I. O instituto da extradição constitui o mais antigo e emblemático instrumento de cooperação internacional. As suas origens remontam aos primórdios da civilização, atravessando toda a História da Humanidade. A mais remota referência à figura que hoje se reconduz à extradição surge já na Bíblia e foi no antigo Egipto que teve lugar a celebração do que se pode considerar o primeiro caso histórico de tratado de extradição, o Tratado de Kadesh, por volta do ano 1291 a.C. Naturalmente, foi evoluindo com o decorrer dos tempos e só praticamente o século XIX trouxe mudanças profundas e duradouras no instituto, deixando-se de se aplicar aos delitos políticos e passando a ser colocado ao serviço da defesa de interesses ético-jurídicos da comunidade internacional. II. Entre nós, realce-se o primeiro tratado de extradição, celebrado com Castela, no ano de 1360. Contudo, a primeira lei interna de extradição só surgiu com o DL n.º 437/75, de 16/08, a que sucedeu o DL n.º 43/91, de 22/01, sendo este já considerado um diploma geral de cooperação judiciária internacional em matéria penal, em que a extradição surge como uma das modalidades dessa cooperação, vindo a ser substituído pelo vigente DL n.º 144/99, de 31/08. III. O nosso sistema atual de extradição estrutura-se em 3 níveis hierarquizados: no topo, a Constituição da República Portuguesa (Cfr. art. 33.º), num plano intermédio, o direito internacional, abrangendo um conjunto alargado de convenções internacionais a que Portugal está vinculado, seja no quadro do Conselho da Europa, seja no quadro da União Europeia, e num plano inferior o denominado direito interno, em particular, a Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, aprovada pelo citado DL n.º 144/99, de 31/08, e que entrou em vigor em 01/10/1999. IV. Nos termos deste último diploma, o processo de extradição é um processo especial e urgente, regulado, em primeira mão, por esta lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Penal, com uma fase administrativa e uma fase judicial, onde não é possível discutir os factos imputados ao extraditado e em que a oposição apenas pode ter lugar com dois fundamentos (não ser o requerido a pessoa reclamada ou não se verificarem os pressupostos da extradição). Consiste, na sua essência, em um Estado (requerente) pedir a outro (requerido) a entrega de uma pessoa que se encontre no território do segundo, por infração cujo conhecimento seja da competência dos tribunais do Estado requerente. V. Feito este breve enquadramento histórico-normativo, e debruçando-se, agora, sobre a questão das garantias oferecidas pelo Estado requerente não podem, de forma alguma, as mesmas ser consideradas extemporâneas (Cfr. art. 9.º, do Acordo de Extradição) e, atendendo ao respetivo conteúdo, são suficientes e satisfatórias, em consonância com o estatuído no art. 8.º, do referenciado Acordo, e tendo por base o princípio da confiança recíproca entre Estados, que constitui, conforme é conhecido, a pedra de toque da cooperação judiciária internacional. As cartas encontram-se assinadas pelas entidades competentes do Estado requerente, garantindo a de 14/06/2022, que o extraditando não cumprirá pena de prisão para além de 25 anos. Por sua vez, a carta de 29/06/2022, garante que o requerido não será reextraditado para terceiro país e será aplicada a regra da especialidade. Ainda consta dos autos uma outra carta, de 10/06/2022, a garantir que o extraditando não será julgado ou sujeito a qualquer medida de restrição da liberdade pessoal por infração anterior cometida antes da extradição que não seja a infração para a qual venha a ser concedida a extradição. VI. O recorrente insiste, uma vez mais, na alegação de não ser possível a repetição de um novo pedido de extradição contra a mesma pessoa, pelos mesmos factos. Mas, como bem salienta o tribunal recorrido, há que ter em atenção que no presente pedido de extradição encontram-se juntas as mencionadas cartas de garantia, que não existiam no processo anterior, o que motivou a recusa da extradição então solicitada, por inexistência da garantia formal imposta pelos arts. 5º n.º 2 e 8.º n.º 4 j), do Acordo de Extradição, referente à observância dos princípios da especialidade e da proibição da reextradição. Assim, o conjunto dos fundamentos que alicerçam o presente pedido não são idênticos aos submetidos à apreciação judicial, no processo anterior com idêntico pedido, existindo elementos novos que não foram submetidos à primeira apreciação judicial. Logo, falece um dos requisitos relativos à existência de “caso julgado”, ou seja, a identidade da causa de pedir na sua plenitude, de natureza complexa, que subjaz ao pedido de extradição. VII. Também a circunstância de existirem pontualmente, apesar de proibidas pelo ordenamento jurídico do Estado requerente, ofensas aos direitos humanos nos seus estabelecimentos prisionais não integra, por si só, causa de recusa da extradição. Infelizmente, tais situações acontecem, por vezes, mas são transversais à grande maioria de países, incluindo Portugal. VIII. De acordo com o último relatório da Amnistia Internacional, como, aliás, foi assinalado no acórdão em análise, não são denunciados quaisquer casos de violação de direitos humanos, tortura ou tratamentos cruéis infligidos a reclusos, em estabelecimentos prisionais do Estado requerente. Acresce que o requerido não alegou nem demonstrou a existência de um risco específico e efetivo para a sua pessoa, caso seja extraditado. IX. Nestes termos, improcedem todas as questões levantadas pelo recorrente, sendo que, com base nas informações disponíveis e nas garantias dadas pelo Estado requerente, não se vislumbram razões para crer que o requerido não venha ser objeto, no seu país, de um julgamento justo e equitativo, pelo que se acorda em negar provimento ao recurso interposto e, em consequência, decide-se manter integralmente o bem elaborado acórdão recorrido.
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção Criminal, do Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1. Pela ... Secção do Tribunal da Relação de Lisboa foi proferido acórdão, em 27/04/2023, com o seguinte dispositivo, que passamos a transcrever: a) Autorizar a extradição do requerido AA para a República da Índia, para aí ser julgado pelos crimes constantes do pedido formulado pelo Ministério Público, com respeito pela protecção prevista nos artigos 5.º e 6.º do Acordo de Extradição entre a República de Portugal e a República da Índia; b) Nos termos do art. 35º/2 da Lei 144/99 de 31 de Agosto sujeitar a entrega do extraditando, na sua execução, à condição de o procedimento criminal em curso em Portugal contra o requerido ser decidido definitivamente, isto é, se for condenado em pena privativa de liberdade, ao cumprimento da respectiva pena e, em caso de absolvição, ao trânsito em julgado da decisão, diferindo-se assim a entrega do extraditando. 2. Inconformado, o requerido interpôs, em 16/05/2023, recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes Conclusões (Transcrição): 1. Os factos dados como não provados foram incorretamente julgados; a. A prova documental junta e analisada pelo acórdão recorrido permite dar como provados os factos descritos nos pontos 107 a 116 da oposição; b. Ambas as entidades citadas e com publicações nesta matéria, são imparciais e objetivas; c. Os factos aqui alegados na oposição e citados nos estudos das universidades indianas não foram impugnados pelo MP na resposta à oposição; 2. As garantias agora prestadas não podem ser aceites a. Desde logo por que não se trata de um ato irrevogável e vinculativo para os tribunais; b. As garantias apenas enunciam os poderes de clemência e que estes podem ser usados pelo presidente e governo; c. Acresce, que um ministro não vincula o governo e muito menos o presidente da índia; d. De nenhum modo vincula os tribunais; e. A garantia prestada não pode ser aceite; 3. As garantias prestadas são extemporâneas e não pode ser repetido um novo pedido de extradição com o mesmo objeto a. O n.2 do artigo 45 da lei 144/99 não se aplica à fase judicial, mas sim à fase administrativa da extradição; b. Como bem se percebe pela redação do nº2 do artigo 48 da mesma lei; c. Em anterior processo de extradição, exatamente com o mesmo objeto, os tribunais portugueses por decisão transitada em julgado já decidiram recusar a extradição: 4. Existe violação do princípio da confiança a. O estado requerente, como já foi apontado pelo TRL e STJ noutras ocasiões, violou claramente decisões dos tribunais portugueses; 5. Do respeito pela convenção europeia dos direitos humanos a. Entre outras disfunções do sistema prisional indiano, apontadas em variados estudos internacionais e independentes, tem uma taxa de ocupação prisional de cerca de 13%; b. O que significa, só por si, que a vida nas prisões indicanas decorre em total violação do artigo 3º da CEDH; c. O cumprimento de pena nas prisões Indianas corresponde à submissão a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes. d. Ou, ao menos, ao risco sério e real de submissão àqueles tratamentos. 6. Devendo assim, e nesta linha de argumentação, ser recusada extradição do requerido para o estado requerente e a consequente rejeição da entrega do requerido AA ao Estado Indiano. NORMAS VIOLADAS: · Art.3º da CEDH; · Artigos 6.º, 32º, 43º e 48º da Lei 144/99 de 31.08; Nestes termos e nos melhores de Direito, requer-se a V. Exa se digne a não conceder a extradição requerida, revogando o acórdão recorrido. 3. Por despacho da Senhora Desembargadora relatora, de 29/05/2023, foi o recurso admitido, com efeito suspensivo. 4. O Ministério Público, junto do tribunal recorrido, respondeu ao recurso do requerido, em 15/06/2023, concluindo da seguinte forma: 1. O acórdão recorrido autorizou a extradição de AA para a República da Índia, para aí ser julgado pelos crimes constantes do pedido formulado pelo Ministério Público, diferindo a entrega devido a procedimento criminal contra aquele pendente em Portugal. 2. O recorrente alega que o Estado requerente não cumprirá as garantias formais que prestou nem a regra da especialidade, que morrerá se tiver que cumprir pena na Índia, discorda da decisão sobre a matéria de facto, invoca a violação do princípio da confiança e do respeito pela CEDH (Convenção Europeia dos Direitos Humanos). A motivação de recurso e suas conclusões são a repetição dos argumentos apresentados em sede de oposição. 3. Na medida em que tais argumentos foram todos apreciados e doutamente decididos no acórdão ora recorrido, mantemos a posição assumida nos autos no sentido de que as garantias de não execução de pena de prisão perpétua foram oportuna e devidamente prestadas, sendo de considerar suficientes, o mesmo sucedendo com as garantias de aplicação e respeito dos princípios da reciprocidade, especialidade e não reextradição consagradas no Acordo Bilateral de Extradição ao abrigo do qual foi apresentado o pedido de extradição contra o recorrente. 4. O douto acórdão apreciou pormenorizadamente todas as questões relevantes para a decisão que acertadamente proferiu, com análise crítica da prova, da legislação aplicável, recorrendo a estudos, jurisprudência e relatórios que citou, para fundamentar a autorização da extradição, face às garantias prestadas pelo Estado requerente e validadas pelas autoridades portuguesas competentes, não tendo fundamento concreto para as considerar insuficientes ou inválidas. 5. O acórdão está devidamente fundamentado, o julgamento da matéria de facto não merece censura face à prova produzida, compreendendo-se o raciocínio lógico que levou à formação da convicção do tribunal fez-se correta interpretação e aplicação do direito, pelo que o recurso não deve merecer provimento. 5. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir. II. Objeto do recurso Considerando o conteúdo das Conclusões da Motivação, que, como é conhecido, delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso, foram colocadas as seguintes questões: - A prova documental junta permite dar como provados os factos descritos nos pontos 107 a 116 da oposição; - as garantias não podem ser aceites, dado um ministro não vincular o governo e muito menos o Presidente da Índia; - são também extemporâneas, uma vez que o art. 45.º n.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31/8, diz apenas respeito à fase administrativa e não à fase judicial da extradição; - não pode ser repetido um novo pedido de extradição com o mesmo objeto; - violação do princípio da confiança, uma vez que o Estado requerente já demonstrou que não cumpre decisões dos tribunais portugueses; e - o sistema prisional indiano viola, entre outros instrumentos internacionais, a CEDH, com a submissão dos detidos a penas ou tratamentos cruéis e degradantes. III. Fundamentação 1. Na parte que ora releva é do seguinte teor o acórdão recorrido (Transcrição): (…) II. FUNDAMENTAÇÃO Factualidade provada com pertinência para a decisão: 1. No âmbito do Processo nº ...20... que corre termos na Agência Nacional de Investigação - NIA, ..., ..., ..., no Punjab, na Índia, o Requerido, AA, encontra-se acusado da prática de factos, que decorreram alegadamente entre 2018 e 2020, por acusação deduzida a 20.10.2020, designadamente e em resumo do seguinte (conforme noticia vermelha na Interpol junta como anexo 7 dos documentos que instruem o presente pedido de extradição): “A investigação revelou que o indivíduo referenciado está profundamente implicado em contrabando de heroína a partir do Paquistão, através da fronteira internacional, e formou um grupo terrorista que se dedicava ao contrabando, distribuição e venda de heroína na India, enviando o produto da heroína vendida aos terroristas da organização terrorista proibida HM... através dos seus ... (...) em Caxemira, com base em instruções de traficantes/terroristas sediados no Paquistão e através dos canais ... no Paquistão. Ele estava em contacto direto com os seus cúmplices sediados no Paquistão que contrabandeavam heroína ilegalmente para a índia sob o pretexto de importar grânulos de sal-gema. Factos adicionais do caso: Provas recolhidas durante a investigação revelaram que o arguido AA desenvolveu uma associação criminosa com os principais líderes do HM sediados no Paquistão, nomeadamente com BB, que traficava heroína através da fronteira indo-paquistanesa, e com o vice-dirigente financeiro, CC alias DD, que coordenava o movimento do produto de venda da heroína. AA tratava de todo o movimento (end to end) da heroína e do produto da venda sob a direção dos comandantes do HM sediados no Paquistão, nomeadamente o vice-dirigente financeiro do HM, CC alias DD. CC alias DD coordenava o movimento do produto da venda da heroína de ... até ao comandante do HM, EE (morto em confronto com as forças de segurança). AA estava em permanente contacto com os outros arguidos, bem como com os comandantes de topo do HM no Paquistão, através de comunicações seguras em aplicações de redes sociais, e dava instruções para prosseguir a conspiração com vista ao fortalecimento das atividades terroristas do HM, mediante angariação de fundos”. 2. No ordenamento jurídico indiano, tais factos são susceptíveis de integrar crimes de associação criminosa, financiamento de organização terrorista, tráfico de estupefacientes e conspiração para cometer crimes e angariar fundos para a prática de atos terroristas bem como de integrar um grupo terrorista, previstos e puníveis pela secção 120B do Código Penal, com pena de prisão perpétua, pela secção 8, combinada com as secções 21 e 23 e pela secção 12, combinada com as secções 24, 27A e 29 da Lei de Drogas Narcóticas e Substâncias Psicotrópicas de 1985, com penas até 20 anos de prisão e, ainda, pelas secções 17, 18 e 20 da Lei de Prevenção de Atividades ilegais, de 1967, com pena que pode elevar-se a pena de prisão perpétua. 3. Nem na República da Indiana ocorreu a prescrição do procedimento criminal pelos referidos crimes, de acordo com o preceituado nos art.s 468.º e 98.º do Código de Processo Penal Indiano de 1973, nem em Portugal, por força do disposto no artigo 118.º, nº 1, alíneas a) e b), do Código Penal Português. 4. O Supremo Tribunal de justiça, no âmbito de pedido de extradição com o mesmo objeto que correu termos sob o nº 1618/21...., por decisão proferida em 3 de dezembro de 2021, recusou a extradição de AA, por falta de um compromisso formal, por parte de autoridade da India, com poderes para obrigar o Governo, que garantisse que à pessoa procurada seria dada a proteção prevista nos artigos 5.º e 6.º do Acordo, nos termos do disposto no artigo 8º, n° 4, alínea j) do Acordo de Extradição entre a República de Portugal e a República da Índia. 5. As autoridades da Índia enviam agora o novo pedido de extradição. 6. O pedido inclui uma Carta assinada por Sua Excelência o Ministro das Relações Exteriores da India, dirigida a Sua Excelência a Ministra da Justiça de Portugal, datada de 29 de Junho de 2022, transmitindo o novo pedido de extradição, e preceituando que o Governo da República da Índia, "com base nas disposições da Secção 21 da Lei de Extradição de 1962 e em conformidade com as obrigações contidas no Acordo de Extradição entre os dais países, assegura solenemente ao Governo da República Portuguesa que exercerá o seu poder para assegurar que, se extraditado pela República Portuguesa para julgamento no índia, AA beneficiará do protecção total prevista nos artigos 5º e 6º do Acordo de Extradição entre os dois países e não será reextraditado para um Estado terceiro e será aplicada a regra da especialidade. É também de notar que o Acordo de Extradição entre os dois países foi confirmado e ratificado por Sua Excelência o Presidente da índia", conforme documento junto com o requerimento inicial que aqui se dá por reproduzido. 7. Do pedido faz parte ainda uma missiva dirigida a Sua Excelência a Ministra da Justiça, assinada por FF, Subsecretário (Jurídico) - Divisão de Segurança interna - Ministério dos Assuntos internos, datada de 10 de Junho de 2022, em que declara que o Governo da India, com base nas disposições previstas no artigo 5º do Acordo de Extradição, assegura solenemente ao Governo de Portugal que o requerido não será detido ou julgado ou sujeito a qualquer outra restrição de liberdade pessoal na Índia por qualquer infracção cometida antes da extradição, que não seja uma infracção para a qual foi concedida a extradição, ou qualquer outra infracção em matéria de extradição que o Governo de Portugal consentir, conforme documento junto com o requerimento inicial que aqui se dá por reproduzido. 8. É ainda junta Carta de Garantia, datada de 14 de Junho de 2022, assinada pelo Ministro do Interior e Cooperação do Governo da Índia, dirigida ao Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal. 9. Nessa missiva o Governo da República da Índia informa que, nos termos do artigo 72 (1) da Constituição da Índia o Presidente tem "o poder de conceder indultos, repreensões, respites ou remissões de pena ou de suspender, remeter ou comutar a pena de qualquer pessoa condenada par uma qualquer infração". E que, nos termos dos artigos 432.º e 433.º do Código de Processo Penal da Índia, de 1973, são conferidos poderes ao Governo para remeter, suspender ou comutar uma sentença, incluindo a pena de prisão perpétua, conforme documento junto com o requerimento inicial que aqui se dá por reproduzido. 10. Tendo estas normas como base jurídica, o Governo da República da Índia assegura solenemente ao Governo de Portugal "que exercerá os poderes que lhe são conferidos pelas leis indianas, para assegurar que, se extraditado por Portugal para julgamento no Índia, o Sr. AA, no caso de ser condenado a prisão perpétua", não irá cumprir pena de prisão para além de 25 anos, conforme documento junto com o requerimento inicial que aqui se dá por reproduzido. 11. Recebido o pedido formal de extradição, a Procuradoria-Geral da República, verificada a sua regularidade formal, submeteu-o a apreciação de Sua Excelência a Senhora Ministra da Justiça, conforme documento junto com o requerimento inicial que aqui se dá por reproduzido. 12. Por despacho proferido em 5 de Dezembro de 2022, por Sua Excelência a Senhora Ministra da Justiça, nos termos do disposto nos artigos 1.º, 2.º, 5.º, 6.º e 8.º do Acordo de Extradição entre a República Portuguesa e a República da Índia e 6.º, n.º 2, alínea b) e n.º 3 e 48.º, n.º 2 da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, aprovada pela Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, foi declarado admissível o pedido de extradição apresentado pela Índia, conforme documento junto com o requerimento inicial que aqui se dá por reproduzido. 13. Em 31-12-2021 a população prisional da Índia era de 554.034,00 reclusos, face à capacidade prisional que é de apenas 425,609,00 reclusos. 14. Em estabelecimento prisional no Punjab, pelo menos no ano de 2019, os guardas prisionais usaram de força física para com visitantes e, pelo menos ocasionalmente, agrediram fisicamente reclusos. 15. O requerido, encontra-se actualmente em prisão preventiva à ordem do processo n.º 64/22.... do Tribunal Central Instrução Criminal- J..., indiciado pela prática dos crimes de roubo, p.p. pelo art.º 210º, de ofensa à integridade física qualificada, p.p. pelo artº 145º e de rapto p.p. pelo artº 161º, todos do Código Penal, conforme informação dos Serviços Prisionais junta aos autos em 10-01-2023 (ref.ª citius ...81). * Factos não provados: - que os reclusos na Índia perfazem o número de apenas 554.032,00 como alegado na oposição; - que no ano de 2014 morreram cerca de 1.700 reclusos nas prisões indianas (107º da oposição); - que pelo menos 7500 pessoas morreram, na India, num período de 5 anos, quando estavam presas ou detidas (art. 108º da oposição); - que neste mesmo período, cerca de quatro reclusos morreram por dia por serem submetidos a tortura, enquanto estavam presos (art.109º da oposição). Fundamentação: a) Relativamente aos factos julgados provados: Os factos descritos em 1. a 12. supra, resultam provados em face dos documentos juntos aos autos com o requerimento inicial, neles acima expressamente referenciados, os quais não mereceram qualquer impugnação e demonstram inequivocamente a factualidade ali vertida. O facto descrito supra em 13. resultou provado atenta a informação constante na página oficial do Governo da Índia (Indian Police - National Crime Records Bureau), disponível no seguinte endereço na internet: Chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://ncrb.gov.in/sites/default/files/P SI-2021/Executive_ncrb_Summary-2021.pdf. Tal informação, de carácter oficial, permite concluir com segurança e formar convicção positiva quanto à factualidade ali vertida. A mesma coincide, aliás, com a informação constante da página do World Prision Brief indicada pelo requerido no art. 102º da oposição. No que respeita aos factos vertidos sob o nº 14 supra, o Tribunal fundou a sua convicção com base nos depoimentos das testemunhas inquiridas, as quais depuseram de forma a confirmar tal factualidade. Assim, a testemunha GG, amigo do requerido, residente em Portugal há cerca de 22 anos, mas que se desloca à Índia de dois em dois anos, afirmou ter visitado uma prisão no estado do Punjab, nesse País, para visitar um primo que se encontrava preso. Afirmou a testemunha que ali existem agressões aos presos, asseverando que ao seu primo lhe partiram as pernas. Referiu igualmente que os presos são agredidos sem razão alguma pelos guardas, bem como que o próprio depoente foi agredido com o cabo da arma nas pernas. Por seu turno, a testemunha HH, também amigo do requerido e de um irmão deste, afirmou ter visitado duas vezes um seu irmão, preso em estabelecimento prisional no Punjab, a última vez no ano de 2019. Declarou a mesma testemunha que os guardas prisionais “arranjam” problemas com as visitas, e usaram da força quando a visita demorou mais do que o habitual para retirar o depoente do local, além de que agridem os prisioneiros, agressões essas das quais se apercebeu. Acrescentou ainda a mesma testemunha que o seu irmão saiu da prisão com sequelas psicológicas (depressão). Tais testemunhas depuseram com conhecimento directo daquela factualidade, mas circunscrito aos (curtos) períodos de visita que realizaram ao estabelecimento prisional, pelo que os seus depoimentos não consentem a formação de uma convicção positiva quanto à existência de agressões físicas constantes, diárias ou contínuas, nem quanto a situações de tortura, nem tão pouco que a lesão nas pernas mencionada pela primeira testemunha inquirida foi causada por um guarda prisional ou eventualmente por outro recluso, sendo certo que a testemunha não assistiu à agressão que relatou. * b) Relativamente aos factos julgados não provados: Os factos descritos em 107º da oposição baseiam-se, como consta da oposição, num relatório divulgado pelo Centro Asiático para os Direitos Humanos sediado em Nova Deli. Os factos descritos em 108º e 109º da oposição constituem mera reprodução de uma notícia do jornal Público. Ora, um relatório e uma notícia de um jornal apenas demonstram o que neles se encontra narrado (a narração em si), mas não provam a existência real do facto aí descrito, pelo que, não tendo sido indicada qualquer fonte oficial, imparcial e fidedigna dos factos alegados, não foi possível ao tribunal formar uma convicção positiva, segura e inequívoca quanto a eles. Consideração similar merece o alegado nos art.s 111º a 116º da oposição, que constitui mera reprodução de alegados relatos de reclusos de prisões indianas, constantes de um estudo da National Law University sediada em Delhi, baseado na entrevista de 385 reclusos. Tais relatos não consubstanciam afirmações de factos, pelo que se afiguram em nosso entender inócuos para a decisão, além de que tais relatos sempre careceriam de demonstração, o que não sucedeu. Nestes termos, a prova produzida permitiu ao tribunal formar a sua convicção no sentido acima exposto. ** III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 3.1. Da análise da oposição apresentada pelo requerido, as questões a apreciar reconduzem-se essencialmente às seguintes: a) suficiência das garantias quanto à não aplicação de pena de prisão com carácter perpétuo ou indeterminado, suficiência das garantias quanto ao princípio da especialidade e da não reextradição, bem como a competência da entidade emissora; b) extemporaneidade da prestação de garantias; c) violação do princípio da confiança pelo estado requerente; d) violação do princípio da segurança jurídica; e) falta competência do ministério público para convidar à extradição; f) respeito pela convenção europeia dos direitos do homem. Cumpre agora decidir das questões suscitadas: a) suficiência das garantias quanto à não aplicação de pena de prisão com carácter perpétuo ou indeterminado, suficiência das garantias quanto ao princípio da especialidade e da não reextradição e competência da entidade emissora A extradição traduz um dos meios de cooperação judiciária internacional em matéria penal, mediante a qual um Estado (requerente) pede a outro (requerido) a entrega de determinada pessoa que se encontre no território deste, para efeitos de procedimento criminal, ou de cumprimento de pena ou de medida de segurança privativa de liberdade, por crime para o qual o Estado requerente é competente para conhecer (v. Ac. do STJ de 22-04-2020, proferido no processo nº 499/18.9YRLSB.S1 Os requisitos e condições de admissibilidade da extradição, quando o Estado Português é requerido, são reguladas pelos tratados e convenções internacionais e, na sua falta ou insuficiência, pelo disposto em lei especial, nos termos preceituados no art. 229º do Código de Processo Penal, designadamente pela lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal (Lei 144/99, de 31 de Agosto). O requerido é de nacionalidade indiana. Assim, ao caso é aplicável o Acordo de Extradição entre a República Portuguesa e a República da Índia, assinado em Nova Deli em 11 de Janeiro de 2007 (publicado no DR, série I, nº 199, de 14 de Outubro de 2008) e, na sua insuficiência a citada Lei 144/99. Nos termos do art. 55º/1 da Lei 144/99, A oposição só pode fundamentar-se em não ser o detido a pessoa reclamada ou em não se verificarem os pressupostos da extradição. Argumenta o requerido que a garantia prestada pelo Estado requerente não satisfaz o motivo que impede à extradição estabelecido no art. 6º/1-f) da citada Lei 144/99 e no art. 33º da Constituição da República Portuguesa. Para o efeito, aduz em síntese, os seguintes fundamentos: - a carta oficio de 14-06-2022 é remetida pelo Exmo. Sr. II, ministro do interior e da cooperação, acerca dos poderes de interferência do Presidente e do Governo na execução de penas aplicadas pelos Tribunais - tal garantia é prestada por elemento exterior ao poder judicial, que se limitou a enumerar as faculdades podem ser prestadas pelo presidente e pelo governo para concluir que a pena de prisão perpétua não será aplicada ao requerido. - Deste modo, tal carta não poderá ser interpretada como uma garantia de comutação, redução ou aplicação de regime que assegure a não subordinação do requerido a uma pena indeterminada ou perpétua. - Já quanto ao conteúdo de tal garantia, note-se que, esta não consubstancia uma garantia prévia, irrevogável ou vinculativa para os tribunais ou entidades competentes. - aquilo que o Exmo. Sr. II, ministro do interior e da cooperação faz, na referida carta dirigida a Portugal, é, apenas, elencar os poderes que poderes de clemência do Presidente e do Governo que poderão vir a aplicar, ou não, tais poderes, se o requerido for condenado numa pena de prisão perpétua. - aquilo que se faz é informar Portugal, que sendo este condenado numa pena de prisão perpetua, os tais poderes de clemência poderão vir a ser aplicadas na fase da execução da pena. - Acresce ainda que, face ao sistema jurídico português, o requerido nunca cumpriria uma pena total de 25 anos de prisão, uma vez que sempre iria gozar das medidas de flexibilização da pena. Estabelece o art. 4º/1-a) do Acordo de Extradição que: A extradição não deve ser concedida se: a) O Estado requerido considerar que a execução do pedido é contrária aos seus princípios constitucionais e ao seu direito interno. Ora, preceitua o nº 4 do art. 33º da Constituição da República que: Só é admitida a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional e desde que o Estado requisitante ofereça garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada. Preceitua o art. 6º da mencionada Lei 144/99, para o que aqui releva, que: Requisitos gerais negativos da cooperação internacional O pedido de cooperação é recusado quando: a) O processo não satisfizer ou não respeitar as exigências da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950, ou de outros instrumentos internacionais relevantes na matéria, ratificados por Portugal; b) Houver fundadas razões para crer que a cooperação é solicitada com o fim de perseguir ou punir uma pessoa em virtude da sua raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, das suas convicções políticas ou ideológicas ou da sua pertença a um grupo social determinado; c) Existir risco de agravamento da situação processual de uma pessoa por qualquer das razões indicadas na alínea anterior; d) Puder conduzir a julgamento por um tribunal de excepção ou respeitar a execução de sentença proferida por um tribunal dessa natureza; e) O facto a que respeita for punível com pena de morte ou outra de que possa resultar lesão irreversível da integridade da pessoa; f) Respeitar a infracção a que corresponda pena de prisão ou medida de segurança com carácter perpétuo ou de duração indefinida. 2 - O disposto nas alíneas e) e f) do número anterior não obsta à cooperação: a) Se o Estado que formula o pedido, por acto irrevogável e vinculativo para os seus tribunais ou outras entidades competentes para a execução da pena, tiver previamente comutado a pena de morte ou outra de que possa resultar lesão irreversível da integridade da pessoa ou tiver retirado carácter perpétuo ou duração indefinida à pena ou medida de segurança; b) Se, com respeito a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requerente, pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, o Estado requerente oferecer garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada; Cumpre agora decidir das questões suscitadas: a) suficiência das garantias quanto à não aplicação de pena de prisão com carácter perpétuo ou indeterminado, suficiência das garantias quanto ao princípio da especialidade e da não reextradição e competência da entidade emissora A extradição traduz um dos meios de cooperação judiciária internacional em matéria penal, mediante a qual um Estado (requerente) pede a outro (requerido) a entrega de determinada pessoa que se encontre no território deste, para efeitos de procedimento criminal, ou de cumprimento de pena ou de medida de segurança privativa de liberdade, por crime para o qual o Estado requerente é competente para conhecer (v. Ac. do STJ de 22-04-2020, proferido no processo nº 499/18.9YRLSB.S1 Os requisitos e condições de admissibilidade da extradição, quando o Estado Português é requerido, são reguladas pelos tratados e convenções internacionais e, na sua falta ou insuficiência, pelo disposto em lei especial, nos termos preceituados no art. 229º do Código de Processo Penal, designadamente pela lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal (Lei 144/99, de 31 de Agosto). O requerido é de nacionalidade indiana. Assim, ao caso é aplicável o Acordo de Extradição entre a República Portuguesa e a República da Índia, assinado em Nova Deli em 11 de Janeiro de 2007 (publicado no DR, série I, nº 199, de 14 de Outubro de 2008) e, na sua insuficiência a citada Lei 144/99. Nos termos do art. 55º/1 da Lei 144/99, A oposição só pode fundamentar-se em não ser o detido a pessoa reclamada ou em não se verificarem os pressupostos da extradição. Argumenta o requerido que a garantia prestada pelo Estado requerente não satisfaz o motivo que impede à extradição estabelecido no art. 6º/1-f) da citada Lei 144/99 e no art. 33º da Constituição da República Portuguesa. Para o efeito, aduz em síntese, os seguintes fundamentos: - a carta oficio de 14-06-2022 é remetida pelo Exmo. Sr. II, ministro do interior e da cooperação, acerca dos poderes de interferência do Presidente e do Governo na execução de penas aplicadas pelos Tribunais - tal garantia é prestada por elemento exterior ao poder judicial, que se limitou a enumerar as faculdades podem ser prestadas pelo presidente e pelo governo para concluir que a pena de prisão perpétua não será aplicada ao requerido. - Deste modo, tal carta não poderá ser interpretada como uma garantia de comutação, redução ou aplicação de regime que assegure a não subordinação do requerido a uma pena indeterminada ou perpétua. - Já quanto ao conteúdo de tal garantia, note-se que, esta não consubstancia uma garantia prévia, irrevogável ou vinculativa para os tribunais ou entidades competentes. - aquilo que o Exmo. Sr. II, ministro do interior e da cooperação faz, na referida carta dirigida a Portugal, é, apenas, elencar os poderes que poderes de clemência do Presidente e do Governo que poderão vir a aplicar, ou não, tais poderes, se o requerido for condenado numa pena de prisão perpétua. - aquilo que se faz é informar Portugal, que sendo este condenado numa pena de prisão perpetua, os tais poderes de clemência poderão vir a ser aplicadas na fase da execução da pena. - Acresce ainda que, face ao sistema jurídico português, o requerido nunca cumpriria uma pena total de 25 anos de prisão, uma vez que sempre iria gozar das medidas de flexibilização da pena. Estabelece o art. 4º/1-a) do Acordo de Extradição que: A extradição não deve ser concedida se: a) O Estado requerido considerar que a execução do pedido é contrária aos seus princípios constitucionais e ao seu direito interno. Ora, preceitua o nº 4 do art. 33º da Constituição da República que: Só é admitida a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional e desde que o Estado requisitante ofereça garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada. Preceitua o art. 6º da mencionada Lei 144/99, para o que aqui releva, que: Requisitos gerais negativos da cooperação internacional O pedido de cooperação é recusado quando: a) O processo não satisfizer ou não respeitar as exigências da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950, ou de outros instrumentos internacionais relevantes na matéria, ratificados por Portugal; b) Houver fundadas razões para crer que a cooperação é solicitada com o fim de perseguir ou punir uma pessoa em virtude da sua raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, das suas convicções políticas ou ideológicas ou da sua pertença a um grupo social determinado; c) Existir risco de agravamento da situação processual de uma pessoa por qualquer das razões indicadas na alínea anterior; d) Puder conduzir a julgamento por um tribunal de excepção ou respeitar a execução de sentença proferida por um tribunal dessa natureza; e) O facto a que respeita for punível com pena de morte ou outra de que possa resultar lesão irreversível da integridade da pessoa; f) Respeitar a infracção a que corresponda pena de prisão ou medida de segurança com carácter perpétuo ou de duração indefinida. 2 - O disposto nas alíneas e) e f) do número anterior não obsta à cooperação: a) Se o Estado que formula o pedido, por acto irrevogável e vinculativo para os seus tribunais ou outras entidades competentes para a execução da pena, tiver previamente comutado a pena de morte ou outra de que possa resultar lesão irreversível da integridade da pessoa ou tiver retirado carácter perpétuo ou duração indefinida à pena ou medida de segurança; b) Se, com respeito a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requerente, pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, o Estado requerente oferecer garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada; c) Se o Estado que formula o pedido aceitar a conversão das mesmas penas ou medidas por um tribunal português segundo as disposições da lei portuguesa aplicáveis ao crime que motivou a condenação; ou d) Se o pedido respeitar ao auxílio previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 1.º, solicitado com fundamento na relevância do acto para presumível não aplicação dessas penas ou medidas. 3 - Para efeitos de apreciação da suficiência das garantias a que se refere a alínea b) do número anterior, ter-se-á em conta, nomeadamente, nos termos da legislação e da prática do Estado requerente, a possibilidade de não aplicação da pena, de reapreciação da situação da pessoa reclamada e de concessão da liberdade condicional, bem como a possibilidade de indulto, perdão, comutação de pena ou medida análoga, previstos na legislação do Estado requerente. (…) No caso em apreço encontra-se provado que: No âmbito do Processo nº ...20... que corre termos na Agência Nacional de Investigação - NIA, ..., ..., ..., no Punjab, na Índia, o Requerido, AA, encontra-se acusado da prática de factos, que decorreram alegadamente entre 2018 e 2020, por acusação deduzida a 20.10.2020, designadamente e em resumo do seguinte (conforme noticia vermelha na Interpol junta como anexo 7 dos documentos que instruem o presente pedido de extradição): “A investigação revelou que o indivíduo referenciado está profundamente implicado em contrabando de heroína a partir do Paquistão, através da fronteira internacional, e formou um grupo terrorista que se dedicava ao contrabando, distribuição e venda de heroína na India, enviando o produto da heroína vendida aos terroristas da organização terrorista proibida HM... através dos seus ... (OGW) em Caxemira, com base em instruções de traficantes/terroristas sediados no Paquistão e através dos canais ... no Paquistão. Ele estava em contacto direto com os seus cúmplices sediados no Paquistão que contrabandeavam heroína ilegalmente para a índia sob o pretexto de importar grânulos de sal-gema. Factos adicionais do caso: Provas recolhidas durante a investigação revelaram que o arguido AA desenvolveu uma associação criminosa com os principais líderes do HM sediados no Paquistão, nomeadamente com BB, que traficava heroína através da fronteira indo-paquistanesa, e com o vice-dirigente financeiro, CC alias DD, que coordenava o movimento do produto de venda da heroína. AA tratava de todo o movimento (end to end) da heroína e do produto da venda sob a direção dos comandantes do HM sediados no Paquistão, nomeadamente o vice-dirigente financeiro do HM, CC alias DD. CC alias DD coordenava o movimento do produto da venda da heroína de Amritsar até ao comandante do HM, EE (morto em confronto com as forças de segurança). AA estava em permanente contacto com os outros arguidos, bem como com os comandantes de topo do HM no Paquistão, através de comunicações seguras em aplicações de redes sociais, e dava instruções para prosseguir a conspiração com vista ao fortalecimento das atividades terroristas do HM, mediante angariação de fundos”. Encontra-se ainda demonstrado que no ordenamento jurídico indiano, tais factos são susceptíveis de integrar crimes de associação criminosa, financiamento de organização terrorista, tráfico de estupefacientes e conspiração para cometer crimes e angariar fundos para a prática de atos terroristas bem como de integrar um grupo terrorista, previstos e puníveis pela secção 120B do Código Penal, com pena de prisão perpétua, pela secção 8, combinada com as secções 21 e 23 e pela secção 12, combinada com as secções 24, 27A e 29 da Lei de Drogas Narcóticas e Substâncias Psicotrópicas de 1985, com penas até 20 anos de prisão e, ainda, pelas secções 17, 18 e 20 da Lei de Prevenção de Atividades ilegais, de 1967, com pena que pode elevar-se a pena de prisão perpétua. Sendo aplicável prisão perpétua a parte dos crimes imputados ao requerido, a extradição só não será recusada se se verificar alguma das condições estabelecidas no nº 2 do art. 6º da Lei 144/99 acima transcrito. Assim, contrariamente ao defendido pelo requerido, não é necessário que por acto irrevogável e vinculativo para os seus tribunais ou outras entidades competentes para a execução da pena, tiver previamente (…) tiver retirado carácter perpétuo ou duração indefinida à pena ou medida de segurança. Na verdade, bastará para esse efeito que se encontre satisfeita a exigência contida na alínea b) do mesmo normativo, designadamente que o Estado requerente oferecer garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada. As causas de afastamento da recusa obrigatória da extradição quando seja aplicável ao crime pena perpétua mostram-se claramente estabelecidas em alternativa naquele nº 2 do art. 6º (neste sentido, decidiu já o Ac. do STJ de 3-12-2021, proferido no processo nº 1618/21.3YRLSB.S1 instaurado relativamente ao aqui requerido, disponível em www.dgsi.pt). Aliás, o nº 3 do mesmo normativo acrescenta que a suficiência das garantias prestadas nos termos daquela alínea b) será aferida em função da possibilidade de não aplicação da pena, de reapreciação da situação da pessoa reclamada e de concessão da liberdade condicional, bem como a possibilidade de indulto, perdão, comutação de pena ou medida análoga, previstos na legislação do Estado requerente. Ora, resulta da factualidade provada que: - Mostra-se junta Carta de Garantia, datada de 14 de junho de 2022, assinada pelo Ministro do Interior e Cooperação do Governo da Índia, dirigida ao Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal. - Nessa missiva o Governo da República da Índia informa que, nos termos do artigo 72 (1) da Constituição da Índia o Presidente tem "o poder de conceder indultos, repreensões, respites ou remissões de pena ou de suspender, remeter ou comutar a pena de qualquer pessoa condenada par uma qualquer infração". E que, nos termos dos artigos 432.º e 433.º do Código de Processo Penal da Índia, de 1973, são conferidos poderes ao Governo para remeter, suspender ou comutar uma sentença, incluindo a pena de prisão perpétua, conforme documento junto com o requerimento inicial que aqui se dá por reproduzido. - Tendo estas normas como base jurídica, o Governo da República da Índia assegura solenemente ao Governo de Portugal "que exercerá os poderes que lhe são conferidos pelas leis indianas, para assegurar que, se extraditado por Portugal para julgamento no Índia, o Sr. AA, no caso de ser condenado a prisão perpétua", não irá cumprir pena de prisão para além de 25 anos, conforme documento junto com o requerimento inicial que aqui se dá por reproduzido. Com tal garantia, o Governo Indiano assegura ao Estado requerido que usará dos poderes que lhe são atribuídos pela lei indiana para que o aqui requerido, ainda que condenado a prisão perpétua, não cumpra pena superior a 25 anos de prisão, e tanto basta para se encontrar preenchida a alínea b) do nº 2 do citado art. 6º: tal normativo admite expressamente a aplicação da pena perpétua desde que seja garantido que a mesma não será executada. Nestes termos, entendemos ser suficiente a garantia prestada nos termos em que o foi. Por outro lado, invoca o requerido a incompetência da entidade emissora da garantia, por ser prestada por elemento exterior ao poder judicial. Contudo, sempre ressalvado o devido respeito por opinião contrária, não se alcança como seria de exigir que a garantia fosse prestada pela autoridade judicial indiana, o que, para além de contrariar o disposto nas normas legais indianas que permitem a comutação de penas ao Governo Indiano, consubstanciaria uma intromissão no poder judicial a quem caberá a função de julgar e de aplicar a pena que reputar como legalmente imposta pelo seu ordenamento jurídico. A Lei 144/99 não exige que a aplicação da pena pelo Estado requerente não seja a prisão perpétua, sendo, como se disse, bastante que, na sua aplicação, a mesma não ultrapasse concretamente os vinte e cinco anos de prisão. Invoca ainda o requerido que face ao sistema jurídico português, nunca cumpriria uma pena total de 25 anos de prisão. Contudo, ainda que assim seja, tal argumento não integra causa de recusa da extradição, porquanto apenas uma pena de prisão superior a vinte e cinco anos resultará na violação do direito interno português. Concluímos, assim, ser suficiente a garantia prestada pelo Governo Indiano no que respeita à não execução da pena de prisão perpétua. No que concerne à garantia quanto ao princípio da especialidade e da não reextradição, conclui o requerido que a garantia prestada não se pode ser considerada uma garantia formal imposta pelo art. 5º nº2 e 8º nº4 al. j) do Acordo de Extradição de observância dos princípios de especialidade e da proibição de reextradição. Argumenta o requerido, em síntese, que: - no âmbito do pedido de extradição com o mesmo objeto, o mesmo foi indeferido pelo Supremo Tribunal de Justiça por considerar que a India não oferecia garantias suficientes e idóneas do cumprimento do princípio da especialidade e não reextradição. - esta garantia não é suficiente e idónea para efeitos do artigo 8º nº4 do acordo de extradição desde logo porque, estas garantias são prestadas pelo Ministro das Relações Exteriores da índia e pelo Subsecretário Jurídico do Ministério dos Assuntos Internos que são elementos exterior ao poder judicial e que se limitaram a referir que o governo da índia irá cumprir o princípio da especialidade. - o Exmo. Sr. Ministro não se encontrava mandatado à data da prestação de tal garantia, nem resulta dos autos ou de lei conhecida que o mesmo tenha poderes para decidir em nome do Sr. Presidente da India. Nos termos do art. 5º do Acordo de Extradição: 1 - Sem prejuízo do n.º 3 deste artigo, uma pessoa extraditada ao abrigo do presente Acordo não pode ser detida, julgada ou sujeita a qualquer outra restrição da liberdade, no Estado requerente por outra infracção cometida antes da sua extradição que não: a) Uma infracção pela qual a extradição foi concedida; ou b) Qualquer outra infracção passível de extradição em relação à qual o Estado requerente dê o seu consentimento. (…) Por outro lado, preceitua o art. 6º do mesmo Acordo de Extradição que: 1 - Sempre que uma pessoa tenha sido entregue pelo Estado requerido ao Estado requerente, este não pode extraditar essa pessoa para um Estado terceiro em virtude de uma infracção praticada antes da sua entrega, excepto se: a) O Estado requerido consentir nessa reextradição; ou b) A pessoa, tendo tido a possibilidade de abandonar o território do Estado requerente, não o fez no prazo de 45 dias a contar da sua libertação definitiva em relação à infracção pela qual foi entregue pelo Estado requerido ou, tendo -o abandonado, aí tenha regressado. Acresce que de acordo com o art. 8º/4-j) do mesmo Acordo: O pedido de extradição deverá ser acompanhado dos seguintes documentos: (…) A garantia de que à pessoa procurada será dada a protecção prevista nos artigos 5.º e 6.º do presente Acordo. No caso concreto, as garantias que acompanham o presente pedido de extradição são as seguintes: - O pedido inclui uma Carta assinada por Sua Excelência o Ministro das Relações Exteriores da India, dirigida a Sua Excelência a Ministra da Justiça de Portugal, datada de 29 de Junho de 2022, transmitindo o novo pedido de extradição, e preceituando que o Governo da República da Índia, "com base nas disposições da Secção 21 da Lei de Extradição de 1962 e em conformidade com as obrigações contidas no Acordo de Extradição entre os dais países, assegura solenemente ao Governo da República Portuguesa que exercerá o seu poder para assegurar que, se extraditado pela República Portuguesa para julgamento no índia, AA beneficiará do protecção total prevista nos artigos 5º e 6º do Acordo de Extradição entre os dois países e não será reextraditado para um Estado terceiro e será aplicada a regra da especialidade. É também de notar que o Acordo de Extradição entre os dois países foi confirmado e ratificado por Sua Excelência o Presidente da índia". - Do pedido faz parte ainda uma missiva dirigida a Sua Excelência a Ministra da Justiça, assinada por FF, Subsecretário (Jurídico) - Divisão de Segurança interna - Ministério dos Assuntos internos, datada de 10 de Junho de 2022, em que declara que o Governo da India, com base nas disposições previstas no artigo 5º do Acordo de Extradição, assegura solenemente ao Governo de Portugal que o requerido não será detido ou julgado ou sujeito a qualquer outra restrição de liberdade pessoal na Índia por qualquer infracção cometida antes da extradição, que não seja uma infracção para a qual foi concedida a extradição, ou qualquer outra infracção em matéria de extradição que o Governo de Portugal consentir, conforme documento junto com o requerimento inicial que aqui se dá por reproduzido. Tais garantias, mormente a garantia prestada pelo Senhor Ministro das Relações Exteriores da India satisfazem as exigências contidas no art. 8º do Acordo de Extradição, e pelos fundamentos já atrás apontados, não é de exigir que a garantia seja prestada pelo poder judicial, cujos membros não representam o Estado Indiano. Por outro lado, contrariamente ao que parece querer invocar o requerido, o STJ, no Acórdão que conheceu do anterior pedido de extradição, decidiu que o documento então para o efeito apresentado não vincula de forma cabal o Governo da República da Índia, uma vez que não foi emitido por nenhum dos seus representantes, mas antes pela Autoridade Central em Matéria de Extradição a qual, podendo integrar a administração pública (do Ministério das Relações Exteriores), nada indica que tenha poderes para obrigar o Governo. Além disso – e, decisivamente –, a própria formulação da declaração não denota a certeza e imperatividade necessárias na parte respeitante à regra da especialidade, afirmando-se apenas e de modo vago, que «o Governo da Índia está comprometido com a Regra de Especialidade mencionada no artigo 5.º do Acordo de Extradição entre a Índia e Portugal». A que acresce que inexistem quaisquer fundamentos para duvidar que o Senhor Ministro que subscreveu aquela garantia de cumprimento da regra da especialidade e da não reextradição nos termos convencionados no Acordo de Extradição entre os dois Países tenha poderes para vincular o Governo, porquanto é inequivocamente um dos seus membros. Entendemos assim serem suficientes as garantias prestadas pelo Estado requerente, afastando as causas de recusa obrigatória da extradição consignadas na Lei 144/99 citada. b) extemporaneidade da prestação de garantias Contudo, invoca ainda o requerido a extemporaneidade das garantias apresentadas pelo Estado requerente com o presente pedido de extradição. Invoca o requerido quanto a esta questão, essencialmente e em resumo, o seguinte: - A prestação das garantias que a União da India vem agora realizar é manifestamente extemporânea, uma vez que oportunamente não o fez. - O 1º pedido de extradição do requerido, formulado pela União Indiana, não foi instruído pelas garantias suficientes do cumprimento do princípio da especialidade, apesar de a lei assim o obrigar. - No entanto, tendo este Tribunal, notificado a União Indiana para cimentar as suas garantias, no prazo de 10 dias, não o fez de forma suficiente, como entendeu o Supremo Tribunal de Justiça. - Será forçoso concluir que o direito de apresentar as garantias do cumprimento de uma pena não superior a 25 anos de prisão e do cumprimento do princípio da especialidade e da não reextradição está precludido. Sucede que, sempre ressalvado o devido respeito por opinião contrária, a prestação de garantias em causa não se encontra sujeita a um qualquer prazo peremptório ou preclusivo. Com efeito, afigura-se-nos que tal conclusão se extrai claramente o estatuído no art. 45º da citada Lei 144/99, o qual dispõe que: Elementos complementares 1 - Quando o pedido estiver incompleto ou não vier acompanhado de elementos suficientes para sobre ele se decidir, observa-se o disposto no n.º 3 do artigo 23.º, fixando-se prazo para o seu envio, o qual poderá ser prorrogado mediante razões atendíveis invocadas pelo Estado requerente. 2 - A falta dos elementos solicitados nos termos do número anterior poderá determinar o arquivamento do processo no fim do prazo fixado, sem embargo de poder prosseguir quando esses elementos forem apresentados. Do nº 2 de tal normativo se extrai que, quando os elementos complementares não sejam tempestivamente apesentados, o processo poderá ser arquivado, sem que, contudo tal implique a sua extinção definitiva, na medida em que poderá ser reaberto, prosseguindo os seus normais termos se e quando tais elementos complementares venham a ser apresentados. Consequentemente, o prazo que seja estabelecido para a sua apresentação não tem natureza preclusiva, não tendo o seu decurso como efeito a extinção do direito de proceder à sua junção ao processo. Improcede assim a argumentação do requerido quanto à questão da extemporaneidade da apresentação das garantias. c) violação do princípio da confiança pelo estado requerente Relativamente a esta questão aduz o requerido, em síntese o seguinte: - será ainda de notar que a prática do Estado requerente viola intoleravelmente o princípio da confiança mútua; - o estado requerente, por diversas vezes, violou o princípio da especialidade em situações de extradição análoga aquela que aqui se discute, reportando-se nomeadamente ao caso Abu Salem, incumprimento ditou a resolução do deferimento da extradição, no entanto, o Estado Indiano não devolveu o extraditado. - não obstante entender-se que não foi prestada garantia suficiente do cumprimento do princípio da especialidade e da não reextradição, de qualquer modo, sempre se dirá que foi derrubado o princípio da confiança mútua que deve vigorar no âmbito das relações internacionais; - tendo em conta os factos pelos quais a União Indiana pediu a extradição do requerido, e o facto de alguns deles terem sucedido noutro país (Paquistão), é de temer que concedida tal extradição o requerido possa ser reextraditado ou até ver a sua acusação alargada por factos que são desconhecidos a este tribunal. Sempre com o devido respeito por opinião contrária, não podemos acolher tal argumentação. É certo que no passado sucederam situações de violação daquele princípio por parte do Estado requerente. Contudo, os casos a que o requerido se reporta na sua oposição tiveram lugar nos anos de 2003 e 2005, ou seja, antes de celebrado o Acordo de Extradição que presentemente vigora entre Portugal e a Índia. Tal acordo, como qualquer outra convenção entre Estados soberanos, tem subjacente os princípios da reciprocidade e da confiança mútua, o que, aliás, se mostra espelhado no considerando inicial do Acordo de Extradição, no qual as partes contratantes exararam: desejando reforçar a cooperação entre os dois países em matéria de prevenção e eliminação do crime, através de disposições que visam a extradição recíproca de infractores. Neste sentido, não se descortinam presentemente razões fundamentadas para o alegado pelo requerido de que as garantias prestadas não serão cumpridas. Em conformidade, as invocadas violações passadas por parte do Estado requerente não constituem motivo de recusa do pedido de extradição em análise. d) violação do princípio da segurança jurídica Invocando a violação do princípio da segurança jurídica, conclui o requerido que no processo anterior havia todos os elementos necessários à decisão, tanto é que a houve, pelo que, não podemos contornar a lei e admitir um novo pedido de extradição com vista ao mesmo fim. Alega o requerido o seguinte para fundamentar nessa parte a sua oposição: - estes autos consubstanciam o 2º pedido de extradição ao requerido, versando exatamente sobre o mesmo objeto; - assim, veio a União Indiana agora remeter novo pedido de extradição, instruído com as garantias que supra já se elencaram, uma vez que por despacho, datado de 18-1-2022, o MP assim convidou; - o primeiro pedido de extradição formulado sob o requerido, apenas foi indeferido porque, tendo sido a União da India notificada para prestar garantias suficientes, não o fez; - estando decidida tal questão, inclusivamente, pelo Supremo Tribunal de Justiça, o requerido estava certo de que não corria o risco de ser extraditado pela factualidade em que se baseia, outra vez, este pedido de extradição; - há que atender ao princípio da segurança jurídica, que se encontra a ser manifestamente violado; - tendo decorrido um pedido de extradição de forma normal e plena, sendo assegurados a ambos os estados as possibilidades de prestar ou exigir as garantias que entendessem por necessárias, admitir que seja apreciado este novo pedido de extradição, sob o requerido, acerca da mesma factualidade, é abrir um precedente para que o mesmo nunca veja a sua situação jurídico-penal definida; - até porque a própria lei 144/99, de 31 de Agosto, prevê a reabertura de um processo de extradição, quando o mesmo haja sido arquivado por falta de elementos suficientes para decidir. Muito embora o requerido o não invoque de forma expressa, a violação do princípio da segurança jurídica apenas poderá encontrar fundamento no instituto do caso julgado. Com efeito, o instituto do caso julgado, na sua função negativa, impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo mesmo ou por outro tribunal (v. Alberto dos Reis, in “CPC Anotado, vol. III, pág. 93), com ele se evitando que um tribunal seja colocado na posição de decidir uma acção com idêntico objecto processual a outra anteriormente julgada, contrariando em decisão posterior o sentido da decisão anterior. Não se encontrando tal instituto previsto na lei processual penal, importará recorrer às normas de processo civil, aplicáveis por força do art. 4º do Código de Processo Penal, que regulam o instituto, com as necessárias adaptações. Tal instituto pressupõe desde logo o trânsito em julgado da anterior decisão. Encontra-se provado que o Supremo Tribunal de justiça, no âmbito de pedido de extradição com o mesmo objeto que correu termos sob o nº 1618/21...., por decisão proferida em 3 de Dezembro de 2021, recusou a extradição de AA, por falta de um compromisso formal, por parte de autoridade da Índia, com poderes para obrigar o Governo, que garantisse que à pessoa procurada seria dada a protecção prevista nos artigos 5.º e 6.º do Acordo, nos termos do disposto no artigo 8º, nº 4, alínea j), do Acordo de Extradição entre a República de Portugal e a República da Índia, bem como que as autoridades da Índia enviaram o novo pedido de extradição instruído com as garantias supra referidas, datadas de 29 de Junho e de 10 de Junho de 2022, assegurando que o requerido não será reextraditado para um Estado terceiro e será aplicada a regra da especialidade. Como decorre do disposto no art. 581º do Código de Processo Civil, o caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, com identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir. No caso concreto, como resulta da factualidade provada, afigura-se inequívoco que o extraditando é o mesmo requerido do processo anterior, e o objecto imediato do pedido é a sua extradição para a Índia, pelos mesmos factos que lhe são imputados pelas autoridades indianas. No entanto, no presente pedido de extradição vêm juntas as citadas cartas de garantia, que não se encontravam juntas ao processo anterior, o que motivou a recusa da extradição por inexistência da garantia formal imposta pelos art.s 5º n.º 2 e 8.º n.º 4 al. j) do Acordo de Extradição de observância dos princípios da especialidade e da proibição da reextradição. Assim, o conjunto dos fundamentos que alicerçam o presente pedido não são idênticos aos anteriormente submetidos à apreciação judicial no processo anterior com idêntico pedido, existindo elementos novos não submetidos à anterior apreciação judicial. Consequentemente, afigura-se-nos que falece um dos requisitos à existência de caso julgado, mormente a identidade da causa de pedir na sua plenitude, de natureza complexa, que subjaz ao pedido de extradição. Se é certo que a lei não prevê a possibilidade de um novo pedido de extradição referente à mesma factualidade, como alega o requerido, igualmente não o proíbe. Em conformidade, entendemos que inexiste violação do caso julgado ou do princípio da segurança jurídica nos termos pugnados pelo requerido. * e) falta competência do Ministério Público para convidar à extradição alega o requerido que: - a União Indiana veio agora enviar novo pedido de extradição, instruído com as garantias que supra já se elencaram, uma vez que por despacho, datado de 18-1-2022, o Ministério Público assim convidou; - compete ao Ministério Público formular o pedido de extradição, apenas, em caso de extradição ativa; - face ao exposto, também se diga que, desde logo, o MP não tem competência para convidar um estado a extraditar um seu nacional, quando aliás, tal pedido de extradição já foi apreciado e indeferido pelo Supremo Tribunal de Justiça. Contudo, o requerido não extrai qualquer consequência de tal alegação. Dir-se-á contudo que tal alegação não integra qualquer causa de recusa do pedido de extradição e mostra-se inócua à decisão. Com efeito, independentemente de o Estado requerente ter formulado novo pedido de extradição na sequência do alegado “convite” para esse efeito do Ministério Público ou por sua única e própria iniciativa, tal circunstância é irrelevante para a apreciação do pedido, dos seus pressupostos de facto e de direito. A existir o invocado “convite”, o mesmo é anterior ao presente processo, um acto externo a ele e, por isso, insusceptível de afectar os seus termos e alheio ao seu objecto. Improcede, assim, nesta questão a argumentação do requerido. * f) respeito pela convenção europeia dos direitos do homem. No que concerne a esta questão, alega o requerido, em síntese, que: - face às atuais circunstâncias, e que há muito vão sendo relatadas, quer nos media, quer pelos próprios tribunais indianos, o cumprimento de pena de prisão nos estabelecimentos prisionais indianos arrasta consigo a submissão a tratamentos desumanos e degradantes; - os estabelecimentos prisionais na Índia são há muito notícia em todo o mundo, quer pelas condições precárias e desumanas em que vivem os reclusos, quer pelo número de mortes, quer ainda, pela tortura a que os reclusos são, não raras vezes, submetidos; - é forçoso reconhecer que o sistema prisional indiano opera à revelia da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; - à luz do artigo 32º da Lei nº 144/99, de 31 de agosto, deverá o pedido de extradição ser rejeitado; - é forçoso concluir que existe um sério risco da violação do Acordo de Extradição pela República Indiana, que assenta em exemplos passados, pelo que a República de Portugal tem o dever de salvaguardar a integridade física e vida desse Cidadão. Nos termos do art. 6º-a) da Lei 144/99 acima transcrito, o pedido de cooperação é recusado quando o processo não satisfizer ou não respeitar as exigências da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950, ou de outros instrumentos internacionais relevantes na matéria, ratificados por Portugal. De acordo com o art. 3º de tal Convenção: Ninguém pode ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes. O art. 19º/2 da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia preceitua que: Ninguém pode ser afastado, expulso ou extraditado para um Estado onde corra sério risco de ser sujeito a pena de morte, a tortura ou a outros tratos ou penas desumanos ou degradantes. Para aferição do risco de a pessoa a extraditar ser sujeita a tratamentos desumanos no Estado requerente, o Tribunal pondera as consequências previsíveis do reenvio do extraditando para o Estado requerente, tendo em vista a situação geral no país e das circunstâncias específicas do requerente, sendo que, quanto às circunstâncias gerais no país, o Tribunal atribui relevância a relatórios recentes oriundos de associações internacionais independentes de defesa dos direitos do homem ou de fontes governamentais, mas sem que se deva entender em si contrária ao mencionado direito a mera possibilidade de abuso resultante de condições instáveis num país, recaindo sobre o requerente o ónus de produzir os elementos de prova suscetíveis de demonstrar que há razões sérias para crer que, se a decisão autorizando a extradição for executada, ele ficará exposto a um risco real de sofrer tratamentos contrários aos previstos no artigo 3.º da Convenção (in Ac. do STJ de 03-02-2016, proferido no processo nº 538/14.2YRLSB.S2). Por outro lado, acrescenta-se no mesmo aresto que (...) como o Tribunal Europeu já referiu, incumbe ao extraditando invocar factos suscetíveis de demonstrar que há razões fundadas para acreditar que, sendo autorizada a extradição, será exposto a um risco sério de violação do artigo 3.º da CEDH. Esta conclusão é igualmente válida por referência ao para o direito consagrado no artigo 6.º da CEDH. No mesmo sentido, pronunciou-se o Ac. do STJ de 11-01-2018 proferido no processo nº 1331/17.6YRLSB.S1: não é suficiente a mera alegação do risco de sobrelotação ou de maus tratos, incluindo a referência a relatórios de organismos internacionais com poderes de fiscalização, mostrando-se necessário que seja demonstrado nos autos que se verifica a existência de um risco sério e efectivo concretamente a respeito do Extraditando. No caso em apreço, sobre a Índia, constata-se do relatório das Nações Unidas (Human Rights Council Working Group on the Universal Periodic Review - Forty-first session – 7-18 November 2022 - National report submitted pursuant to Human Rights Council resolutions 5/1 and 16/21*), disponível em https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G22/463/20/PDF/G2246320.pdf?OpenElement, o seguinte: Conditions of detention: 46. The budget allocated for prisons has increased from INR 52.54 billion in 2017-18 to 67.41 billion in 2020-21. Almost 50% of the budget was spent on food and the remaining were spent towards medical issues, welfare activities, clothing and vocational/educational trainings. The actual strength of prison staff and medical staff stood at 61,296 and 2,232 respectively for 2020. The Ministry of Home Affairs issued an advisory in 2021 to address the mental health issues of inmates and staff in prisons and correctional facilities during the pandemic. Torture and cruel, inhuman or degrading treatment: 53. India remains committed to dealing with law and order and security situations with minimum use of force, in accordance with principles of legal certainty, necessity and proportionality, and after due consideration of various factors including ground realities. The actions by the Security Forces are taken in good faith, however, when allegations are made against the Forces law take its course. In Extra Judicial Execution Victim Families Association & Anr. V. Union of India, the Supreme Court of India observed that “if an offence is committed even by Army personnel, there is no concept of absolute immunity from trial by the criminal court constituted under the Criminal Procedure Code” and “no one can act with impunity.” In appropriate instances, courts and quasi-judicial bodies in India have granted compensation. 54. To address the issue of custodial death and reporting, the National Human Rights Commission has issued guidelines to all State Governments that within 24 hours of occurrence of any custodial death, the Commission shall be informed of the incident, followed by Post-mortem Reports, Magisterial Inquest Reports, Videography Reports of the post-mortem, etc. India signed the Convention against Torture and Other Cruel, Inhuman or Degrading Treatment or Punishment in October 1997 and remains committed to ratify the Convention. Since the subject falls under the Concurrent List, the Central Government shall also take into account the opinion of States in this regard. The Law Commission of India has been examining the changes required in domestic law prior to carrying out the ratification process. However, the existing legal framework, such as the provisions under the Constitution of India, Indian Penal Code, and Code of Criminal Procedure among others, guarantees adequate protection against any form of torture and cruel, inhuman or degrading treatment or punishment. In addition, Human Rights education is an integral part of the induction and in-service trainings imparted to police, security and judicial service personnel. National Human Rights Institutions also impart training to government officials on human rights in general as well as group rights. Traduzido o texto através do google: Condições de detenção 46. O orçamento alocado para prisões aumentou de INR 52,54 bilhões em 2017-18 para 67,41 bilhões em 2020-21. Quase 50% do orçamento foi gasto em alimentação e o restante foi gasto em questões médicas, atividades assistenciais, roupas e treinamentos vocacionais/educacionais. A força real do pessoal prisional e da equipe médica ficou em 61.296 e 2.232, respectivamente, em 2020. O Ministério do Interior emitiu um comunicado em 2021 para abordar os problemas de saúde mental de presidiários e funcionários em prisões e estabelecimentos correcionais durante a pandemia. Tortura e tratamento cruel, desumano ou degradante 53. A Índia continua empenhada em lidar com a lei, a ordem e as situações de segurança com o uso mínimo da força, de acordo com os princípios de segurança jurídica, necessidade e proporcionalidade, e após a devida consideração de vários fatores, incluindo realidades básicas. As ações das Forças de Segurança são tomadas de boa-fé, porém, quando são feitas denúncias contra a lei das Forças, seguem seu curso. Em Execução Extrajudicial Associação de Famílias de Vítimas e Anr. V. União da Índia, a Suprema Corte da Índia observou que “se um delito for cometido mesmo por pessoal do Exército, não há conceito de imunidade absoluta de julgamento pelo tribunal criminal constituído de acordo com o Código de Processo Penal” e “ninguém pode agir impunemente.” Em instâncias apropriadas, tribunais e órgãos quase judiciais na Índia concederam indenizações. 54. Para abordar a questão da morte sob custódia e relatórios, a Comissão Nacional de Direitos Humanos emitiu diretrizes para todos os governos estaduais que dentro de 24 horas após a ocorrência de qualquer morte sob custódia, a Comissão deve ser informada do incidente, seguida de relatórios post-mortem, Relatórios de inquéritos magistrais, Relatórios videográficos de autópsias, etc. A Índia assinou a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes em outubro de 1997 e continua empenhada em ratificar a Convenção. Como o assunto se enquadra na Lista Concorrente, o Governo Central também deverá levar em consideração a opinião dos Estados a esse respeito. A Comissão Jurídica da Índia está examinando as mudanças exigidas na legislação doméstica antes de realizar o processo de ratificação. No entanto, a estrutura legal existente, como as disposições da Constituição da Índia, do Código Penal Indiano e do Código de Processo Penal, entre outros, garante proteção adequada contra qualquer forma de tortura e tratamento ou punição cruel, desumana ou degradante. Além disso, a educação em Direitos Humanos é parte integrante dos treinamentos de indução e em serviço ministrados ao pessoal da polícia, segurança e serviço judiciário. As Instituições Nacionais de Direitos Humanos também oferecem treinamento a funcionários do governo sobre direitos humanos em geral, bem como direitos de grupo. (destacados nossos) Destacam-se ainda os direitos reconhecidos aos reclusos pelo Supremo Tribunal da Índia de acordo com o art. 21º da sua Constituição, disponível em https://www.legalserviceindia.com/legal/article-6228-rights-of-prisoners-under-indian-laws.html : Following are the rights of prisoners which are implicitly provided under the Article 21 of the Constitution of India Right To Free Legal Aid; Right To Speedy Trial; Right Against Cruel & Unusual Punishment; Human rights are part and parcel of Human Dignity. The Supreme Court in catena of Judgments has taken serious note of the inhuman treatment on prisoners and issued appropriate directions to the prison and police authorities for safeguarding the rights of the prisoners and the persons in lock-ups. The treatment to a human being which offends human dignity, imposes avoidable torture and reduces the man to the level of a beast would certainly be arbitrary and can be questioned under Article 14 of the Constitution of India. In [Raghubir Singh & Ors Vs State of Bihar, AIR 1987 sc 149], the Supreme Court expressed its anguish over police torture upholding the life sentence awarded to a police officer responsible for the death of a suspect due to torture in the police lock-up. Right To Fair Trial; Right To Live With Human Dignity; The right of a human being to live with dignity is protected by the Constitution of India. This right is also given to the prisoners as their mere conviction does not render them inhuman. This right forms a significant part of right to life guaranteed under the constitution of India. The idea behind is that every persons life is precious and irrespective of the circumstances, he/she should be given a sense of dignity to help him/her continue living. Right To Meet Friends & Consult Lawyer; The horizon of Human Rights is expanding and the Prisoners rights have been recognized not only to protect them from physical discomfort and torture, but also to save them from mental torture. The right to have interview with the members of ones family and friends is clearly part of the Personal Liberty enshrined in Article 21 of the Constitution of India. Right To Reasonable Wages In Prison. Traduzido através do Google tradutor: A seguir estão os direitos dos prisioneiros que estão implicitamente previstos no Artigo 21 da Constituição da Índia Direito à Assistência Judiciária Gratuita; Direito a julgamento rápido; Direito Contra Punição Cruel e Incomum; Os direitos humanos são parte integrante da Dignidade Humana. O Supremo Tribunal na categoria de Sentenças tomou nota do tratamento desumano dos reclusos e emitiu instruções adequadas às autoridades prisionais e policiais para salvaguardar os direitos dos reclusos e das pessoas encarceradas. O tratamento a um ser humano que ofenda a dignidade humana, imponha torturas evitáveis e reduza o homem ao nível de uma besta certamente seria arbitrário e pode ser questionado sob o Artigo 14 da Constituição da Índia. Em [Raghubir Singh & Ors Vs State of Bihar, AIR 1987 sc 149], o Supremo Tribunal expressou sua angústia sobre a tortura policial mantendo a sentença de prisão perpétua concedida a um policial responsável pela morte de um suspeito devido a tortura na cela de polícia. Direito a um julgamento justo; Direito de Viver com Dignidade Humana; O direito de um ser humano viver com dignidade é protegido pela Constituição da Índia. Este direito também é dado aos presos, pois sua mera condenação não os torna desumanos. Este direito constitui uma parte significativa do direito à vida garantido pela constituição da Índia. A ideia por trás é que a vida de cada pessoa é preciosa e, independentemente das circunstâncias, ela deve receber um senso de dignidade para ajudá-la a continuar vivendo. Direito de encontrar amigos e consultar um advogado; O horizonte dos Direitos Humanos está se expandindo e os direitos dos Prisioneiros foram reconhecidos não apenas para protegê-los do desconforto físico e da tortura, mas também para salvá-los da tortura mental. O direito de entrevistar os membros da família e amigos é claramente parte da liberdade pessoal consagrada no artigo 21 da Constituição da Índia. Direito a salários razoáveis na prisão. (destacados nossos) Da análise do relatório e documento acima transcritos resulta que o Estado requerente se encontra empenhado na defesa dos direitos humanos dos prisioneiros. Os excessos de violência são transversais a quase todos, senão a todos, os sistemas prisionais, Portugal incluído. Relevante para aferir da causa de recusa da extradição prevista no art. 6º/a) conjugado com o art. 32º/1, ambos da citada Lei 144/99 de 31 de Agosto, é que o Estado requerente ofereça garantias de que os direitos humanos serão respeitados, e tal garantia, em concreto, mostra-se assegurada pela Constituição Indiana, pelo Código Penal Indiano e pelo Código de Processo Penal, entre outros, os quais garantem, segundo o relatório das Nações Unidas acima parcialmente transcrito, proteção adequada contra qualquer forma de tortura e tratamento ou punição cruel, desumana ou degradante. Ou seja, o Estado requerente não aceita, não tolera e pune tratamentos desumanos ou cruéis que sejam perpetrados aos seus prisioneiros. O mesmo sucede em Portugal. A circunstância de existirem na realidade, apesar de proibidas pelo ordenamento jurídico do Estado requerente, ofensas aos direitos humanos em estabelecimentos prisionais não integra, por si só, causa de recusa da extradição. Acresce que segundo o último relatório da Amnistia Internacional (disponível em https://www.amnesty.org/en/location/asia-and-the-pacific/south-asia/india/report-india/) não aponta quaisquer casos de violações de direitos humanos, tortura ou tratamentos cruéis a reclusos. Acresce ainda que o requerido não alegou ou demonstrou a existência de um risco específico e efectivo para a sua pessoa se extraditado. Nestes termos, concluímos que improcede também quanto a esta questão a argumentação do requerido. Além disso: Os factos imputados ao requerido constituem igualmente crime no ordenamento jurídico português, como o crime de associação criminosa previsto pelo art. 299º, nº 1 e nº 2, do Código Penal Português, crimes de organização terrorista e de financiamento do terrorismo, previsto pelos art.s. 2º, nº 2 e 5º, da Lei 52/2003, de 22 de Agosto e crime de tráfico previsto pelos art.s. 21º nº1 e 28º do Decreto-lei nº15/93 de 22 de Janeiro, puníveis com penas abstractamente aplicáveis de 1 a 5 anos de prisão, 8 a 15 anos de prisão, 4 a 12 anos de prisão e 10 a 25 anos, respetivamente. Nem na República da Indiana ocorreu a prescrição do procedimento criminal pelos referidos crimes, de acordo com o preceituado nos art.s 468.º e 498.º do Código de Processo Penal Indiano de 1973, nem em Portugal, por força do disposto no artigo 118.º, nº 1, alíneas a) e b), do Código Penal Português. Não se verifica qualquer outra das causas de recusa obrigatória previstas nos art.s 6º e 7º da Lei 144/99, de 31/08. Não se encontra pendente em Portugal qualquer processo com o mesmo objecto (art. 18º/1 da Lei 144/99, de 31/08). Em conclusão, nada obsta a que se decida no sentido do deferimento da extradição. * Porém, o requerido encontra-se preso preventivamente à ordem do processo n.º 64/22.... do Tribunal Central Instrução Criminal- J... de Lisboa. Em conformidade, a extradição deverá ser condicionada ao resultado do processo a correr termos em Portugal nos termos do art. 35º/2 da Lei 144/99 de 31 de Agosto, e assim diferida para quando tal processo e, em caso de condenação, o cumprimento da pena, terminarem. (…) 2. Começamos por dizer que o instituto da extradição[1] constitui o mais antigo e emblemático instrumento de cooperação internacional. Como anota Mário Mendes Serrano[2], as suas origens remontam aos primórdios da civilização, atravessando toda a História da Humanidade. A mais remota referência à figura que hoje se reconduz à extradição surge já na Bíblia e foi no antigo Egipto que teve lugar a celebração do que se pode considerar o primeiro caso histórico de tratado de extradição, o Tratado de Kadesh, por volta do ano 1291 a.C. Naturalmente, foi evoluindo com o decorrer dos tempos e só praticamente o século XIX trouxe mudanças profundas e duradouras no instituto, deixando-se de se aplicar aos delitos políticos e passando a ser colocado ao serviço da defesa de interesses ético-jurídicos da comunidade internacional. Entre nós, realce-se o primeiro tratado de extradição, celebrado com Castela, no ano de 1360. Contudo, a primeira lei interna de extradição só surgiu com o DL n.º 437/75, de 16/08, a que sucedeu o DL n.º 43/91, de 22/01, sendo este já considerado um diploma geral de cooperação judiciária internacional em matéria penal, em que a extradição surge como uma das modalidades dessa cooperação, vindo a ser substituído pelo vigente DL n.º 144/99, de 31/08. O nosso sistema atual de extradição estrutura-se em 3 níveis hierarquizados: no topo, a Constituição da República Portuguesa (Cfr. art. 33.º), num plano intermédio, o direito internacional, abrangendo um conjunto alargado de convenções internacionais a que Portugal está vinculado, seja no quadro do Conselho da Europa, seja no quadro da União Europeia, e num plano inferior o denominado direito interno, em particular, a Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, aprovada pelo citado DL n.º 144/99, de 31/08, e que entrou em vigor em 01/10/1999. Nos termos deste último diploma, o processo de extradição é um processo especial e urgente, regulado, em primeira mão, por esta lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Penal, com uma fase administrativa e uma fase judicial[3], onde não é possível discutir os factos imputados ao extraditado e em que a oposição apenas pode ter lugar com dois fundamentos (não ser o requerido a pessoa reclamada ou não se verificarem os pressupostos da extradição). Consiste, na sua essência, em um Estado (requerente) pedir a outro (requerido) a entrega de uma pessoa que se encontre no território do segundo[4], por infração cujo conhecimento seja da competência dos tribunais do Estado requerente. Comporta duas modalidades, podendo ser requerida para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de pena ou medida de segurança privativas da liberdade. 3. Feita esta breve incursão histórico-normativa sobre a figura em apreço, debrucemo-nos, agora, sobre as questões que o recorrente coloca, em sede de motivação do seu recurso. No caso sub judice, referente a um pedido de extradição da República da Índia ao Estado Português relativo ao cidadão AA, de nacionalidade indiana, sobre o qual impende, no seu país natal, uma acusação de ter fundado, entre 2018 e 2020, um grupo terrorista de contrabando de heroína para a Índia, a partir do Paquistão, teremos de ter em conta o Acordo de Extradição celebrado pelos dois países e assinado em Nova Deli, em 11/01/2007, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 59/2008, de 14/10, publicada no D.R., 1.ª S., de 14/10/2008, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 125/2008. Ora, em relação à primeira questão da prova documental que, segundo o entendimento do recorrente, permitia que o tribunal a quo tivesse dado como provados os factos descritos nos pontos 107 a 116 da oposição, discordamos completamente. Como podemos verificar, o acórdão recorrido fundamentou muito bem o facto de não ter dado como provada a matéria dos arts. 107 a 110 da oposição do requerido, na medida em que um relatório e uma notícia de um jornal apenas demonstram o que neles se encontra narrado (a narração em si), mas não provam a existência real do facto aí descrito, pelo que, não tendo sido indicada qualquer fonte oficial, imparcial e fidedigna dos alegados factos em causa, não era possível ao tribunal formar uma convicção positiva, segura e inequívoca quanto a eles. Consideração não muito diferente merece o alegado nos arts. 111º a 116º, da mesma peça processual, que constitui mera reprodução de alegados relatos de reclusos de prisões indianas, constantes de um estudo da National Law University, sediada em New Delhi, baseado na entrevista de 385 reclusos. Tais relatos consubstanciam meras afirmações de factos, pelo que se afiguram, também para nós, não muito relevantes para a decisão, além de que tais relatos careceriam sempre de comprovação, o que não sucedeu. Passando à questão das garantias oferecidas pelo Estado requerente não podem, de forma alguma, ser as mesmas consideradas extemporâneas (Cfr. art. 9.º, do Acordo de Extradição) e, atendendo ao respetivo conteúdo, são suficientes e satisfatórias, em consonância com o estatuído no art. 8.º, do referenciado Acordo, e tendo por base o princípio da confiança recíproca entre Estados, que constitui, conforme é conhecido, a pedra de toque da cooperação judiciária internacional. As cartas encontram-se assinadas pelas entidades competentes do Estado requerente, garantindo a de 14/06/2022, que é assinada pelo Ministro do Interior e Cooperação do Governo da Índia, que o extraditando não cumprirá pena de prisão para além de 25 anos. Por sua vez, a carta de 29/06/2022, assinada pelo Ministro das Relações Exteriores da Índia, garante que o Senhor Iqbal Singh não será reextraditado para terceiro país e será aplicada a regra da especialidade. Ainda consta dos autos uma outra carta, de 10/06/2022, assinada pelo Subsecretário jurídico, da Divisão de Segurança Interna, Ministério dos Assuntos Internos, garantindo que o extraditando não será julgado ou sujeito a qualquer medida de restrição da liberdade pessoal por infração anterior cometida antes da extradição que não seja a infração para a qual venha a ser concedida a extradição. Mostram-se, por conseguinte, devidamente assegurados quer a não reextradição do extraditando para terceiro país, quer o cumprimento da regra da especialidade, quer o não cumprimento por parte do mesmo de pena de prisão perpétua, estando, assim, salvaguardados os princípios fundamentais, nesta matéria, da nossa Constituição (art. 33.º n.º 4) e da LCJIMP (art. 31 e ss.). O recorrente insiste também, uma vez mais, na alegação de não ser possível a repetição de um novo pedido de extradição contra a mesma pessoa, pelos mesmos factos. Mas, como bem salienta o tribunal recorrido, há que ter em atenção que no presente pedido de extradição encontram-se juntas as mencionadas cartas de garantia, que não existiam no processo anterior, o que motivou a recusa da extradição então solicitada, por inexistência da garantia formal imposta pelos arts. 5º n.º 2 e 8.º n.º 4 j), do Acordo de Extradição, referente à observância dos princípios da especialidade e da proibição da reextradição. Assim, o conjunto dos fundamentos que alicerçam o presente pedido não são idênticos aos submetidos à apreciação judicial, no processo anterior com idêntico pedido, existindo elementos novos que não foram submetidos à primeira apreciação judicial. Logo, falece um dos requisitos relativos à existência de “caso julgado”, ou seja, a identidade da causa de pedir na sua plenitude, de natureza complexa, que subjaz ao pedido de extradição. Além do mais, refira-se também se é verdade que a lei não prevê a possibilidade de um novo pedido de extradição referente à mesma factualidade, como alega o requerido, igualmente não a proíbe. Nesta conformidade, teremos de concluir que inexiste violação do “caso julgado” ou do princípio da segurança jurídica, nos termos defendidos pelo requerido. Por último, o Tribunal da Relação contra-argumentou, com pertinência e eficácia, os considerandos que o recorrente teceu sobre o funcionamento do sistema prisional da Índia. Com efeito, a circunstância de existirem pontualmente, apesar de proibidas pelo ordenamento jurídico do Estado requerente, ofensas aos direitos humanos em estabelecimentos prisionais não integra, por si só, causa de recusa da extradição. Infelizmente, tais situações acontecem, por vezes, mas são transversais à grande maioria de países, incluindo Portugal. Como se observou no acórdão de 31/05/2023 (proc. n.º 78/23.9YRCBR.S1, relator o Senhor Conselheiro Lopes da Mota, no sítio indicado), «o risco real e grave», revelado em relatórios e avaliações de organismos internacionais ou de organizações não governamentais, de tratamento da pessoa em violação do artigo 3.º da CEDH» ou do artigo 7.º do PIDCP, de que a Índia, como Portugal, é Estado-Parte, «obriga o Estado requerido a fazer uma “avaliação adequada” desse risco e a adotar as medidas ao seu alcance necessárias à sua prevenção», podendo justificar-se a não extradição em caso de não prestação de garantias ou insuficiência das garantais prestadas e de subsistência daquele risco. Porém, de acordo com o último relatório da Amnistia Internacional (disponível em https://www.amnesty.org/en/location/asia-and-the-pacific/south-asia/india/report-india/), como foi assinalado no acórdão em análise, não são denunciados quaisquer casos de violação de direitos humanos, tortura ou tratamentos cruéis infligidos a reclusos, em estabelecimentos prisionais indianos. Acresce que o requerido não alegou nem demonstrou a existência de um risco específico e efetivo para a sua pessoa, caso seja extraditado. Por fim, importa não esquecer que a República da Índia é uma democracia constitucional, sob um sistema republicano parlamentarista, e Membro eleito do Conselho dos Direitos Humanos da ONU. Ainda há cerca de 2 anos, mais propriamente em 08/05/2021, decorreu na cidade do Porto uma Cimeira Internacional, que reuniu dirigentes da União Europeia e da Índia, tendo o Presidente da República deste país intervindo através de videoconferência, em que foram debatidos, entre outros temas, como os direitos humanos, a igualdade de género e a valorização do papel da mulher em sociedade, sendo registados avanços significativos deste país do sul da Ásia, nestas áreas. Não há, deste modo, motivos para se pôr em causa o invocado princípio da confiança, relativamente ao Estado requerente. Nestes termos, improcedem todas as questões levantadas pelo recorrente, sendo que, com base nas informações disponíveis e nas garantias dadas pelo Estado requerente, não se vislumbram razões para crer que o requerido não venha ser objeto, no seu país, de um julgamento justo e equitativo. IV. Decisão Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso do requerido AA e, em consequência, confirmar-se integralmente o bem fundamentado acórdão recorrido. Sem tributação (art. 73.º n.º 1 da Lei n.º 144/99, de 31/8). * Comunique-se, com cópia, ao processo identificado nos autos, do Juízo Central Criminal -J..., à ordem do qual o arguido se encontra preso preventivamente. Lisboa, 29 de junho de 2023 (Processado e revisto pelo Relator) Pedro Branquinho Dias (Relator) Lopes da Mota (Adjunto) Ernesto Vaz Pereira (Adjunto) _____ [1] Eduardo Correia, Direito Criminal, Vol. I, Almedina, 1963, pg. 187. [2] In Cooperação Internacional Penal, Vol. I, CEJ, 2000, pg. 15 e ss. [3] Na jurisprudência deste Supremo Tribunal, vejam-se, entre outros, os acórdãos de 31/5/2023, 22/3/2023, 21/8/2020 e de 22/11/2017, cujos relatores são, respetivamente, os Senhores Conselheiros Lopes da Mota, Sénio Alves, Margarida Blasco e Vinício Ribeiro, todos disponíveis em www.dgsi.pt. [4] Neste sentido, fala-se em extradição ativa, na perspetiva do Estado requerente, e extradição passiva, na do Estado requerido.