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Acórdão TR Lisboa de 2010-03-09

910/05.9TCSNT-A.L1-7

TribunalTribunal da Relação de Lisboa
Processo910/05.9TCSNT-A.L1-7
RelatorPires Robalo
DescritoresProva Pericial, Segunda Perícia
Nº do DocumentoRL
Data do Acordão2010-03-09
VotaçãoUnanimidade
Meio ProcessualAGRAVO
DecisãoNão Provido

Sumário

I - Até à Reforma do processo civil - instrumentalizada através dos DL nºs 329-A/95, de 12 de Dezembro e 180/96, de 25 de Setembro - o requerente de realização da segunda perícia não precisava de justificar o pedido; não carecia de apontar defeitos ou vícios ocorridos na primeira perícia; não tinha de apontar as razões por que julgava pouco satisfatório ou pouco convincente o resultado da primeira perícia. Numa palavra: qualquer das partes podia requerer segunda perícia sem que tivesse que dizer as razões por que a requeria, regime de que decorria esta consequência lógica: o juiz não podia indeferir o requerimento com o fundamento de considerar impertinente ou dilatória a diligência. II - Aquela Reforma, porém, orientou-se em sentido nitidamente diverso, passando a exigir, como condição primeira do deferimento do requerimento de realização de segunda perícia, a sua fundamentação, através, naturalmente, da alegação, pelo requerente, das razões da sua discordância relativamente ao relatório apresentado (artº 589 nº 1 do CPC). A razão da alteração é evidente: permitir ao juiz o indeferimento do requerimento, com fundamento no carácter impertinente ou dilatório da segunda perícia. III - A expressão adverbial "fundadamente", significa precisamente que as razões da dissonância tenham que ser claramente explicitadas, não bastando a apresentação de um simples requerimento de segunda perícia. IV – Assim, não é de admitir a segunda perícia quando o requerente não invoque razões concretas sobre a discordância da primeira. (Sumário do Relator)


Texto Integral

Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa 1. Relatório 1.1. O Ministério Público intentou em representação da menor A, acção de investigação de paternidade contra as RR. B, C, D e E, menor, representada por sua mãe F. * 1.2. A fls. 53 e segs. ( dos autos principais solicitados oficiosamente) B, C e D, apresentaram contestação, pugnando pela improcedência da acção. * 1.3. A fls. 88 (dos autos principais solicitados oficiosamente ) o Ministério Público requereu que fosse declarada cessada a representação da A. pelo por si, face ao facto desta ter atingido a maior idade. * 1.4. A fls. 93 ( dos autos principais solicitados oficiosamente ) foi proferido despacho a declarar cessada a representação do Ministério Público, no qual foi nomeado patrono à representada. * 1.5. A fls. 107 (dos autos principais solicitados oficiosamente), fls. 27 destes autos, a investigante requereu que fossem recolhidas amostras de ADN da investigante, A, de C e D ( os dois últimos, filhos legítimos do falecido), para se comprovar cientificamente se a Investigante é igualmente filha do falecido G. * 1.6. A fls. 109 (dos autos principais solicitados oficiosamente) foi proferido despacho a admitir a feitura do exame referido em 1.5. * 1.7. A fls. 140 (dos autos principais solicitados oficiosamente) fls. 52 destes autos veio resposta do Instituto de Medicina legal referindo: « Informa-se V.Ex.ª que foram obtidos perfis genéticos de A dos pretensos irmãos e respectivas mães, familiares do indigitado pai falecido. O processo é de teor muito complexo e neste caso será conveniente proceder à exumação do cadáver do pai falecido para recolha de amostras biológicas e realizar o estudo por ADN do próprio». A fls. 145 (dos autos principais) encontra-se uma informação do Instituto de Medicina Legal do seguinte teor: « « Informa-se V.Ex.ª que foram obtidos perfis genéticos de E e sua mãe F e dos, familiares do indigitado pai falecido. O processo é de teor muito complexo e neste caso será conveniente proceder à exumação do cadáver do pai falecido para recolha de amostras biológicas e realizar o estudo por ADN do próprio». * 1.8. A fls. 158 (dos autos principais solicitado oficiosamente ) fls. 28 destes autos encontra-se relatório emanado do IML, cujo teor aqui se dá por reproduzido, terminando em conclusão com os dizeres: «… Realizou-se um exame de investigação biológica de paternidade relativo A. - A análise dos mercadores genéticos não permite excluir G da paternidade de A. - A análise estatística conduziu à probabilidade de paternidade de 99,9994% que corresponde a “paternidade praticamente provada”.» * 1.9. Notificada de tal relatório, veio a R. B/aqui recorrente, a fls.166 (dos autos principais ) fls. 30 destes autos, pedir a realização de uma segunda perícia no sentido de se conseguir uma justificação para a tão grande diferença de resultados entre o primeiro exame hematológico realizado e este ultimo solicitado ao IML. * 1.10. A fls. 219 (dos autos principais solicitados ) fls. 33 destes autos foi proferido despacho a indeferir a pretensão da requerente. * 1.11. Inconformada com tal despacho dela recorreu terminando a sua motivação com as conclusões transcritas: «A – O requerimento de Segunda Perícia de Investigação Biológica de Paternidade formulado nos autos pela Agravante foi devidamente fundamentado, expondo uma lógica de razoabilidade de suspeita do resultado do texto, com base em factos dos autos e experiência da própria requerente; B – Os fundamentos do seu indeferimento são tautológicos, não se alicerçando em factos científicos ou em fundamentos legais. C - O IML merece credibilidade, tal como qualquer outra instituição, enquanto puder ser fiscalizado e controlada a sua actuação e resultados obtidos. D – Existindo duas amostras biológicas retiradas do pretenso pai que estavam degradadas, sendo impossível a sua análise, o resultado do teste deveria ter sido inconclusivo e repetida a recolha e o teste. E – Estando em causa o estabelecimento de um vínculo de filiação impõe-se recorrer a todos os meios ao alcance para se chegar à verdade biológica. F – Por todo o exposto, negar a segunda perícia, é perpetuar uma dúvida eternamente que nenhuma das partes na presente lide deverá manter após o fim deste processo. Pelo exposto requer seja revogado o despacho sob recurso e, em consequência, seja ordenada a segunda perícia médico-lgal de investigação biológica de paternidade, cujo resultado assente numa análise em que todas as amostras estejam válidas e não degradadas, para se poder avaliar do grau de certeza ou conclusividade do exame. Assim decidindo, farão V.Ex.ªs, Venerandos Desembargadores a mui esperada e costumada Justiça». * 1.12. Não foram apresentadas contra-alegações. * 1.13. A fls. 20 destes autos encontra-se despacho de sustentação. * 1.14. Os Senhores Desembargadores-Adjuntos tiveram visto dos autos. * 2. Fundamentação 2.1. Para melhor compreensão da questão, que temos entre mãos, cabe transcrever o despacho recorrido, que é do seguinte teor: « Cabe ao tribunal pronunciar-se sobre o requerido a fls. 166 ss. Onde a R. B solicita a realização de uma nova perícia invocando uma diferença de resultados entre o 1.º exame realizado e o último, de modo a que possa confirmar-se ou não o resultado do exame realizado em 2.º lugar. Verifica-se que o último exame realizado e cujo relatório do I.M.L. se encontra junto aos autos a fls. 157 e seguintes foi feito com a recolha de elementos do cadáver de G, o que permitiu uma conclusão à qual o anterior exame não pôde chegar por não ter havido recorra de elementos do mencionado cadáver. O relatório apresentado vem de um Instituto com toda a idoneidade como é o I.M.L., estando em causa um exame cientifico pelo que considera-se não ser fundamentado o pedido de realização de novo exame, atento os pressupostos diferentes que estiveram na base dos resultados diferentes apresentados e que permitem concluir não haver contradição entre os mesmos. Indefere-se assim o requerido pela R. B a fls. 1666 e seguintes». * 3. Motivação Como se sabe o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões (cfr. art.º 684, n.º 3, do C.P.C.). Assim, a questão essencial decidenda é a de saber se o despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que ordene a realização de uma segunda perícia. Segundo a recorrente existindo duas amostras biológicas retiradas do pretenso pai que estavam degradadas, sendo impossível a sua análise, o resultado do teste deveria ter sido inconclusivo. Tanto mais que a maioria dos laboratórios considera inconclusivo um teste de investigação biológica da paternidade, quando não coincidam dois ou três marcadores biológicos. Vejamos. A prova pericial tem por fim, segundo o art.° 388° do Cód. Civil, a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial. Atribui-se, pois, a técnicos especializados a verificação/inspecção de factos não ao alcance directo e imediato do julgador, já que dependem de regras de experiência e de conhecimentos técnico-científicos que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se ser aquele possuidor. Qualquer das partes pode, também, requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias, a contar do conhecimento do resultado da primeira (artº 589 nº 1 do CPC). Até à Reforma do processo civil - instrumentalizada através dos DL nºs 329-A/95, de 12 de Dezembro e 180/96, de 25 de Setembro - o requerente de realização da segunda perícia não precisava de justificar o pedido; não carecia de apontar defeitos ou vícios ocorridos na primeira perícia; não tinha de apontar as razões por que julgava pouco satisfatório ou pouco convincente o resultado da primeira perícia. Numa palavra: qualquer das partes podia requerer segunda perícia sem que tivesse que dizer as razões por que a requeria, regime de que decorria esta consequência lógica: o juiz não podia indeferir o requerimento com o fundamento de considerar impertinente ou dilatória a diligência (artº 578 nº 1 do CPC). Aquela Reforma, porém, orientou-se em sentido nitidamente diverso, passando a exigir, como condição primeira do deferimento do requerimento de realização de segunda perícia, a sua fundamentação, através, naturalmente, da alegação, pelo requerente, das razões da sua discordância relativamente ao relatório apresentado (artº 589 nº 1 do CPC). A razão da alteração é evidente: permitir ao juiz o indeferimento do requerimento, com fundamento no carácter impertinente ou dilatório da segunda perícia. A expressão adverbial "fundadamente", significa precisamente que as razões da dissonância tenham que ser claramente explicitadas, não bastando a apresentação de um simples requerimento de segunda perícia. Trata-se, no fundo, de substanciar o requerimento com fundamentos sérios, que não uma solicitação de diligência com fins dilatórios ou de mera chicana processual. E isto porque a segunda perícia se destina, muito lógica e naturalmente, a corrigir ou suprir eventuais inexactidões ou deficiências de avaliação dos resultados a que chegou a primeira. Trata-se da emissão de um segundo juízo pericial a emitir por uma formação mais alargada, que tem por objecto a averiguação dos mesmos factos (art°s 589°, nº 3 e 590° do Cód. Proc. Civil). É, no fundo, como decorre do art.° 591º do Cód. Proc. Civil, «uma prova a mais, que servirá ao tribunal para melhor esclarecimento dos factos» ou seja uma prova adicional facultada pela lei às partes. O art.388º/C.C. diz que a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial. Pela delicadeza da perícia a efectuar, meios técnicos sofisticados e pessoal bastante adestrado, há exames especiais, a realizar em estabelecimentos científicos oficiais. Entre eles, e para o caso que nos ocupa, o Instituto Nacional de Medicina Legal, especializado na realização de exames médico-forenses, que interessam de modo particular nas acções cíveis de investigação de paternidade. Apesar de realizados em estabelecimentos científicos oficiais, estes exames especiais não deixam de estar sujeitos ás regras próprias da prova pericial, nomeadamente a reclamações das partes e a segunda perícia, sendo igualmente aplicável o dever de comparência dos peritos em audiência final, se essa comparência tiver sido determinada pelo juiz. Cfr. A. Varela e outros, «Manual de Processo Civil», pág. 596. No caso em apreço, está em causa a realização de uma segunda perícia, referindo a recorrente que a mesma se justifica: « por um lado para se conseguir uma justificação para a tão grande diferença de resultados entre o primeiro exame hematológico realizado e este ultimo, por outro porque o IML afirma no Mapa a pag. 2 de 2 do respectivo relatório, que não pôde utilizar o marcador genético Penta D e Penta E, em relação à amostra retirada de G, por “degradação da amostra”, sendo que a maioria dos laboratórios considera inconclusivo um teste de investigação biológico da paternidade, quando não coincidem dois ou três marcadores biológicos». No fundo, o recorrente, assenta o seu pedido da segunda perícia em dois motivos, a saber: a) Primeiro no facto de não compreender a justificação para a tão grande diferença de resultados entre o primeiro exame hematológico realizado e este ultimo. b) Segundo porque o IML afirma no Mapa a pag. 2 de 2 do respectivo relatório, que não pôde utilizar o marcador genético Penta D e Penta E, em relação à amostra retirada de G, por “degradação da amostra”, quando a maioria dos laboratórios considera inconclusivo um teste de investigação biológico da paternidade, quando não coincidem dois ou três marcadores biológicos. Por uma questão de método iremos ver cada uma das situações. Quanto à primeira - justificação para a tão grande diferença de resultados entre o primeiro exame hematológico realizado e este ultimo. No tocante a esta cabe referir que se trata, pelo menos, nestes autos de uma falsa questão. Na verdade como resulta de fls. 51 e 52 destes autos, fls. 140 (dos autos principais solicitados oficiosamente ) verificamos que o IML não chegou a enviar qualquer relatório, pelo que não tendo sido enviado qualquer relatório não podemos afirmar que entre o primeiro, o tal não enviado e o chamado de segundo, pelo recorrente, junto a fls. 28 e 29 haja qualquer diferença de resultados. Assim, por esta vertente a pretensão da recorrente não podia proceder. Quanto à segunda – afirmação do IML no Mapa a pag. 2 de 2 do respectivo relatório, que não pôde utilizar o marcador genético Penta D e Penta E, em relação à amostra retirada de G, por “degradação da amostra”, quando a maioria dos laboratórios considera inconclusivo um teste de investigação biológico da paternidade, quando não coincidem dois ou três marcadores biológicos. Procedendo à leitura do relatório enviado pelo IML junto a fls. 28 e 29 verificamos que no mesmo se refere, no que respeita aos resultados, que a Penta E e a Penta D não têm resultados devido a degradação da amostra (cfr. fls. 29), embora na conclusão afirme que a análise dos marcadores genéticos não permite excluir G da paternidade de A e que a análise estatística conduziu à probabilidade de paternidade de 99,9994 % que corresponde a “paternidade praticamente provada” (cfr. fls. 29). Se é verdade como dissemos que apesar de exames realizados em estabelecimentos científicos oficiais, não deixam de estar sujeitos ás regras próprias da prova pericial, nomeadamente a reclamações das partes e a segunda perícia, também não é menos verdade que o requerente deve indicar em concreto as razões da sua discordância com o exame efectuado. No caso em apreço o recorrente, quanto a esta questão não invoca razões concretas sobre tal discordância, pois limita-se a dizer existindo duas amostras biológicas retiradas do pretenso pai que estavam degradadas é impossível da sua análise, tirar o resultado que foi tirado, antes do teste deveria ter sido tirado o resultado inconclusivo e repetida a recolha e o teste. Quanto a nós estas afirmações não são objectivamente suficientes para se afirmar que o recorrente indicou a razão da sua discordância, pois deveria indicar laboratórios, em concreto que corraborassem essa afirmação ou relatório médico de onde tal resultasse, colocar em dúvida o resultado do exame o que não fez. Assim, face ao exposto não vimos razão para alterar a decisão recorrida. * 4. Decisão Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso interposto e em consequência manter a decisão recorrida. Lisboa, 9 de Março de 2010 Pires Robalo – Relator Cristina Coelho – 1.º Adjunto Roque Nogueira – 2.º Adjunto – dispensei visto

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