Nem antes nem depois do DL 176/2006, de 31 de Agosto, foi atribuída ao INFARMED competência para apreciar questões relacionadas com os direitos de propriedade industrial referentes aos medicamentos de referência que possam ser afectados pela introdução no mercado de medicamentos genéricos com o mesmo princípio activo.
Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo I- RELATÓRIO 1. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou procedente a acção administrativa especial – movida por A……., L.DA, contra INFARMED-AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE, IP., – de impugnação do acto de autorização de introdução no mercado (AIM) do medicamento genérico contendo como substâncias activas Losortan e Hidroclorotiazida a favor B………, tendo anulado consequentemente o acto impugnado. 2. Interposto recurso, o TCA-Sul, por acórdão proferido, em 06-12-2012, (fls. 1675-1687) considerando que com a entrada em vigor da L. 62/2011, de 12/12, deixou de existir fundamento jurídico para a pretensão do A., “em face da extinção de fundabilidade jurídica de um dos interesses em conflito e consequente inutilidade superveniente da lide”, julgou extinta a instância. 3. A……., L.DA, interpôs recurso de revista excepcional, ao abrigo do artº150º do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, terminando as suas alegações de recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES: “A. O presente recurso de revista vem interposto do douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul que julgou pela inutilidade superveniente desta lide; B. A Recorrente fundamenta a interposição do recurso de revista, neste caso, tanto no pressuposto de que a admissão do presente recurso é “claramente necessária para uma melhor aplicação do direito “, como também no pressuposto contemplado no número 1 do artigo 150.º do CPTA relativo à existência de uma “questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se [reveste] de importância fundamental”; C. A admissão do recurso de revista justifica-se, desde logo, por estar em causa uma questão de relevo jurídico e importância fundamental, relacionada com a conformação do princípio tempus regit actum, já que, apesar de o Tribunal a quo ter vindo reconhecer que a lei aplicável ao ato impugnado e à apreciação da respetiva validade era a vigente à data da sua prática — o DL 72/91 —, o certo é que, com fundamento na suposta circunstância de a “situação jurídica de execução duradoura” de que beneficiava a Autora ter produzido efeitos na vigência da lei que veio substituir aquela, o Tribunal a quo, em patente afastamento do principio acima referido, decidiu o processo e pronunciou-se pela inutilidade superveniente da lide com base na nova lei; D. Semelhante decisão, para além de contrária à jurisprudência estabilizada deste Supremo Tribunal, levanta evidentes problemas em face do princípio da tutela jurisdicional efetiva dos direitos dos particulares e dos princípios da segurança e certeza jurídicas, designadamente porque inutiliza a pretensão anulatória de quem, como a A……., foi lesada por um ato administrativo que foi reconhecidamente praticado e produziu efeitos ao abrigo de uma determinada lei, por entender que uma lei posterior teria consagrado solução diversa e teria deixado de tutelar a posição jurídica da Autora; E. Em segundo lugar, a admissão do recurso de revista justifica-se para melhor aplicação do direito também porque a controvérsia aqui em discussão tem inequívoca capacidade de expansão para outros processos, designadamente as outras dez ações intentadas pela A…… que são em tudo semelhantes à presente ação, nas quais esta impugnou inúmeros atos administrativos de AIM de medicamentos genéricos como aquele que está em causa nos autos, isto é, praticados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 72/91 e que padecem das mesmas ilegalidades que foram imputadas ao ato sub iudice; E. Em terceiro lugar, e por último, o recurso de revista ora interposto deve ser admitido porque estão aqui cm discussão a interpretação, aplicação e inconstitucionalidade das normas do DL 176/2006 e da L 62/2011, que constituem matérias que revestem especial complexidade e fundamental importância jurídica e social e constituem questões importantes para melhor aplicação do direito, como, de resto, foi já expressamente reconhecido por este Supremo Tribunal Administrativo; G. A validade de qualquer ato administrativo afere-se pela lei em vigor à data da sua prática, que no caso dos autos era o referido Decreto-Lei n.º 72/91, e mais concretamente os artigos 19.º, n.º 1, al. b) e 20.º desse diploma, que impunham expressamente como pressuposto da atribuição de uma AIM a um medicamento genérico a caducidade dos “(...) direitos de propriedade industrial relativos às respectivas substâncias activas ou processos de fabrico”, tendo a A……. sustentado a ilegalidade do ato aqui impugnado, designadamente e entre outros motivos, por violação destas últimas normas; H. O ato impugnado, tendo sido praticado em 18 de Outubro de 2005, produziu efeitos e habilitou a Contrainteressada que dele foi beneficiária a introduzir no mercado e a comercializar o Genérico Autorizado antes da entrada em vigor do DL 176/2006, pelo que a pretensão anulatória da A…….. se constituiu ao abrigo do DL 72/91, devendo a validade do ato impugnado, em aplicação do princípio tempus regit actum, tal como este é pacificamente configurado pela jurisprudência deste STA, ser apreciada à luz desse diploma, não existindo qualquer inutilidade superveniente da lide por decorrência da entrada em vigor do DL 176/2006 ou da Lei 62/2011, improcedendo o decidido em sentido contrário pelo Tribunal a quo; I. Não tem qualquer aplicação ao caso dos autos o artigo 8.º da L 62/2011 referido no Acórdão recorrido e que dispõe sobre autorização de preços de medicamentos, que é um regime que nada tem que ver com o que se discute neste processo; J. Mesmo que o acima exposto não fosse procedente, o que se alega sem conceder, pelo menos entre a data da prática do ato de AIM impugnado nos autos e a entrada em vigor do Novo Estatuto do Medicamento, aquele ato produziu efeitos e habilitou juridicamente a Contrainteressada a introduzir no mercado e a comercializar o Genérico Autorizado, em violação dos direitos e interesses legalmente protegidos da A……, no quadro do DL 72/91 que era aquele que estava em vigor; K. Pelo menos considerando esse período de tempo, em que é indiscutível, mesmo para o Tribunal recorrido, que a posição substantiva da A…….. se mantinha incólume, a ora Recorrente tem todo o interesse em obter uma sentença de anulação ou declaração de nulidade do ato aqui impugnado, que a habilite, posteriormente e em consequência dela, a ver a sua posição jurídica reconstituída, possibilitando assim o seu ressarcimento pelos efeitos lesivos e pelos prejuízos que lhe foram causados pelo ato impugnado durante o período em que o DL 72/91 esteve em vigor; L. Se se permitisse que eventuais alterações legislativas posteriores “legalizassem” os efeitos lesivos produzidos por um ato anterior na esfera jurídica dos interessados, impossibilitando-os de impugnar esse ato que violou a lei anterior e os lesou, estar-se-ia a violar o princípio constitucional da tutela judicial efetiva dos direitos dos particulares e os princípios da segurança e certeza jurídicas; M. Os artigos 12º, n.º 2, do Código Civil, e o artigo 287º, alínea e), do Código de Processo Civil, se interpretados conjugadamente no sentido de que haverá inutilidade superveniente da lide quando, no decurso de ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo que foi praticado e produziu efeitos lesivos ao abrigo da lei em vigor à data da sua prática, entre em vigor nova lei substantiva que, alegadamente, altere o quadro de pressupostos de facto e de direito cuja violação é assacada ao ato impugnado, são inconstitucionais, por violação do direito fundamental à tutela judicial efetiva dos direitos e interesses dos particulares, consagrado nos artigos 20º, n.º 1 e 268º, nº4, da Constituição; N. Contrariamente ao sustentado pelo Tribunal a quo, a posição substantiva da A….. nestes autos não foi posta em causa, não sendo correta a aplicação do artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil; O. Ao decidir erradamente pela inutilidade superveniente da lide, a decisão tomada no Acórdão recorrido viola não apenas o artigo 287.º, alínea e) do Código de Processo Civil, dado inexistir aqui qualquer situação de inutilidade superveniente, como também os artigos 19.º e 20.º do DL 72/91, violando concomitantemente a posição jurídica da ora Recorrente constituída ao abrigo dessas normas, ocorrendo igualmente violação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 12.º do Código Civil; P. A L 62/2011 não pode ser invocada contra a pretensão da A…… nestes autos, sendo que o entendimento sustentado pelo Acórdão recorrido de que os artigos 25º, n.º 2 e 179º, n.º 2, do DL 176/06, na redação conferida pela Lei 62/2011, e o artigo 8.º, n.º 3 e 4, desta última Lei (que nem sequer é aqui aplicável), conteriam uma proibição absoluta de que o INFARMED aprecie, no contexto dos atos administrativos de AIM, a eventual violação de direitos de propriedade industrial, torna essas normas, nessa interpretação, inconstitucionais; Q. O Tribunal a quo errou ao considerar que os artigos 25º, n.º 2 e 179.º, n.º 2, do DL 176/2006, na redação conferida pela Lei 62/2011, e o artigo 8º, n.º 3 e 4, desta última Lei, extinguiriam a “fundabilidade jurídica” do interesse da A……. nos autos, uma vez que esta, mesmo depois da entrada em vigor dessas normas, e sob pena de inconstitucionalidade das mesmas, continuou a poder defender e fazer valer os seus direitos de propriedade industrial no âmbito de um procedimento de AIM, continuando o INFARMED constitucional e legalmente obrigado a não conceder uma AIM a um medicamento genérico que viole direitos de propriedade industrial de terceiros, in casu da ora Recorrente; R. Os artigos 25º, n.º 2 e 179.º, n.º 2, do DL 176/2006, na redação conferida pela Lei 62/2011, e o artigo 8.º, n.º 3 e 4, desta última Lei, se interpretados como foram pelo Acórdão recorrido, são inconstitucionais, por violação, nomeadamente, dos artigos 17.º, 18.º, 62º, n.º 1 e 266.º, números 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, devendo este Tribunal ad quem recusar a sua aplicação com fundamento em inconstitucionalidade, revogando a decisão recorrida e ordenando o prosseguimento dos autos por inexistir qualquer inutilidade superveniente da lide; S. A norma do artigo 9.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2011 é, também, inconstitucional pois que, ao atribuir natureza interpretativa às normas da mesma Lei, procura o objetivo de lhes atribuir efeito retroativo, com vista a atingir situações criadas ao abrigo de leis pré- existentes; T. Tal desiderato não pode, neste caso, ser atingido sem violação da Constituição, que, no seu artigo 18º, n.º 3, proíbe a atribuição de efeito retroativo a normas restritivas de direitos, liberdades e garantias; U. O artigo 9.º da Lei n.º 62/2011 encontra-se ferido também de inconstitucionalidade por uma invasão da reserva da função judicial pelo poder legislativo, violando os princípios constitucionais da separação de poderes e do Estado de Direito; V. Também por estes motivos não podia o Tribunal a quo ter concluído pela inutilidade superveniente da lide a partir de 31.08.2006, data da suposta entrada em vigor dos artigos 25.º e 179.º do DL 176/2006, na redação conferida pela Lei n.º 62/2011, devendo a decisão tomada ser revogada também quanto a este aspeto. Nestes termos, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso de revista ser admitido e considerado procedente, e consequentemente, deve ser revogado o Acórdão recorrido, com todas as demais legais consequências.” 4. A Recorrida apresentou Contra-alegações, com as seguintes CONCLUSÕES: “1. Tal como foi apreciado em sede de recurso pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 10.07.2007 ocorreu a caducidade da patente n.º 85312 concedida sobre a substância activa em causa nos presentes autos. 2. Foi dado como provado pelo Tribunal a quo que “o limite máximo de vigência” da Patente invocada pela Recorrida (PT85312) era o dia 10 de Julho de 2007 (alínea N) dos factos dados como provados). 3. Não existe qualquer fundamento para o prosseguimento dos presentes autos por falta de interesse processual da Recorrente. 4. Após o dia 10 de Julho de 2007, perante o conhecimento da caducidade da PT85312 poderia ser declarada a inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 287, al. e) do Código de Processo Civil. 5. O Tribunal recorrido concluiu que: “(..,) torna a Lei 62/2011 aplicável ao caso dos autos embora o especifico acto administrativo de AIM tenha sido emitido em 18.10.2005 ao abrigo do regime de autorização de introdução no mercado, fabrico, comercialização e comparticipação de medicamentos de uso humano estabelecido na DL 72/91 de 08.02, diploma revogado e substituído pelo DL 176/2006 de 30.08 naquelas matérias.” 6. O Tribunal recorrido aplicou assim ao presente caso o artigo 12º, n.º 2 do Código Civil, nos termos do qual “(...) mas, quando dispuser directamente sabre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo das factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.”. 7. Nesse mesmo sentido concluiu o Tribunal Central Administrativo Sul nos acórdãos proferidos no dia 6 de Dezembro de 2012, nos processos n.º 03888/08 e, n.º 04736/09. 8. A questão da interpretação e da aplicabilidade da Lei n.º 62/2011 foi uniformizada pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 771/12, proferido no dia 9 de Janeiro de 2013. 9. Na sequência do Acórdão acima citado, vários Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo foram proferidos no mesmo sentido. 10. No dia 12 de Dezembro de 2011, foi publicada a Lei nº 62/2011, que criou um regime de composição dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos, procedendo à quinta alteração ao Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, e à segunda alteração ao regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 48-A/2010, de 13 de Maio. 11. Essa Lei entrou em vigor no dia 17 de Dezembro de 2011. 12. O referido diploma estabeleceu diversas alterações ao Estatuto do Medicamento, aprovado pelo Decreto-Lei 176/2006, de 30 de Agosto, adicionando, designadamente, os artigos 19º, nº 8, 25º, nº 2, e 179º, nº2. 13. Uma vez que a Lei nº 62/2011 já entrou em vigor, o “bloco de legalidade” deverá, ser necessariamente ser entendido no sentido de que os actos que aprovam as AIM para medicamentos genéricos não são susceptíveis de ser contrários a direitos de propriedade industrial, nem podem ser recusados, suspensos ou alterados por causa de tais direitos. 14. A discussão nos presentes autos prende-se com a mera alegação de que os actos de administrativos em análise conduzirão necessariamente à violação da patente. 15. Sucede que a Lei 62/2011 determina que as AIM e os PVP dos medicamentos genéricos não são contrárias aos direitos relativos a patentes ou a certificados complementares de protecção de medicamentos de referência e não podem ser alterados, suspensos ou revogados com fundamento na eventual invocação de tais direitos contra os referidos actos administrativos. 16. Ao longo das alegações de recurso, a Recorrente vai-se louvando num Parecer emitido pelo Professor José Joaquim Gomes Canotilho em 15 de Março de 2012. 17. Existem contradições evidentes entre o Parecer junto aos autos pela Recorrente e o Parecer emitido a pedido da APOGEN, ambos subscritos pelo Professor José Joaquim Gomes Canotilho. 18. A Lei n.º 62/2011 apenas veio clarificar o sentido das normas do Estatuto do Medicamento (EM) e da legislação relativa à formação de preços em relação às quais a jurisprudência não estava uniformizada. 19. Integrando-se a lei interpretativa na lei interpretada, por força do disposto no artigo 13.º do Código Civil, e produzindo os seus efeitos desde a data da entrada em vigor do Estatuto do Medicamento, é forçoso concluir que o regime aprovado pela Lei n.º 62/2011 aplica-se aos autos sub judice. 20. Os processos de concessão de AIM e de aprovação do PVP não têm por objecto a apreciação da existência de eventuais direitos de propriedade industrial e a decisão do Infarmed de concessão da AIM ou da DGAE quanto à aprovação de PVP não é contrária aos direitos de patente. 21. Na verdade, o problema relacionado com a violação da patente deve ser apreciado no momento da comercialização efectiva do medicamento e não na fase administrativa da concessão da AIM ou da aprovação do PVP. 22. Existem outros meios de reacção, quer na lei adjectiva quer na lei substantiva, contra a violação dos direitos de patente mais adequados ao sentido visado pela Recorrente. 23. É evidente que a Lei 62/2011 não afecta ou viola nenhum direito fundamental e que a Recorrente passou até a ter meios mais adequados, rápidos e eficientes à tutela dos seus direitos de propriedade industrial. 24. Ao contrário do que pretende a Recorrente, as normas da Lei 62/2011 indicadas pela Recorrente não padecem de qualquer inconstitucionalidade. Termos em que deve o presente recurso ser considerado improcedente, assim se fazendo a costumada Justiça!” 5. A revista foi admitida por acórdão da formação deste STA a que alude o nº5 do artº 150º do CPTA, onde se conclui nos termos seguintes: “(…) A admissão da revista para melhor aplicação do direito terá lugar, designadamente, e segundo a referida jurisprudência, quando, em face das características do caso concreto, ele revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros, e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou quando suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios, assim fazendo antever como objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema. 2.3. O problema substancial que a acção interposta no presente processo convoca encontra-se presentemente com solução consolidada neste Supremo Tribunal Administrativo, quanto a todas as autorizações de introdução no mercado que ocorreram na vigência do DL 176/2006, de 30.8. Essa consolidação realizou-se através do acórdão de 09.01.2013, no processo n.º 771/12 (publicado em DR, 1ª Série, 29.1.20013, como Acórdão n.º 2/2013). Ocorre que no presente caso a autorização controvertida ocorreu ainda sob a vigência do DL 72/91, de 8.2. Depois, como se vê daquele acórdão nele julgou-se o mérito da acção, enquanto no acórdão recorrido se decidiu existir inutilidade superveniente da lide. Essas duas diferenças são de molde a justificar a admissão da revista pois que interessará obter também a posição deste Supremo nesse quadro, sendo manifestamente relevante a matéria em causa. 3. Pelo exposto, admite-se a revista”. 6. Cumprido o artº146º do CPTA, o MP emitiu parecer /fls. 2083/4), onde se conclui que “(…) merecem provimento o recurso e a ação, segundo nos parece”. 7. Colhidos os vistos legais, cabe apreciar e decidir. II- OS FACTOS 1. O acórdão recorrido deu por reproduzida a seguinte factualidade: “A. Por despacho datado de 05/12/1995, praticado pelo Infarmed, foi concedida à A……., LDA a autorização de introdução no mercado do medicamento denominado "Cozaar", na dosagem de 50 mg cuja substância activa é o Losartan - cfr. cópia do certificado junto como doc. 1, junto à petição inicial; B. A autorização precedente foi renovada por despacho de 11/07/2005 do » Director de Direcção de Medicamentos e Produtos de Saúde, no uso de competência subdelegada até 02/03/2010-cfr. doc. 1, junto à p.i.; C. Por deliberação datada de 18/04/2002 do Conselho de Administração do Infarmed foi concedida à A……... a autorização de introdução no mercado do medicamento denominado "Cozaar", na dosagem de 100 mg cuja substância activa é o Losartan - cfr. cópia do certificado junto como doc. 2, junto à petição inicial; D. A autorização precedente foi renovada por despacho de 11/07/2005 do Director de Direcção de Medicamentos e Produtos de Saúde, no uso de competência subdelegada até 02/03/2010 - cfr. doc. 2, junto à p.i.; E. Por deliberação datada de 02/07/2007 do Conselho de Administração do Infarmed foi concedida à A……. a autorização de introdução no mercado do medicamento denominado "Cozaar Plus". cuja substância activa é o Losartan e hidroclorotiazida - cfr. cópia do certificado junto como doc. 3. junto à petição inicial; F. A autorização precedente foi renovada por despacho de 24/10/2002 da Directora Operacional de Farmacovigilância e Segurança de Medicamentos e Produtos de Saúde, no uso de competência subdelegada - cfr. doc. 3, junto à p.i.; G. A ora Contra-interessada, B…….. apresentou no INFARMED requerimento em que solicitou ao abrigo da alínea c) do artº 7º do DL nº 72/91, que lhe fosse concedida Autorização de Introdução no Mercado para o medicamento "Losartan + Hidroclorotiazida Cliutex 50 mg + 12,5 mg", que foi concedida em 18/10/2005 - cfr. doc. 4, junto com a p.i.; H. Do certificado de AIM emitido encontra-se classificado como "Medicamento Genérico" - cfr. proc. adm,; I. Para instrução do referido pedido a ora Contra-interessada juntou vários elementos, de entre os quais. Declarações em como o medicamento cuja AIM requer tem a mesma composição qualitativa e quantitativa em substância activa que o Cozaar PIus comercializado pela empresa A…….., Lda.. tendo junto informação sobre o mesmo constante do sítio www.inianncd.pt-cfr. proc. adm.: J. Em 12/08/2005 a ora Autora dirigiu exposição/requerimento ao Infarmed, insurgindo-se contra a prática do acto ora impugnado - cfr. docs. 6 e segs., juntos com a p.i.: K. Em sequência, o Infarmed emitiu projecto de decisão de indeferimento da reclamação, notificando a Autora para se pronunciar em audiência prévia, nos termos constantes do doc. 12, junto com a p.i., para que se remete e se considera integralmente reproduzido; L. No decurso do procedimento administrativo de Autorização de Introdução no Mercado do medicamento genérico a favor da ora Contra-interessada o Infarmed não promoveu a audiência ou participação da ora Autora, nem verificou a existência/caducidade de direitos de propriedade industrial - Confissão (cfr. artºs 186º da contestação do Infarmed, constante no vol. III); M. A Autora instaurou a presente acção administrativa especial em 25/01/2006 - cfr. SITAF; N. Em 13/12/2005, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial emitiu uma certidão, referente à "Patente de Invenção nº 85312", onde se pode ler: "1 - Dados Bibliográficos: Nome/Morada: C………..., com sede em (...) Epígrafe: "Processo para a preparação de Imidazois Bloqueadores dos Receptores de Angiolemina II e de Composições Farmacêuticas que os contém " Data do pedido: 1987 07.10 2 - Estado do Processo: a) Publicação do Pedido: BPI nº 1/1988, publicado em 1988.07.29 b) Publicação do Despacho: BPI nº 10/1989, publicado em 1990.04.30 Data do Despacho 1989.10.09 3 -Averbamentos: Licença de Exploração Exclusiva em: 2003/20/07 Para: A’……., Licença de Exploração em 2003/10/07 Para: A’’…………. (-) Licença de Exploração e m 2003/10/07 Para: A………….., Lda. (-) 4 – Validade Número de anuidades pagas: 17, está em vigor até 2006.10.10 Limite máximo de vigência: 2007.07. 10 (...)" - doc. 13 junto com a a p.i..” II – O DIREITO 1. A………, Lda., intentaram acção administrativa especial contra Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP, impugnando o acto de autorização de introdução no mercado (AIM) do mediamento genérico contendo como substâncias activas Losortan e Hidroclorotiazida, a favor de B………., Lda, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente e anulou o acto impugnado. Inconformados, B………., Lda. e Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP, recorreram para o Tribunal Central Administrativo Sul, que julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide. Para esse efeito ponderou-se, entre o mais, que: “Com a entrada em vigor da Lei 62/2011 de 12.12, lei interpretativa por declaração expressa no texto do citado diploma, foram introduzidas alterações de natureza substantiva ao DL 176/06 de 30.08 que se referem especificamente, por via ablativa, aos pressupostos da competência concreta na matéria legalmente confiada ao Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP para efeitos de prática de actos de AIM e de registo de AIM atribuída em procedimento europeu, bem como da Direcção Geral das Actividades Económicas (DGAE) em matéria de actos de aprovação dos PVP. Dispõe o artº 13º nº 1 CC que a lei interpretativa se integra na lei interpretada, o que significa que contém em si um comando de retroactividade, cujos reflexos esclarecedores sobre o ponto duvidoso fundado nas divergências sustentadas pela interpretação doutrinal, se hão-de fazer sentir sobre os casos que ainda se encontrem em aberto.(…) A nova injunção dos artºs. 25º nº 2 e 179º nº 2 DL 176/06 introduzida pela Lei 62/2011 de 12.12, com natureza interpretativa veio fixar com carácter inovatório o âmbito de competência do Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP em matéria de AIM de medicamentos genéricos e de actos de registo de AIM de medicamento genérico concedida em procedimento europeu.(…) De todo o exposto decorre que, no âmbito dos procedimentos administrativos, a nova lei veio expressamente arredar, em sede de fundamentação dos actos administrativos de indeferimento do pedido de AIM (artº 25º nº 2, DL 176/06) de alteração, suspensão ou revogação de AIM ou registo (artº 179º nº 2 DL, 176/06) e de autorização de PVP bem como da sua alteração, suspensão ou revogação (artº 8º nºs 3 e 4, Lei 62/2011), o argumento jurídico fundado “na eventual existência de direitos de propriedade industrial”. Tal implica, necessariamente, que a causa de pedir em sede contenciosa impugnatória não pode valer-se desse mesmo motivo de invalidade do acto em ordem a substanciar e obter ganho de causa no pedido da sua anulação ou declaração de nulidade. Por seu turno o artº 2º da Lei 62/2011 instituiu o foro arbitral necessário - nas duas modalidades de arbitragem, a institucionalizada e a ad hoc -, em matéria de “litígios emergentes de direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, relacionados com medicamentos de referência … e medicamentos genéricos”, independentemente do tipo de patente /CCP presente no caso concreto. Do que vem dito decorre, no que importa aos processos pendentes, que a nova redacção introduzida nos artºs 25º nº 2 e 179º nº 2, DL 176/06 e o novo artº 8º nºs. 3 e 4, Lei 62/11, os dois primeiros com efeitos retroagidos à data da entrada em vigor da lei interpretada (DL 176/2006 de 30.08), afecta a posição substantiva de fundo que o Autor pretende fazer valer em juízo, em face da extinção de fundabilidade jurídica de um dos interesses em conflito e consequente inutilidade superveniente da lide por extinção da causa (artº 287º e) CPC). “(…) Ou seja, independentemente de a Lei 62/2011 de 12.12 ser posterior à verificação em 10.07.2007 do termo da validade da patente nº 85312, a circunstância relevante do ponto de vista jurídico é que a lei interpretada (DL 176/2006) passa a valer com o sentido expresso pela lei interpretativa (Lei 62/2011) desde a entrada em vigor daquela em 31.08.2006; o que, por este enquadramento, torna a Lei 62/2011 aplicável ao caso dos autos embora o específico acto administrativo de AIM tenha sido emitido em 18.10.2005 ao abrigo do regime de autorização de introdução no mercado, fabrico, comercialização e comparticipação de medicamentos de uso humano estabelecido no DL 72/91 de 08.02, diploma revogado e substituído pelo DL 176/2006 de 30.08 naquelas matérias. (…). Aplicando o exposto ao caso dos autos, conclui-se como afirmado supra, que no tocante aos processos pendentes, a nova redacção introduzida nos artºs 25º nº 2 e 179º nº 2, DL 176/06 e o novo artº 8º nºs. 3 e 4, Lei 62/11, os dois primeiros com efeitos retroagidos a 31.08.2006, data da entrada em vigor da lei interpretada (DL 176/2006 de 30.08), afectam a posição substantiva de fundo que o Autor pretende fazer valer em juízo, em face da extinção de fundabilidade jurídica de um dos interesses em conflito e consequente inutilidade superveniente da lide por extinção da causa, nos termos previstos no artº 287º e) CPC. Isto porque de 31.08.2006 em diante o DL 176/06 passou a valer com o sentido expressamente atribuído pela lei interpretativa (Lei 62/2011) e, consequentemente, alterando o quadro de pressupostos, de facto e de direito, cuja violação é assacada ao acto administrativo da AIM de 18.10.2005. Na medida em que o elemento relevante aqui considerado na extinção da instância deriva dos efeitos da lei interpretativa no domínio da situação jurídica duradoura decorrente da patente nº 85312 em correlação com a AIM de 18.10.2005, temos que esses efeitos remontam a 31.08.2006 e, por isso, são anteriores ao termo de validade da patente em 10.07.2007. Deste modo, atento o critério doutrinário adoptado em matéria de aplicação de leis no tempo no âmbito da segunda parte do artº 12º nº 2, Código Civil, temos que a repercussão dos efeitos perduráveis decorrentes da patente nº 85312 no período que vai de 31.08.2006 a 10.07.2007 já cabe na órbita do DL 176/06 com o sentido interpretativo atribuído pela lei 62/2011, o que afecta negativamente a sustentação dos vícios assacados ao acto de AIM de 18.10.2005. Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em face da extinção de fundabilidade jurídica de um dos interesses em conflito pela entrada em vigor da Lei 62/2011 de 12.12 com efeitos retroagidos à data da entrada em vigor da lei interpretada (DL 176/2006 de 30.08), julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, cfr. artº 287º e) CPC.” Apesar de o acórdão recorrido se ter fundamentado em jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal, a revista foi admitida porquanto a jurisprudência fixada se baseou já na Lei nº 62/2011, quando o caso dos autos é anterior. A questão central é, por conseguinte, a de saber se é de aplicar aos autos aquela jurisprudência. 2. Acontece que sobre esta mesma questão já se pronunciou este Supremo Tribunal, no Acórdão de 24/10/2013, proc nº 562/13. Não vindo invocados argumentos capazes de alterarem a jurisprudência ali fixada, limitar-nos-emos a seguir aquele acórdão, onde ficou consignado o seguinte: “…1. Resulta do probatório que o INFARMED, em 12/Fev./96, concedeu à Recorrente a AIM do medicamento denominado FOSAMAX, na dosagem de 10mg e 70mg, cuja vigência expirava em 24/Fev./2012 e que, em 10/Março/2006, concedeu à D……….., L.da, a AIM do genérico do mesmo medicamento. E é este acto que ora vem impugnado com o fundamento de que, à data da sua prática, vigorava o DL 72/01 e que, por isso, era este o diploma aplicável à situação dos autos, por força do princípio tempus regit actum. Sendo assim, e sendo que, força do que nele se disciplina, o INFARMED estava obrigado, previamente à concessão de AIMs, a verificar se essa autorização não iria violar direitos de propriedade industrial de terceiros e de só nos casos de tal não acontecer é que poderia autorizar a introdução do genérico no mercado, o acto impugnado era ilegal não só porque aquele dever foi omitido como também porque o mesmo se traduz na violação do seu direito de propriedade. Fundamento que não convenceu o Tribunal recorrido. Por isso, as primeiras questões a resolver são (1) a de saber se a Recorrente tem razão quando defende que a situação que se nos apresenta tem de ser decidida de acordo com o que se disciplinava naquele DL 72/91 e, sendo a resposta positiva, (2) se esta atribuía ao INFARMED a obrigação de averiguar se a concessão de AIMs se iria traduzir na violação de direitos de terceiros relativos à propriedade industrial do medicamento de referência e de, só no caso de ter por certo a inexistência dessa violação, deferir a autorização de introdução do medicamento no mercado. Questões cuja resolução é essencial visto ser pacífico que a regularidade e validade dos actos tem de ser aferida em função do que se disciplina nas leis que lhe são contemporâneas de acordo com o princípio tempus regit actum. 2. O DL 72/91 regulava “a autorização de introdução no mercado, o fabrico, a comercialização e a comparticipação de medicamentos de uso humano” (seu art.º 1.º) e a sua confessada preocupação foi a de assegurar a protecção da saúde pública. Daí que nele se tivesse estatuído que a introdução de medicamentos no mercado carecia de autorização do Sr. Ministro da Saúde, ouvida a Direcção Geral de Assuntos Farmacêuticos (DGAF), a quem competia a instrução do respectivo processo (art.º 4.º/1), e que nele se regulassem pormenorizadamente os diversos trâmites do seu processamento, designadamente os relacionados com a identificação dos elementos a apresentar, com a formulação do pedido e com as características do medicamento (art.ºs 5.º e 6.º), com os ensaios que poderia ser necessário realizar, com o controlo laboratorial (art.ºs 6.º e 7.º), com os prazos a observar (art.º 9.º) e, ponto fundamental, com os motivos que podiam justificar o indeferimento desse pedido. Nesta conformidade, se fosse certo que a lei aplicável ao caso era o citado DL 72/91 e sendo certo, por outro lado, que a competência para conceder AIMs cabia ao Sr. Ministro da Saúde haveria que anular o acto impugnado não pelas razões invocadas pela Recorrente mas com o fundamento na incompetência do INFARMED para o proferir. Por isso, importa analisar se o procedimento de AIMs regulado naquele diploma não foi alterado posteriormente à sua publicação e se em função dessa alteração não passou a caber ao INFARMED a prática do acto cuja anulação se pede. E, portanto, se o acto impugnado não é ilegal por falta de competência do seu autor. No entanto, antes de se iniciar essa análise, importa desmontar desde já a tese que a Recorrente vem sustentando initio litis de que, no domínio daquele diploma, cumpria à entidade competente para conceder as AIMs averiguar se estas não iriam colidir com direitos de propriedade industrial de terceiros e de só as poder atribuir quando concluísse que essa colisão não ocorria. Com efeito, nos termos do seu art.º 11.º(…), o pedido de autorização de introdução no mercado só devia ser indeferido quando se verificasse, nomeadamente, que: “a) O processo não está instruído de acordo com as disposições deste diploma ou contém informações erradas; b) O medicamento é nocivo em condições normais de emprego; c) O efeito terapêutico do medicamento está in suficientemente comprovado; d) O medicamento não tem a composição qualitativa e quantitativa declarada.” É, assim, claro que entre as razões que podiam justificar a rejeição do pedido de concessão de AIMs não se encontrava nenhuma relacionada com o direito de propriedade decorrente das patentes dos medicamentos de referência e que, ao invés, o transcrito normativo se alheou por inteiro dessa problemática. O que põe de imediato em crise a tese da Recorrente na medida em que, sendo essa disposição essencial no processo que conduz à concessão de AIMs e sendo a questão da propriedade industrial sobre o medicamento uma questão fundamental e incontornável, não seria curial que o legislador tivesse olvidado essa problemática e nada tivesse estatuído a este propósito. Conclusão que não é posta em crise pelo que se disciplina nos seus art.ºs 19.º e 20.º(…), normas onde a Recorrente funda a sua pretensão. Desde logo, porque o que o art.º 19.º apenas define o que se deve considerar medicamento genérico – dizendo-nos que é aquele que, sendo essencialmente similar ao medicamento de referência e, por isso, tendo indicações terapêuticas semelhantes, só pode ser apresentado depois de caducados os direitos de propriedade industrial sobre as respectivas substâncias activas ou processo de fabrico – dele não resultando qualquer obrigação para a entidade que concede a AIM de verificar se as patentes do medicamento de referência já caducaram e, portanto, se a concessão de AIMs não viola os direitos de propriedade com elas relacionadas. Depois, porque o art.º 20.º refere apenas que o processo de verificação da qualidade do medicamento genérico deve obedecer aos mesmos termos dos medicamentos de referência e que igual rigor deve ser posto na verificação da sua qualidade. Não é, assim, possível ver nos invocados normativos qualquer indicação relativa à obrigação de controlo e de defesa dos direitos relacionados com a patente do medicamento de referência. O que bem se compreende já que a primeira e mais relevante preocupação do legislador desse diploma foi a protecção da saúde pública e não a defesa de direitos de natureza privada, como é o caso do direito de propriedade industrial aqui invocado. É, pois, já possível afirmar duas certezas, ambas fatais para a tese sustentada pela Recorrente: a primeira, a de que o DL 72/91 não cometia ao Ministro da Saúde - a entidade com competência para conceder AIMs – a obrigação de verificar se estas podiam contender com direito de propriedade industrial e de só no caso desse confronto não existir conceder a AIM; a segunda, a de que esse diploma não cometia ao INFARMED a concessão de AIMs e, por isso, não seria com fundamento nas normas invocadas pela Recorrente que o acto impugnado podia ser anulado”. o INFARMED Depois de analisadas as atribuições e competências do INFARMED, criado pelo Decreto-Lei nº 10/93, de 15/01, o qual veio a ocupar todo o espaço relacionado com o medicamento, desde a investigação e controlo de qualidade até à sua correcta utilização e vigilância dos efeitos adversos, conforme o estatuído no Decreto-Lei nº 353/93, de 7/10. Analisados aqueles diplomas, conclui-se no acórdão que vimos seguindo “que a partir da entrada em vigor do DL 495/99, de 18/11, a competência para conceder AIMs cabia ao INFARMED e que nesse processo não lhe cabia averiguar se a entrada no mercado de um medicamento genérico iria colidir com os direitos relacionados com o medicamento de referência, pois que em nenhuma das suas disposições, maxime na transcrita, nem em nenhuma outra lhe é atribuída essa competência. Sendo assim, e sendo que o acto de Autorização de Introdução no Mercado (AIM) ora em causa foi praticado em 10/03/2006 a análise da sua legalidade bem como os efeitos da sua invalidade tem de ser feita de acordo com o que se estabelecia naquele DL 495/99, e não de harmonia com o que dispunha o DL 72/91, já que ele passou a estabelecer novas regras para o procedimento de concessão de AIMs e, por ser mais recente, revogou, ainda que implicitamente, as regras estabelecidas no diploma de 91. Ora, como se acaba de demonstrar, o DL 495/99 não cometeu ao INFARMED competência para conhecer questões relacionadas com a promoção e protecção da propriedade industrial. Daí que, por essa via, improceda a alegação da Recorrente. 4. No entanto, apesar do acto impugnado ter sido praticado em 10/Março/2006 certo é que entre a sua prática e a data de caducidade da patente que sustenta a pretensão da Recorrente, 4.Fev.2012, há o espaço temporal de vigência do DL 176/06, de 30.08, (diploma que veio a ser interpretado pela Lei 62/2011) o qual, no seu art.º 204.º, revogou o DL 72/91. O que poderia alterar os dados do problema no caso de ser possível concluir que essa alteração legislativa tinha reflexos na situação que ora se decide. Mas tal não acontece. Com efeito, após a prolação do Acórdão de 9/01/2013 (rec. 771/12, publicado em DR, 1ª Série, 29.1.2013) encontra-se jurisprudencialmente assente que da publicação do DL 176/2006 não resultou qualquer alteração das competências atribuídas ao INFARMED e que, por isso, podemos ter como seguro que este organismo não tem obrigação de apreciar as questões relacionadas com os direitos de propriedade industrial sobre os medicamentos a introduzir no mercado, visto tal estar fora das suas atribuições. Aresto que foi assim sumariado: 1. Já antes da Lei nº 62/2011, de 12/12, devia ter-se por manifesta, em face das atribuições do INFARMED e do tipo legal das AIM’s de medicamentos, a inviabilidade da acção em que se impugnasse uma autorização para introdução no mercado com base na ideia de que ela desconsiderava um direito de propriedade industrial. 2. Essa inviabilidade era transponível, mutatis mutandis, para a impugnação do estabelecimento de PVP dos medicamentos, da competência da Direcção Geral das Actividades Económicas. 3. Essa solução tornou-se mais clara com a emergência daquela Lei 62/2011, cujo artigo 9, número 1 atribuiu, expressamente, efeito interpretativo a preceitos que deveras o são, por natureza. 4. Nem as AIM’s privam os titulares das patentes dos seus direitos de propriedade industrial, nem a dita lei enferma de inconstitucionalidade por suposta retroactividade ofensiva de direitos relacionados com aquelas patentes. Decisão que foi justificada pela seguinte ordem de razões: - os eventuais direitos de propriedade industrial que se pretendem fazer valer não têm que ser considerados no âmbito do procedimento tendente à decisão sobre pedido de AIM de medicamento genérico uma vez que a promoção e protecção da propriedade industrial estão fora das atribuições do INFARMED; - «ao titular da patente apenas assiste o direito de impedir o início da comercialização do medicamento, enquanto a sua patente não caducar. Mas já não pode impedir terceiros de iniciar o procedimento tendente à obtenção de AIM nem impedir que a mesma seja concedida ou que seja fixado PVP do medicamento em causa»; - «a eventual existência de patente, em favor de terceiro, legalmente impeditiva da comercialização do medicamento autorizado, que o titular da AIM se propusesse iniciar, originaria um dissídio, que o titular dessa AIM e o terceiro eventualmente dirimiriam no foro próprio, sem interferência do INFARMED»; - «de acordo com um princípio de especialidade de competências, cabe ao INPI a protecção e promoção da propriedade intelectual, cabendo ao INFARMED o controlo da qualidade, eficácia e segurança dos medicamentos. Daí que esta entidade, no processo tendente à concessão da impugnadas AIM’s, não tivesse de considerar a existência de direitos de propriedade industrial, designadamente os invocados pelas ora recorrentes»; - «A AIM, sendo pressuposto jurídico essencial para a entrada do medicamento no mercado, não consubstancia um acto de comercialização desse mesmo medicamento, não se traduzindo, por isso, em qualquer violação do exclusivo conferido pela patente. Nem dele resulta – acrescente-se, agora – a obrigação, para o respectivo titular, de iniciar tal comercialização»; Argumentação que o Acórdão de 30/01/2013 (rec. 1122/12) reforçou nos seguintes termos: “Do exposto resulta claro, em nosso entender, que, mesmo na ausência da Lei 62/2011, de 12.12, deveria ser julgada improcedente a acção proposta pelas ora recorrentes. E, com a publicação e vigência desse diploma, em que directamente se baseou o acórdão recorrido, mais clara e indiscutível se tornou, a nosso ver, essa improcedência. Com efeito, a Lei 62/2011 veio, para além do mais, modificar o já referenciado DL 176/2006, de 30.8, de modo a definir que a AIM de um medicamento é um acto que não pode nem deve considerar quaisquer “direitos de propriedade industrial” (cfr. arts. 4 e 5, enquanto redactores dos actuais arts. 25, nº 2, 179, nº 2 e 23-A, do DL 176/2006). E, ex vi do art. 9, n.º 1, da mesma Lei 62/2011, foi atribuída «natureza interpretativa» à sobredita definição. Ora, “A lei interpretativa integra-se na lei interpretada” (art. 13º, n.º 1, do Código Civil). Sendo assim, é presentemente indiscutível a improcedência da alegação das recorrentes de que são inválidas as impugnadas AIM’s, por desconsideração do seu direito de propriedade industrial. Pois o INFARMED, ao emitir a AIM sem considerar a patente invocada nos autos, agiu secundum legem – como já resultava das suas atribuições e agora se confirma pela interpretação autêntica, que a Lei n.º 62/2011 deu às normas então aplicáveis. E, do que antes já expendemos, resulta que uma tal solução não fere quaisquer princípios ou normas constitucionais. As recorrentes alegam, ainda, que o indicado art. 9º, n.º 1, da Lei n.º 62/2011, é inconstitucional por conferir retroactividade a normas que restringiriam direitos, liberdades e garantias (art. 18º, n.º 3, da CRP). Mas, sem razão. Antes de mais, importa reter que a “natureza interpretativa” das leges «novae» trazidas pela Lei n.º 62/2011, relacionada com a desconsideração de patentes na emissão de AIM's, é insusceptível de controvérsia. É que tal índole interpretativa, para além de afirmada «expressis verbis» pelo legislador, corresponde à efectividade das coisas, pois que, sobre esse assunto, havia dúvidas manifestadas em duas correntes jurisprudenciais opostas. Sendo assim, aquela “natureza interpretativa” prevista no art. 9, n.º 1, da Lei nº 62/2011, de 12/12, é real, em vez de furtivamente acobertar uma intenção inovadora e uma simultânea, e dissimulada, cláusula de retroactividade. Por outro lado, as leis interpretativas, embora tendam a vigorar ex ante, não são retroactivas «proprio sensu», porque se limitam a fixar um regime já aplicável no passado. Por isso mesmo, a proibição constitucional de que se atribua retroactividade a leis restritivas de direitos liberdades e garantias (art. 18º, n.º 3) só abrange as leis inovadoras, como este STA já teve a oportunidade de dizer. Quanto às leis deveras interpretativas, a sua retroactividade imprópria está sujeita aos limites previstos no art. 13º, n.º 1, do Código Civil: a salvaguarda dos “efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza”». Todas essas hipóteses traduzem situações juridicamente estabilizadas, que nada têm a ver com o caso discutido na acção a que respeitam os autos, em que estava em causa aferir da legalidade da AIM, por falta de ponderação da patente. Ora, o que a lei interpretativa indirectamente nos diz é que o INFARMED andou bem ao desconsiderar a patente, pois era assim que a legislação a convocar para a emissão dos impugnados actos devia ser interpretada ab initio. O que, como vimos, implica a improcedência da acção proposta, como decidiu o acórdão recorrido. Portanto, a inconstitucionalidade que as recorrentes atribuem ao art. 9.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2011 não tem razão de ser. Inseria-se seguramente nas prerrogativas do legislador emitir uma lei interpretativa em matéria controversa. E a emissão de tal lei não fere qualquer direito das recorrentes em sede de propriedade industrial. Pois, seja ou não de reconhecer natureza de direito fundamental ao direito delas à patente, a lei interpretativa, precisamente por sê-lo, não restringiu o direito de propriedade industrial, limitando-se a esclarecer que a consideração e a defesa dele não podem ocorrer no procedimento administrativo de AIM, mas alhures, onde o direito é, aliás, susceptível de uma tutela jurisdicional efectiva, como antes já se viu. Assim sendo, temos que, mesmo antes do surgimento da Lei n.º 62/2011, já deveria entender-se que os pressupostos das AIM's não integravam a consideração de eventuais direitos de propriedade industrial – ideia essa que imediatamente ressaltava das atribuições do INFARMED e era corroborada por outras normas vigentes nesse domínio. Mas, com a Lei n.º 62/2011, dada a interpretação autêntica que ela fez do regime pretérito, tudo isso se tornou mais claro, afastando quaisquer dúvidas, que pudessem persistir»”. Em face do exposto, é, desta forma, seguro que o acto de AIM aqui em causa não sofre da ilegalidade que lhe foi imputada e que, por isso, são improcedentes todas as conclusões da Recorrente. Deste modo, a conclusão a retirar é a da improcedência da acção e não, como se decidiu no Tribunal recorrido, a extinção da instância. III- DECISÃO Termos em que com os fundamentos acabados de expor os Juízes que compõem este Tribunal acordam em negar provimento ao recurso e em julgar improcedente a acção. Custas pelas Recorrentes. Lisboa, 18 de Dezembro de 2013. – Maria Fernanda dos Santos Maçãs (relatora) – António Políbio Ferreira Henriques – Jorge Artur Madeira dos Santos.