I. A motivação de facto das sentenças visa um triplo objetivo: obter uma maior confiança do cidadão na administração da justiça; assegurar o autocontrolo das entidades judiciárias; assegurar o direito ao recurso. II. A circunstância de a prova estar gravada não desonera o tribunal de fazer a análise crítica da prova. III. Ocorre nulidade de fundamentação da decisão recorrida se há total ausência de análise crítica da prova.
Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório: No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém - Juízo Criminal Local de Santarém, J 1 - correu termos o processo comum singular supra numerado no qual o assistente deduziu acusação particular contra os arguidos: MAF (…); e ALB (…), imputando-lhes a prática de imputada a prática em autoria material, em concurso real e na forma consumada: - à Arguida MAF dois crimes de difamação agravada, nos termos p. e p. pelos artigos 1800 , n.0 1 e 183 0, n.0 1, al. a) do Código Penal, e de dois crimes de ofensa a pessoa coletiva agravada, p. e p. pelo artigo 1 870 , n. 0 1 e 183 0, n.0 1, al. a) do Código Penal; - ao Arguido ALB, um crime de difamação agravada, nos termos p. e p. pelos artigos 1 800 , n. 0 1 e 183 0, n. 0 1, al. a) do Código Penal, e de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravada, p. e p. pelo artigo 1870, n.0 1 e 183 0 , n.0 1, al. a) do Código Penal. Os Assistentes deduziram pedido de indemnização contra os Arguidos pedindo a condenação da arguida MAF a pagar a quantia de 3.500,00€ ( três mil e quinhentos euros) à assistente LOC e ao assistente CAT a quantia de Euros: 3.000,00 (três mil euros), e pedindo a condenação do Arguido ALB a pagar a quantia de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros) à assistente LOC e ao assistente CAT a quantia de Euros: 2.000,00 mil euros). * O Ministério Público acompanhou integralmente a acusação particular (em 18-11-2019, fls. 76-78). * A final - por sentença lavrada a 22 de Setembro de 2021 - veio o Tribunal recorrido a julgar procedente, por provada, nos termos expostos, as acusações, em consequência, decidiu: A-) Condenar o Arguido ALB como autor, de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 1800 , n.0 1 e 183 0 , n.0 1, al. a) do Código Penal, como, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de seis euros, o que perfaz a pena de multa de 600 euros; B-) Condenar o Arguido ALB como autor, de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravada, p. e p. pelo artigo 1870 , n. 0 1 e 183 0, n.0 1, al. a) do Código Penal na pena de100 dias de multa, à taxa diária de seis euros, o que perfaz a pena de multa de 600 euros; C-) Operando o cumulo jurídico das penas parcelares atras referidas em que o Arguido ALB foi condenado, nos termos do artigo 77.0, do Código penal, condenar o Arguido ALB na pena única de 140 dias de multa a taxa diária de 6 euros, o que perfaz a pena única de multa de 840 euros que, caso não seja paga, poderá ser convertida em prisão subsidiária nos termos do art. 0 49 do código penal vigente; D-) Condenar a Arguida MAF como autora, de dois crimes de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 1 800 , n. 0 1 e 1 83 0 , n. 0 1, al. a) do Código Penal, na pena por cada um deles de 100 dias de multa, à taxa diária de seis euros, o que perfaz as penas de multa de 600 euros; E-) Condenar a Arguida MAF como autora material, de dois crimes de ofensa a pessoa coletiva agravada, p. e p. pelo artigo 1 870, n. 0 1 e 183 0, n. 0 1, al. a) do Código Penal nas penas, por cada um deles de100 dias de multa, à taxa diária de seis euros, o que perfaz as penas de multa de 600 euros; F-) Operando o cumulo jurídico das penas parcelares atras referidas em que a Arguida MAF foi condenada, nos termos do artigo 77.0, do Código penal, condenar a Arguida MAF na pena única de 200 dias de multa a taxa dia ria de seis euros, o que perfaz a pena única de multa de 1200 euros que, caso não seja paga, poderá ser convertida em prisão subsidiária nos termos do art. 0 49 do código penal vigente; G-) Condenar cada um dos Arguidos no pagamento taxa de justiça de 3 Unidades e meia de Conta; H-) Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização deduzido pelos Assistentes contra os Arguidos e em consequência condenar o Arguido ALB a pagar ao Assistente LOC, a quantia de 400 euros e ao Assistente CAT, a quantia de 600 euros, e condenar a Arguida a pagar ao Assistente LOC a quantia de 500 euros e ao Assistente CAT, a quantia de 700 euros, F-) Custas do pedido de indemnização a cargo de autores e demandado na proporção do decaimento.* Os arguidos MAF e ALB não se conformando com a decisão, interpuseram recurso formulando as seguintes (transcritas) conclusões: 1 – Os arguidos não concordam com a sentença proferida e dela vem interpor recurso. 2 – Os arguidos colocam à apreciação de V. Exas. as seguintes questões: 3 – Primeira questão: Na sentença recorrida o tribunal a quo fez constar quais elementos de prova em que se baseou para formar a sua convicção, quanto aos factos provados. 4 - Pese embora na sentença recorrida tenha indicado [toda] a prova a que atendeu, certo é que, em relação ao seu exame crítico, o tribunal a quo se limitou a referir que a convicção no tocante aos factos praticados pelos arguidos se baseou na conjugação e análise crítica da prova, não efetuando a tal respeito qualquer tipo de explanação. 5 - Ainda que, aquele enunciado feito se revele suficiente para motivar a sustentação probatória dos factos relativos ao conteúdo das publicações, dele se inferindo que o tribunal a quo atendeu ao que objetivamente resulta dos elementos constantes de fls. 7 a 18 e do requerimento apresentado com a referencia 36775465, inferência que, face à natureza da factualidade em causa e à prova que a suporta, não é difícil alcançar, o que, aliás, os recorrentes não questionam, já o mesmo não se pode dizer em relação à demais matéria de facto provada. 6 - O tribunal a quo faz referência às testemunhas que tomaram conhecimento das publicações confirmando-as, dizendo que umas tinham deposto no sentido de que as mesmas ofenderam a honra e consideração do assistente e a credibilidade e prestígio da assistente e outras que tinham deposto no sentido de concordarem com as mesmas, mas quanto ao depoimento destas testemunhas, não se divisa na sentença recorrida a razão de atribuição de credibilidade ou falta de credibilidade a uma fonte de prova e não a outra, não se explicitado a valoração dos depoimentos das testemunhas inquiridas. 7 - Acresce que não existe na motivação dos factos provados o raciocínio extraído dos vários documentos e dos depoimentos de modo a que seja possível entender as razões porque foram dados como provados os factos descritos como tal. 8 - O que é que levou o Tribunal a quo a considerar o depoimento das testemunhas que depuseram no sentido de que as publicações ofenderam a honra e consideração do assistente e a credibilidade e prestígio da assistente e não o depoimento das testemunhas que depuseram em sentido diverso? Que credibilidade atribuiu aos depoimentos de umas e de outras? Porquê? 9 - Qual foi o raciocínio lógico, racional e neutro, que em termos de análise comparativa de coerência e da experiência comum, permitiu ao Julgador a quo concluir que as publicações ofenderam a honra e consideração do assistente e a credibilidade e prestígio da assistente? 10 - A fundamentação concreta da sentença recorrida não faz uma análise e exposição dos motivos que fundamentaram a decisão, já que apesar da indicação das provas, não foi realizado qualquer exame ou análise crítica das mesmas. 11 - A falta de exposição e fundamentação da convicção e decisão do Tribunal na sentença recorrida, traduz-se num verdadeiro impedimento e ilegítima limitação do direito de defesa dos arguidos. 13 - Salvo melhor opinião, consideram os recorrentes ser evidente a nulidade da sentença, por manifesta falta de exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. Isto é, por objectiva falta de preenchimento dos requisitos estabelecidos no nº 2 do artigo 374º C.P.P., atento o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 379º do C.P.P.. 14 - Deve, assim, se declarada a nulidade da sentença, nos termos do artigo 379º, nº 1 alínea a) do C.P.P.. 15 – Segunda questão: Os recorrentes suscitam também a questão da legitimidade para o exercício do direito de queixa, pelo Conselho Diretivo, enquanto órgão representativo da LOC, nos termos dos artigos 29º da Lei dos Baldios, aprovada pela Lei nº 75/2017, de 17 de Agosto. 16 - Os presentes autos começaram com a queixa apresentada pelo Conselho Diretivo da LOC contra os arguidos, na qualidade de órgão executivo e em representação da respetiva Assembleia de Compartes. 17 - De harmonia com o disposto na al. q) do nº 1 do artigo 24º da Lei dos Baldios, compete à Assembleia de Compartes deliberar o recurso a juízo pelo conselho diretivo para defesa de todos os direitos e interesses da comunidade local. 18 - E nos termos do estatuído na al. h) do nº 1 do artigo 29º da Lei dos Baldios, compete ao Conselho Diretivo, em caso de urgência, recorrer a juízo e constituir mandatário para defesa de direitos ou interesses legítimos da comunidade relativos ao correspondente baldio ou baldios e submeter estes atos a ratificação da assembleia de compartes. 19 - De acordo com o disposto na al. r) do nº 1 do artigo 24º da Lei dos Baldios, compete à Assembleia de Compartes ratificar os atos da sua competência reservada se o conselho diretivo os tiver praticado sem autorização com fundamento em urgência; 20 - Decorre das disposições legais acabadas de citar que compete ao Conselho Diretivo recorrer a juízo para a defesa de direitos ou interesses legítimos da comunidade relativos ao correspondente baldio e constituir mandatário, mas para assegurar a sua legitimidade tem de submeter estes atos a ratificação da Assembleia de Compartes e a esta compete ratificar tal recurso. 21 - Assim, a competência para recorrer a juízo, designadamente e por maioria de razão, para exercer o direito de queixa e, consequentemente, deduzir acusação particular e pedido de indemnização civil, cabe ao Conselho Diretivo, mas com ratificação pela Assembleia de Compartes. 22 - Não consta dos autos documento de onde resulte que o recurso a juízo, por via do presente processo crime, tivesse sido ratificado pela Assembleia de Compartes. 24 - Por isso, por os recorrentes consideram não ter havido ratificação pela Assembleia de Compartes dos LOC do recurso a juízo pelo respetivo Conselho Diretivo e em particular para que fosse apresentada queixa criminal pelos factos em referência, contra os arguidos. 25 - Assim, não tendo o exercício do direito de queixa, pelo Conselho Diretivo da LOC sido ratificado pela mesma Assembleia, tal falta de ratificação, pelo órgão do baldio constituído por todos os compartes, entre eles os arguidos e representativo da comunidade local, titular do exercício de queixa, implica que a queixa apresentada pelo Conselho Diretivo não seja juridicamente relevante e sendo a queixa um requisito de procedibilidade da ação penal (artigo 113º, nº 1 do C.P. e artigo 49º do C.P.P.), tem como consequência que a assistente carecia de legitimidade exercer a ação penal, não podendo o procedimento criminal prosseguir. 26 - Consequentemente, deverá julgar-se extinto o procedimento criminal contra os arguidos, no que respeita aos crimes de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, por falta de legitimidade da assistente e do Ministério Público para o exercício da ação penal, em virtude da queixa apresentada Conselho Diretivo, não ter sido ratificada pela Assembleia de Compartes. 27 - Os recorrentes entendem, igualmente, no tocante ao pedido de indemnização civil, deduzido pela assistente “LOC”, representada pelo Conselho Diretivo, que o tribunal não podia conhecer do mesmo, já que também se verifica a falta de ratificação pela Assembleia de Compartes do recurso a juízo, contra os arguidos/demandados, com vista à efetivação da responsabilidade civil por factos ilícitos, pelo que carece o Conselho Diretivo de legitimidade para a dedução do pedido cível e, nessa medida, têm os arguidos/demandados de ser absolvidos da instância – cfr. artigo 288º, al. d) do C.P.C., aplicável ex vi do 4º do C.P.P.. 28 - Ao não se julgar extinto o procedimento criminal relativamente aos arguidos, por carecer a assistente e o Ministério Público de legitimidade para exercer a ação penal e ao não se absolver da instância cível os arguidos/demandados, por ilegitimidade do Conselho Diretivo para deduzir o pedido cível, na sentença recorrida foram violados os artigos 24º, nº 1, als. q) e r) e 29º, nº 1, al. h) da Lei dos Baldios, 113º, nº 1 do C.P. e 49º do C.P.P.. 29 – Terceira questão: Ainda que se considere ter o Conselho Diretivo legitimidade para apresentar a queixa e, consequentemente, para prosseguir com a ação penal e que se mantenha inalterada a matéria de facto, consideram os recorrentes que as suas condutas não preenchem os elementos dos tipo ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, porque que não se encontram preenchidos os pressupostos do tipo objetivo do ilícito previsto no artigo 187º, Código Penal. 30 - Este crime verá o seu elemento objetivo preenchido quando a conduta do agente do crime consistir na afirmação ou prolação de factos – e não juízos de valor – que não correspondam à realidade e que se mostrem capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança de uma pessoa colectiva, organismo, corporação ou serviço e que o agente esteja de má fé na convicção que forma acerca da sua veracidade. 31 – Ora, aquilo que é identificado na acusação como tendo sido publicado, de modo a ofender a credibilidade, o prestígio e a confiança da assistente “LOC”, é que os arguidos, através das publicações descritas, lançam a suspeita, insinuam, dão a entender, que os atos do assistente CAT não são regulares, são às escondidas, que terão sido motivados por razões diversas do interesse da comunidade de compartes. 32 – As afirmações concretas, que foram publicadas em comentário nas publicações na rede social Facebook, constituem, expressamente, juízos pessoais (“Mas parece…”; “Penso que…”), a respeito de atos e atitudes do assistente CAT e outras pessoas, que não são identificadas, mas nunca acerca da comunidade de compartes, da qual os arguidos são parte. 33 - As afirmações produzidas consubstanciam a emissão de juízos de valor e não de factos que devam considerar-se inverídicos. 34 - E os factos concretos respeitam exclusivamente ao assistente CAT - o veículo estacionado atrás da casa deste assistente; este assistente vir a sair à noite da sede com papéis na mão. 35 – As afirmações dos arguidos ou são juízos de valor ou factos que respeitam ao assistente CAT. 36 - Não se trata, pois, da propalação de factos inverídicos, mas apenas e tão-só de opiniões – juízos de valor – independentemente de serem ou não desprovidas de fundamento real. 37 - Mesmo que de tais publicações resultasse prejuízo para o prestigio, confiança e credibilidade da comunidade de compartes - que não resulta, porque nem sequer se referem à comunidade de compartes, tal não gera qualquer responsabilidade penal para os arguidos, por força do princípio da legalidade e da tipicidade penal (artigo 1º, nº 1, do Código Penal), pois os mesmos não propalaram factos inverídicos, mas apenas e tão-somente, juízos de valor subjetivos, a respeito de atos praticados pelo assistente CAT. 38 – Mas, ainda que se referissem à assistente “LOC” e os juízos de valor fossem depreciativos e infundamentados, tratando-se apenas e tão-somente juízos de valor, não se mostra preenchido o tipo legal de crime pelo qual os arguidos foram condenados. 39 - Concluindo, não há factos necessários ao preenchimento do tipo legal de crime previsto no artigo 187º, nº 1 do Código Penal. 40 – E mesmo que existissem factos necessários ao preenchimento desse tipo legal, esses factos não preencheriam também os elementos objetivos do crime porquanto não se encontra provado, nem sequer alegado pela assistente na acusação particular, que os arguidos, sem fundamento para, em boa-fé, os reputar verdadeiros, afirmaram ou propalaram factos inverídicos. 41 - E esta não é uma questão de prova, mas sim de um elemento objetivo do tipo. 42 - Porque se trata de um elemento do tipo, na acusação teria que se alegar que os arguidos, sem terem fundamento para, em boa-fé, os reputar verdadeiros, afirmaram ou propalaram factos inverídicos, o que não aconteceu. 43 - Este elemento do tipo teria de ser alegado na acusação para que pudesse haver factos provados de inexistência de boa-fé por parte dos arguidos. 44 - A ausência de boa-fé, por ser elemento constitutivo do crime terá de ser provado por quem acusa, é à acusação que compete fazer a prova. 45 - Na sentença recorrida não se encontra provado este elemento do crime, nem podia estar por não ter sido alegado na acusação particular deduzida pela assistente e acompanhada pelo Ministério Público. 46 - Esta insuficiência dos factos descritos na acusação para condenação dos arguidos configura uma situação de acusação manifestamente infundada, que deveria ter sido rejeitada aquando do saneamento dos autos ao abrigo do artigo 311º do Código Processo Penal. 47 - Não tendo sido, a sanação do vício por inclusão de tais factos só poderia ter lugar através de uma alteração substancial dos factos nos termos contemplados no artigo 359º do C.P.P., que desde já, nos termos e para os efeitos do nº 3 do citado artigo, os arguidos declaram não aceitar. 48 - A acusação está, assim, ferida de nulidade, por falta dos elementos objetivos, devendo os autos na parte que respeita aos crimes de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, p. e p. pelo artigo 187º, nº 1, do Código Penal, serem arquivados. 49 - Ao condenar os arguidos como autores materiais de crime de ofensa a de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva agravada, p. e p. pelo artigo 187º, nº 1 e 183º, nº 1, al. a), ambos do Código Penal, na sentença recorrida foram violados os artigos 187º, nº 1 do Código Penal, os princípios da legalidade e da tipicidade penal consagrados no artigo 1º, nº 1 deste código e o artigo 311º do C.P.P.. 50 – Terceira questão: Nos crimes de difamação e de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, em que os arguidos foram condenados, para além da sua dimensão objetiva exige-se também a alegação e demonstração da dimensão subjetiva do tipo de ilícito, ou seja, impõe-se a alegação e prova de que os arguidos representaram e quiseram o comportamento por si adotado, com consciência da ilicitude dessa conduta, ou seja, que os arguidos atuaram voluntariamente, com consciência de que o seu comportamento ofende ou se mostra apto a ofender a honra e consideração alheia e que tal é proibido e punido por lei. 51 - Ora, no caso dos autos verifica-se que os factos provados são omissos quanto aos factos atinentes ao dolo e consciência da ilicitude dos arguidos. 52 - Todos os elementos do tipo de ilícitos pelos quais os arguidos foram condenados, quer os objetivos, quer os subjetivos tem de ser dados como provados. 53 - Ora, dos factos dados como provados, constata-se que dos mesmos não constam todos os factos que possam suportar a condenação dos arguidos. 54 - Com efeito, para qualquer dos crimes em que os arguidos foram condenados, não se encontram provados todos os factos integradores do dolo, concretamente que os arguidos atuaram conscientemente sabendo estarem a agir contra o direito. 55 - O crime de difamação, bem como o de ofensa a pessoa coletiva, não exige a verificação do chamado dolo específico, mas é necessário que se mostre provado que o agente queira com o seu comportamento ofender a honra ou consideração (pessoa singular), a credibilidade ou prestígio (pessoa coletiva) dos visados, ou que preveja essa possibilidade de forma que a mesma lhe pudesse ser imputada dolosamente, decidindo, com esse conhecimento, atuar ainda assim e apesar de saber da proibição da sua conduta. 56 - Para a condenação dos arguidos, porque condenados por crimes dolosos, para além de estar provado que os arguidos agiram livremente (afastamento das causas de exclusão da culpa - os arguidos podem determinar a sua ação), deliberadamente (elemento volitivo ou emocional do dolo - o agente quis o facto criminoso) e conscientemente (imputabilidade – o arguido é imputável), teria de constar como provado de que os arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e punida por lei (elemento intelectual do dolo, traduzido no conhecimento dos elementos objetivos do tipo). 57 - Como tanto o crime de difamação como o crime de ofensa a pessoa coletiva constituem crimes dolosos, significa que estão arredadas do seu âmbito subjetivo as condutas negligentes, pelo que não estando provado que os arguidos atuaram contra o direito, não se mostrando preenchido o crime de difamação agravada pelo qual foram condenados, impõe-se antes a sua absolvição. 58 - Atendendo a que os arguidos/recorrentes não incorreram na prática dos crimes de difamação, há que retirar as consequências quanto ao pedido de indemnização civil – artigo 403º nº3 do C.P.P.. 59 - Uma vez que não resultou provado que o comportamento dos arguidos foi ilícito, deverão improceder os pedido de indemnização civil contra eles deduzidos, pois o seu fundamento era a prática do facto ilícito. 60 - Na sentença recorrida foram, assim, violados os artigos 180º e 187º do Código Penal. 61 – Sem prescindir, porque entendem estarem incorretamente julgados os pontos 5, 14, 15, 16, 21, 22, 23, 26, 28 e 55 dos factos provados, os recorrentes impugnam esta matéria de facto. 62 – Com interesse para os factos em análise prestaram depoimento, o assistente CAT, as testemunhas (…). 63 - FR, com depoimento gravado, na sessão de julgamento do dia 14/10/2020, através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, entre as 15:43:32 horas e as 16:20:38 horas (conforme ata da audiência final de 14/10/2020); VV, com depoimento gravado, na sessão de julgamento do dia 04/11/2020 (conforme ata da audiência final de 04/11/2020), através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, entre as 15:24:53 horas e as 15:51:47 horas; CA, com depoimento gravado, na sessão de julgamento do dia 14/10/2020, através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, entre as 15:09:08 horas e as 15:41:59 (conforme ata da audiência final de 14/10/2020); FE, com depoimento gravado, na sessão de julgamento do dia 04/11/2020, através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, entre as 14.28:36 horas e as 14:57:00 horas; AN, com depoimento gravado, na sessão de julgamento do dia 04/11/2020, através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, entre as 14:58:45 horas e as 15:22:56 horas; AF, em depoimento gravado, na sessão de julgamento do dia 04/11/2020, através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, entre as 15:53:20 horas e as 16:11:06 horas; MI, em depoimento gravado, na sessão de julgamento do dia 04/11/2020, através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, entre as 16:13:41 horas e as 16:38:01 horas; AC, com declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início pelas 16:40:13 horas e termo pelas 17:13:56 horas. 64 – Dá-se aqui por integralmente reproduzidas, para todos os feitos legais, a transcrição de todos os excertos das declarações do assistente e depoimentos das testemunhas que se fez em sede de motivação e se consideram relevantes para a alteração da matéria de facto. 65 - Os recorrentes impugnam o julgamento da matéria de facto relativamente aos factos dados como provados no ponto 5 dos factos provados, considerando-os incorretamente julgados. 66 – O Tribunal a quo não indica expressamente qual a fundamentação para prova deste facto, mas não será certamente nenhum dos documentos juntos aos autos e referidos na rubrica “Fundamentando da convicção do tribunal quanto aos factos provados e não provados”, pois do teor dos mesmos não há qualquer referência a este tema. 67 - Sendo certo que, de acordo com a Lei dos Baldios, os compartes constam do caderno de recenseamento, facilmente se poderia ter aferido do número de compartes, bastava ter sido entregue o caderno de recenseamento de compartes, mas tal documento não foi indicado como prova da acusação nem junto aos autos. 68 - Deve, pois, tal facto ser excluído dos Factos provados e incluído nos Factos não provados, por completa ausência de prova que o confirme. 69 - Os recorrentes também consideram incorretamente julgados os factos descritos no ponto 14 dos factos provados, considerando que não foi produzida em sede de audiência de discussão e julgamento prova suficiente para poder conduzir a que fossem os factos aqui em análise julgados como provados. 70 - A fundamentação da resposta a estes factos encontrou-a o Tribunal a quo, como para todos os outros factos, nos depoimentos das testemunhas de acusação conjugado com os documentos de fls. 7 a fls. 18 e as declarações do assistente, embora sem serem indicados se foram todos os depoimentos ou só alguns, se foram todos os documentos ou só alguns. 71 - Salvo o devido respeito, a decisão de considerar provados estes factos não poderá encontrar fundamento nesses depoimentos, declarações e documentos, 72 – Com interesse para os factos aqui em análise e até pelas funções que desempenham, prestaram depoimento as testemunhas FR, vice-presidente do conselho diretivo da assistente e VV, presidente do conselho diretivo e são estes depoimentos as provas que impõem decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido. 73 - São relevantes a este propósito, entre outras, as passagens do depoimento: a) da testemunha FR gravadas a minutos e segundos – 15:34 a 15:47; b) da testemunha VV gravadas a minutos e segundos - 16:24 a 16:30; 18:00 a 18:32. 74 – Estas duas testemunhas, presidente e vice-presidente do conselho diretivo da assistente “LOC”, foram perentórias em afirmar que quem gere, dá ordem e comanda os Sapadores Florestais é o Conselho Diretivo. 75 - Nenhuma das testemunhas ouvidas refere que tais atribuições pertencem à Assembleia de Compartes, o que é obviamente compreensível uma vez que a Assembleia de Compartes é composta pelo conjunto de compartes, mas a administração dos baldios e dos bens que lhe pertencem são da competência do seu órgão administrativo, o Conselho Diretivo. 76 - Quanto ao facto provado de que os sapadores estão ao serviço da assembleia de compartes com a “ajuda financeira do Ministério da Agricultura”, salvo o devido respeito, para além de ter sido alegado pelos assistentes na acusação, a decisão de considerar provado este facto não encontra fundamento no depoimento de qualquer das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento ou documento junto aos autos. 77 - Assim, atento o teor dos depoimentos das duas referidas testemunhas e ausência de outros elementos de prova que os contrariem, ao contrário do julgado pelo Tribunal, creem os recorrentes não terem ficado provados estes factos, pelo que devem os mesmos serem considerados não provados e incluído nos Factos Não Provados. 78 – Também se impugna a matéria fática dos pontos 15 e 26 dos factos provados, esta última na parte “As afirmações supra referidas em 13.(…) relatando factos falsos”, por incorretamente julgada e em desconformiddae com a prova produzida. 79 – Quanto à matéria do ponto 15 dos factos provados têm interesse para os factos aqui em análise os depoimento das testemunhas (…). 80 - São relevantes a este propósito, entre outras, as passagens do depoimento: a) da testemunha CA gravadas a minutos e segundos – 19:12 a 20:48; b) da FR gravadas a minutos e segundos – 20:13 a 20:32; 32:36 a 33:12; c) da testemunha FE gravadas a minutos e segundos – 01:57 a 03:09; 14:10 a 15:50; 20:30 a 21:39; d) da testemunha AN gravadas a minutos e segundos – 22:05 a 23:15; e) da testemunha VV gravadas a minuto e segundos – 11:48 a 18:35; 23:01 a 23:03; f) da testemunha AF gravadas a minutos e segundos – 07:10 a 07:24; 07:27 a 07.45; g) da testemunha MI gravadas a minutos e segundos - 19:39 e 20:06; 24:04 a 24:15. 81 - Na publicação feita no facebook na página “Contra o roubo dos Baldios”(que como resulta claramente dos documentos juntos pelos arguidos na sessão de julgamento do dia 12/01/2021, é uma página criada pelo menos desde 2014, em que a expressão “roubo dos baldios” não se dirige a ninguém em concreto): «Não respeitam as leis e continuam na ilegalidade. Agora é a viatura dos Sapadores Florestais nas traseiras da casa em serviço particular». 82 - Ao contrário do que se deu como provado, do teor do texto das afirmações publicadas não resulta nenhuma imputação para a assistente “LOC”. 83 - A testemunha CA associa estes factos apenas ao assistente CAT, como claramente resulta da passagem do depoimento acima transcrita. 84 – A testemunha FR fala que os comentários das publicações referiam-se às pessoas, aos membros que ocupam cargos nos órgãos sociais e não à instituição. 85 – A testemunha FE diz eraque estranho a carrinha estar junto à casa do CAT, tanto que não só questionou o próprio, como VV e FR, respetivamente, presidente e vice-presidente do conselho diretivo e diz, ainda, se para ele, que faz parte dos órgãos sociais, o estacionamento da carrinha na casa do AC lhe causou admiração mais causará a quem não sabe o que se vai fazer. 86 – Todas as demais testemunhas apenas relacionaram a publicação ao assistente André, pelo que por completa ausência de prova e porque do próprio texto da publicação não se retira qualquer palavra ou expressão que revista a forma de imputação de qualquer facto, juízo ou opinião sobre a assistente “LOC”, não deveria ter sido julgado provado que o arguido “exprimindo-se no plural” quis imputar o que quer que fosse à mencionada assistente. 87 - O que importa, assim, agora saber é se o que está escrito na publicação, referente à utilização daquela viatura (pois só estes escritos são objeto de apreciação pelo tribunal) tem relevância e dignidade penal por conter factos e juízos de valor, negativos, acerca do carácter do assistente CAT. 88 - Entendem os recorrentes que não. 89 - Afirma-se que a viatura dos sapadores florestais está nas traseiras da casa do assistente CAT - um facto e é verdadeiro, todas as testemunhas o disseram. 90 - A questão prende-se em saber se se provou que a viatura não estava em serviço particular (o assistente alegou na acusação ser falso, por isso é seu o ónus da prova) ou sendo falsa a afirmação ela só por si constitui uma afirmação degradante no sentido de ter o exclusivo propósito de rebaixar e humilhar o assistente ou, pelo contrário ainda as afirmações utilizadas ainda se circunscrevam ao sentido próprio da crítica, não atingindo o nível da ofensa pessoal desnecessária, inadequada ou desproporcional a um normal exercício do direito de expressar a opinião. 91 - Quanto à primeira parte da questão, importa ter presente os depoimentos transcritos nos quais todas as testemunhas, de uma ou de outra forma, questionam a razão da viatura estar na caso do assistente. 92 - É certo que o assistente é presidente da Mesa da assembleia de compartes, mas a viatura pertence ao conselho diretivo, como afirmaram VV e FR. 93 - A testemunha CA diz que o AC explicou, na cerimónia de entrega de uma ambulância aos Bombeiros de (…), que ia com um topografo a uma pedreira e que de automóvel é difícil de lá chegar; a testemunha VV diz que viatura estava com o assistente porque a seu pedido este estava a trabalhar para o conselho diretivo e como tal não tinha que usar o seu carro: então tinha a viatura porque era difícil ir de carro às pedreiras ou porque estava a trabalhar para o conselho diretivo? 94 - As testemunhas CA, VV, FE e AF dizem que era habitual os membros do conselho diretivo andarem com a carrinha, já MI diz que não era usual usá-la. 95 - Também FR questionado sobre se a carrinha na época dos fogos não estava apenas afeta ao Sapadores, respondeu que sim, mas também à instituição, que a pode usar; quando confrontado com o protocolo com ICN tentou dar uma explicação para o facto da carrinha estar na casa de CAT, acabando a dizer “sei lá qualquer coisa”. 96 - Os depoimentos das testemunhas claramente demonstram que não seria usual aquela viatura dos sapadores florestais estar numa casa particular, se fosse ninguém acharia estranho, designadamente outros membros dos órgãos sociais e da Mesa. 97 – Acresce, que as testemunhas são unânimes em afirmar que a viatura não poderia ser usada na fase Charlie dos incêndios, nem pelos membros do conselho diretivo e todas falaram como se, em 16/06/2018, ainda não se estivesse na fase Charlie, mas em 2018 a chamada fase Charlie começou em 01/06/2018, facto que não poderia ser do desconhecimento do conselho diretivo da assistente, que tem uma equipa de sapadores florestais. 98 - Não colhe, assim, a alegação do assistente na acusação de que era falsa a afirmação que a viatura não estava ao serviço dos baldios: desde logo porque embora as testemunhas quisessem fazer crer que o assistente estava a trabalhar para o conselho diretivo, o certo é que não explicaram a razão para uma viatura afeta ao serviço dos Sapadores Florestais estar na época de incêndios a ser usada para outros fins, por alguém que está de baixa, por ter tido um acidente e a um sábado (16 de junho de 2018 foi sábado). 99 - As explicações dadas para a viatura estar estacionada na casa do assistente não merecem, no entender dos recorrentes, qualquer assentimento por não ser razoável e se configurar contrária às regras de experiência comum, admitir, que a um sábado, um membro da Mesa da assembleia que se encontrava de baixa andasse a trabalhar para o conselho diretivo, acompanhando topógrafo nas pedreiras, usando uma viatura dos Sapadores Florestais em plena época de incêndios. 100 - Da prova pessoal produzida, mais concretamente dos depoimentos das testemunhas referidas resulta evidenciado que não era usual o assistente usar a viatura, uma vez que tal facto causou estranheza até aos membros dos órgãos sociais e Mesa. 101 - Aqui chegados, não conseguem os recorrentes descortinar que critério seguiu o tribunal recorrido para dar como provado que o arguido quis imputar ao assistente que a viatura estava a ser usada “abusivamente” em interesse privado. 102 - É certo que o tribunal deu como provado, no ponto 26 dos factos provados e que aqui também se impugnam na parte relativa à falsidade das afirmações referidas em 13, referindo que as afirmações relatam “factos falsos”, mas não conseguem os recorrentes descortinar o critério seguido para se chegar a essa conclusão na sentença recorrida. 103 - Alegadamente, na tese da acusação os factos são falsos, mas poderá saber-se com precisão, com base nos depoimentos das testemunhas e nas declarações do assistente, porque motivo estava ali a viatura dos Sapadores, sendo certo que não deveria ali estar, ou melhor não poderia ali estar, uma vez que era época de incêndio e tinha de estar de «prontidão», como disse o presidente do conselho diretivo VV. 104 – É certo que não resulta da decisão que o tribunal recorrido ficou num estado de dúvida sobre os factos e que «ultrapassou» essa dúvida, dando-os por provados, contra o arguido, mas entendem os recorrentes que dúvidas existem sobre o motivo da presença da viatura na casa do assistente, não ultrapassável pelo recurso a qualquer meio de prova, verificando-se, assim, a violação do princípio in dubio pro reo. 105 - No caso o tribunal a quo deu como provados factos duvidosos desfavoráveis ao arguido, pelo que mesmo que não tenha manifestado ou sentido a dúvida, há violação deste princípio pois, do confronto com a prova produzida, deverá concluir-se que se impõe um estado de dúvida. 106 - Os recorrentes consideram não ser possível firmar um convencimento quanto aos factos questionados que seja para além de toda a dúvida razoável e que permita afirmar que o recorrente afirmou factos falsos. 107 - Neste quadro, entendem que o tribunal recorrido não podia dar como provados os factos constantes do ponto 15 dos factos provados e que os factos ali descritos são falsos, falsidade que deu como provada no ponto 26, devendo impor-se o princípio in dúbio pro reo, dando-se tais factos como não provados. 108 - Assim, os factos dados como provados no ponto 15 que respeitam à assistente “LOC” devem ser julgados não provados, eliminados do elenco dos factos provados e acrescentados aos factos não provados, impondo esta decisão a completa ausência de prova quanto à imputação alegadamente feita a esta assistente. 109 - Deverá dar-se como não provada a falsidade dos factos descritos na publicação referida no ponto 13, devendo eliminar-se tais factos dos factos provados e acrescentados aos factos não provados, por aplicação do princípio in dúbio pro reo. 110 - Em obediência ao mesmo princípio, deverá ser eliminado do ponto 15 a expressão “abusivamente”, acrescentando-a aos factos não provados e alterando-se este ponto da matéria de facto que deverá apenas ter a seguinte redação: “O arguido ALB quis imputar ao Presidente da Mesa Assembleia de Compartes, o assistente CAT que a viatura da Assembleia de Compartes para serviço da sua equipa de "Sapadores Florestais, era usada e estava ali ao serviço do interesse particular do assistente.”. 111 - Impõe decisão de alterar esta matéria de facto a completa ausência de prova quanto à imputação alegadamente feita à assistente “LOC” e as declarações das testemunhas acima referidas que colocam em dúvida a falsidade da imputação, fazendo aplicar o princípio do in dúbio pro reo. 112 – Impugna-se também a matéria fática vertida no ponto 16 dos factos provados. 113 - Na análise deste ponto da matéria de facto, descontando a natureza conclusiva das afirmações nela contidas, entendem os recorrentes que terá de se analisar o texto que, no entender do tribunal a quo, corporiza as "afirmações públicas e publicadas ofendia a honra e bom nome do assistente André e atentava contra a credibilidade e prestígio do organismo comunitário: «Não respeitam as leis e continuam na ilegalidade. Agora é a viatura dos Sapadores Florestais nas traseiras da casa em serviço particular». 114 - Pela fundamentação da convicção do tribunal recorrido, na rubrica “Da subsunção jurídica dos factos”, percebe-se que no espírito do julgador resultou um juízo de condenação do arguido, por ter publicado esse texto na sua página do facebook, excedendo os limites da sua liberdade de expressão. 115 - Dando aqui por integralmente reproduzidas as transcrições dos depoimentos realizadas em V.3, pode-se afirmar que para as testemunhas, no comentário feito, apenas está em causa a atuação do assistente CAT, o que é, aliás, percetível da leitura da publicação em causa: a casa é do assistente CAT, a carrinha está estacionada nas traseiras da sua casa, pelo que “em serviço particular” só poderá dizer respeito a este assistente. 116 – Os recorrentes não conseguem perceber de que forma o comentário feito respeita à assistente “LOC“ e atenta contra a credibilidade e prestígio da mesma. 117 – Já quanto à ofensa à honra e ao bom nome do assistente CAT, do teor do texto publicado não resulta a imputação de qualquer facto ou juízo de valor sobre a vida íntima, da esfera pessoal do assistente, limitando-se a expressar uma crítica à conduta pública do assistente - uma figura pública a nível local, enquanto presidente da Mesa da Assembleia de Compartes – por ter estacionada, na sua casa, uma viatura afeta aos Sapadores Florestais, em período de incêndios. O comentário feito refere -se ao modo de proceder do assistente e não ao seu modo de ser. 118 - A decisão recorrida não convence, na análise crítica da prova, como o tribunal a quo chegou à conclusão de que a publicação corporiza afirmações ofensivas da honra e bom nome de CAT, uma vez que o texto publicado não tem essa carga negativa, não enxovalha, não rebaixa, não atinge a esfera pessoal. 119 - O comentário em causa não ultrapassa a crítica sustentada, objetiva e equilibrada, não constitui uma ofensa gratuita e desmedida, que não satisfaz um propósito crítico, limitando-se a consubstanciar mera opinião sobre a conduta pública do assistente, ao ter estacionada nas traseira sua casa a viatura dos Sapadores Florestais, que como afirmaram as testemunhas não pode ser utilizada na fase Charlie dos incêndios, como era o caso. 120 - Considerando-se não provadas as ofensas aos assistentes também os elementos subjetivos do tipo mencionados no ponto 16 não se mostram preenchidos. 121 - Assim, devem os factos dados como provados no ponto 16 serem julgados não provados, eliminados da rubrica factos provados e acrescentados aos factos não provados. 122 - Impõe decisão diversa da tomada na sentença recorrida os depoimentos de (…………………), conjugado com os documentos juntos aos autos. 123 – Consideram os recorrentes que também os pontos 21 e 22 dos factos provados estão incorretamente julgados. 124 - Salvo o devido respeito, os recorrentes entendem que ao considerar provadas as conclusões relativas aos escritos na publicação referida no ponto 20 dos factos provados, neste ponto dadas como provadas, o Tribunal fez uma avaliação incorreta da prova. 125 - Ao contrário do decidido pelo Tribunal, a conduta da arguida não teve as consequências descritas nestes dois pontos da matéria de facto que aqui se impugnam. 126 - A publicação feita pela arguida, na respetiva página pessoal do facebook, com os dizeres em causa, pelo teor abstrato, ambíguo e indefinido das afirmações, não é objetivamente ofensiva da honra e da consideração devidas ao assistente, enquanto pessoa individual e presidente da mesa da assembleia de compartes, por não ser suscetível de ser entendida como formulação, suficientemente explícita ou inequívoca, de um juízo negativo sobre o bom nome do assistente CAT ou a imagem da assistente instituição dos compartes. 127 - As expressões utilizadas não vão além do que a liberdade de expressão permite, enquanto exercício do direito de exprimir opiniões, ideias ou pensamentos, não possuindo uma carga desvaliosa suscetível de afetar o bom nome do assistente imagem da assistente. 128 - Impõe-se, por isso, uma avaliação do grau de ofensividade do comportamento apurado à luz dos princípios da fragmentariedade, da intervenção mínima e da proporcionalidade do direito penal. 129 - O que os escritos em causa falam é do modo de proceder do Presidente da Mesa da Assembleia de Compartes e não sobre o modo de ser da pessoa CAT, os comentários não possuem a intensidade indispensável para fazer atuar o direito penal. 130 - Assim, devem ser dados como não provadas as conclusões descritas nos pontos 21 e 22 dos Factos provados e aqui impugnadas, devendo as mesmas ser eliminadas do elenco dos factos provados e acrescentadas ao elenco dos factos não provados. 131 - Impõe decisão diversa da tomada pelo tribunal recorrido a inexistência de qualquer prova sobre tais conclusões. 132 – Impugnação da matéria fática descrita no ponto 23 dos factos provados. 133 - Dá-se aqui por inteiramente reproduzido tudo o que se disse em 125 a 131. 134 - Na publicação descrita no ponto 17, não há quaisquer escritos que se refiram à instituição dos compartes. 135 - Quanto às ofensas ao assistente CAT, a publicação feita pela arguida, na respetiva página pessoal do facebook, com os dizeres em causa, também pelo teor abstrato, ambíguo e indefinido das afirmações, não é objetivamente ofensiva da honra e da consideração devidas ao assistente, enquanto pessoa individual e presidente da mesa da assembleia de compartes, por não ser suscetível de ser entendida como formulação, suficientemente explícita ou inequívoca, de um juízo negativo sobre o bom nome do assistente CAT ou a imagem da assistente instituição dos compartes. 136 - As expressões utilizadas não vão além do que a liberdade de expressão permite, enquanto exercício do direito de exprimir opiniões, ideias ou pensamentos, não possuindo uma carga desvaliosa suscetível de afetar o bom nome do assistente ou a imagem da assistente. 137 - O texto da publicação é mais vasto, como se pode verificar nos documentos de fls. 7 a 18 e nos documentos juntos pelos assistentes com o requerimento com a referência 36775465, junto em 13/10/2020 e percebe-se que existe um litigio judicial e que tais juízos são proferidos no âmbito desse litigio. 138 - Assim, lida a publicação integralmente, por forma a apreender o seu verdadeiro sentido e a real intenção de quem a escreveu, constata-se que estamos perante a emissão de juízos de valor sobre o assistente, não a título pessoal, mas reportando-se sempre à sua atuação como membro da assembleia de compartes, pelo que se justifica uma maior tolerância do assistente à crítica, enquanto pessoa pública, ainda que local, por opção própria e que, por via disso, se expôs inevitavelmente a um controlo dos seus atos, gestos e atitudes, assumindo o direito de crítica uma maior elasticidade. 139 - Esses juízos de valor, apesar da sua contundência e de algum excesso, não se apresentam como desadequados ou desproporcionados aos dados de facto que lhes servem de contextualização. 140 - Quanto à publicação descrita no ponto 19 dos factos provados, acresce a opinião da arguida quanto ao facto da viatura estar nas traseira da casa de CAT. 141 - Tratam-se de expressões que pelo seu teor abstrato, ambíguo e indefinido, não é objetivamente ofensiva da honra e da consideração devidas ao assistente, enquanto pessoa individual e presidente da mesa da assembleia de compartes, por não ser suscetível de ser entendida como formulação, suficientemente explícita ou inequívoca, de um juízo negativo sobre o bom nome do assistente CAT ou a imagem da assistente instituição. 142 - São relevantes a este propósito, entre outras, as passagens do depoimento: a) testemunha FE gravadas a minutos e segundos – 03:06 a 03:10; 09:07 a 12:16; b) da testemunha MI gravadas a minutos e segundos – 22:40 a 22:43. 143 - As expressões utilizadas não vão além do que a liberdade de expressão permite, enquanto exercício do direito de exprimir opiniões, ideias ou pensamentos, não possuindo uma carga desvaliosa suscetível de afetar o bom nome do assistente ou a imagem da assistente. 144 - O comportamento da arguida pode até ser passível de censura ética ou moral, mas não criminal. Os comentários não possuem a intensidade indispensável para fazer atuar o direito penal. 145 - Finalmente quanto aos dizeres da publicação descrita no ponto 20 dos factos provados, dá-se aqui por reproduzido tudo quanto se escreveu quanto à impugnação dos pontos 21 e 22 dos factos provados, concluindo que também aqui os factos e as opiniões escritas não revelam um propósito de atingir o assistente na sua substância pessoal, rebaixando-o, achincalhando-o, humilhando-o e atacando-o gratuitamente, isto é, ofendendo-o por ofender, mas antes de criticar o seu desempenho objetivo como presidente da mesa. 146 – As afirmações feitas nas publicações referidas nos pontos 17, 19 e 20 não atingem o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. 147 - Considerando-se não provadas as ofensas aos assistentes também os elementos subjetivos do tipo mencionados no ponto 23 não se mostram preenchidos. 148 - Assim, devem ser dados como não provadas os factos e juízos descritos no ponto 23 dos Factos provados e aqui impugnados, devendo a matéria fática ali descrita ser dada como não provada, a mesma ser eliminada do elenco dos factos provados e acrescentada ao elenco dos factos não provados. 149 - Impõe decisão diversa da tomada pelo tribunal recorrido a inexistência de qualquer prova sobre esta matéria fática. 150 – Os recorrentes também impugnam a matéria fática descrita no ponto 26 dos factos provados. 151 - Dá-se aqui por integralmente reproduzido o que se escreveu a propósito de se dar como provado a falsidade dos factos descritos nas publicações referidas no ponto 13. 152 - Portanto, os factos descritos em todas as publicações e que se referem aos assistentes, mais concretamente ao assistente André, já que nenhum facto respeita à assistente “LOC”, (só os factos foram julgados falsos, mas não as opiniões, os juízos) e que os recorrentes creem estar provados são: -a casa das fotografias é a casa de CAT – facto provado no ponto 4 dos factos provados; - a viatura dos Sapadores atrás dessa casa do assistente André – facto provado pelos documentos juntos aos autos de fls. 7 a 18; - o assistente André vir a sair da sede da assembleia de compartes à noite sozinho com papéis na mão – declarações do próprio assistente CAT – minutos 19:23 a 23:56. 153 - Assim, deve a redação do ponto 26 dos factos provados ser alterada, eliminando-se a expressão “relatando factos falsos” que deve ser acrescentada ao elenco dos factos não provados, devendo ser a seguinte a redação do ponto 26 dos factos provados: “As afirmações supra referidas em 13.- a 21.- pulicadas e divulgadas pelos arguidos passaram a ser comentadas e assunto de conversas em locais públicos e entre as pessoas da localidade aonde o Assistente habita e faz a sua vida.” 154 - Impõe decisão diferente da tomada pelo tribunal as declarações do assistente CAT e os documentos fls. 7 a 18. 155 – Os recorrentes também consideram incorretamente julgada a matéria fática descrita no ponto 28 dos factos provados. 156 - Sobre esta matéria fática é relevante o depoimento da testemunha VV, presidente do Conselho Diretivo dos baldios - minutos 20:32 a 23:02. 157 - As demais testemunhas, apesar de algumas terem sido inquiridas sobre os “danos” na imagem e prestigio da instituição, nada disseram. 158 - Assim, devem ser dados como não provados estes factos descritos no ponto 28 dos factos provados, serem eliminados do elenco dos factos provados e acrescentados aos factos não provados. 159 - Impõem decisão da proferida pelo tribunal o depoimento da testemunha VV e a ausência de qualquer outra prova. 160 – Quanto aos factos descritos no ponto 55 dos factos provados não constam da acusação, não resultam provados por qualquer documento ou outro elemento de prova, pelo que devem ser eliminados da matéria fática. 161 - Considerando a alteração da matéria de facto que os arguidos entendem que deve ser feita, não há factos provados que integrem objetivamente o tipo legal do crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180º nº 1 do C.P. e o tipo legal de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, p. e p. pelo artigo 187º, nº 1 do C.P., pelo que deverão os arguidos ser absolvidos de todos os crimes de que vinham acusados. 162 - Uma vez que não resultou provado que o comportamento dos arguidos foi ilícito, terá de improceder os pedidos de indemnização civil contra eles deduzidos, pois o seu fundamento era a prática dos factos ilícitos que não se verificaram. 163 - Com ou sem alteração dos fundamentos de facto, os recorrentes consideram que não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, devendo em consequência ser revogada a sentença do tribunal a quo na parte em que condenou os recorrentes a pagar à assistente “LOC“ uma indemnização por danos de natureza não patrimonial. 164 - No direito português, a função da responsabilidade civil não é punir, mas ressarcir, pelo que a simples prática de um ilícito, desacompanhada de prejuízos dele decorrentes, não gera responsabilidade civil. 164 - As pessoas coletivas, em geral, são titulares de direitos afins dos direitos de personalidade, nomeadamente, têm direito ao bom nome, reputação e crédito. 165 - Das ofensas a esses direitos podem emergir danos para as pessoas coletivas, mas apenas de natureza patrimonial (ainda que danos patrimoniais indiretos). 166 - No caso dos autos, admitindo (mera hipótese) que tinha havido uma efetiva lesão de direitos de personalidade da assistente, entendem, os recorrentes que o tribunal a quo errou quando diz “Sem estar assim em causa atribuir preço à dor, ao sofrimento e ao desgosto sofridos pelos Assistentes pela ofensa a sua honra e do seu bom nome importa encontrar um montante em dinheiro destinado a compensa-los dos danos não patrimoniais que sofreram em consequência da conduta dos Arguidos.” – 3º parágrafo do ponto 4 Pedido de indemnização da rubrica “Fundamentos”, pois só o ser humano tem a capacidade de sentir. 167 - O tribunal a quo exprimindo-se no plural quis referir-se a ambos os assistentes – ao assistente CAT e à assistente “LOC”, pelo que fez uma incorreta interpretação do que são os danos para uma pessoa coletiva. 168 - O que poderia ter acontecido era talvez a assistente ter alegado e provado danos patrimoniais indiretos, por exemplo, que por causa da conduta dos arguidos tinha perdido contratos ou benefícios ou prestígio social, o que por sua vez tinha afetado a sua capacidade de prossecução dos seus fins, mas a assistente não o fez. 169 - Não tinha o julgador a quo factos de que se socorresse para valorar danos causados à assistente pela ofensa à credibilidade, à honestidade, ao regular funcionamento da instituição, ao denegrir da imagem. 170 - Portanto, ainda que se considere ilícita a conduta dos arguidos para com a assistente, essa conduta não causou danos de natureza não patrimonial à assistente, como decidido na sentença recorrida. 171 - Impõem-se, assim, a revogação da sentença que condenou os arguidos a pagar quantia indemnizatória à assistente “LOC”. 172 - Ao condenar os recorrentes no pagamento à assistente “LOC” de uma indemnização por danos de natureza não patrimonial, a sentença recorrida violou os artigos 483º, 484º e 496º, todos do C. Civil.* O Digno Procurador respondeu ao recurso interposto, defendendo a improcedência do mesmo, com as seguintes conclusões: 1.ª Os factos dados como provados que consubstanciam a prática do crime de difamação agravada e de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva agravada e têm suporte na prova documental junta e nos depoimentos conjugados do assistente e testemunhas. 2.ª Atendendo ao tipo de crime que os ora recorrentes vêm acusados, o modo e as circunstâncias em que foram praticados 2 através de publicações na rede social - a sentença recorrida realiza a descrição do processo lógico ou racional bastante subjacente à formação da convicção do Juiz, com a realização do exame crítico da prova, quer testemunhal, quer documental. 3.ª A Assembleia de Compartes delibera o recurso a juízo pelo Conselho Diretivo para defesa de todos os direitos e interesses da comunidade local relativos aos correspondentes imóveis comunitários, nos termos do artigo 24.º n.º 1 alínea q) da Lei n.º 75/2017, de 17 de Agosto. 4.ª Os factos denunciados pelos assistentes estão relacionados com a imagem, honra e consideração dos assistentes enquanto pessoa singular, Presidente da Mesa da Assembleia de Compartes e da pessoa coletiva LOC. 5.ª O assistente e o Conselho Diretivo da assistente, enquanto órgão executivo, têm legitimidade para a apresentação da queixa uma vez que os factos denunciados não se enquadram no artigo 24.º n.º 1 alínea q) da Lei n.º 75/2017, de 17 de Agosto, atendendo aos bens jurídicos que os crimes denunciados visam proteger. 6.ª Da análise dos factos dados como provados, retira-se da leitura das publicações e comentários redigidos pelos arguidos os elementos objetivos e subjetivos dos crimes pelos quais foram condenados. 7.ª As publicações realizadas pelos arguidos ultrapassam a mera crítica, afetando o bom nome, honra e consideração dos assistentes. 8.ª As publicações proferidas pelos ora recorrentes não se podem enquadrar como atípicas, uma vez que estas não resultaram de uma crítica objetiva, mas sim de juízos de valor motivados pelo propósito de atingir os visados. 9.ª A análise das publicações e as declarações do assistente permitem decidir como decidido pelo Douto Tribunal. 10.ª O Tribunal a quo não violou qualquer disposição legal, nomeadamente as invocadas pelos recorrentes. Pelo que, deve ser mantida a sentença proferida nos presentes autos e negado provimento ao douto recurso, para que se faça * De igual forma respondeu o assistente defendendo o decidido. O Exmº Procurador-geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso. Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417º n.º 2 do Código de Processo Penal. * B - Fundamentação: B.1.a - O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos: 1.- Os Compartes dos baldios de (…) organizaram-se nos termos e para os efeitos da Lei no 17/2017 de 17 de Agosto ("Lei dos Baldios"), tendo sido constituída a respectiva Assembleia de Compartes em 1990. 2.- Exercendo desde então, ininterruptamente, a actividade de representação, gestão e administração que lhe compete, através dos seus órgãos sobre os prédios rústicos baldios daqueles mesmos lugares de (…). 3.-São prosseguidos também diversas obras e tarefas no âmbito dos apoios sociais e comunitários. 4.-Tais terrenos baldios situam-se na (…), estendem-se por uma área de cerca de 2.000 hectares e abrangem uma vasta e importante zona apta para a extração e exploração de massas minerais, das mais importantes do país, existindo atualmente em funcionamento cerca de 100 (cem) empresas de exploração de pedreiras, com contratos celebrados com a assistente organização dos compartes. 5.- Estão recenseados no respectivo caderno cerca de 750 compartes, que constituem a comunidade local daqueles lugares de (…). 6.- Os atuais órgãos sociais destes baldios foram eleitos para um mandato de 4 anos em ato eleitoral realizado em 05 de Outubro de 2017, tendo tomado posse em ato realizado na mesma data. 7.- Os membros destes órgãos desempenham plenamente as suas actividades sociais e exercem as suas funções, que são complexas, de grande exposição social, sendo publicamente considerados, conhecidos e respeitados pelas entidades e organismos públicos e privados. 8.- O Conselho Diretivo dos Baldios emana da respetiva Assembleia de Compartes, sendo o seu órgão executivo sendo, com a Comissão de Fiscalização, os órgãos próprios para o exercício dos actos de representação, disposição, gestão e fiscalização dos baldios. 9.- O queixoso assistente CAT é comparte e é o Presidente da Mesa da Assembleia de Compartes dos Baldios(…), exercendo as respectivas funções. 10.- A arguida MAF é comparte, devidamente recenseada. 11.- O arguido ALB é Autor e Administrador da página do Facebook denominada “DDDD”, a qual é de acesso público. 12.- Esta página continuou acessível a todo o público. 13.- Naquela mesma página titulada «DDD» o arguido ALB publicou, em 1 6 de Junho de 2018, quatro (4) fotografias da casa de habitação onde reside com a família o assistente CAT, no lugar de (…), com as seguintes legendas: «Não respeitam as leis e continuam na ilegalidade. Agora é a viatura dos Sapadores Florestais nas traseiras da casa em serviço particular». 14.- Os Sapadores Florestais estão ao serviço da comunidade de compartes, sob as ordens, direcção e fiscalização da Assembleia de Compartes, com ajuda financeira do Ministério da Agricultura. 15.- O arguido ALB, exprimindo-se no plural, quis imputar ao Presidente da Mesa Assembleia de Compartes, o assistente CAT, e à própria instituição comunitária e seus órgãos sociais, que a viatura da Assembleia de Compartes para serviço da sua equipa de "Sapadores Florestais, era usada e estava abusivamente ali ao serviço do interesse privado e particular do assistente. 16.- Bem sabia o Arguido ALB que com aquelas afirmações públicas e publicadas ofendia a honra e bom nome do assistente CAT e atentava contra a credibilidade e prestígio do organismo comunitário LOC querendo assim agir livre deliberada e conscientemente. 17.- No dia 16 de Junho de 2018, a arguida MAF partilhou na sua página pessoal do Facebook, de acesso público, aquela mesma publicação com as quatro fotos de "DDDD" acima referida supra em 13.- mas acrescentando-lhe, em título das ditas quatro fotos, as seguintes afirmações:- «Mas parece que o proprietário já tem explicação, para este crime! (crime SIM! Se vai contra as regras/leis, é CRIME) Aproveitem o próximo ajuntamento e perguntem-lhe! E já agora aproveitem o ajuntamento para perguntarem ao outro criminoso... Todas as decisões tomadas por esses senhores em qualquer ajuntamento que tenham feito ou venham a fazer são Nulas ou Anuláveis....não deixem que eles, para se tentarem safar, os envolvam em actos criminosos. Os BALDIOS são vossos e não de um punhado de gente sem escrúpulos». 18.- Esta publicação teve "15 partilhas". 19.- Nessa mesma sua página, na mesma data, sob as quadro fotografias da casa do assistente CAT, deixando repetida as afirmações referidas escreveu é a viatura dos Sapadores Florestais nas traseiras da casa em serviço particular», a arguida MAF publicou mais os seguintes "comentários":- «Penso que já descobri a razão da permanência da viatura dos sapadores nesta residência. Esta residência passou a ter nas traseiras uma PISCINA. Agora pergunto eu, será que o proprietário da casa, no próximo domingo 29-07-2018 também vai colocar a piscina à disposição dos compartes? Afinal eles deram contributo para aquela piscina. Lamento não existirem, por enquanto, fotos da piscina. Mas é que o proprietário colocou de forma estratégica, uma viatura a tapar as vistas. Estejam de OLHO! Eu vou estar! A manta do diabo começa a estar rota, breve nem são precisos os chocalhos!». 20.- No dia 7 de Julho de 2018 a MAF voltou a publicar na sua página do Facebook, para acesso público, a mesma publicação que efetuara em 16-06-2018, com as mesmas 4 fotografias, legendas e 'comentários", como ficou supra descrito em 17 a 19, sempre com a proclamação "DDDD", acrescentando o seguinte comentario": Qual é a explicação que o proprietário desta casa tem, para O FACTO DE VIR A SAIR A PÉ, já passava das 23 horas de ontem (0907-2018) ainda não há uma hora, da sede da Assembleia de compartes (…) ;...Sim vinha a sair de lá de dentro, SOZINHO, e seguia a pé na direçõo da sua casa (A casa rosa que se vê nestas fotos)....Já me estava a esquecer de divulgar um pormenor importante! Ele trazia papéis na mão... ». 21.- Este comentário levantava a suspeita, que o assistente CAT estaria a aceder à sede da Assembleia de Compartes, às escondidas com propósitos puco claros. 22.- A Arguida agiu ao publicar o comentário atrás referido com o propósito de publicamente por em causa o bom nome do Assistente e também a imagem da instituição dos compartes, onde tais ocorrências estranhas se passariam. 23.- Bem sabia a Arguida MAF que com as afirmações supra referidas em 17 a 20 públicas e publicadas ofendia a honra e bom nome do assistente André e atentava contra a credibilidade e prestígio do organismo comunitário LOC querendo assim agir deliberada e conscientemente. 24.- A assistente LOC de compartes dos baldios de (…), constituída e organizada com os seus órgãos sociais, é uma entidade com actividade económica social relevante, reconhecida e prestigiada a nível local e nacional. 25.- O assistente CAT é pessoa muito conhecida na localidade aonde habita e faz a sua vida, respeitada e considerada por muitos cidadãos e há cerca de seis anos que é o Presidente da Mesa da Assembleia de Compartes dos Baldios de (…). 26.- As afirmações supra referidas em 13.- a 21.- publicadas e divulgadas pelos arguidos relatando factos falsos passaram a ser comentadas e assunto de conversas em locais públicos e entre as pessoas da localidade aonde o Assistente habita e faz a sua vida. 27.- O assistente sofreu grande abalo psicológico, ficou revoltado, padeceu de ansiedade, insónias e perturbação de comportamento em face do comportamento dos Arguidos supra referido. 28.- Face à difusão de afirmações supra enunciados, da autoria dos arguidos, a assistente LOC, com os seus órgãos sociais, foi ofendida na sua credibilidade, no seu prestígio e confiança, imputando à assistente factos que colocam em crise e ferem a honestidade e regularidade de funcionamento da organização comunitária, denegrindo a imagem da assistente. 29- O certificado de registo criminal da Arguida MAF, junto aos autos com a referência 87190729 datado de 24/6/2021 não insere qualquer condenação sua. 30-0 Arguido ALB respondeu e foi condenado no processo 6… por sentença proferida em 11/1/2016, transitada em julgado em 6/12/2007, pela pratica em 21/5/2003 de um crime de furto qualificado na pena de 350 dias de multa a taxa diária de 5 euros. 31-O Arguido ALB respondeu e foi condenado no processo 2… por sentença proferida em 24/3/2015, transitada em julgado em 1/7/2016, pela pratica em 20/5/2013 de um crime de ofensa a integridade fisica simples na pena de 100 dias de multa a taxa diária de 6 euros. 32-O Arguido ALB respondeu e foi condenado no processo 1… por sentença proferida em 29/11/2018, transitada em julgado em 11/1/2019, pela pratica em 8/9/2016 de um crime de falsificação de documento na pena de 200 dias de multa a taxa diária de 5 euros. 33-A Arguida MAF é oriunda da localidade de (…), o processo de socialização de MAF, até à maioridade decorreu essencialmente junto da mãe e do seu irmão mais velho, uma vez que o pai sempre esteve emigrado em (…), onde desempenhava atividade laboral de modo a assegurar ao agregado uma situação económica estável e isenta de dificuldades. 34-Quando a arguida contava 18 anos de idade, a mãe acabou por falecer, vítima de doença prolongada, passando o pai a assumir as responsabilidades preponderantes em termos do acompanhamento aos vários níveis, uma vez que optou por regressar e iniciar atividade laboral no país de origem. 35-A arguida frequentou o sistema de ensino até ao 120 ano. Alega ter concorrido ao ensino superior, contudo, não tendo conseguido colocação, e pelo facto de estar a residir sozinha com o pai, uma vez que o irmão se tinha autonomizado do agregado de origem, optou por ingressar na vida ativa. 36-Neste contexto a Arguida, ingressou no mercado de trabalho como administrativa num escritório de contabilidade. 37-Posteriormente a Arguida trabalhou durante cinco anos num laboratório de vinhos, e mais tarde, passou a trabalhar, também como administrativa, na empresa "(…)", onde desempenhou funções até março de 2018, altura em que passou à situação de baixa médica. 38-A Arguida tem problemas de coluna, doença autoimune fibromialgia e problemas depressivos, encontrando-se em acompanhamento no serviço de psiquiatria do Hospital (…), e acompanhamento em médico particular. 39-A Arguida aos 27 anos de idade contraiu matrimónio, tendo ocorrido o divorcio após 18 anos de relação, tendo da mesma nascido dois filhos, atualmente com 21 e 13 anos de idade. 40-Presentemente, a arguida vive com o Arguido ALB (57 anos, desempregado), com quem mantém relação afetiva desde 2013. 41 -Do agregado também faz parte o filho mais novo da arguida, que se encontra a estudar, havendo bom relacionamento entre os vários elementos do núcleo familiar. 42-O filho mais velho da Arguida encontra-se a residir com o pai, mantendo contactos com a mãe. 43-O agregado familiar da Arguida reside, em situação de comodato, numa casa inserida numa localidade rural. 44-O agregado familiar da Arguida tem sobrevivido com a baixa médica que a própria tem beneficiado, aproximadamente 700,00€ mensais, prestação essa que foi interrompida em dezembro de 2019, desconhecendo a arguida o motivo desse cancelamento apesar dos pedidos de esclarecimento que o casal em feito junto da Segurança Social. 45-Esse acontecimento acentuou a situação de carência económica do agregado, uma vez que o companheiro se encontra desempregado, não auferindo qualquer rendimento desde janeiro de 2018, altura em que terminou o subsídio de desemprego. 45-O agregado tem recorrido ao apoio de familiares para sobreviver, principalmente ao pai da arguida. 46-A arguida suporta despesas fixas mensais os consumos domésticos, telecomunicações e a prestação bancária da casa da qual é proprietária, e onde reside o ex-marido e o seu filho mais velho, respetivamente nos valores aproximados de €100,00, €80,00 e €130,00. 47-0 Arguido é natural de (…), e o desenvolvimento de ALB, processou-se num contexto sociofamiliar numeroso, sendo o terceiro de oito irmãos, e desfavorecido do ponto de vista material e afetivo, vivendo com sofrimento o falecimento inesperado da mãe, quando contava apenas 16 anos de idade. 48-Em virtude dos constrangimentos materiais e familiares do agregado de origem, depois de concluir o 9.º ano de escolaridade, o Arguido abandonou os estudos a fim de começar a trabalhar. 49-O percurso profissional do Arguido foi iniciado aos 16 anos de idade numa cerâmica, aos 18 anos foi trabalhar para (…) na área da carpintaria e cerca de dois anos depois passou a laborar numa empresa de construção civil. 50-Em 1986 começou a desempenhar funções no setor administrativo numa associação de carater florestal em (…), onde permaneceu até 2014. 5 1 -Na sequência do trabalho aí desenvolvido aproximadamente em 1990 passou a prestar apoio outra associação designada de Assembleia de (…), situado na zona norte do concelho de (…), onde passou a deslocar-se com maior regularidade a partir de 2012, fixando posteriormente residência (…). 52-Presentemente, o arguido esta desempregado vive com a companheira a Arguida (52 anos, funcionária administrativa, atualmente de baixa médica), com quem mantém relação afetiva desde 2013. O agregado também incluiu o enteado (13 anos, estudante), mantendo bom relacionamento com os vários elementos do núcleo familiar. 53-O assistente desempenha a actividade profissional remunerada de encarregado de pedreira auferindo mensalmente cerca de 1300 euros. 54-O Assistente vive em casa própria com um filho e sua mulher que é empregada fabril e aufere mensalmente cerca de 700 euros. 55-A Assistente LOC tem nove empregados e em 2020 teve um volume de facturação de cerca de 500.000 euros* B.1.b – E deu como não provados o seguinte facto: 1- Que, a pagina supra referida em 11. tinha, em 02-082018, 104 "seguidores" e tem 131 em 12-11-2019 . * B.1.c - E apresentou como motivação da decisão de facto os seguintes considerandos: «As declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento foram gravados. O tribunal fundou a sua convicção quanto aos factos provados e não provados na análise crítica do conjunto da prova produzida. Efectivamente não basta a indicação dos meios de prova pré constituídos e produzidos em audiência de julgamento que serviram para fundamentar a sentença. É ainda necessário um exame crítico desses meios, que servirá para convencer os interessados e a comunidade em geral da correcta aplicação da justiça no caso concreto. Trata-se de significativa alteração do regime do Código de Processo Penal de 1929, e mesmo do que, segundo alguma doutrina, anteriormente, vigorava por alterações introduzidas no C.P.P. Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum), nem os meios de prova (thema probandum), mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência. A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente permita aos sujeitos processuais o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, conforme impõe o art. 410 0 , n.0 2. Do C. P. P.. E extraprocessualmente a fundamentação deve assegurar, pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes, uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais, mas a própria sociedade. O tribunal fundou a sua convicção quanto aos factos provados nos depoimentos das testemunhas que tomaram conhecimento das publicações dos Arguidos em questão confirmando-as, tendo as testemunhas (………..) deposto no sentido de tais publicações, de que tomaram conhecimento, ofenderem a honra e consideração do Assistente e o prestigio e imagem da LOC, enquanto que as testemunhas (…………………………), não pondo em causa a existência das publicações em questão de que tiveram conhecimento, tomaram o partido dos Arguidos concordando com as publicações em causa. O tribunal fundou-se ainda quanto aos factos provados nas declarações do Assistente que os confirmou. O tribunal fundou-se ainda na conjugação destes elementos de prova com a analise da prova documental, documentos que corroboram os factos provados, juntos aos autos, documentos juntos a folhas 7 a 1 8, documentos juntos com o requerimento apresentado com a referencia 36775465, e ainda, certificados de registo criminal juntos aos autos com as referências 87102132 e 87160470 relatórios sociais para julgamento dos Arguidos elaborados pela DGRSP junto aos autos com as referencias 83053615 e 83053614. Sobre os factos não provados não foi produzida prova testemunhal ou documental que os confirmasse e dai necessariamente as respostas negativas.» *** Cumpre conhecer. B.2.1 – Como é doutrina e jurisprudência estabelecidas, o objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação, sem prejuízo da obrigação de exaurir as questões de conhecimento oficioso. O recurso dos arguidos suscita várias questões que importa sistematizar. Assim: a) - a nulidade da decisão recorrida – conclusões 3ª a 14ª; b) - a legitimidade para o exercício do direito de queixa e dedução do pedido cível, pelo Conselho Diretivo, enquanto órgão representativo da Assembleia de Compartes – conclusões 15ª a 28ª; c) - a insuficiência da matéria fática apurada para condenação dos arguidos pela prática do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, p. e p. pelo artigo 187º do Código Penal e do crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180º do Código Penal no que tange ao crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva – falta do elemento objetivo – conclusões 29ª a 49ª; d) - a falta do elemento subjetivo na matéria fática apurada para condenação dos arguidos pela prática do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva pela prática do crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180º do Código Penal – conclusões 50ª a 57ª; e) - a impugnação dos factos dados como provados nos pontos 5, 14, 15, 16, 21, 22, 23, 26, 28 e 55 – conclusões 61ª a 160ª; f) - o enquadramento jurídico dos factos – conclusões 161ª e 162ª; g) - a responsabilidade dos recorrentes no pagamento de indemnização por danos de natureza não patrimonial à assistente “LOC“ – conclusões 163ª a 172ª. Por razões sistemáticas o ordem de conhecimento das questões será a), b), e), c), d), f) e g). * B.2.2 – Nas suas conclusões 4ª a 7ª expõem os recorrentes a súmula da sua inconformidade com a fundamentação do tribunal recorrido nos seguintes termos: 4 - Pese embora na sentença recorrida tenha indicado [toda] a prova a que atendeu, certo é que, em relação ao seu exame crítico, o tribunal a quo se limitou a referir que a convicção no tocante aos factos praticados pelos arguidos se baseou na conjugação e análise crítica da prova, não efetuando a tal respeito qualquer tipo de explanação. 5 - Ainda que, aquele enunciado feito se revele suficiente para motivar a sustentação probatória dos factos relativos ao conteúdo das publicações, dele se inferindo que o tribunal a quo atendeu ao que objetivamente resulta dos elementos constantes de fls. 7 a 18 e do requerimento apresentado com a referencia 36775465, inferência que, face à natureza da factualidade em causa e à prova que a suporta, não é difícil alcançar, o que, aliás, os recorrentes não questionam, já o mesmo não se pode dizer em relação à demais matéria de facto provada. 6 - O tribunal a quo faz referência às testemunhas que tomaram conhecimento das publicações confirmando-as, dizendo que umas tinham deposto no sentido de que as mesmas ofenderam a honra e consideração do assistente e a credibilidade e prestígio da assistente e outras que tinham deposto no sentido de concordarem com as mesmas, mas quanto ao depoimento destas testemunhas, não se divisa na sentença recorrida a razão de atribuição de credibilidade ou falta de credibilidade a uma fonte de prova e não a outra, não se explicitado a valoração dos depoimentos das testemunhas inquiridas. 7 - Acresce que não existe na motivação dos factos provados o raciocínio extraído dos vários documentos e dos depoimentos de modo a que seja possível entender as razões porque foram dados como provados os factos descritos como tal. Impõe-se, pois, analisar a fundamentação factual da sentença recorrida para apurar do acerto da invocação. Relativamente à nulidade da “sentença” por omissão do exame crítico das provas, convém recordar que o artigo 205.º da CRP dispõe que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. Por sua vez, o nº 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal (requisitos da sentença) estatui que a sentença deve conter fundamentação que consiste na “enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”. Em caso de inobservância do indicado, rege o nº 1, al. a) do artigo 379.º do mesmo diploma, cominando com “nulidade” a sentença que “não contiver as menções referidas no artigo 374.º, n.º 2 e 3, alínea b)”. Do que se trata, no caso concreto, é saber se é suficiente a motivação fáctica apresentada pelo tribunal recorrido, no uso do princípio da livre apreciação da prova. Impõe-se apurar se a motivação apresentada – que pode e deve ser sucinta – é completa, no sentido de tornar límpidos, claros, os seus fundamentos, daí que se possa já afirmar que a sua insuficiência equivalerá à sua falta, para os efeitos do disposto no artigo 379º, nº 2 do Código de Processo Penal, na medida em que uma fundamentação insuficiente, porque obscura, não é completa. Isto é, apresentará ela “os motivos, de facto …..que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”? Para esse desiderato é mister recordar que a motivação de facto visa um triplo objectivo: obter uma maior confiança do cidadão na administração da justiça; assegurar o auto controlo das entidades judiciárias; assegurar o direito ao recurso. Quanto ao primeiro, assim habitualmente referido pela doutrina, é bom recordar que se liga, intimamente, à natureza democrática do regime em que se insere o nosso processo penal e à própria afirmação da legitimidade judicial no dizer do direito. “É a motivação que confere um fundamento e uma justificação específica à legitimidade do poder judicial e à validade das suas decisões, a qual não reside nem no valor político do órgão judicial nem no valor intrínseco da justiça das suas decisões, mas na verdade que se contém na decisão” - Maria de Fátima Matamouros, in “A fundamentação da decisão como discurso legitimador do poder judicial”, pag. 112 – Boletim Informação e Debate – A.S.J.P. - IVª série – nº 2, Dezembro 2003. . Quanto ao segundo objectivo, o auto controlo “obsta à comissão de possíveis erros judiciários, evitáveis precisamente pela necessidade de justificar a decisão; por outro lado, implica a necessidade de utilização por parte das autoridades judiciárias de um critério racional de valoração da prova, já que se a convicção se formou através de meras conjecturas ou suspeitas, a fundamentação será impossível. Assim, a motivação actua como garantia de apreciação racional da prova”. - G. Marques da Silva – Curso de Processo Penal, IIº Vol., pag. 113, Verbo. Finalmente, a motivação é “absolutamente imprescindível para efeitos de recurso, sobretudo quando tenha por fundamento o erro na valoração da prova; o conhecimento dos meios de prova e do processo dedutivo são absolutamente necessários para poder avaliar-se da correcção da decisão sobre a prova dos factos, pois só conhecendo o processo de formação da convicção do julgador se poderá avaliar da sua legalidade”. – Autor e loc. cit. Ou, noutra terminologia, a livre apreciação da prova e consequente motivação deve, intra ou endoprocessualmente, assegurar aos sujeitos processuais e ao tribunal superior – via recurso – a análise da justeza ou acerto do processo lógico racional que conduziu à decisão de facto e, extraprocessualmente, asseverar à sociedade a legalidade da sentença e a independência e imparcialidade dos juízes. - V. g. Marques Ferreira, “Meios de prova”, in “O novo Código de Processo Penal - Jornadas de Direito Processual Penal”, pag. 230. Almedina, 1988. Nesta sede cabe ao tribunal assegurar que o significado positivo de livre apreciação da prova não está assente em critérios subjectivos, emotivos, não é arbitrária, imotivável e incontrolável. Bem ao invés, ela deve reconduzir-se a critérios objectivos, racionais, motivável via razão e linguagem. Encurtando razões, a motivação da decisão mais não é do que uma exigência de controlo objectivo e racional da livre apreciação da prova, algo de essencial numa sociedade democrática. Se há quem afirme que a motivação se basta com a indicação das regras da experiência ou os critérios lógicos que constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se orientasse num determinado sentido - Autor e obra citada, pags. 229-230., preferimos ver nela uma mais alargada abordagem metodológica, assente quer no contributo da doutrina, quer da jurisprudência. Naquela surge como adequada a consideração de dois patamares necessários de análise na motivação de facto; a relação das provas carreadas para o processo e que sejam pertinentes; a análise crítica e racional das razões que conduziram a que se atribuísse relevância (ou não) a essa prova, a ponderação lógica dos factos e das provas com vista à decisão de facto. Quanto ao contributo da jurisprudência - para além da afirmação da vertente negativa do princípio da livre apreciação da prova (o valor dos meios de prova não está legalmente preestabelecido, já salientado por Figueiredo Dias) - In Direito Processual Penal, pags. 198-202, 1ª ed. 1974 Reimpressão. – ela insere naquela ponderação lógica das provas e dos factos o apelo às regras de experiência comum, das quais podem ressaltar “descontinuidades imediatamente apreensivas nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidades ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta”. - Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 07-01-2004, proc. 03P3213, Relator Cons. Henriques Gaspar. Assim como o apelo às presunções naturais, “como juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.” - Acórdão citado. Ou seja, torna-se essencial saber porque razão o tribunal atribuiu relevo a determinadas provas, a razão porque não atendeu a outras e qual foi o percurso racional, lógico, por ele seguido para definir a totalidade da matéria de facto, seja com apoio na prova directa, na prova indirecta, nas presunções naturais e/ou nas regras de experiência comum. Tudo de forma a excluir que o tribunal veicule a ideia (que pode ser errónea, mas que a ausência de fundamentação bastante legitima) de que fez apelo a elementos não objectivos, a meras possibilidades ou impressões imediatistas. Deste modo haverá que afirmar, de forma absoluta, que a motivação não é o seguimento do “iter lógico-psicológico que o juiz seguiu para chegar à formulação final da sua decisão”, sendo irrelevantes “as sinapsis que se produziram nos neurónios do juiz, os seus humores, os seus sentimentos e qualquer outra coisa que tenha sucedido in interiore homine”. - “Simplemente la Verdad – El juez y la constuccion de los hechos” – Michele Taruffo, Filosofía y Derecho, Marcial Pons, 2010, pag. 267. Ou seja, o sistema da livre convicção consagrado no ordenamento jurídico português não é um sistema irracionalista, subjectivo, de apreciação probatória, - “Concepção persuasiva” na terminologia de Jordi Ferrer Beltrán, in “La valoracion racional de la prueba”, Folosofía y Derecho, Marcial Pons, 2007, pag. 62. sim um sistema racionalista, assente na razão, nas regras de experiência social comprovada e em presunções probatórias racionalmente fundadas. - Ou “concepção cognoscitivista”. V.g. aut e ob cit. pag. 64 e nota 6. Ora, que se passa no caso dos autos? É entendimento deste tribunal que a decisão recorrida no capitulado «Fundamentação da Convicção do Tribunal…», com onze parágrafos, faz um sucinto enquadramento teórico sobre a fundamentação de facto (que não é fundamentação de facto e, como tal, é irrelevante para os autos, o que ocorre com os parágrafos 2º a 7º da motivação de facto), faz o elenco descritivo das provas carreadas para os autos e que terão sido relevantes para a apreciação factual (parágrafos 8º a 11º), mas não procedeu à análise crítica e racional das razões que conduziram a que se atribuísse relevância (ou não) a essa prova (cada uma delas), nem a uma ponderação lógica dos factos e das provas com vista à decisão de facto. Não há a mínima referência que se possa considerar como análise crítica da prova. Afirmar que se tem que fazer a “análise crítica da prova” não é fazê-la! E mais vale fazê-la, do que declará-la! Há uma referência que, sendo inútil, pode ser reveladora: a afirmação – logo no primeiro parágrafo – de que «As declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento foram gravados». Inútil porquanto imposição legal que não pode ser afastada. E que pode ser reveladora se pretender afirmar-se que ao tribunal recorrido basta gravar a prova e ao tribunal de recurso resta ouvi-la para decidir do recurso. E não é assim! As características dos recursos de facto e do ónus impugnatório tal como constam dos artigos 410º e 412º do Código de Processo Penal, com a limitação ínsita no artigo 431º do mesmo diploma, impedem ao tribunal de recurso realizar um segundo julgamento em segunda instância em termos livres. Daí que os recursos em processo penal na ordem jurídica portuguesa tenham a característica de “remédio jurídico”, isto é, destinam-se a corrigir erros de facto delimitados em sede processual e substancial nos dois iniciais dispositivos citados. Assim, nem as “partes” foram convencidas do acerto da apreciação factual, nem o tribunal se auto-limitou nessa apreciação, obrigando-se a rever explicitamente o posicionamento da prova pessoal prestada, nem este tribunal de recurso consegue perceber das razões que conduziram o tribunal recorrido a definir factualmente o “pedaço de vida” que foi colocado perante si. Dito de outra forma: a circunstância de a prova estar gravada não desonera o tribunal de fazer a análise crítica da prova. Há, pois, nulidade de fundamentação da decisão recorrida por total ausência de análise crítica da prova. Por isso que o recurso proceda neste ponto particular e se imponha lavrar nova decisão nos termos indicados, com análise crítica da prova. Por via disso fica prejudicado o conhecimento dos restantes pontos do recurso. *** C - Dispositivo: Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder parcial provimento ao recurso interposto e, em consequência, declaram nula a decisão recorrida, devendo ser lavrada nova decisão que inclua uma análise crítica da prova. Sem tributação. Notifique (Processado e revisto pelo relator). Évora, 10 de Maio de 2022 (processado e revisto pelo relator). João Gomes de Sousa (Relator) António Condesso (Adjunto) Gilberto Cunha (Presidente da Secção)