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Acórdão TR Porto de 2022-09-28

4887/19.5T9VNG.P1

TribunalTribunal da Relação do Porto
Processo4887/19.5T9VNG.P1
Nº ConvencionalJTRP000
RelatorPedro Vaz Pato
DescritoresDepoimento Indirecto, Depoimento por Ouvir Dizer, Declaração do Arguido, Valor, Crime de Difamação, Requisitos, Visados
Nº do DocumentoRP202209284887/19.5T9VNG.P1
Data do Acordão2022-09-28
VotaçãoUnanimidade
Privacidade1
Meio ProcessualRECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
DecisãoConcedido Provimento ao Recurso Interposto pelo Arguido.
Indicações Eventuais1. ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Área Temática.

Sumário

I - É admissível e sujeito a livre valoração o depoimento do que se ouviu dizer ao arguido. II - Essa admissibilidade e livre valoração não está condicionada pela confirmação pelo próprio arguido em audiência do que uma testemunha a ele possa ter ouvido dizer III- Porque não são puníveis os simples pensamentos, não basta que se prove que o arguido, ao proferir por escrito determinadas expressões ofensivas tinha a intenção de com elas atingir a honra e consideração social dos ofendidos; a esse facto subjetivo devem corresponder factos objetivos: por um lado, que o conteúdo dessas expressões seja objetivamente ofensivo, mas também, por outro lado, que se verifiquem, pelo conteúdo das expressões e pelo contexto em que são proferidas, dados objetivos que permitam concluir que tais expressões eram dirigidas aos ofendidos. IV - Nada permite concluir, objetivamente (isto é, independentemente do que possa ter sido a intenção, confessada ou não, do autor desses escritos) que as palavras “porcos e putas”, escritas no espelho de uma casa de banho frequentada pelos homens trabalhadores de uma empresa fossem dirigidas aos gerentes dessa empresa.


Texto Integral

Proc. nº4887/19.5T9VNG.P1 Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I – AA veio interpor recurso da douta sentença do Juiz 3 do Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia do Tribunal Judicial da Comarca do Porto que o condenou, pela prática de três crime de difamação, p. e p. pelos artigos 180.º e 182.º do Código Penal, nas penas parcelares de, respetivamente, oitenta, cem e oitenta dias de multa, à taxa diária de seis euros, e, em cúmulo jurídico dessa penas, na pena única de cento e cinquenta dias de multa, à mesma taxa diária, assim como no pagamento aos demandantes e ofendidos pela prática desses crimes, a título de indemnização de danos não patrimoniais deles decorrentes, das quantias de quinhentos euros ao demandante BB, de setecentos e cinquenta euros à demandante CC e de quinhentos euros ao demandante DD. Da motivação deste recurso constam as seguintes conclusões: «1. Nos presentes autos, vem o ora Recorrente AA condenado pela prática, em concurso efectivo, de três crimes de difamação, previstos e punidos pelos artigos 180.º e 182.º, do Código Penal, nas penas parcelares de respectivamente, 80 dias de multa, 100 dias de multa e 80 dias de multa e na pena única de 150 dias de multa, à razão diária de €6,00, o que perfaz a quantia global de €900,00 (novecentos euros), nos Pedidos de Indemnização Civil formulados pelos Ofendidos e, ainda, no pagamento das custas processuais criminais fixando a taxa de justiça em duas unidades de conta. 2. O ora Recorrente impugna a, aliás Douta Sentença proferida, por quanto entende ter sido a matéria de facto e de Direito incorretamente julgada, pelo que incorreu, o Tribunal a quo, em nulidade de sentença, nos termos do disposto no artigo 374º, nº 2 e 379º, ambos do Código de Processo Penal, no vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, no vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, no vício de erro notório na apreciação da prova, mais se impugnando a matéria de facto, por erro de julgamento – cfr. o disposto no artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal. 3. O Tribunal a quo na parte da motivação de facto, omitiu, quanto ao ora Recorrente, o necessário exame crítico da prova, não elucidando a Mma. Juiz qual o processo de formação da convicção do tribunal, por que valorou mais o depoimento da Ofendida em detrimento da demais prova testemunhal, do próprio depoimento do Recorrente e dos documentos e elementos juntos ao processo (constantes do Requerimento de Abertura de Instrução – designadamente resposta à nota de culpa, no âmbito do processo disciplinar e participação criminal do Arguido contra a Ofendida CC) e, bem assim, qual o fundamento que serviu de base para sustentar um outro depoimento e o porquê da decisão que veio a tomar. 4. Assim, e porque não contém a sentença as menções previstas no artigo 374º, n.º 2 do Código de Processo Penal, deve, nos termos do disposto no artigo 379°, n° 1, a) do Código de Processo Penal ser, quanto ao Recorrente, considerada nula, pelo que se impõe ordenar o suprimento nulidade verificada com a consequente revogação da decisão e determinação de prolação de nova sentença da qual conste a indicação especificada da prova documental e testemunhal fundamentadora da convicção e o exame crítico das provas, com a consequente absolvição do ora Recorrente. 5. “Verifica-se a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando o tribunal não tiver considerado provado ou não provado um facto alegado pela acusação ou pela defesa ou de que possa e deva conhecer, nos termos do n.º 1 do artigo 358.º, se esse facto for relevante para a decisão da questão da culpabilidade, ou quando, podendo fazê-lo, não tiver apurado factos que permitam uma fundada determinação da sanção (…)” - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29-03-2011, in www.dgsi.pt, relator Jorge Gonçalves. 6. Não fundamenta a Mma. Juiz a quo, os factos constantes da acusação, que motivaram a condenação, uma vez que tais factos, efectivamente, não ocorreram, o Recorrente não escreveu os dizeres “PUTAS E”, no referido espelho da casa de banho da empresa S..., S.A. 7. Além de que, deveria a Mma. Juiz a quo indagar o circunstancialismo em que a referida expressão/dizer ocorreu, na medida em que esta foi considerada uma anuência a um outro dizer já inscrito no referido espelho – “PORCOS” – cuja autoria, de igual modo não se apurou, assim como os destinatários da mesma, aditando os factos assim resultantes aos factos provados, o que não sucedeu. 8. Também ao dar como provado - como deu - o facto constante do ponto 6. dos factos provados, carece o mesmo de factos objetivos e credíveis que permitam percecionar a realidade da factualidade ali descrita, incorrendo, assim, a Mma. Juiz a quo em vício de insuficiência para a decisão de facto provada, pois deveria a Mma. Juiz ter escrutinado os factos em conformidade, o que apenas poderá fazer com recurso aos depoimentos prestados pelo. 9. Os factos dados como provados não se encontram devidamente apurados pela Mma. Juiz a quo. 10. Ora, é manifesta a falta de fundamentação para a admissibilidade de consideração da prática dos ilícitos criminais, nos precisos termos em que o ora Recorrente vem condenado. 11. Verifica-se, então, o vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Penal, na medida em que existe incompatibilidade, insuscetível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes, a fundamentação e a decisão. 12. Sendo bem patente a contradição existente entre os factos que a Mma. Juiz a quo dá como provados e a fundamentação, atenta a descontextualização da mesma, tudo conforme se demonstrou pelas transcrições apresentadas. 13. Incorreu, assim, o Tribunal a quo no vício de contradição insanável da fundamentação, também, ao considerar a efectiva motivação do Ofendido no âmbito dos presentes autos, facto esse que tem, como já referido, interesse para a decisão da causa, e que consubstanciaria uma alteração da decisão na parte que concerne à culpabilidade da Recorrente, conducente à sua absolvição. 14. Não resulta ainda da Sentença a identificação dos Ofendidos como destinatários da expressão “PORCOS”, inscrita no referido espelho da casa de banho dos homens; 15. E, não tendo esta sido dada como provada, em momento algum, ainda que por via das regras da experiência comum, se poderia associar a expressão “PUTAS E” à Assistente CC e, pela referida via, transformar o Recorrente no autor da expressão “PORCOS”, “apropriando-se” da mesma. 16. O ponto 6., dos factos provados, foi levianamente apreciado pelo Tribunal a quo, não se concebendo, por isso, a razão pela qual a Mma. Juiz a quo, não analisou objetivamente a prova produzida. 17. A confrontação dos depoimentos, assim como a valoração de uns e desvaloração de outros não se encontra devidamente fundamentada, baseando-se, apenas e só, num exercício discricionário. 18. Incorreu também o Tribunal a quo em vício do erro notório na apreciação da prova, a que alude o artigo 410º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal, traduz-se, basicamente, em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando determinado facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo» (acórdão do STJ de 98.07.09, Proc. 1509/97, citado por Simas Santos e Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 77). 19. Da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, em conformidade com os depoimentos das testemunhas presentes, porém parciais, resultou claro ao Tribunal a quo que o ora Recorrente não foi identificado no local, hora e dia em que os factos ocorreram, assim como este negou a autoria dos dizeres inscritos no referido espelho da casa de banho. 20. Deveria, sim e, neste sentido, dar como não provado o facto indicado no ponto 6., designadamente na parte “...o arguido aditou, antes do mencionado escrito, as palavras “PUTAS E”, com o que, querendo referir-se à gerência da sociedade, aderiu àquele primeiro escrito e o complementou.”, porquanto este resultante da prova produzida em Tribunal (e avançada em sede de contestação), demonstra que a Recorrente não exerceu a referida conduta, designadamente não efectuou qualquer escrito no espelho. 21. A que acresce o facto de que a justificação apresentada pela Ofendida, de que obviamente a expressão seria dirigida a si e demais administradores, como resultado do facto de ter instaurado um processo disciplinar ao Recorrente e, bem assim, este não ter ficado satisfeito com a alteração do horário do turno da noite (do que fazia parte) não é, à luz da experiencia comum, credível. 22. Através das regras da experiência comum, de uma análise objetiva e séria, da razão de ciência, é lógico e coerente que, tendo o Recorrente reagido à nota de culpa, através de resposta à mesma e, não obstante não ter concordado com a alteração do horário do turno da noite, tais factos não são suficientes, só por si, para demonstrar ou comprovar a autoria dos crimes pelos quais vem condenado. 23. Note-se, a este propósito, que as testemunhas arroladas também ficaram desagradadas com a alteração do horário do referido turno. 24. Andou mal o Tribunal a quo ao apenas considerar como verdadeiras, verosímeis, sérias e coerentes as declarações prestadas pela Ofendida, ainda que as mesmas não tivessem sido corroboradas por mais nenhuma testemunha e contrariadas, veementemente pelo Recorrente, por um lado e, por outro, as próprias testemunhas – prestaram depoimento indirecto, porém com expressa menção que, relativamente ao teriam ouvido dizer – da boca do Arguido – era que a expressão em causa era dirigida aos colegas de trabalho. 25. Baseou-se, assim, a Mma. Juiz a quo unicamente na versão da Ofendida e em parte no depoimento das testemunhas EE e FF, a qual não logrou concretizar a directa imputação da autoria do dizer “PUTAS E”, que não presenciou, assim como não logrou concretizar que tal expressão era a si dirigida, para condenar o ora Recorrente pela prática dos crimes de difamação. 26. Verifica-se, por isso, quanto ao ora Recorrente, erro notório na apreciação da prova, o qual resultou num elevado prejuízo para o mesmo, injustificado e injusto. 27. Assim, e no supra descrito, face às posições antagónicas enunciadas, verifica-se o já referido vício de erro notório na apreciação da prova, devendo, assim, nesta parte, proceder o recurso interposto, e, em conformidade, os factos enunciados com as contradições verificadas serem corrigidos, o que conduzirá, necessariamente, a uma nova decisão. 28. A Mma. Juiz a quo não fundamenta, ainda que de forma concisa, os motivos de facto e de direito, tão pouco justifica a decisão por si tomada, sendo a única menção ao depoimento do ofendido com recurso a expressões/chavões como “séria”, “coerente”, “isenta”, mas absolutamente contrários a toda a demais prova produzida, sendo por isso, nula a sentença. 29. A única justificação dada nos presentes autos para valorar a versão da Ofendida e, nesse sentido, condenar o Recorrente foi o sugestionamento das testemunhas EE e FF, no sentido de indicarem o que eles próprios interpretaram dos escritos no espelho. 30. Tendo o ora Recorrente prestado depoimento, não é o mesmo valorado. Impunha-se, aqui, que a Mma. Juiz fundamentasse, de forma clara e inequívoca, o porquê de tal consideração, o que não fez! 31. Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, resultou, efectivamente, que não foi possivel apurar a autoria do dizer “PORCOS” 32. Assim, não tendo sido feita a expressa identificação dos Ofendidos como destinatários da expressão “PORCOS”, inscrita no referido espelho da casa de banho dos homens e, não tendo esta sido dada como provada, em momento algum, se poderia associar a expressão “PUTAS E” à Assistente CC e, pela referida via, transformar o Recorrente no autor da expressão “PORCOS”, “apropriando-se” da mesma. 33. Tal conclusão viola o princípio do in dúbio pro reo. 34. Nenhum dos dizeres foi presenciado e o dizer “PORCOS” encontrava-se inscrito no espelho muito antes da inscrição dos dizeres “PUTAS E”. 35. É desconhecida a autoria de ambos (atenta a rejeição expressa, por parte do Recorrente, da autoria da expressão “PUTAS E”) pelo que não resulta, em lado algum, que tais expressões sejam dirigidas especificamente aos Assistentes, porquanto não existe qualquer nome associado ao termo “PORCOS” e, quanto à Assistente, sendo a única mulher na empresa, para que fosse esta a visada o termo a aplicar seria “PUTA E”, nunca “PUTAS E”, atenta a realidade da empresa em causa. 36. Na firma da qual a assistente é Administradora, esta é a única mulher. 37. Ao assim não entender o Tribunal a quo, condenado o Recorrente sem fundamentar a autoria, o nexo causal (ou relacional) entre as expressões e os Assistentes, provocou neste um claro prejuízo injustificável, partindo do princípio da sua culpa e da respetiva responsabilidade criminal, quando deveria partir do princípio da sua inocência, reconhecendo-a a final. 38. O Recorrente esclareceu o Tribunal que a resolução dos problemas verificados com a Assistente em particular, foram resolvidos em sede própria – respondeu à nota de culpa e, por considerar o teor da mesma ofensivo à sua honra e bom nome, participou criminalmente dela; 39. Pelo que, tendo o Recorrente tomado tais atitudes relativamente à administração da entidade para a qual laborava, respondendo, em sede de procedimento disciplinar, à nota de culpa (e esperando meses pela decisão final, que nunca foi proferida) e reagindo, criminalmente, contra o que considerou ser ofensivo da sua honra, relativamente ao que, da mesma nota de culpa resultava, deveria o Tribunal a quo valorar tal realidade, porquanto a mesma foi comprovada documentalmente nos autos. 40. Não é, assim, crível que, optando o Arguido, ora Recorrente, por reagir de acordo e em conformidade com a Lei quando se sentiu lesado e prejudicado por parte da sua entidade patronal, tenha culminado tal comportamento com a prática de um ilícito criminal. Tal contraria, claramente, as regras da experiência comum. 41. Pelo que tal facto deveria ter sido dado como não provado. 42. Impunha-se que a Mma. Juiz a quo fundamentasse, de forma clara e inequívoca, o porquê de considerar e valorar, apenas e só as declarações da Assistente, no que à imputação da expressão “PUTAS E” por parte do Recorrente à sua pessoa, na medida em que, como se demonstrou a justificação dada pelo Recorrente, contrariou, em absoluto, a sua versão. 43. Não se produziu qualquer prova quanto ao sentido, autoria e destinatário(s) da expressão “PORCOS” 44. Pelo que a expressão “PUTAS E”, não obstante não ter sido escrita pelo Recorrente – o que se reitera – não poderá também, em caso algum ser considerada uma pré-determinação do sentido da expressão “PORCOS” mas, pelo contrário, uma consequência daquela, na medida em que, como foi dito em sede de audiência e julgamento, foi escrita posteriormente a esta última. 45. Não poderá assim, em caso algum, uma expressão posterior (ou dizer) compor uma outra expressão ou dizer anterior, que se desconhece, em primeiro lugar, o respectivo autor, e subsequentemente, o seu efectivo sentido e alcance. 46. Como ficou demonstrado dos autos, a expressão “PUTAS E” é posterior da expressão “PORCOS”. 47. Não resultaram dos autos quaisquer elementos que associassem o fim visado de uma expressão à outra, sendo que, a simples existência da conjunção “e” não demonstra, em bom rigor, que a mesma constitua uma conjunção coordenativa ou subordinativa, na medida em que não se provou o prévio sentido da expressão “PORCOS”, muito menos o ou os respectivos destinatários. 48. A Sentença, na sua fundamentação, não explica, convenientemente – estando a isso obrigada – a razão pela qual valora mais as declarações da Ofendida, mesmo desacompanhadas das declarações das testemunhas por si arroladas (e por via de depoimento indirecto), em detrimento das declarações prestadas pelo Arguido ora Recorrente. 49. Como supra demonstrado, a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, não foi tida em consideração pela Mma. Juiz a quo, que não considerou como meio de prova, as declarações prestadas pelo ora Recorrente, contrárias à da Ofendida, pelo que se verifica o erro de julgamento. 50. Tal prova, caso tivesse sido considerada pela Mma. Juiz, levaria a outra decisão que não a de condenação do ora Recorrente. 51. Com efeito, do depoimento do própria Recorrente, resultou claro que esta negou, de forma consistente, a prática dos crimes pelos quais vem condenado, conforme resulta claramente das suas declarações, devendo, por isso, o mesmo ter sido levado em consideração. 52. E, conforme resulta de todos os depoimentos (com a devida localização dos ficheiros áudio), é manifesta a contradição entre os depoimentos das testemunhas com as da Ofendida e, necessariamente, com as do Recorrente. 53. Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, esclareceu o Recorrente, os diferendos existentes com a Assistente. Esta versão foi corroborada pelas testemunhas apresentadas. 54. Dúvidas então não poderiam restar no sentido de que a existência de uma alegada motivação, por parte do Recorrente para efectuar o escrito “PUTAS E” e, com isso, compor o dizer “PORCOS” e, com isso condenar o Recorrente em conformidade, efectivamente não ocorreram, como, de acordo com o enquadramento legal, o entendimento da doutrina e da jurisprudência dominante é a de que a interpretação do art.º 180.º do Cód .Penal, o qual prevê um crime de dano e de resultado, deve ser entendido no sentido do facto em apreço ser enquadrado no âmbito da consequência do mesmo. 55. De um ponto de vista objetivo, desprendido, imparcial e equidistante, a experiência comum diz-nos que, em situações como as dos presentes autos, o depoimento do Recorrente, nos termos em que foi prestado, deverá merecer toda a credibilidade, pois conforme demonstrou, as questões que teve com a Assistente foram por si resolvidas com toda a dignidade, nas sedes próprias. 56. a que acresce que os depoimentos das testemunhas EE e FF, nos seus depoimentos indirectos, afirmaram que a destinatária da expressão “PUTAS E” não era a Assistente. 57. Em função de tal circunstância, entendendo o Tribunal a quo atribuir precisão aos mesmos, então deveriam os mesmos ter sido valorados nos termos da al. b), do n.º 2, do art.º 130.º, do Cód. Proc. Penal, o que, ao não ser feito constitui, por parte do Tribunal a quo desvio ao princípio da livre apreciação da prova. 58. Por outro lado, não é concebível que a Mma. Juiz a quo viole, como violou, o disposto no art.º 138.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, induzindo e sugestionando a resposta da testemunha EE, no sentido de este afirmar que ao ler a expressão “PUTAS E” a existência de agressão, caso a situação ocorresse com os mesmos. 59. Tal constitui meio de proibição de prova. 60. no entanto, a qualificação do crime decorre, necessariamente da avaliação objectiva do mesmo e não da sua subjectividade, não obstante ambas as testemunhas supra referenciadas terem sido peremptórias em afirmar que não viram o Recorrente escrever qualquer dizer no referido espelho e, que das palavras deste, os visados pela mesma seriam os colegas de trabalho. 61. Além de que, nenhuma das testemunhas (além da Ofendida) referiu, em momento algum, a assunção, por parte do Recorrente que a expressão em causa era a si dirigida. 62. Teve a Mma. Juiz a quo uma certeza e uma convicção que nem as testemunhas que, aparentemente terão presenciado os factos, tiveram! Tão pouco o Ofendido. 63. A versão transmitida pelo Ofendido em nada coincide com a das demais testemunhas 64. Dúvidas não restam que o ora Recorrente não escreveu, no espelho da casa de banho a expressão “PUTAS E”, e ninguém viu a referida autoria, o que foi confirmado pelas testemunhas, a que acresce que ninguém explicou a anterior expressão aposta no espelho – “PORCOS”. 65. Incorreu, assim, o Tribunal a quo, em erro de julgamento! 66. Do confronto, de todos os depoimentos surgem diversas questões que o Tribunal a quo não apurou, designadamente: . Quem viu as expressões escritas? . Quem redigiu a expressão “PORCOS”? . Quando foi redigida a expressão “PORCOS”? . Que diligências foram realizadas para se apurar, pela Ofendida/Assistentes, a quem se dirigia o autor da referida expressão “PORCOS”? . Como e porquê a expressão “PORCOS” era dirigida aos Administradores da sociedade? . Qual a razão de ciência para determinar que a expressão “PORCOS”, por si só, se dirigia aos administradores da sociedade em causa, por forma a que, com o “aditamento do escrito “PUTAS E”, este último completasse o anterior? . Não sendo dirigida aos administradores da sociedade, por que razão o escrito “PUTAS E”, imputado ao Arguido, significou uma adesão à expressão anterior e, com isso se visaram todos os administradores? . Se uma adesão constitui uma concordância/anuência, como se apurou o sentido da primeira expressão para justificar a segunda? 67. Tais factos assumem especial relevância porquanto o enquadramento dos factos pelos quais o Recorrente vem condenado não ocorreram, o que seria reconhecido pelo Tribunal a quo se a prova tivesse sido analisada criticamente, como se lhe impunha. 68. Facto este a que não poderia ter sido a Mma. Juiz a quo alheia. 69. Pelo que os factos dados como provados sob números 6. e 7. deveriam passar a constara dos factos dados como não provados. 70. E, bem se entenda, a prova da referida imputação compete, exclusivamente à Acusação, não ao Recorrente, o que aquela não logrou concretizar. 71. Porém, a sentença omite tais factos, reportando-se, de forma demasiadamente sucinta, a trechos desenquadrados para adaptar a versão da Ofendida à das testemunhas EE e FF e, ainda assim, com o resultado de imputar factos que nenhum dos dois relatou em audiência. 72. É, assim, manifesto o erro de julgamento, por inobservância de análise crítica e objetiva a toda a produção de prova e clara e manifesta violação das regras da experiência comum e do normal devir dos acontecimentos. 73. Violou, em consequência, o Tribunal a quo, o disposto no art.º 368.º do CPP, o qual impõe que o Tribunal discrimine especificadamente os factos resultantes e relevantes para a verificação dos elementos constitutivos do tipo de crime, da prática, efetiva, por parte do Arguido do crime em causa ou, pelo menos da participação do mesmo, da culpa e, bem assim da existência – ou não – de alguma causa que exclua a culpa ou a ilicitude. 74. O princípio in dubio pro reo é o principio de acordo com o qual o tribunal deve dar como provados os factos favoráveis ao arguido, quando fica aquém da dúvida razoável, apesar de toda a prova produzida. 75. O Tribunal tem o poder-dever de investigar o facto sujeito a julgamento, independentemente dos contributos da acusação e da defesa, construindo autonomamente as bases da sua decisão; a dúvida que fique aquém da razoável deverá ser valorada de forma favorável ao Arguido, tanto mais que este se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, o que não sucedeu in casu. 76. O Tribunal não apurou quem foi o autor da expressão “PORCOS”, assim como não apurou a quem esta mesma expressão se dirigia; 77. Por conseguinte, a expressão “PUTAS E”, ainda que abstractamente, por mera hipótese de raciocínio, possa considerar-se uma adesão à acima transcrita, não é suficiente, para por si só, reduzir os seus visados aos Assistentes/Ofendidos, 78. E tanto é assim que, tanto a Ofendida, como as testemunhas por si arroladas fizeram questão de afirmar e reiterar ser aquela a única mulher na empresa. 79. Pelo que, e por uma questão meramente hipotética, se tal expressão tivesse como destinatária, exclusivamente a Ofendida, certamente o escrito seria “PUTA E” e não “PUTAS E”; 80. Não resultou dos factos (provados e não provados) que, juntamente com os dizeres “PORCOS” e “PUTAS E” estivessem escritos os nomes de todos ou qualquer um dos administradores da sociedade S.... 81. Resultou claro dos autos, através da prova testemunhal, que o Arguido era um bom profissional e nunca teve problemas com colegas ou quem quer que fosse. 82. Não se vislumbra, assim, de um ponto de vista objetivo, que o comportamento do Recorrente possa configurar a prática de qualquer crime, mormente a prática de três crimes de difamação. 83. O Tribunal está, assim, vinculado à apreciação da prova produzida segundo as regras da experiência comum e da sua livre apreciação (excetuando as que, por lei, restrinjam este princípio), que deverá ser sempre objetivável e motivável, conforme o disposto no art.º 127.º, do CPP, o que acabou, lamentavelmente, por não suceder no caso dos presentes autos. 84. Pelo que, atenta a produção da prova, designadamente a incongruência resultante dos depoimentos prestados entre Ofendida e as testemunhas por si arroladas, que não confirmaram os seus dizeres (designadamente que a expressão “PUTAS E” havia sido a si dirigida (assim como a expressão “PORCOS” fosse directamente dirigida a qualquer elemento da administração), não poderia o Tribunal a quo, conjugando os mesmos e como sobredito, formular um juízo condenatório do aqui Recorrente. 85. Conforme supra demonstrado, transparece da Sentença que a Mma. Juiz a quo, se absteve de julgar a presente lide aderindo, meramente, às considerações acusatórias, omitindo todos os outros factos relevantes que surgiram da competente produção de prova, manifestando, ainda, incerteza e insegurança na decisão proferida. 86. Deste modo e, sem prescindir, deve ainda, ao abrigo do princípio do in dúbio pro reo, ser o ora Recorrente absolvido da prática dos crimes de Difamação pelos quais vem condenado, 87. Devendo, de igual modo, absolver o Recorrente dos Pedidos de Indemnização Civil julgados procedentes, assim como do pagamentos das custas e demais encargos a que deu causa, conforme decisão de que ora se recorre. 88. Ao não observar tudo o que aqui ficou dito, violou o Tribunal a quo o disposto nos artigos 127.º, 374.º, n.º 2, 379.°, n.° 1, a), 410.º, n.º 2, als. a), b) e c) e 412.º, n.º 3 e 4, todos do Código de Processo Penal, o artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e o artigo 153.º do Código Penal.» O Ministério Público junto do Tribunal da primeira instância apresentou resposta à motivação do recurso, pugnando pelo não provimento do mesmo. O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando também pelo não provimento do recurso. Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir. II – As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões da motivação do recurso (como é orientação uniforme da jurisprudência, são estas conclusões que delimitam o objeto do recurso) as seguintes: - saber se a sentença recorrida padece de nulidade, por falta de fundamentação, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, a), do Código de Processo Penal; - saber se a sentença recorrida padece de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, a), do mesmo Código; - saber se a sentença recorrida padece de contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão, nos termos da alínea b) desse mesmo artigo 410.º, n.º 2; - saber se a sentença recorrida padece, também à luz do princípio in dubio pro reo, de erro notório na apreciação da prova, nos termos da alínea c) desse mesmo artigo 410.º, n.º 2, devendo o arguido e recorrente ser absolvido dos crimes por que foi condenado e, consequentemente, dos pedidos de indemnização civil contra ele formulados; - saber se a prova produzida impõe, também à luz do princípio in dubio pro reo decisão diferente da que foi tomada na sentença recorrida, devendo o arguido e recorrente ser absolvido dos crimes por que foi condenado e, consequentemente, dos pedidos de indemnização civil contra ele formulados. III – Da fundamentação da douta sentença recorrida consta o seguinte: «(…) II – Fundamentação Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos: 1. A S..., Lda. é uma sociedade que se dedica à produção e comercialização de componentes em plástico, pelo processo de injecção, para a indústria electrotécnica e outras, designadamente a indústria automóvel. 2. As instalações fabris da sociedade situam-se na Rua ..., em ..., Vila Nova de Gaia. 3. Os assistentes BB, CC e DD são gerentes desta sociedade, sendo o arguido, à data que infra se referirá, trabalhador da mesma, com a categoria de operador de máquina de injecção e trabalhando no turno da noite. 4. Em data que não se apurou mas anteriormente aos episódios referidos em 4 e 5 foi discutida e submetida à consideração dos trabalhadores do turno da noite a questão de a refeição neste turno ter lugar em laboração contínua ou com paragem, acabando por ter vencimento a posição, contrária à defendida pelo arguido, dos que defendiam a laboração contínua (podendo fazer-se uma pequena refeição junto à máquina). 5. Entre a tarde do dia 25.07.2019 e as 2h do dia 26.07.2019 pessoa cuja identidade não se apurou escreveu no espelho da casa-de-banho das instalações fabris da sociedade a palavra “PORCOS”. 6. Posteriormente, na madrugada de 26.07.2019, a hora não concretamente apurada mas entre as 2h e as 4h, o arguido aditou, antes do mencionado escrito, as palavras “PUTAS E”, com o que, querendo referir-se à gerência da sociedade, aderiu àquele primeiro escrito e o complementou. 7. Ao agir da forma descrita quis o arguido, livre, voluntária e conscientemente, enxovalhar os assistentes na sua honra, dignidade, consideração e bom nome. 8. Bem sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. 9. Em resultado do supra descrito os assistentes sentiram-se tristes, desgostosos e humilhados. 10. O arguido aufere €800,00 mensais, ganhando a companheira sensivelmente o mesmo. O casal vive provisoriamente em casa dos pais do arguido, tendo a seu cargo, em guarda partilhada, um filho do arguido e um filho da companheira. 11. O arguido nunca antes foi condenado pela prática de qualquer infracção criminal.*Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a causa.*III – Motivação Os factos dados como provados assentam numa apreciação crítica e global de toda a prova produzida no seu conjunto. Assim, quanto aos factos constantes da acusação, o Tribunal atendeu à participação de fls. 5 e seguintes e aos documentos de fls. 84 e seguintes, 92 e seguintes e 153 e seguintes, bem assim às declarações do arguido e da assistente e aos depoimentos, ambos prestados de forma que se nos afigurou séria, coerente e isenta, de EE e FF, conjugadamente com as regras da normalidade e da experiência comum. Concretamente, o arguido, negando os factos constantes da acusação (e sustentando que o presente processo é uma vingança por ter instaurado um processo contra a assistente CC), referiu que trabalhava na S..., Lda., que fazia, na altura, o turno da noite, trabalhando das 20h às 4h, que tinham meia-hora para comer e essa meia-hora lhes foi retirada, sendo que passaram a ter apenas 10 minutos para o efeito e a sair às 4h10m, que no dia aqui em causa (de 5ª para 6ª feira), antes de entrar ao serviço, às 20h, viu que estava escrito no espelho na casa-de-banho a palavra “porcos” (desconhecendo quem a escreveu), que depois quando saiu e foi à casa-de-banho lavar as mãos já estava escrito “putas e porcos”, que nesse dia estavam no turno da noite 8 pessoas, sendo que não era o único insatisfeito com a questão da diminuição da pausa para refeição (o EE e o GG, por exemplo, também o estavam), que na 2ª feira seguinte houve uma reunião a respeito do que aconteceu e que antes disso falaram entre todos sobre o sucedido e ninguém se acusou. Disse ainda que nunca admitiu ter praticado estes factos e que a reunião para discussão da questão da pausa para refeição aconteceu 18 meses antes desta situação. A assistente, por seu lado, relatou que a dada altura, porque no horário da noite algumas pessoas queriam sair mais cedo, chamaram os chefes de turno e lhes pediram para falar com os outros trabalhadores e decidir se queriam parar ou fazer a refeição no local de trabalho (isto de uma 5ª para 6ª feira), que pessoalmente achava que deviam parar mas eles decidiram não o fazer (embora a decisão não tenha sido tomada por unanimidade), tendo-lhe sido comunicada essa decisão no dia seguinte à conversa que teve com os chefes de turno, que o engenheiro de produção lhe transmitiu que o espelho da casa-de-banho dos homens tinha “uns dizeres” e lhe mostrou uma fotografia (já que a situação tinha sido detectada pela empregada de limpeza e entretanto o espelho já tinha sido limpo), que no espelho tinha sido escrito “putas e porcos”, sendo que achou obviamente que isto se dirigia aos administradores da empresa, que o referido engenheiro falou com as pessoas e a casa-de-banho ficou fechada, que segundo lhe foi transmitido pelo EE (na 2ª feira), na 6ª feira houve uma reunião e o arguido acusou-se quanto a uma parte do escrito – sendo que, segundo esse colaborador, às 2h da manhã, quando o mesmo saiu, já estava escrita a palavra “porcos”, tendo o restante sido escrito entre as 2h e as 7h -, que na 2ª feira teve uma reunião com o arguido, o advogado e o chefe do turno, FF e o arguido admitiu ter escrito “putas e”, sendo que o mesmo disse que esse escrito era genérico, para toda a administração e que não escreveu outra coisa porque não conhecia o masculino de “putas” e que na noite de 2ª o arguido ainda trabalhou algumas horas mas acabou por sair e não compareceu mais na empresa (esteve de baixa, depois de férias, depois novamente de baixa e depois apresentou carta de demissão). Disse ainda que em Fevereiro anterior tinha sido instaurado ao arguido um processo disciplinar por causa de defeitos de produção e que ficou incomodada com o sucedido (tal como os irmãos), sendo que durante muito tempo “à noite ainda acordava com a imagem daquele espelho”. EE (que foi colega de trabalho do arguido) relatou que no dia aqui em causa, quando saiu, por volta das 2h (o seu horário era das 18h às 2h10m), se apercebeu de que estava escrito “porcos” no espelho, que depois o engenheiro HH ligou ao II e ficou a saber que tinham sido escritas as outras palavras, que entre todos começaram logo a tentar saber o que se tinha passado e que então o arguido acabou por assumir (à frente de todo o pessoal do turno da noite) que às 4h da manhã, quando tinha ido embora (o arguido trabalhava das 20h às 4h), tinha escrito “putas e”, tendo dito que aquilo era dirigido aos colegas de trabalho (sendo, porém, que a única mulher ali é a gerente, sendo todos os outros homens). Contou ainda que antes deste episódio (não sabe quando mas tendo ideia que ainda foi com a anterior chefia) foi discutida a questão da meia-hora da refeição e se decidiu fazer a refeição junto à máquina e referiu que ninguém assumiu ter escrito “porcos”. Finalmente, FF (que foi colega de trabalho do arguido) contou que na altura do episódio aqui em causa (não se recordando se no mesmo dia ou alguns dias antes) o EE andou a abordar todos a respeito da meia-hora de refeição, que na 6ª feira às 18h ficou a saber do que tinha aparecido escrito no espelho e que depois houve outra reunião, com o arguido, em que ele assumiu ter escrito o “putas e”, sendo que o mesmo disse que aquilo era dirigido aos colegas de trabalho, que não sabia o masculino da palavra e que tinha sido uma brincadeira. Disse ainda que na empresa, com excepção da gerente, só trabalham homens. Ora, analisada toda a prova, o Tribunal não teve quaisquer dúvidas de que ocorreu o que veio a ser dado como provado, do modo que veio a ser dado como provado, concretamente de que foi o arguido quem escreveu no espelho “putas e” e de que tal dizer, aliado ao “porcos” que lá se encontrava escrito, tinha como destinatários os assistentes. Com efeito, e quanto à autoria do dito escrito, conquanto o arguido a tenha negado em julgamento, certo é que a assumiu na ocasião perante a assistente e as testemunhas ouvidas (além de outras pessoas) – como estas, de forma segura, consistente e espontânea contaram, merecendo os seus relatos, por isso, inteira credibilidade e podendo ser valorados a este respeito (vide o Acórdão da Relação do Porto de 30.09.2015, disponível em www.dgsi.pt) -, não se vendo por que razão o faria que não seja por efectivamente ter sido o seu autor. Por outro lado, e quanto ao objectivo subjacente à sua conduta, tal objectivo não pode ter sido outro que não o de atingir os assistentes na sua honra e consideração (como aliás o arguido terá assumido perante a assistente, segundo a mesma contou), sendo completamente descabida e inverosímil a tese, que o arguido terá querido fazer valer perante os seus colegas na ocasião, de que estaria a dirigir-se a eles (por brincadeira) e de que não conhecia o masculino da palavra “putas” – o arguido nada tinha contra os seus colegas de trabalho, todos eles, note-se, homens, estando, pelo contrário, descontente com a gerência, fosse por causa do processo disciplinar que lhe foi movido (e em virtude do qual entrou em contenda com a assistente CC – cfr- fls. 129 a 132), fosse por causa da circunstância de lhe ter sido retirada a meia-hora de que dispunha para fazer a refeição, ou por ambos os motivos; sendo que a querer insultar os seus colegas de trabalho, ainda que por brincadeira, o que não falta na língua portuguesa são insultos no masculino ou até “unissexo”. Não existindo, por isso, outra conclusão lógica a retirar da conduta do arguido – que, tendo visto escrito no espelho a palavra “porcos”, fez questão de lhe aditar o “putas e”, assim “compondo” a expressão e parecendo até não querer que houvesse dúvidas sobre os seus destinatários - que não seja a de que o seu alvo eram os assistentes, entre os quais se contava a única mulher, ou seja, a assistente CC (havia empregadas de limpeza mulheres mas não seriam certamente estas que o arguido queria atingir). O facto enunciado no ponto 9 assentou nas declarações da assistente, conjugada com as regras da normalidade e da experiência comum. Quanto à situação económica, profissional e familiar do arguido valoraram-se as suas declarações. Relativamente à ausência de antecedentes criminais do arguido atendeu-se ao certificado junto aos autos a fls. 272. A matéria constante da acusação particular e do pedido de indemnização civil que não consta nem do elenco dos factos provados nem dos não provados é conclusiva ou irrelevante para a decisão a proferir, motivo pelo qual a ela não se fez referência. (…)» IV 1. – Vem o arguido e recorrente alegar que a sentença recorrida padece de nulidade, por falta de fundamentação, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, s), do Código de Processo Penal. Alega que dessa sentenças não consta o exame crítico da prova, pois nela se valora mais o depoimento da ofendida do que a restante prova testemunhal e documental, sem que se indique a razão para tal. Vejamos. O arguido e recorrente confunde a invocação da falta ou insuficiência de fundamentação com a manifestação de discordância quanto à fundamentação. Que ele discorde do facto de na sentença recorrida se valorar mais o depoimento da ofendida do que o seu próprio depoimento não significa, obviamente, que se verifique alguma falta ou insuficiência de fundamentação. E também não pode dizer-se que nessa sentença se omite a indicação da razão pela qual se considera esse depoimento mais credível do que o do arguido. Também neste aspeto, é diferente a invocação dessa omissão da manifestação de discordância quanto a essa razão (e é isto que faz o arguido e recorrente). Convém salientar, a este respeito, que na apreciação da credibilidade de um depoimento podem influir decisivamente fatores dependentes da imediação (assim se verifica neste caso), da qual nesta sede estamos privados. Nessa medida, não nos cabe colocar em causa, nesta sede, esse juízo de credibilidade. Assim, deverá ser negado provimento ao recurso quanto a este aspeto. IV 2. – Vem o arguido e recorrente alegar que a sentença recorrida padece de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, a), do Código de Processo Penal. Alega que a prova produzida não permite concluir que ele tenha praticado os factos por que foi condenado. Vejamos. Como decorre do invocado n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, o vicio em questão deverá resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Não se trata, pois, de impugnar a decisão sobre a prova (como faz o arguido e recorrente), mas de verificar se os factos considerados provados são, ou não, suficientes para a decisão de condenação ou absolvição. Também neste aspeto, se nota alguma confusão na motivação do recurso. Assim, deverá ser negado provimento ao recurso também quanto a este aspeto. IV 3. – Vem o arguido e recorrente alegar que a sentença recorrida padece de contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão, nos termos da alínea b) do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Alega que a prova produzida não permite concluir que ele tenha praticado os factos por que foi condenado. Vejamos. Como também decorre do invocado n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, o vicio em questão deverá resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Também neste aspeto, o arguido e recorrente confunde a manifestação de discordância quanto à decisão sobre a prova com o invocado vício de contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão. Não se verifica qualquer dessas contradições, independentemente do juízo que possa merecer o sentido dessa decisão sobre a prova. Assim, deverá ser negado provimento ao recurso também quanto a este aspeto. IV 4. – Vem o arguido e recorrente alegar que a sentença recorrida padece, também à luz do princípio in dubio pro reo, de erro notório na apreciação da prova, nos termos da alínea c) desse mesmo artigo 410.º, n.º 2, devendo ele ser absolvido dos crimes de difamação por que foi condenado e, consequentemente, dos pedidos de indemnização civil contra ele formulados. Alega que não há motivos para valorar mais (como faz a sentença recorrida) o depoimento da ofendida (que afirmou ter ouvido a confissão dele quanto à autoria dos escritos ofensivos em causa, que se dirigiam a ela e aos outros dois ofendidos, os três gerentes da sociedade para a qual ele trabalhava) do que o seu próprio depoimento (onde negou veementemente a autoria desses escritos) e do que o depoimento das testemunhas inquiridas e seus colegas de trabalho (que afirmaram ter ouvido dizer a ele que tais escritos não eram dirigidos aos ofendidos). Alega que não são suficientes como indício de que seja ele o autor desses escritos as circunstâncias de contra ele ter sido instaurado processo disciplinar (no âmbito do qual apresentou a sua defesa) e de não ter ficado satisfeito com a alteração dos seus horários de trabalho (como não ficaram outros seus colegas). Alega que nada permite concluir que os escritos ofensivos em causa fossem dirigidos aos ofendidos, gerentes da sociedade para a qual trabalhava, sendo que a expressão, no feminino, que seria dirigida à ofendida, está escrita no plural quando esta é a única mulher que integra a gerência dessa sociedade. Vejamos. Está em causa um eventual erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410º, nº 2, c), do Código de Processo Penal, vicio que também deverá resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Não estamos, pois, quanto a este aspeto, perante a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 412.º, n.º 3, do Código de Processo Penal (a chamada “revisão ampla”). Constitui erro notório de apreciação da prova a violação de regras da lógica e da experiência comum que não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio (ver, neste sentido, entre muitos outros, o acórdão do S.T.J. de 9 de fevereiro de 2005, proc nº 04P4721, relatado por Henriques Gaspar, in www.dgsi.pt). Como já acima afirmámos, a questão da análise da maior valoração do depoimento da ofendida no confronto com a valoração do depoimento do arguido e dos depoimentos de outras testemunhas, entra no âmbito da impugnação da decisão sobre a prova, nos termos do artigo 412.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, não constitui algum vício que decorra do próprio texto da sentença recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não entra, pois, no âmbito do erro notório da apreciação da prova, vício a que se reporta o artigo 410.º, n.º 2, c), do Código de Processo Penal. E, como também já acima afirmámos, para essa análise contam fatores dependentes da imediação, da qual nesta sede estamos privados. É certo que não são suficientes como indício de que seja o arguido e recorrente o autor dos escritos ofensivos em apreço as circunstâncias de contra ele ter sido instaurado processo disciplinar e de ele não ter ficado satisfeito com a alteração dos seus horários de trabalho. Que ele tivesse motivos para estar revoltado contra os ofendidos, responsáveis por tais decisões, não permite concluir, por si só, que tenha sido ele o autor desses escritos. A sentença recorrida não considerou, porém, decisivas tais circunstâncias. Baseou-se, fundamentalmente, no depoimento da ofendida, que afirmou ter ouvido o reconhecimento pelo arguido da autoria dos escritos ofensivos em causa, que se dirigiam (segundo as declarações dele) a ela e aos outros dois ofendidos, os três gerentes da sociedade para a qual ele trabalhava. Suscita-se, a este respeito (e também a respeito dos depoimentos de outras testemunhas quanto ao que ouviram dizer ao arguido) uma questão que não foi analisada na fundamentação da sentença recorrida, nem na motivação do recurso. Estamos perante um depoimento indireto relativo a declarações prestadas pelo arguido, um depoimento sobre o que se ouviu dizer ao arguido. Pode questionar-se se estaremos perante um depoimento admissível e sujeito a livre valoração, perante uma situação a que deva aplicar-se, com as devidas adaptações, o regime do artigo 129.º do Código de Processo Penal (diretamente aplicável apenas a depoimentos do que se ouviu dizer a outras eventuais testemunhas) ou perante prova proibida. Com sólidos argumentos, pronuncia-se no sentido da admissibilidade Carlos Adérito Teixeira in “Depoimento Indirecto e Arguido: Admissibilidade e Livre Valoração versus Proibição de Prova”, Revista do CEJ, 1º semestre 2005, nº 2, pgs 127 e segs. E essa admissibilidade e valoração não está condicionada pela confirmação pelo próprio arguido em audiência do que uma testemunha a ele possa ter ouvido dizer (assim, op. cit, pgs.140 e 141). Mas, independentemente desta questão (que não seria, por si, obstáculo à valoração do depoimento da ofendida quanto ao que ouviu dizer ao próprio arguido), outro motivo leva a concluir que o arguido não poderá ser condenado pelos crimes de difamação por que vinha acusado. Do depoimento da ofendida poderá concluir-se que o arguido terá sido autor dos escritos em causa (um diretamente, outro indiretamente) e que terá sido sua intenção com eles atingir a honra e consideração social dos ofendidos. Mas isso não será suficiente para o condenar pelos crimes de difamação por que vinha acusado. Porque, segundo a velha máxima de Ulpiano, cogitationis poena nemo patitur (não são puníveis os simples pensamentos), não basta que se prove que o arguido, ao proferir por escrito determinadas expressões ofensivas tinha a intenção de com elas atingir a honra e consideração social dos ofendidos. A esse facto subjetivo devem corresponder factos objetivos. Por um lado, que o conteúdo dessas expressões seja objetivamente ofensivo (questão que não suscita quaisquer dúvidas, neste caso). Mas também, por outro lado, que se verifiquem, pelo conteúdo das expressões e pelo contexto em que são proferidas, dados objetivos que permitam concluir que tais expressões eram dirigidas aos ofendidos. Forçoso será que, uma vez que estaremos perante crimes de difamação, que supõem a sua prática perante terceiros, as pessoas que possam ler os escritos em causa os associem aos ofendidos como visados. Ora, isso não se verifica na situação em apreço. Nada permite concluir, objetivamente (isto é, independentemente do que possa ter sido a intenção, confessada ou não, do autor desses escritos) que as palavras “porcos e putas”, escritas no espelho de uma casa de banho frequentada pelos homens trabalhadores de uma empresa fossem dirigidas aos gerentes dessa empresa. Tanto mais que, como salienta o arguido e recorrente, a expressão, no feminino, que seria dirigida à ofendida, está escrita no plural, sendo que esta é a única mulher que integra a gerência dessa sociedade. Há que considerar, a este respeito, o seguinte. O facto de as expressões em causa serem objetivamente (independentemente da intenção do arguido, pois) dirigidas aos ofendidos não consta sequer da acusação (desta consta apenas essa intenção). Por imposição do princípio acusatório e do princípio (seu corolário) da vinculação temática, nunca esse facto poderia, de qualquer modo, ser considerado provado na sentença, sob pena de nulidade desta, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, b), do Código de Processo Penal. O recurso ao artigo 358.º deste Código também não permitiria suprir tal lacuna, pois estamos perante a omissão de factos constitutivos dos crimes imputados aos arguidos (assim, a tese subjacente no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 1/2015) Deve, pois, ser dado provimento ao recurso. O arguido e recorrente deverá ser absolvido dos três crimes de difamação por que foi vinha acusado e foi condenado, assim como dos três pedidos de indemnização a esses crimes relativos e contra ele formulados. Não há lugar a custas (artigo 513.º n.º 1, a contrario, do Código de Processo Penal) V – Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso, absolvendo o arguido dos três crimes de difamação por que foi vinha acusado e foi condenado, assim como dos três pedidos de indemnização civil a esses crimes relativos e contra ele formulados Notifique. Porto, 28 de setembro de 2022(processado em computador e revisto pelo signatário) Pedro Vaz Pato Eduarda Lobo Castela Rio

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