de 12/12

Sumário

I – Já antes da Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro, devia entender-se, em face das atribuições do INFARMED e do tipo legal das AIM’s de medicamentos, a inviabilidade da acção em que se impugnasse uma autorização para introdução no mercado com base na ideia de que ela desconsiderava um direito de propriedade industrial. II – Essa inviabilidade era transponível, com as devidas adaptações, para a impugnação do estabelecimento de PVP dos medicamentos, da competência da Direcção-Geral das Actividades Económicas. III – Essa solução tornou-se mais clara com a emergência daquela Lei nº 62/2011, cujo artigo 9º, nº 1 atribuiu, expressamente, efeito interpretativo a preceitos que deveras o são, por natureza. IV – Nem as AIM’s privam os titulares das patentes dos seus direitos de propriedade industrial, nem a dita lei enferma de inconstitucionalidade por suposta retroactividade ofensiva de direitos relacionados com aquelas patentes. V – Assim, é de revogar uma sentença que julgou procedente acção em que se impugna a AIM e a fixação de PVP de medicamentos, por desconsideração de patente.


Texto Integral

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCI OSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO “N…………….s AG”, com os sinais dos autos, intentou no TAC de Lisboa contra o “INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP” e contra o Ministério da Economia, Inovação e Desenvolvimento, uma acção administrativa especial, visando a impugnação dos actos de introdução no mercado de medicamentos genéricos contendo Valsartan como substância activa, concedidos pelo INFARMED à contra-interessada “K…………. Farmacêutica Sociedade Unipessoal, Ldª” e a condenação da Direcção-Geral das Actividades Económicas, na pessoa do MEI, a abster-se de fixar preços de venda ao público relativamente a esses medicamentos. Por sentença datada de 10-11-2011, foi a acção julgada procedente e, em consequência, foram anulados os actos de AIM de medicamentos genéricos concedidos à contra-interessada, intimou-se o INFARMED a não autorizar ou não realizar a transferência das AIM concedidas à contra-interessada, verificada que seja a vigência da patente invocada e do certificado complementar correspondente e ainda o MEI a abster-se de fixar os PVP dos medicamentos Valsartan à contra-interessada [cfr. fls. 730/765 dos autos]. Inconformada, veio a contra-interessada “K………. Farmacêutica Sociedade Unipessoal, Ldª” interpor recurso jurisdicional daquela decisão, tendo para o efeito formulado as seguintes conclusões: “A – A sentença proferida pelo Tribunal "a quo" que condenou à anulação dos actos de AIM dos medicamentos genéricos, intimou o INFARMED a não autorizar ou a não realizar a transferência das AIM's concedidas bem como intimou a DGAE/MEID a abster-se de emitir os PVP's [preços de venda ao público] requeridos, carece de fundamento legal, pelo que deverá ser revogada. B – Não foram considerados os argumentos, apresentados pela contra-interessada os quais, caso tivessem sido tidos em consideração, deveriam ter levado o Tribunal "a quo", a decidir-se pela improcedência total dos presentes autos. C – A decisão do Tribunal "a quo" não teve em conta que a patente da autora é uma patente de processo. D – A patente em causa é a patente de invenção nacional número 96.799 que protege "...O processo para a preparação de compostos bifenilo", que actualmente se encontra protegida pelo Certificado Complementar de Protecção número 20, válido até 23 de Setembro de 2013. E – Como ficou exposto supra o processo através do qual a contra-interessada K………., adquire a substância "Valsartan" é totalmente distinto do utilizado e protegido pela patente e pelo Certificado Complementar de Protecção número 20. F – Nesta conformidade, a verdade é que não existe qualquer violação de patente, pelo que mal andou o Tribunal "a quo" quando se pronunciou nesse sentido. G – Importa salientar que a entrada em vigor da Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro, alterou por completo este panorama, na medida em que, veio esclarecer que não podem ser alteradas, suspensas ou revogadas as concessões, autorizações, registos de AIM, PVP e com participações concedidas com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial. H – Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 9º do mencionado diploma legal, as alterações produzidas têm natureza interpretativa, pelo que, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 13º do Código Civil, irão integrar-se na lei interpretada. I – Face ao exposto, e tendo em conta os argumentos ora apresentados pela contra-interessada, deverá o Tribunal "ad quem" revogar a decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo", assim se fazendo Justiça.” [cfr. fls. 772/778 dos autos]. Recorreu igualmente o INFARMED, tendo para o efeito formulado as seguintes conclusões: “1. Nos termos do artigo 40º, nº 3 do ETAF, "nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada, o tribunal funciona em formação de três juízes, à qual compete o julgamento da matéria de facto e direito". 2. A presente acção administrativa especial tem o valor de € 30.000,01 [trinta mil euros e um cêntimo] por aplicação do artigo 34º, nºs 1 e 2 do CPTA, sendo que por aplicação dos artigos 6º, nº 2 do ETAF e 31º, nº 1 da Nova LOFTJ, a alçada do TAC Lisboa é de € 5.000,00 [cinco mil euros]. 3. Nestes termos, a decisão do TAC Lisboa deveria ter resultado da formação de um colectivo de três juízes e não apenas de um juiz singular como aconteceu, devendo por isso ter sido proferido um acórdão e não uma sentença. 4. Assim, a douta sentença recorrida deve ser julgada inexistente por violação grosseira das regras da competência quanto à estrutura do tribunal, devendo ser proferida nova decisão do TAC Lisboa, sem desrespeito pela regra da formação deste Tribunal para o caso em concreto. 5. Não resultava do Antigo Estatuto do Medicamento, como não resulta do Novo Estatuto do Medicamento, qualquer obrigação de verificar, no âmbito da concessão de AIM, a caducidade dos direitos de propriedade industrial relativos às respectivas substâncias activas ou processo de fabrico. 6. Isto porque, não se pode confundir o procedimento de concessão de autorização de introdução de mercado com a fase da comercialização do medicamento. 7. Na verdade, tratam-se de realidades manifestamente diferentes e que não podem ser confundidas, nomeadamente quanto aos seus efeitos legais e consequente possibilidade de reacção por quem se considere prejudicado por eles. 8. De acordo com o Novo Estatuto do Medicamento, e demais legislação complementar, os únicos aspectos que têm de ser apreciados no procedimento tendente à concessão de uma autorização de introdução no mercado são a qualidade, a segurança e a eficácia do medicamento. 9. Isto mesmo resulta claro do artigo 25º, nº 2 do Estatuto do Medicamento, na redacção dada pela Lei nº 62/2011, norma esta que, nos termos do artigo 9º, nº 1 da Lei nº 62/2011, consiste numa norma interpretativa, e portanto, nos termos do artigo 13º, nº 1 CC tem eficácia retroactiva à data da publicação do Estatuto do Medicamento. 10. Ou seja, a concessão de uma AIM pelo recorrente constitui um acto administrativo predominantemente vinculado, pelo que, em princípio, uma vez preenchidos os respectivos requisitos, a concessão da AIM não pode ser recusada. 11. Pelo que, será, pois, de concluir que não competia ao INFARMED, na sequência do procedimento de autorização de introdução no mercado, aferir da caducidade dos direitos de propriedade industrial, como também não constitui um pressuposto de avaliação a ponderar no procedimento de concessão de AIM. 12. Ora, conforme referiu o douto Tribunal "a quo", ao INFARMED "nos termos da lei compete-lhe inegavelmente aferir dos pressupostos de facto e de direito para a AIM do medicamento genérico requerida pela contra-interessada", pelo que, uma vez que no procedimento de autorização de introdução no mercado não cabe ao INFARMED verificar direitos de propriedade industrial, não se verifica nenhum, deficit de instrução no caso em concreto. 13. As recorridas não se subsumem ao conceito de interessadas previsto no artigo 100º do CPA, porquanto, i) os actos de AIM não afectam as suas esferas jurídicas [o que eventualmente apenas poderá acontecer com a comercialização dos medicamentos das contra-interessadas], assim como, ii) no Novo estatuto do Medicamento está previsto que no procedimento de concessão de AIM apenas intervêm o requerente e o INFARMED. 14. Assim, uma vez demonstrado que não cabe ao INFARMED, no procedimento de autorização de introdução no mercado, a verificação de direitos de propriedade industrial, assim como, que as recorridas não se subsumem ao conceito de interessadas previsto no artigo 100º do CPA, improcede em absoluto a douta sentença recorrida que decretou procedente a presente a acção administrativa especial.” [cfr. fls. … dos autos]. A “N………, AG” contra-alegou, pugnando pelo improvimento do recurso [cfr. fls. 817/867 dos autos]. Neste TCA Sul a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu douto parecer, no qual defende que se verifica a incompetência do juiz singular, motivo pelo qual deve ser revogada a sentença em recurso e remetidos os autos à 1ª instância, para aí ser julgada pelo tribunal colectivo ou, caso assim se não entenda, deverá ser revogada a sentença, por não competir ao INFARMED conhecer da existência da patente, de acordo com a interpretação dada ao Estatuto do Medicamento pela Lei nº 62/2011, de 12/12 [cfr. fls. 1016/1019 dos autos], a que a “N………….., AG” respondeu nos termos constantes do articulado de fls. 1037/1045, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. Colhidos os vistos aos Excelentíssimos Juízes Adjuntos, vêm os autos à conferência para julgamento. II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A decisão recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto: i. A “N……………, AG” é titular da patente PT …………., de acordo com certidão que aqui se dá por integralmente reproduzida – cfr. doc. 3 junto com a PI; ii. A PT ………… foi pedida em 18 de Fevereiro de 1991 e concedida em 26 de Junho de 1998; iii. Consta dos Autos Certificado Complementar de Protecção nos termos do Regulamento (CE) nº 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de Maio de 2009 [que revogou o Regulamento (CEE) nº 1768/92 do Conselho, de 18 de Junho de 1992] – cfr. certidão do INPI, doc. 4 junto com a PI; iv. Resulta da informação disponível no site do INFARMED em 8 de Junho de 2010 [cfr. docs. 5 a 7 juntos com a PI] que foi concedida à contra-interessada K…………autorização para introdução no mercado de três medicamentos, contendo como princípio activo Valsartan, os quais apresentam as seguintes designações: • Valsarlan K………… 40 mg comprimido revestido por película; • Valsarlan K………. 80 mg comprimido revestido por película; • Valsarlan K……….. 160 mg comprimido revestido por película; v. A requerente notificou o INFARMED da existência da Patente através de requerimentos submetidos em 8 de Agosto de 2006, 22 de Janeiro de 2007, 12 de Março de 2007 e 10 de Maio de 2007 – cfr. docs. 8 a 11 juntos com a PI; vi. A ora contra-interessada não solicitou, nem obteve da ora autora, autorização para, por qualquer forma, explorar invenção constante da patente nº 96.799 e do CCP 24 – acordo; vii. A presente acção deu entrada no TAC de Lisboa, em 8 de Setembro de 2010 – cfr. fls. 2 e segs. do SITAF. III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Como se viu, a sentença recorrida – proferida pelo relator, com expressa menção ao disposto no artigo 27º, nº 1, alínea i) do CPTA – julgou procedente o pedido e anulou a AIM concedida à contra-interessada em 8-6-2010, para introdução no mercado de três medicamentos contendo como princípio activo Valsartan, intimou o INFARMED a não autorizar ou não realizar a transferência das AIM concedidas à contra-interessada, verificada que seja a vigência da patente invocada e do certificado complementar correspondente e também o MEI a abster-se de fixar os PVP dos medicamentos Valsartan à contra-interessada. Antes de entrar na análise do acerto do decidido, ou seja, determinar se a decisão é susceptível das críticas que os recorrentes lhe apontam, tendo sempre presente que entretanto entrou em vigor a Lei nº 62/2011, de 12/12, cujas disposições, nomeadamente o artigo 4º, que deu nova redacção aos artigos 19º, 25º, 179º e 188º do DL nº 176/2006, de 30/8, o artigo 5º, que lhe acrescentou um novo artigo – o artigo 23º-A – e, finalmente, o artigo 9º, nº 1, que veio dispor que “a redacção dada pela presente lei aos artigos 19º, 25º e 179º do Decreto-Lei nº 176/2006, de 30 de Agosto, bem como o aditamento introduzido ao regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos e o disposto no artigo anterior, têm natureza interpretativa”, irão necessariamente influir na decisão do presente recurso, há que apreciar a questão suscitada nas conclusões 1. a 4. da alegação do Infarmed. Segundo este recorrente, o artigo 40º, nº 3 do ETAF determina que “nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada, o tribunal funciona em formação de três juízes, à qual compete o julgamento da matéria de facto e direito”, caso da presente acção administrativa especial, cujo valor é de € 30.000,01 [trinta mil euros e um cêntimo], sendo que por aplicação dos artigos 6º, nº 2 do ETAF e 31º, nº 1 da Nova LOFTJ, a alçada do TAC Lisboa é de € 5.000,00 [cinco mil euros], por aplicação do artigo 34º, nºs 1 e 2 do CPTA. Assim, conclui o Infarmed, a decisão do TAC Lisboa deveria ter resultado da formação de um colectivo de três juízes e não apenas de um juiz singular como aconteceu, devendo por isso ter sido proferido um acórdão e não uma sentença, razão pela qual a sentença recorrida deve ser julgada inexistente por violação grosseira das regras da competência quanto à estrutura do tribunal, devendo ser proferida nova decisão do TAC Lisboa, sem desrespeito pela regra da formação deste Tribunal para o caso em concreto. A argumentação do INFARMED não colhe. Com efeito, a fls. 21 da decisão recorrida o Senhor Juiz “a quo” deixou expressamente consignado que “nos termos do nº 1 do artigo 92º e nº 1, alínea i) do artigo 27º, ambos do CPTA, dispensa-se a vista aos juízes-adjuntos, proferindo-se consequentemente decisão, por se entender que a questão a decidir se não mostra complexa”. Embora se vislumbre uma aparente confusão no teor do mencionado despacho, na medida em que o nº 1 do artigo 92º do CPTA apenas autoriza a dispensa de vistos aos juízes adjuntos, mas não já o julgamento em formação alargada [três juízes], o certo é que o Senhor Juiz “a quo” quis e lançou mão do mecanismo previsto na alínea i) do nº 1 do artigo 27º do CPTA, que comete ao relator o poder para proferir decisão quando entenda que a questão a decidir é simples, designadamente por já ter sido judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado, ou que a pretensão é manifestamente infundada. Trata-se, como é bom de ver, dum desvio à regra contida no nº 3 do artigo 40º do ETAF, razão pela qual a decisão não é inexistente, como sustenta o INFARMED, mas plenamente legal e válida. Improcedem, deste modo, as conclusões 1. a 4. da alegação de recurso do INFARMED.* * * * * * Resta apreciar se a sentença recorrida ajuizou bem as questões que lhe foram colocadas, tarefa em que seguiremos de muito perto a jurisprudência firmada no acórdão deste TCA Sul, de 22-3-2012, proferido no âmbito do processo nº 05196/09, que tivemos oportunidade de relatar, confirmado pelo recente acórdão do STA, de 9-1-2013, proferido no âmbito do recurso de revista nº 0771/2012. No aludido acórdão deste TCA Sul, acima citado, escreveu-se o seguinte: “[…] Como se viu, o artigo 4º da Lei nº 62/2011, de 12/12, veio dar nova redacção, com carácter interpretativo, aos artigos 19º, 25º, 179º e 188º do Estatuto do Medicamento, aprovado pelo DL nº 176/2006, de 30/8. A redacção dos citados normativos passou a ser, “ab initio”, por força do artigo 9º da Lei nº 62/2011, a seguinte:“Artigo 19º [...] 1 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 — A realização dos estudos e ensaios necessários à aplicação dos nºs 1 a 6 e as exigências práticas daí decorrentes, incluindo a correspondente concessão de autorização prevista no artigo 14º, não são contrárias aos direitos relativos a patentes ou a certificados complementares de protecção de medicamentos.”.“Artigo 25º [...] 1 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 — O pedido de autorização de introdução no mercado não pode ser indeferido com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial, sem prejuízo do disposto no nº 4 do artigo 18º. 3 — Para determinar se um medicamento preenche as condições previstas nas alíneas c) a f) do nº 1, o INFARMED tem em conta os dados relevantes, ainda que protegidos. 4 — [Anterior nº 3]”.“Artigo 179º [...] 1 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 — A autorização, ou registo, de introdução no mercado de um medicamento não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial. 3 — [Anterior nº 2]. 4 — [Anterior nº 3]. 5 — [Anterior nº 4]. 6 — [Anterior nº 5]. 7 — [Anterior nº 6]”.“Artigo 188º [...] 1 — Os trabalhadores em funções públicas e outros colaboradores do INFARMED, bem como qualquer pessoa que, por ocasião do exercício das suas funções, tome conhecimento de elementos ou documentos apresentados ao INFARMED, à Comissão Europeia, à Agência ou à autoridade competente de outro Estado membro, estão sujeitos ao dever de sigilo. 2 — São confidenciais os elementos ou documentos apresentados ao INFARMED ou a este transmitidos pela Comissão Europeia, pela Agência ou pela autoridade competente de outro Estado membro, sem prejuízo do disposto no presente decreto-lei. 3 — Presume-se que todo e qualquer elemento ou documento previsto nos números anteriores é classificado ou é susceptível de revelar um segredo comercial, industrial ou profissional ou um segredo relativo a um direito de propriedade literária, artística ou científica, salvo se o órgão de direcção do INFARMED decidir em sentido contrário. 4 — Sem prejuízo do disposto na parte final do número anterior, o fornecimento de informação a terceiros sobre um pedido de autorização, ou registo, de introdução no mercado de um medicamento de uso humano, é diferido até à tomada da decisão final. 5 — Sempre que o requerente da informação sobre um pedido de autorização, ou registo, de introdução no mercado de um medicamento de uso humano for um terceiro que, nos termos do artigo 64º do Código do Procedimento Administrativo, demonstre ter legítimo interesse no conhecimento desses elementos, e ainda não tenha sido proferida decisão final sobre aquele pedido, é fornecida, apenas, a seguinte informação: a) Nome do requerente da autorização de introdução no mercado; b) Data do pedido; c) Substância, dosagem e forma farmacêutica do medicamento; d) Medicamento de referência. 6 — [Anterior nº 5]”. Por outro lado, o artigo 5º da Lei nº 62/2011, de 12/12, veio acrescentar um novo artigo ao Estatuto do Medicamento – o artigo 23º-A – com a seguinte redacção:“Artigo 23º-A Objecto do procedimento 1 — A concessão pelo INFARMED, I. P., de uma autorização, ou registo, de introdução no mercado de um medicamento de uso humano, bem como o procedimento administrativo que àquela conduz, têm exclusivamente por objecto a apreciação da qualidade, segurança e eficácia do medicamento. 2 — O procedimento administrativo referido no número anterior não tem por objecto a apreciação da existência de eventuais direitos de propriedade industrial”. E, finalmente, o artigo 8º da Lei nº 62/2011, de 12/12, veio estabelecer, também com força de lei interpretativa, o seguinte:“Artigo 8º Autorização de preços do medicamento 1 — A decisão de autorização do PVP do medicamento, bem como o procedimento que àquela conduz, não têm por objecto a apreciação da existência de eventuais direitos de propriedade industrial. 2 — A autorização do PVP dos medicamentos não é contrária aos direitos relativos a patentes ou a certificados complementares de protecção de medicamentos. 3 — O pedido que visa a obtenção da autorização prevista nos números anteriores não pode ser indeferido com fundamento na existência de eventuais direitos de propriedade industrial. 4 — A autorização do PVP do medicamento não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na existência de eventuais direitos de propriedade industrial”. As alterações legislativas impostas pela Lei nº 62/2011, de 12/12, tiveram por escopo pôr termo à indefinição que resultava da interpretação que era dada aos artigos 25º e 179º, entre outros, do Estatuto do Medicamento, nomeadamente expressa em dois arestos deste TCA Sul que divergiam do entendimento maioritário constante dos acórdãos sobre a matéria da concessão de AIM’s de medicamentos genéricos. Face ao que resulta da Lei nº 62/2011, nomeadamente no tocante ao sentido a dar aos artigos 25º e 179º do Estatuto do Medicamento, não temos dúvidas de que o legislador pretendeu [sempre, por força do efeito retroactivo da lei interpretativa] que “o pedido de autorização de introdução no mercado não pode ser indeferido com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial, sem prejuízo do disposto no nº 4 do artigo 18º” [artigo 25º, nº 2 do Estatuto do Medicamento] e que “a autorização, ou registo, de introdução no mercado de um medicamento não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial” [artigo 179º, nº 2 do Estatuto do Medicamento]. Além disso, por força do disposto no artigo 8º da Lei nº 62/2011, a decisão de autorização do PVP do medicamento, bem como o procedimento que àquela conduz, não têm [nem podiam ter, por força do carácter interpretativo da aludida norma] por objecto a apreciação da existência de eventuais direitos de propriedade industrial, nem contrariam os direitos relativos a patentes ou a certificados complementares de protecção de medicamentos, sendo que o pedido que visa a obtenção da autorização do PVP não pode ser indeferido com fundamento na existência de eventuais direitos de propriedade industrial, nem tal autorização pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na existência de eventuais direitos de propriedade industrial. Deste modo, cai pela base o fundamento expresso na sentença recorrida e que conduziu à anulação dos actos de AIM impugnados e à condenação do MEI a abster-se de fixar os PVP dos medicamentos Valsartan à contra-interessada, uma vez que este consistiu exclusivamente no facto do INFARMED não poder conferir o direito de comercializar o medicamento contra a patente quando concede a AIM. Nem se argumente, como sustenta a recorrida “Novartis, AG”, que a Lei nº 62/2011 tem carácter inovatório, já que nestes casos só a existência duma lei de valor hierarquicamente superior ao da lei interpretativa, proibindo a retroactividade, poderia levar o intérprete a fazer o controlo substancial da nova lei para verificar se, não obstante a qualificação como interpretativa, aquela não seria substancialmente inovadora [cfr., neste sentido, Oliveira Ascensão, O Direito – Introdução e Teoria Geral, Gulbenkian, 2ª edição, a págs. 444]. Nos demais casos – como é o caso presente –, o intérprete não pode opor-se, já que o legislador também poderia comandar directamente a retroactividade da lei, pois a nova lei que compõe agora o título [a Lei nº 62/2011, de 12/12] tem a mesma imperatividade da primeira lei [o DL nº 176/2006, de 30/8]. E, finalmente, também não colhe o argumento de que o artigo 9º da Lei nº 62/2011 viola o disposto no artigo 18º da CRP, uma vez que a norma em causa não visou introduzir qualquer restrição ou limitação aos direitos de propriedade industrial das recorridas, mas apenas e tão só esclarecer que no âmbito do pedido de autorização de introdução no mercado de medicamento genérico, este não pode ser indeferido com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial [artigo 25º, nº 2 do Estatuto do Medicamento] e que a autorização, ou registo, de introdução no mercado de um medicamento não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial [artigo 179º, nº 2 do Estatuto do Medicamento]. De resto, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 13º do Cód. Civil, só ficam a salvo da retroactividade os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza, e não quaisquer outras situações pretensamente criadas ao abrigo de leis pré-existentes”. Este entendimento veio a ser sufragado, como já acima se referiu, no recente acórdão do STA, de 9-1-2013, proferido no âmbito do recurso de revista nº 0771/2012 [formação alargada], nos seguintes termos: “O regime jurídico a que obedece a AIM dos medicamentos para uso humano é estabelecido no já referido EM [artigo 1º, nº 1], aprovado pelo DL nº 176/2006, de 30/8, que procedeu à transposição para o direito interno, designadamente da Directiva nº 2001/83/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano [nº 2]. Como decorre do regime jurídico estabelecido nessa Directiva nº 2001/83/CE, designadamente os artigos 10º [Artigo 10º, nº 1: «Em derrogação da alínea e) do nº 3 do artigo 8º e sem prejuízo das leis relativas à protecção da propriedade industrial e comercial, o requerente não é obrigado a fornecer os resultados dos ensaios pré-clínicos e clínicos se puder demonstrar que o medicamento é um genérico de um medicamento de referência que seja ou tenha sido autorizado nos termos do artigo 6º há, pelo menos, oito anos num Estado-Membro ou na Comunidade. Os medicamentos genéricos autorizados nos presentes termos só podem ser comercializados 10 anos após a autorização inicial do medicamento de referência.…»], nº 1 e 10º-A [Artigo 10º-A: «Em derrogação da alínea i do nº 3 do artigo 8º e sem prejuízo das leis relativas à protecção da propriedade industrial e comercial, o requerente não é obrigado a fornecer os resultados dos ensaios pré-clínicos ou clínicos se puder demonstrar que as substâncias activas do medicamento têm tido um uso médico bem estabelecido na Comunidade desde há, pelo menos, 10 anos, com eficácia reconhecida e um nível de segurança aceitável nos termos das condições previstas no Anexo I. Neste caso, os resultados desses ensaios são substituídos por bibliografia científica adequada».] [redacção da Directiva 2004/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março], o legislador comunitário não fez depender a concessão de AIM da caducidade dos direitos de propriedade industrial. Antes se limitou a ressalvar que a regulamentação, que estabeleceu – com o objectivo principal de protecção da saúde pública, conforme refere um dos considerandos [nº 4 (Considerando nº 4: «Toda a regulamentação em matéria de fabrico e distribuição de medicamentos para uso humano deve ter como objectivo principal a saúde pública. Todavia, este objectivo deve ser atingido por meios que não prejudiquem o desenvolvimento da indústria e o comércio de medicamentos na Comunidade.»)] da referida Directiva nº 2004/27/CE – não prejudica o disposto nas leis relativas à protecção da propriedade industrial e comercial. E, em conformidade com esse regime, também o EM se limita a consagrar a ressalva de que a comercialização do medicamento genérico autorizado será feita «no respeito pela lei» [artigos 29º, nº 1, alínea a), 77º, nº 1 e 14º, nº 4], sem exigir, como condição de concessão de autorização, a caducidade dos direitos de propriedade industrial incidentes sobre medicamentos. Veja-se o que, na transposição dos citados artigos 10º e 10º-A da indicada Directiva nº 2001/83/CE, dispõem os artigos 19º [Artigo 19º (Ensaios): 1 – Sem prejuízo dos direitos da propriedade industrial, o requerente fica dispensado de apresentar os ensaios pré-clínicos e clínicos previstos na alínea i do nº 2 do artigo 15º se puder demonstrar que o medicamento é um genérico de um medicamento de referência que tenha sido autorizado num dos Estados membros ou na Comunidade, há pelo menos oito anos. 2 – …] e 20º [Artigo 20º (Uso clínico bem estabelecido): 1 – Sem prejuízo dos direitos de propriedade industrial, o requerente fica dispensado de apresentar os ensaios pré-clínicos e clínicos previstos na línea i do nº 2 do artigo 15º se puder demonstrar que as substâncias activas do medicamento têm tido um uso clínico bem estabelecido na Comunidade Europeia há, pelo menos, dez anos, com eficácia reconhecida e um nível de segurança aceitável, nos termos das condições previstas no anexo I. 2 – …] do mesmo EM. Do mesmo modo, tanto o artigo 15º, que indica os elementos que devem acompanhar o requerimento de concessão de AIM, como o artigo 25º do mesmo EM, que indica os casos em que tal requerimento será indeferido, não fazem qualquer menção a eventuais direitos de propriedade industrial. O que tudo conduz à conclusão de que, diferentemente do que pretendem as recorrentes, tais direitos não têm que ser considerados no âmbito do procedimento tendente à decisão sobre pedido de AIM de medicamento genérico. Neste sentido, aliás, é decisiva a consideração de que nas atribuições do INFARMED, descritas no artigo 3º, nº 2 do DL nº 269/2007, de 26/7, não se inclui a apreciação da eventual existência de direitos de propriedade industrial relativos aos medicamentos a introduzir no mercado. As preocupações aí legalmente deferidas a esse instituto público respeitam às garantias de qualidade, segurança e eficácia dos medicamentos. A promoção e protecção da propriedade industrial estão, pois, fora das atribuições do INFARMED. Tais tarefas integram, aliás, as atribuições do Instituto da Propriedade Industrial [INPI], que «tem por missão assegurar a promoção e a protecção da propriedade industrial a nível nacional e internacional, de acordo com a política de modernização e fortalecimento da estrutura empresarial do País, nomeadamente em colaboração com as organizações internacionais especializadas na matéria, de que Portugal seja membro» [artigo 3º, nº 1 do DL nº 132/2007, de 27/4]. Sendo ambos dotados de autonomia administrativa e financeira, estes dois institutos públicos, integrados na administração indirecta do Estado [artigo 1º, nº 1 do DL nº 269/2007, e artigo 1º, nº 1 do DL nº 132/2007], têm missões distintas e, por isso, enquanto um [INFARMED] «prossegue as atribuições do Ministério da Saúde, sob a superintendência do respectivo ministro» [artigo 1º, nº 2 do DL nº 269/2007], o outro [INPI] «prossegue atribuições do Ministério da Justiça [MJ], sob superintendência e tutela do respectivo ministro» [artigo 1º, nº 2 do DL nº 132/2007]. E, assim, tal como ao INPI não cabe «regular e supervisionar os sectores dos medicamentos», da competência do INFARMED [artigo 3º, nº 1 do DL nº 269/2007, a este último não cabe promover e proteger a propriedade industrial. Com efeito, nos termos do artigo 101º do CPI, a patente confere o direito exclusivo de exploração da invenção [nº 1] e o direito de o seu titular impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio ou a utilização de um produto objecto de patente, ou a importação ou posse do mesmo, para algum dos fins mencionados [nº 2]. Todavia, o direito de exclusivo não abrange, entre outros, os actos realizados exclusivamente para fins de ensaio ou experimentais, neles se incluindo experiências para preparação dos processos administrativos necessários à aprovação de produtos pelos organismos oficiais competentes, de acordo com o disposto nos termos do artigo 102º, alínea c) do mesmo código. Por isso – e como bem salienta, no seu transcrito parecer o Exmº Magistrado do Ministério Público – a prática destes actos, sendo livre, não integra a previsão do ilícito de violação do exclusivo da patente, previsto no artigo 321º do CPI. Assim, ao titular da patente apenas assiste o direito de impedir o início da comercialização do medicamento, enquanto a sua patente não caducar. Mas já não pode impedir terceiros de iniciar o procedimento tendente à obtenção de AIM nem impedir que a mesma seja concedida ou que seja fixado PVP do medicamento em causa. Pois, como as próprias recorrentes admitem, tais actos não configuram, designadamente a introdução no comércio de um produto protegido por patente. De resto, no referenciado DL nº 176/2006 [EM], é clara a distinção entre a concessão de AIM, da competência do INFARMED [Capítulo I – artigos 14º a 54º] e a comercialização de medicamentos [Capítulo IV – artigos 77º a 103º], da exclusiva responsabilidade do titular da AIM, que «assume todas as responsabilidades legais pela introdução no mercado, no respeito pela lei» [artigo 29º, nº 1, alínea a)]. No mesmo sentido é a disposição do artigo 14º do mesmo EM, com que se inicia a Secção I do referido Capítulo II, relativa ao «Procedimento de autorização», onde logo se estabelece que a respectiva concessão «não prejudica a responsabilidade, civil ou criminal, do titular da autorização de introdução no mercado ou do fabricante». Assim, a eventual existência de patente, em favor de terceiro, legalmente impeditiva da comercialização do medicamento autorizado, que o titular da AIM se propusesse iniciar, originaria um dissídio, que o titular dessa AIM e o terceiro eventualmente dirimiriam no foro próprio, sem interferência do INFARMRD. Tenha-se presente que, nos termos do CPI, a violação do exclusivo de patente configura ilícito criminal [artigo 321º (Artigo 321º [Violação do exclusivo da patente, do modelo de utilidade ou da topografia de produtos semicondutores]: É punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias, quem, sem consentimento do titular do direito: a) Fabricar os artefactos ou produtos que forem objecto da patente, do modelo de utilidade ou da topografia de produtos semicondutores; b) …)], podendo o titular da patente impedir essa violação através de adequadas providências cautelares, conforme prevê o mesmo CPI [artigo 339º (Artigo 339º (Providências cautelares não especificadas): Nos casos em que se verifique qualquer dos ilícitos previstos neste Código e sempre que finalidade não seja, exclusivamente, a apreensão prevista no artigo seguinte, podem ser decretadas providências cautelares, nos termos em que o Código de Processo Civil o estabelece para o procedimento cautelar comum.)]. Em suma: de acordo com um princípio de especialidade de competências, cabe ao INPI a protecção e promoção da propriedade intelectual, cabendo ao INFARMED o controlo da qualidade, eficácia e segurança dos medicamentos. Daí que esta entidade, no processo tendente à concessão das impugnadas AIM’s, não tivesse de considerar a existência de direitos de propriedade industrial, designadamente os invocados pelas ora recorrentes. As quais, por isso, não tinham, relativamente àquele procedimento e às decisões de AIM, nele tomadas, a qualidade de interessado nem, por consequência, o direito de audiência, nos termos do citado artigo 100º CPA. Em sentido contrário ao deste entendimento, as recorrentes alegam que os invocados direitos de propriedade industrial são direitos fundamentais de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias e, como tal, com protecção acrescida ao nível da própria Constituição, a cujas normas está directamente vinculada a Administração Pública que, por isso, não poderia deixar de considerar, no âmbito daquele procedimento de concessão de AIM’s, tais invocados direitos, prevenindo e reprimindo a respectiva violação. Mas, não colhe essa alegação. Desde logo, e como já se referiu, a AIM, sendo pressuposto jurídico essencial para a entrada do medicamento no mercado, não consubstancia um acto de comercialização desse mesmo medicamento, não se traduzindo, por isso, em qualquer violação do exclusivo conferido pela patente. Nem dele resulta – acrescente-se, agora – a obrigação, para o respectivo titular, de iniciar tal comercialização. Pois que, como bem nota o Exmº Magistrado do Ministério Público, a não comercialização, na vigência de patente, é imposta por lei e não relevará, por isso, para efeito da sanção de caducidade da autorização, prevista no artigo 77º [Artigo 77º (Regime de comercialização): … 3 – A não comercialização efectiva do medicamento durante três anos consecutivos, por qualquer motivo, desde que não imposto por lei ou por decisão judicial imputável ao INFARMED ou por este considerado como justificado, implica a caducidade da respectiva autorização ou registo, após a notificação prevista no nº 3 do artigo seguinte.], nº 3 do EM. Depois, e como refere um Autor [Prof. J. J. Gomes Canotilho, in parecer jurídico junto ao processo nº 888/12, desta 1ª Secção] – para concluir também que, na vigência do EM com a redacção anterior às alterações introduzidas pela Lei nº 62/2011, de 12/12, não pertencia ao INFARMED o controlo dos direitos de propriedade intelectual, mas apenas o controlo relativo às qualidades médico-terapêuticas dos medicamentos – «o simples facto de o INFARMED não poder violar direitos fundamentais de propriedade intelectual não constitui, só por si, uma forma atributiva de competências concorrentes com as do INPI no controlo do respeito pelos direitos exclusivos resultantes das patentes. É que – prossegue o mesmo Autor – o facto de toda a Administração estar sujeita à lei e aos direitos fundamentais não significa que todos os órgãos administrativos sejam igualmente competentes na totalidade das matérias respeitantes à regulação e ao controlo do exercício dos diferentes direitos fundamentais. Isto mesmo decorre do artigo 3º, nº 1 do Código de Procedimento Administrativo, onde se consagra o princípio da legalidade. De acordo com esta disposição, “ [o]s órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos.” A exigência de obediência à lei – conclui o mesmo Autor – não constitui, em si mesma, uma norma genérica de atribuição de competências para o controlo de todas as ilegalidades, à margem das próprias normas legais definidoras de competências e das considerações de adequação institucional e funcional que lhes estão subjacentes.» E a improcedência da alegação das recorrentes, quanto à pretendida invalidade dos impugnados actos de AIM, estende-se à parte em que nela se defende a ilegalidade do acto de fixação de PVP dos medicamentos em causa. Desde logo, vale para este acto o essencial do que antes se afirmou quanto à AIM. Pois que também nenhuma dúvida existe de que tal acto, atento o seu tipo legal, sentido e alcance, nada tem a ver com a defesa de direitos de propriedade industrial titulados por patente. Veja-se, a este propósito, o então vigente DL nº 65/2007, de 14/3, maxime os seus artigos 2º, alínea b), 4º, 5º e 6º, bem como a Portaria nº 312-A/2010, de 11/6. Depois, porque, como notou o acórdão recorrido, a condenação da DGAE a abster-se de fixar tais PVP’s decorreu, exclusivamente, da invalidação das AIM’s, não podendo vingar na ausência dela. Do exposto resulta claro, em nosso entender, que, mesmo na ausência da Lei nº 62/2011, de 12/12, deveria ser julgada improcedente a acção proposta pelas ora recorrentes. E, com a publicação e vigência desse diploma, em que directamente se baseou o acórdão recorrido, mais clara e indiscutível se tornou, a nosso ver, essa improcedência. Com efeito, a Lei nº 62/2011 veio, para além do mais, modificar o já referenciado DL nº 176/2006, de 30/8, de modo a definir que a AIM de um medicamento é um acto que não pode nem deve considerar quaisquer «direitos de propriedade industrial» [cfr. artigos 4º e 5º, enquanto redactores dos actuais artigos 25º, nº 2, 179º, nº 2 e 23º-A, do DL nº 176/2006]. E, ex vi do artigo 9º, nº 1 da mesma Lei nº 62/2011, foi atribuída «natureza interpretativa» à sobredita definição. Ora, «A lei interpretativa integra-se na lei interpretada» [artigo 13º, nº 1 do Código Civil]. Sendo assim, é presentemente indiscutível a improcedência da alegação das recorrentes de que são inválidas as impugnadas AIM’s, por desconsideração do seu direito de propriedade industrial. Pois o INFARMED, ao emitir a AIM sem considerar a patente invocada nos autos, agiu secundum legem – como já resultava das suas atribuições e agora se confirma pela interpretação autêntica, que a Lei nº 62/2011 deu às normas então aplicáveis. E, do que antes já expendemos, resulta que uma tal solução não fere quaisquer princípios ou normas constitucionais. As recorrentes alegam, ainda, que o indicado artigo 9º, nº 1 da Lei nº 62/2011, é inconstitucional por conferir retroactividade a normas que restringiriam direitos, liberdades e garantias [artigo 18º, nº 3 da CRP]. Mas, sem razão. Antes de mais, importa reter que a «natureza interpretativa» das leges novae trazidas pela Lei nº 62/2011, relacionada com a desconsideração de patentes na emissão de AIM's, é insusceptível de controvérsia. É que tal índole interpretativa, para além de afirmada expressis verbis pelo legislador, corresponde à efectividade das coisas, pois que, sobre esse assunto, havia dúvidas manifestadas em duas correntes jurisprudenciais opostas. Sendo assim, aquela «natureza interpretativa» prevista no artigo 9º, nº 1 da Lei nº 62/2011, de 12/12, é real, em vez de furtivamente acobertar uma intenção inovadora e uma simultânea, e dissimulada, cláusula de retroactividade. Por outro lado, as leis interpretativas, embora tendam a vigorar ex ante, não são retroactivas proprio sensu, porque se limitam a fixar um regime já aplicável no passado [cfr. Baptista Machado, Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, ed. de 1968, pág. 285, em nota]. Por isso mesmo, a proibição constitucional de que se atribua retroactividade a leis restritivas de direitos, liberdades e garantias [artigo 18º, nº 3] só abrange as leis inovadoras, como este STA já teve a oportunidade de dizer [vd. o acórdão de 1-7-99, no recurso nº 44.642]. Quanto às leis deveras interpretativas, a sua retroactividade imprópria está sujeita aos limites previstos no artigo 13º, nº 1 do Código Civil: a salvaguarda dos «efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza». Todas essas hipóteses traduzem situações juridicamente estabilizadas, que nada têm a ver com o caso discutido na acção a que respeitam os autos, em que estava em causa aferir da legalidade da AIM, por falta de ponderação da patente. Ora, o que a lei interpretativa indirectamente nos diz é que o INFARMED andou bem ao desconsiderar a patente, pois era assim que a legislação a convocar para a emissão dos impugnados actos devia ser interpretada ab initio. O que, como vimos, implica a improcedência da acção proposta, como decidiu o acórdão recorrido. Portanto, a inconstitucionalidade que as recorrentes atribuem ao artigo 9º, nº 1 da Lei nº 62/2011 não tem razão de ser. Inseria-se seguramente nas prerrogativas do legislador emitir uma lei interpretativa em matéria controversa. E a emissão de tal lei não fere qualquer direito das recorrentes em sede de propriedade industrial. Pois, seja ou não de reconhecer natureza de direito fundamental ao direito delas à patente, a lei interpretativa, precisamente por sê-lo, não restringiu o direito de propriedade industrial, limitando-se a esclarecer que a consideração e a defesa dele não podem ocorrer no procedimento administrativo de AIM, mas alhures, onde o direito é, aliás, susceptível de uma tutela jurisdicional efectiva, como antes já se viu. Assim sendo, temos que, mesmo antes do surgimento da Lei nº 62/2011, já deveria entender-se que os pressupostos das AIM's não integravam a consideração de eventuais direitos de propriedade industrial – ideia essa que imediatamente ressaltava das atribuições do INFARMED e era corroborada por outras normas vigentes nesse domínio. Mas, com a Lei nº 62/2011, dada a interpretação autêntica que ela fez do regime pretérito, tudo isso se tornou mais claro, afastando quaisquer dúvidas, que pudessem persistir”. Face à doutrina que emerge dos dois acórdãos transcritos, torna-se patente que a sentença recorrida não pode manter-se, uma vez que já antes da publicação da Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro, se devia entender, em face das atribuições do INFARMED e do tipo legal das AIM’s de medicamentos, a inviabilidade da acção em que se impugnasse uma autorização para introdução no mercado com base na ideia de que ela desconsiderava um direito de propriedade industrial, inviabilidade essa transponível, com as devidas adaptações, para a impugnação do estabelecimento de PVP dos medicamentos, da competência da Direcção-Geral das Actividades Económicas, solução que se tornou mais clara com a emergência da Lei nº 62/2011, cujo artigo 9º, nº 1 atribuiu, expressamente, efeito interpretativo a preceitos que o são, por natureza. Procedem, pois, as conclusões do recurso da contra-interessada “Krka Farmacêutica Sociedade Unipessoal, Ldª” e do INFARMED [estas parcialmente, como se deixou referido supra]. IV. DECISÃO Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os Juízes do 2º Juízo do TCA Sul em conceder provimento aos recursos jurisdicionais interpostos e, em consequência, revogar a sentença recorrida, julgando improcedente a acção administrativa especial intentada pela autora e aqui recorrida. Custas a cargo da autora e aqui recorrida na 1ª instância e neste TCA Sul [artigos 446º, nºs 1 e 2 e 453º, nº 2 do CPCivil e 2º e 7º, nº 3 do Regulamento das Custas Processuais].Lisboa, 21 de Fevereiro de 2013 [Rui Belfo Pereira – Relator] [Sofia David] [Carlos Araújo]

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