I - As patologias ocorridas no âmbito da decisão de facto não configuram as nulidades previstas no art. 615.º do CPC, designadamente a nulidade decorrente de omissão de pronúncia. II – O STJ, enquanto tribunal de revista apenas conhece de matéria de direito, não lhe cabendo sindicar a matéria de facto apurada pelas instâncias, a não ser que se verifique alguma das situações previstas no nº3, do art. 674º, do CPC. III - O certificado complementar de proteção para os medicamentos foi introduzido na ordem jurídica da União pelo Regulamento (CEE) n.º 1768/92, do Conselho, de 18.6.1992, o qual, mercê de sucessivas alterações, veio a ser codificado, por razões de clareza e racionalidade, pelo Regulamento n.º 469/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6.5.2009 (Regulamento CCP). IV – O art. 3.º do Regulamento CCP estabelece os requisitos, de verificação cumulativa, de que depende a obtenção do certificado complementar de proteção. V - Conferindo o certificado complementar de proteção os mesmos direitos que os conferidos pela patente de base e estando sujeito às mesmas limitações e obrigações nos termos do art. 5.º do Regulamento CCP, o art. 3.º, al. a), desse Regulamento deve ser interpretado no sentido de se opor à concessão de um certificado para princípios ativos que não figurem no texto das reivindicações dessa patente de base invocada em apoio desse pedido, através de uma definição estrutural ou, em determinadas condições, funcional. VI - Um produto é protegido por uma patente de base, na aceção do art. 3.º, al. a), do Regulamento CCP, desde que, mesmo que não esteja expressamente mencionado nas reivindicações da patente de base, esse produto seja necessária e especificamente visado por uma das reivindicações dessa patente. Para esse efeito, devem verificar-se duas condições cumulativas: (i) o produto deve estar necessariamente abrangido, para o especialista na matéria, à luz da descrição e dos desenhos da patente de base, pela invenção coberta por esta patente; e (ii) o especialista na matéria deve poder identificar especificamente esse produto, à luz de todos os elementos divulgados pela referida patente, e com base na evolução técnica à data de depósito ou da prioridade da mesma patente. VII - Um produto composto por vários princípios ativos de efeito combinado é protegido por uma patente de base em vigor quando a combinação dos princípios ativos que o compõem, mesmo que não esteja expressamente mencionada nas reivindicações da patente de base, deva considerar-se necessariamente abrangida, à luz da descrição e dos desenhos da patente, pela invenção coberta por esta e cada um dos referidos princípios ativos deva ser especificamente identificável, à luz de todos os elementos divulgados pela referida patente.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1. Teva Pharma, Produtos Farmacêuticos, Lda” intentou a presente ação declarativa, com processo comum, contra “Gilead Sciences, INC” e “Gilead Biopharmaceuticals Ireland UC”, pedindo que seja declarada a nulidade do certificado complementar de proteção nº 202 (doravante CCP202), com o título “ANÁLOGOS DE NUCLEÓTIDOS”. Para tanto, alegou, em síntese, que: Pretende comercializar em Portugal composições farmacêuticas contendo os princípios ativos emtricitabina e tenofovir disoproxil fosfato, tendo solicitado as respetivas autorizações para o efeito. A “Gilead Sciences, INC” é a única titular da patente de invenção europeia nº 915894 (doravante designada por EP894), que caducaria em 25/07/2017. A “Gilead Biopharmaceuticals Ireland UC” é a única titular da licença de exploração da EP894. A “Gilead Sciences, INC” é a única titular do CCP202, relativo à Autorização de Introdução no Mercado (AIM) nº C(2005)456 relativa a medicamentos que compreendem a combinação dos princípios ativos emtricitabina e tenofovir disoproxil fumarato, tendo como patente base a EP894. O CCP202 tem como limite de vigência o dia 24/02/2020. A “Gilead Biopharmaceuticals Ireland UC” é a única titular da licença de exploração do CCP202. A EP894 compreende uma única reivindicação relativa a uma combinação de compostos (incluindo o tenofovir disoproxil ou um seu sal) com “outros ingredientes terapêuticos” - reivindicação 27, não sendo a emtricitabina referida, sob qualquer forma, na EP894. A combinação dos ingredientes ativos tenofovir disoproxil ou um seu sal e emtricitabina não está identificada ou especificada no texto das reivindicações da EP894, nem na sua descrição. Por outro lado, a patente de invenção europeia nº 1583542 (EP542) titulada pela “Gilead Sciences, INC”, pedida em 13/01/2004, ou seja, em data posterior à da EP894, reivindica explicitamente a combinação de sal fumarato de tenofovir disoproxil com a emtricitabina, tendo a ora ré invocado, durante a fase de exame, precisamente, a novidade e inventividade da combinação de tenofovir disoproxil com emtricitabina. Em suma, considerou, a autora, que deve ser declarada a nulidade do CCP202 à luz do Regulamento (CE) nº 469/2009, de 6 de maio, pelo facto de a combinação dos princípios ativos objeto da proteção do CCP202 não estar protegida pela patente base EP894. 2. Na contestação, as rés alegaram, em síntese, que: O CCP202 é o primeiro e único CCP baseado na EP894, cuja data de prioridade é de 26/07/1996. O CCP202 tem por base a reivindicação 27 da EP894, que protege a associação de tenofovir disoproxil (e respetivos sais) com outro ingrediente ativo. A emtricitabina é um ingrediente terapêutico no contexto da EP894 e, consequentemente, é descrito de forma funcional na reivindicação 27 da EP894. No contexto dos objetivos do Regulamento CCP e Protocolo interpretativo do art. 69º da CPE, o âmbito da reivindicação 27 abrange a associação de tenofovir disoproxil (e seus sais) e emtricitabina. Embora a emtricitabina não se encontre estruturalmente definida na EP894, a verdade é que os médicos utilizavam essa associação no tratamento da infeção por VIH. A leitura que um perito na matéria faz da reivindicação 27 é a de que esta protege um dos compostos abrangidos pela patente, o tenofovir disoproxil (já que é o único composto expressamente referido pela sua designação química na EP894, na reivindicação 25), e outro antirretroviral. E isto porque, em 1996, tal como hoje, uma terapêutica de associação para o tratamento da infeção por VIH seria necessariamente interpretada como implicando a associação de, pelo menos, dois antirretrovirais. O perito da matéria entende o termo “outros ingredientes terapêuticos”, na reivindicação 27 da EP894, como estando relacionado com outros princípios que contribuem para a atividade antirretroviral. A emtricitabina é um exemplo de um ingrediente que contribui para a atividade antirretroviral e que era conhecido à data da prioridade da EP894, a 26 de julho de 1996. Concluiu, pedindo a improcedência da ação. 3. A ação prosseguiu a sua tramitação, tendo sido proferida sentença que, julgando a ação procedente, anulou o Certificado Complementar de Proteção nº 202. 4. As rés interpuseram recurso da sentença, com impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, tendo o Tribunal da Relação …, por unanimidade, julgado improcedente o recurso (de facto e de direito) e confirmado a sentença. 5. Irresignadas, vieram, de novo, interpor recurso de revista normal e, subsidiariamente, de revista excecional, formulando (no que releva para a decisão do recurso), as seguintes conclusões: “(…) MÉRITO DO RECURSO – ARTIGO 674.º, N.º 1,ALÍNEA B) E C) 12. Violação de lei de processo: O acórdão recorrido deve ser anulado e na medida em que ele é antecedido de um despacho de 28 de novembro de 2019 que é nulo por, em manifesta violação do direito à tutela jurisdicional efetiva, negar às Recorrentes o direito de reclamarem para a conferência de um despacho prévio do relator, de 12 de novembro de 2019, que as prejudicava. 13. O acórdão recorrido foi proferido em violação do artigo 652.º, n.º 3 da CPC (e também 20.º da CRP), devendo ser anulado ao abrigo do artigo 195.º, n.º 2 do CPC atenta a nulidade do despacho de 28 de novembro de 2019 (cf. artigo 674.º, n.º 1, alínea b) do CPC). 14. O perito na matéria – reapreciação de factos: para saber se um produto está ou não protegido por uma patente de base (que é a discussão central destes autos), é necessário recorrer à figura do perito na matéria e ao conhecimento geral comum que este teria à data da prioridade (cf. Acórdão C-121/17 do TJUE), mas a Teva, o TPI e depois o TR….. constroem toda a sua argumentação sobre a invalidade do CCP 202 sem nunca mencionar quem é o perito na matéria nem qual o conhecimento geral comum que este tem à data da prioridade. 15. A posição da Gilead – e que não é contrariada pela Teva – é a de que o perito na matéria para interpretar a reivindicação 27 (a que suporta o CCP 202) é um médico com experiência em terapia antiviral, nomeadamente VIH. 16. Sendo esse o perito na matéria que deve ser considerado (cf. acórdão deste STJ de 2 de julho de 1997), e nos termos do artigo 682.º, nºs 2 e 3 e 683.º do CPC os factos 18 a 20 devem ser reapreciados tal como requerido pela Gilead, na medida em que eles tiveram por base conclusões extraídas por quem não é o perito na matéria. 17. Nulidade por omissão de pronúncia: as Recorrentes requereram a reapreciação do facto provado 23, que é um facto duplo (facto 23 – (i) “Em 1996 a emtricitabina encontrava-se numa fase muito inicial de desenvolvimento, (ii) tendo sido esse estudo abandonado e reiniciado em 1997”) e as Recorrentes requereram a sua reapreciação nas suas dimensões. 18. Uma vez que o TR…. não se pronunciou sobre o pedido de reapreciação formulado quanto ao inciso (ii), é o mesmo nulo por omissão de pronúncia nos termos do artigo615.º, n.º 1, alínea do CPC, devendo por isso ser anulada de acordo com o artigo 684.º, n.º 2 do mesmo Código. O ARTIGO 3.º, ALÍNEA A) DO CCP FOI INCORRETAMENTE INTERPRETADO 19. Enquadramento legal: o Regulamento CCP tem de ser analisado e compreendido à luz dos seus considerandos, sendo querelevampara a questão deque oranosocupamos os considerandos 3, 4, 5, 9 e 10. 20. Resulta da sua leitura que o Regulamento CCP tem um propósito diferente do das patentes: enquanto estas servem para remunerar o seu titular pela divulgação que fez da sua invenção, os CCPs servem para incentivar a investigação farmacêutica levada a cabo com base numa determinada patente de base. 21. Isto é aliás corroborado pela exposição de motivos que levou à origem do Regulamento CCP, um documento de 1990 de onde resulta com toda a clareza que o que se procurou proteger com a criação dos CCPs foi a investigação farmacêutica (cf. parágrafos 12, 24 e 29 do documento apenas acessível em https://sites.google.com/site/spccases/explanatory-memo-randa/thememo.pdf?attredirects=0&d=1). 22. É neste contexto que o Regulamento CCP tem de ser compreendido e foi neste contexto que o TJUE o interpretou no Acórdão Teva v. Gilead (C-121/17), onde decidiu o seguinte: “O artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.º 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, relativo ao certificado complementar de proteção para os medicamentos, deve ser interpretado no sentido de que um produto composto por vários princípios ativos de efeito combinado é «protegido por uma patente de base em vigor», na aceção desta disposição, quando a combinação dos princípios ativos que o compõem, mesmo que não esteja expressamente mencionada nas reivindicações da patente de base, é necessária e especificamente visada nessas reivindicações. Para o efeito, do ponto de vista do especialista na matéria (B) e com base na evolução técnica à data de depósito ou de prioridade (C) da patente de base (A): - A combinação desses princípios ativos deve ser necessariamente abrangida, à luz da descrição e dos desenhos da patente, pela invenção coberta por esta (D), e - Cada um dos referidos princípios ativos deve ser especificamente identificável, à luz de todos os elementos divulgados pela referida patente” (E). 23. Nesse Acórdão, o TJUE confirma que as únicas regras destinadas a determinar o que significa “estar protegido pela patente de base em vigor” na aceção do artigo 3.º, alínea a) do Regulamento CCP são o artigo 69.º da CPE e o respetivo Protocolo Interpretativo. 24. Sendo que o TR…. proferiu o acórdão recorrido sem nunca mencionar, em parte alguma da decisão, as reivindicações da EP ‘894 – em lado nenhum. 25. O TJUE reconheceu também que cabe aos tribunais nacionais (no caso, este Supremo Tribunal de Justiça) verificar se o CCP da Gilead satisfaz o artigo 3.º, alínea a) do Regulamento CCP à luz do “teste do âmbito de proteção”. 26. A questão a responder: Em suma, este Tribunal deve responder se, para o especialista na matéria, à luz da evolução da técnica à data da prioridade: ⎯ A combinação de tenofovir disoproxil e emtricitabina é necessariamente abrangida pela Reivindicação 27 da EP ‘894 à luz da descrição da patente? ⎯ O tenofovir disoproxil e a emtricitabina são especificamente identificáveis à luz de todos os elementos divulgados pela EP ‘894? 27. O acórdão recorrido respondeu a estas duas questões em três frases apenas, sendo que em nenhuma delas são analisadas as reivindicações e da descrição da EP ‘894 (que nem são mencionados!!), o perito na matéria, a evolução da técnica à data de prioridade nem o que seria o resultado de todas estas apreciações prévias. 28. Considerando que “a interpretação de uma patente é um ato de juízo avaliativo. Mesmo a definição do especialista na matéria e a determinação da forma como este entende os termos da patente e quais as conclusões que daí retira relativamente ao âmbito de proteção conferido pela patente se baseiam em aspetos normativos, não se incluindo, por conseguinte, na matéria de facto provada” (tradução livre de Patent Law – A Handbook, editado por HAEDICKE/TIMMANN, de 2014 (em particular, páginas 615). 29. Têm assim V. Ex.as à vossa disposição todos os meios necessários para rever e revogar as decisões anteriores sobre a validade do CCP 202, analisando a EP ‘894 (a sua patente de base) à luz do artigo 69.º da CPE e do seu Protocolo Interpretativo, como impõe o TJUE. 30. O CCP 202 é válido: Como vimos, o que cabe a V. Ex.as avaliar é se a reivindicação 27 da EP ‘894 “visa necessária e especificamente” a associação de tenofovir disoproxil e emtricitabina, para efeitos do artigo 3.º, alínea a) do Regulamento CCP. 31. A: Quanto à patente, ela reivindica expressa e autonomamente o tenofovir disoproxil na reivindicação 25 e, na reivindicação 27, uma “Composição farmacêutica que compreende um composto de acordo com qualquer uma das reivindicações 1-25, juntamente com um veículo farmaceuticamente aceitável e opcionalmente outros ingredientes terapêuticos”. 32. No primeiro parágrafo da página 38 da sua descrição, é explicado que os compostos da invenção (o tenofovir disoproxil sendo um deles) são úteis para o tratamento ou profilaxia de infeções virais, incluindo o VIH. Segue-se a descrição de que estes compostos partilham da especificidade antiviral dos análogos de nucleótidos, nomeadamente contra o VIH. 33. No exemplo 16, tabela 2, na página 73 da descrição, é descrita a atividade do PMPA (ou tenofovir) e dos seus pró-fármacos (de entre os quais se destaca o TD, identificado como composto 5f da tabela 2) contra o VIH. Os exemplos não contemplam outros intermediários para análogos de nucleótidos fosfonometoxi ou a atividade antiviral contra quaisquer outros vírus para além do VIH, não havendo na patente quaisquer dados de eficácia do PMPA e dos seus intermediários contra outros vírus que não VIH. 34. B: Quanto ao perito na matéria, ele chegaria ao exemplo 16, que indica a atividade antirretroviral de pró-fármacos de PMPA contra o HIV-1 e compreenderia que esse exemplo 16 é muito mais concreto do que a lista de utilidades da página 38 – e note-se que a lista do parágrafo da página 38 se refere a meras utilidades, não a eficácias, como no exemplo 16. 35. O perito constataria, por fim, que não existem outros exemplos na EP ‘894 que forneçam quaisquer resultados de atividades antivirais além do exemplo 16. 36. O perito na matéria é assim um médico especialista em VIH, a testemunha arrolada pela Gilead. 37. C: Quanto ao estado da técnica, à data de prioridade da EP ‘894, o padrão de tratamento antirretroviral envolvia associações de medicamentos anti-VIH (em especial, inibidores da transcriptase reversa análogos dos nucleótidos e nucleósidos – INTRs), uma vez que já se conhecia a ineficácia da monoterapia; e a emtricitabina era um INTR conhecido por ter atividade anti-VIH e que se encontrava já a ser testado com outros INTRs e já sujeito a ensaios clínicos em doentes com VIH. 38. D: O perito na matéria, com base no estado da técnica disponível à data de prioridade (julho de 1996) entende que a associação de dois INTRs está abrangida pela invenção coberta pelas reivindicações da EP ‘894, porque eles estavam a ser utilizados em associação à data de prioridade – ou seja, um perito na matéria que lesse a Reivindicação 27 da patente de base a teria lido como dizendo respeito a uma associação do TD (um INTR) com outro antirretroviral (i.e., outro INTRs). 39. E: A emtricitabina era uma das únicas de um número limitado de substâncias ativas que poderiam ter estado na mente do perito na matéria quando confrontado com o estado da técnica anterior e ao ler a reivindicação 27 no contexto da EP ‘894 40. Assim, é forçoso concluir que a emtricitabina é especificamente identificável nas reivindicações da EP ‘894, à luz de todos os elementos que a EP ‘894 divulga, lida por um perito na matéria com base no estado da técnica à data de prioridade. 41. Nestes termos, o CCP 202 cumpre com o disposto no artigo 3.º, alínea do a) do Regulamento. Nestes termos, deve o presente recurso ser admitido e o acórdão recorrido ser: a. anulado, ao abrigo do artigo 195.º, n.º 2 do CPC, por violação de regras processuais (cf. artigo 674.º, n.º 1, alínea b) do CPC), atenta a nulidade do Despacho de 28 de novembro de 2019, que o antecedeu; ou, caso assim não se entenda, b. declarado nulo por omissão de pronúncia quanto ao pedido de reapreciação da segunda parte do facto provado 23, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC e dando-se cumprimentoaodisposto noartigo684.º, n.º 2 do CPC; ou, caso assim não se entenda, c. revogado e substituído por outro que: i. defira o pedido das Recorrentes de alteração dos factos provados 18, 19 e 20, nos termos do artigo 682.º, n.º 2 e n.º 3 e 683.º do CPC; e ii. julgue improcedente a presente ação. 6. Nas contra-alegações, e no que agora releva, a recorrida ampliou, a título subsidiário, o âmbito do recurso, apresentando as seguintes conclusões: “(…) DA AMPLIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO (ART. 636.º, N.º 2CPC): 15. A NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA QUANTO À INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO DE APELAÇÃO: Nas contra-alegações de recurso de apelação apresentadas nos presentes autos no dia 22 de novembro de 2018, a Teva arguiu a intempestividade do recurso de apelação apresentado pela Gilead. 16. Não tendo havido pronúncia do TR.... no acórdão recorrido sobre a intempestividade alegada pela Teva, o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia uma vez que o juiz deixou de pronunciar-se sobre questão que devia ter apreciado (615, n.º 1, al. d) do CPC). 17. A sentença do Tribunal da Propriedade Intelectual que revogou o Certificado Complementar de Proteção n.º 202 (“CCP 202”) é uma decisão que ordena o cancelamento de um registo (cf. o artigo 30.º, n.º 1, al. e) do Código da Propriedade Industrial [“CPI”] e ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2016 (3.ª ed.), pág. 175). 18. Nos termos do n.º 1 do artigo 638.º do CPC, o prazo para a interposição de recurso de decisões que ordenem o cancelamento de qualquer registo é de 15 dias – cf. a remissão no artigo 638.º, n.º 1 do CPC para o n.º 2 do artigo 644.º do CPC [vide especificamente, para o que aqui interessa, a al. f) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC]. 19. Considerando que a sentença recorrida foi notificada à Gilead no dia 16 de julho de 2018 e que as alegações de recurso da Gilead foram apresentadas no dia 15 de outubro de 2018, verifica-se a intempestividade do recurso, o que determina a imediata rejeição do mesmo, porquanto o prazo de 15 dias (+10 dias para a reapreciação da prova gravada) (+ 3dias úteis de multa) para a sua apresentação havia terminado no dia 28 de setembro de 2018. 20. Estando o Supremo Tribunal de Justiça na posse de todos os elementos para avaliar a intempestividade acima suscitada, requer-se a V. Ex.as seja o recurso de apelação da Gilead rejeitado, por ter sido apresentado intempestivamente. Do MÉRITO 21. DA (PUTATIVA) VIOLAÇÃO DA LEI DE PROCESSO – O DESPACHO DE 28 DE NOVEMBRO DE 2019: No que respeita ao mérito do recurso, começa a Gilead por alegar que o acórdão recorrido deve ser anulado porque é antecedido de um despacho de 28 de novembro de 2019 que é nulo por negar à Gilead o direito de reclamar para a conferência de um despacho prévio do relatorde12denovembrode 2019,“queasprejudicava”.Porcausadisso,entende a Gilead que o acórdão recorrido foi proferido em violação do artigo 652.º, n.º 3 do CPC (e também do artigo 20.º da CRP), devendo ser anulado ao abrigo do artigo 195.º, n.º 2 do CPC atenta a nulidade do despacho de 28 de novembro de 2019 (cf. artigo 674.º, n.º 1, al. b) do CPC). 22. Formalmente, não assiste razão à Gilead, porque esta apresentou nos autos a reclamação para a conferência que afirma ter-lhe sido negada, reclamação essa na qual peticionou a revogação dos despachos de 12 e de 28 de novembro – peça processual com a ref.ª 34279175, apresentada no dia 10 de dezembro de 2019. 23. O 1.º Despacho, que negou à Gilead a pretensão de obter a suspensão da instância até que fosse proferido acórdão pelo TJUE nos processos apensos C-650/17 e C-114/18 não merece qualquer censura, porquanto o TJUE havia já proferido acórdãos relativamente à interpretação do artigo 3.º al. a) do Regulamento CCP, inclusivamente numa situação idêntica à que se discute nestes autos, tendo decidido e bem que “não se justifica (…) aguardar a prolação de novos acórdãos pelo TJUE”. 24. o 2.º Despacho não recusou a possibilidade de a Gilead reclamar para a conferência do 1.º Despacho (tanto que a Gilead o fez), indeferindo apenas a possibilidade de suspender a prolação do acórdão, por ter considerado (acertadamente), que tal suspensão teria caráter meramente dilatório, tendo tal decisão sido proferida em estrito cumprimento da lei – artigo 6.º, n.º 1 do CPC. 25. DA REAPRECIAÇÃO DOS FACTOS 18 A 20: Nos pontos 14 a 16 das suas conclusões de recurso, defende a Gilead que devem ser reapreciados os factos 18 a 20, ao abrigo dos artigos 682.º, n.º 2 e 3 e 683.º do CPC, na medida em que estes tiveram por base conclusões extraídas por quem não é o perito ou especialista na matéria, perito este que a Gilead entende ser um médico com experiência em terapia antiviral, nomeadamente VIH. 26. Especificamente no que respeita aos factos 18, 19 e 20, o TPI consideraram os factos provados com base no segmento decisório que se transcreve infra (confirmado no acórdão recorrido): “- O facto 18 resultou provado das declarações de AA, o qual sendo especialista na matéria, designadamente no estudo do HIV, perentoriamente afirmou que tal combinação na altura não era sequer encarada. Exemplificou dizendo que a há sinergia da emcitrabina com AZT (zidovudina), mas já não há com a zalcitabina a danozina. - Os factos 19e 20resultaram provados dos depoimentos de AA, BB e CC, os quais afirmaram que tal termo pode incluir tudo o que tivesse atividade terapêutica, quer fossem compostos antivirais como compostos adjuvantes.” 27. Sendo o Dr. CC um médico com experiência no HIV e o Prof. AA um eminente Professor especialista no estudo do HIV, não se vê como e em que medida é a Gilead pode sustentar que os factos 18 a 20 tiveram por base conclusões extraídas por quem não é perito na matéria… 28. Sem conceder, no acórdão recorrido o Tribunal da Relação vem ainda esclarecer que a Gilead nem sequer pôs em causa a veracidade do facto 18, afirmando apenas que este era irrelevante para efeitos do artigo 3.º do Regulamento CCP…. Isto é, a Gilead quer ver reapreciado em sede de revista um facto que concluiu ser verdadeiro. 29. Não estando verificados os pressupostos da reapreciação da matéria de facto previstos no n.º 2 e 3 do artigo 682.º e artigo 683.º do CPC, deve ser indeferido o pedido c.i. da Gilead, de alteração dos factos provados 18, 19, e 20. 30. DA (PUTATIVA) NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA RELATIVAMENTE À SEGUNDA PARTE DO FACTO 23: Afirma a Gilead que, tendo requerido a reapreciação do facto provado 23, o TR.... não se pronunciou sobre a segunda parte desse facto. 31. Sucede que nada foi requerido pela Gilead ao TR.... relativamente à reapreciação da segunda parte do facto 23, tendo a Gilead pura e simplesmente se limitado a alegar que a segunda parte do facto 23 era “totalmente irrelevante”, não estando verificada qualquer omissão de pronúncia. 32. Nos termos da lei, só existe omissão de pronúncia quando “o Tribunal não se pronuncia sobre (…) questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido.” – cf. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de maio de 2019 (Relatora: MARIA DA GRAÇA SANTOS SILVA) proferido no processo 1211/09.9GACSC-A.L2-3. 33. O ARTIGO 3.º, AL. A) DO REGULAMENTO CCP FOI CORRETAMENTE INTERPRETADO NO ACÓRDÃO RECORRIDO: O CCP 202 é um Certificado Complementar de Proteção que foi concedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial com base na Patente Europeia n.º 0915894 (doravante “EP ‘894”) e na Autorização de Introdução no Mercado (“AIM”) do medicamento designado comercialmente por TRUVADA (Facto Provado 12). 34. A EP ‘894, com data de prioridade de 26 de julho de 1996, é uma patente que divulga milhões de compostos úteis para o tratamento ou profilaxia de uma ou mais infeções virais no homem ou em animais (Factos Provados 10 e 14) 35. O TRUVADA é um medicamento indicado para o tratamento de adultos infetados pelo Vírus da Imunodeficiência humana dotipo1(“VIH-1”) que contém a associação de dois princípios ativos: (1) o tenofovir disoproxil, que é um dos milhões de compostos descritos na patente EP ‘894 e (2) a emtricitabina, que não está descrita na patente EP ‘894 (Factos Provados 12, 14 e 17). 36. A arguição de nulidade do CCP 202 pela Teva assenta no artigo 3.º, alínea a) do Regulamento (CE) n.º 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de maio de 2009 relativo ao certificado complementar de proteção para os medicamentos (“Regulamento CCP”), que exige que um “produto” (definido no artigo 1.º, al. b) do Regulamento CCP como “o princípio ativo ou associação de princípios ativos contidos num medicamento”) que seja objeto de pedido de CCP deva estar, à data desse pedido, “protegido por uma patente de base em vigor”, sob pena de nulidade (artigo 15.º, n.º 1, l. a) do Regulamento CCP). 37. Mais especificamente, a Teva defende que o produto abrangido pelo CCP 202 (o TRUVADA) não se encontra protegido pela EP ’894, à luz do Regulamento CCP e da jurisprudência aplicável do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”),uma vez que nem a combinação dos princípios ativos tenofovir disoproxil e emtricitabina nem a própria emtricitabina são referidos na EP ‘894. 38. Para defender a validade do CCP 202, a Gilead apoia-se na reivindicação 27 da EP ‘894 que compreende a seguinte redação: “Composição farmacêutica que compreende um composto de acordo com qualquer uma das reivindicações 1-25, juntamente com um veículo farmaceuticamente aceitável e opcionalmente outros ingredientes terapêuticos”, sendo que, de acordo com a Gilead, a emtricitabina seria um “ingrediente terapêutico” no contexto da EP ‘894 e, por isso, estaria funcionalmente descrita na reivindicação 27 da EP ‘894 sob o termo “outros ingredientes terapêuticos”. 39. Na jurisprudência do TJUE aplicável ao caso sub iudice destacam-se o acórdão Medeva (C- 322/10), o acórdão Eli Lilly (C-493/12), e o acórdão Teva v Gilead (Processo C-121/17). 40. No acórdão Medeva o TJUE determinou que o artigo 3.° al. a) do Regulamento CCP deve ser interpretado no sentido de que se opõe à concessão de um CCP para princípios ativos que não são mencionados no texto das reivindicações da patente de base, e no Acórdão. 41. No acórdão Eli Lilly, o TJUE veio precisar que não é necessário que o princípio ativo esteja identificado através de uma fórmula estrutural, na condição, porém de que seja possível concluir que as reivindicações visavam, implícita, mas necessariamente, o(s) princípio(s) ativo(s) em causa de forma específica [descrição funcional de produto]. 42. O acórdão Teva v Gilead proferido pela Grande Secção do TJUE (Processo C-121/17), em sede de reenvio prejudicial, assume particular relevo para os presentes autos porque trata uma situação absolutamente idêntica à aqui discutida, com as mesmas partes, merecendo por causa disso, explicação detalhada e intelectualmente mais consentânea com a verdade do que aquela que foi apresentada pela Gilead no recurso sob resposta. 43. No acórdão Teva v Gilead, o TJUE desenvolveu o teste estabelecido no acórdão Eli Lilly (C-493/12) decidindo que o artigo 3.°, alínea a) do Regulamento CCP “deve ser interpretado no sentido de que um produto composto por vários princípios ativos de efeito combinado é «protegido por uma patente de base em vigor», na aceção desta disposição, quando a combinação dos princípios ativos que o compõem, mesmo que não esteja expressamente mencionada nas reivindicações da patente de base, é necessária e especificamente visada nessas reivindicações. Para o efeito, do ponto de vista do especialista na matéria com base na evolução técnica à data de depósito ou de prioridade da patente de base: a combinação desses princípios ativos deve ser necessariamente abrangida, à luz da descrição e dos desenhos da patente, pela invenção coberta por esta [doravante, “primeiro teste”], cada um dos referidos princípios ativos deve ser especificamente identificável, à luz de todos os elementos divulgados pela referida patente.” [doravante, “segundo teste”]. 44. No Acórdão Teva v Gilead, resulta expresso que a Grande Secção do TJUE considerou que o TRUVADA não está protegido pelas reivindicações da EP ‘894 para os efeitos da al. a) do artigo 3º do Regulamento CCP – cf. o parágrafo 56 da decisão, onde o TJUE afirma de forma categórica o seguinte: “No caso em apreço, resulta, por um lado, das indicações contidas na decisão de reenvio que a descrição da patente de base em causa não dá nenhuma indicação quanto à eventualidade de a invenção coberta por essa patente poder dizer especificamente respeito a um efeito combinado do TD e da emtricitabina no tratamento do VIH. Por conseguinte, o especialista na matéria, com base na evolução técnica à data de depósito ou de prioridade dessa mesma patente, não parece estar em condições de compreender como pode a emtricitabina estar necessariamente abrangida, em combinação com o TD, pela invenção coberta por esta patente (…).” 45. No seguimento do Acórdão Teva v Gilead, o High Court of Justice – órgão jurisdicional de reenvio - declarou nulo o CCP do TRUVADA de que a Gilead é titular no Reino Unido, equivalente ao CCP 202 sub iudice, tendo sido claríssimo ao afirmar que o CCP do TRUVADA não preenche nenhum dos dois testes para que pudesse ser considerado válido, sendo que bastaria não preencher um deles para ser nulo. 46. Na sentença da primeira instância, o TPI interpretou e aplicou os acórdãos Medeva e Eli Lilly, tendo concluído, e bem, que o termo “outros ingredientes terapêuticos” da reivindicação 27 da EP ‘894 está redigido de forma “genérica, ampla e imprecisa”, e que interpretar tal expressão como se referindo de forma específica à emtricitabina, composto que à datada prioridade daEP‘894“estavanuma fase embrionária da investigação” e “não era usada em terapia, sozinha ou com outro antirretroviral”, “implicaria que se abrissem as portas para que, no futuro, as reivindicações fossem deliberadamente redigidas de forma ampla, vaga e genérica de modo a cobrir uma série de substâncias que nem sequer estavam na mente do inventor (…)”. 47. No acórdão recorrido, o TR.. confirmou a decisão da instância, interpretando o acórdão Teva v Gilead para concluir que “a emtricitabina não era um princípio ativo especificamente identificável à luz de todos os elementos divulgados pela EP ‘894” 48. DAS DECISÕES DOS TRIBUNAIS NACIONAIS E DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA QUE CONFIRMAM A INVALIDADE MANIFESTA DO CCP 202: Encontram-se juntas aos autos decisões proferidas por vários outros Tribunais europeus – nomeadamente em Espanha, França, Alemanha e Reino Unido - e pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no Acórdão Teva v Gilead sobre a mesma questão de facto e de direito, que comprovam a nulidade manifesta, dir-se-á mesmo gritante, do CCP 202 sub iudice. 49. DOS OBJETIVOS DO REGULAMENTO CCP: No recurso, a Gilead sustenta que o objetivo de um certificado complementar de proteção é o de incentivar a investigação farmacêutica levada a cabo com base numa determinada patente de base, e que o objetivo do Regulamento CCP é o de “corrigir a lacuna de proteção que surge do atraso no processo regulatório envolvido na introdução de produtos inovadores no mercado, com a consequente penalização da investigação farmacêutica”. 50. As afirmações da Gilead, verdadeiras em abstrato, são, na prática, e no que respeita ao CCP 202, desmentidas em absoluto, uma vez que ficou demonstrado que a Gilead reclamou proteção para invenção subjacente ao medicamento TRUVADA em data posterior à EP‘894, tendo pedido uma patente para esse efeito (a patente EP 1583542) e não sofreu qualquer atraso regulatório na introdução no mercado do produto efetivamente coberto pela EP ‘894, designado por VIREAD (tenofovir disoproxil). 51. Resultaram como provados da prova produzida nos autos, inter alia, os seguintes factos relevantes: Na EP ‘894 não há qualquer referência à emtricitabina (Facto Provado 17); A emtricitabina não está coberta pelas fórmulas de Markush da EP ‘894 (FactoProvado17); A emtricitabina não é um intermediário para análogos de nucleótidos fosfonometoxi (Facto Provado 21); À data da prioridade da EP’894, a emtricitabina não era um ingrediente terapêutico, só tendo sido aprovada para ser usada como ingrediente terapêutico em 2003 (cf. Facto Provado 22); Na EP ‘894 não há qualquer referência à eficácia antiviral da combinação do tenofovir com a emtricitabina (Facto Provado 17); A emtricitabina só foi aprovada para ser administrada como ingrediente terapêutico em combinação com o tenofovir disoproxil em 2005 (i.e., 8 anos depois da EP ‘894!) (Facto Provado 22); À data da prioridade da EP’894, a emtricitabina estava numa fase inicial de desenvolvimento, estudo esse que seria abandonado e reiniciado novamente em 1997, já depois da data de prioridade reivindicada na EP ‘894 (cf. Facto Provado 23); A Patente Europeia n.º 1583542 (“EP ’542”), titulada pela aqui Gilead Sciences Inc., com prioridade datada de 2003, reivindica expressamente na sua reivindicação n.º 1 uma formulação farmacêutica compreendendo a combinação de tenofovir disoproxil [fumarato] e emtricitabina (ou seja, o TRUVADA) (Facto Provado 24); A Gilead Sciences, Inc. defendeu perante o Instituto Europeu de Patentes que a formulação reivindicada na EP ‘542 era nova e inventiva (Facto Provado 25). A emtricitabina não é um composto enquadrável na definição de “composto de acordo com qualquer uma as reivindicações 1-25” (cf. Facto Provado 17). Os compostos da patente “de acordo com qualquer uma as reivindicações 1-25” destinam-se ao tratamento de uma ampla gama de vírus, quer em humanos, quer em animais, e não apenas do HIV (Facto Provado 10); A EP ‘894 não refere a emtricitabina pelo seu nome, nome químico, ou estrutura química (cf. Facto Provado 17); O termo “outro ingrediente terapêutico” não está definido na EP894, sendo as reivindicações e a descrição da EP ’894 omissas quanto a qualquer especificação nesse sentido (Facto Provado 19); a combinação dos ingredientes ativos tenofovir disoproxil (ou um seu sal) e emtricitabina não está identificada ou especificada na descrição e nas reivindicações da EP ’894 (cf., inter alia, o Facto Provado 17); Na EP ‘894, não existe qualquer exemplo relativo à eficácia antiviral do tenofovir disoproxil quando utilizado em combinação com a emtricitabina ou com quaisquer outros ingredientes terapêuticos, incluindo outros ingredientes antivirais ou antirretrovirais (Facto Provado 17); A EP ‘894 não providencia quaisquer elementos ou dados sobre uma possível vantagem terapêutica da combinação do tenofovir disoproxil com a emtricitabina ou com outros agentes antivirais ou antirretrovirais (Facto Provado 17). 52. Os factos acima demonstram que os “ingredientes terapêuticos” mencionados na reivindicação 27 da EP ‘894 não se referem nem podem referir de forma específica à emtricitabina, composto que estava em fase inicial de desenvolvimento em julho de 1996. 53. Para além disso, a EP ‘894 não faz referência em lado algum à combinação de tenofovir disoproxil e emtricitabina, nem providencia quaisquer elementos ou dados sobre uma possível vantagem terapêutica dessa combinação (os quais seriam indispensáveis para justificar a inventividade da mesma). 54. Aqui chegados, é verificável de forma evidente que não está de maneira alguma demonstrado, nem é demonstrável pela Gilead, que: a EP’894 ou as suas reivindicações visassem implícita, mas necessariamente, a emtricitabina de forma específica; a combinação do tenofovir com a emtricitabina estava necessariamente abrangida, à luz da descrição e dos desenhos da patente, pela invenção coberta por esta; ou que a emtricitabina fosse especificamente identificável à luz dos elementos divulgados pela EP ‘894. 55. Retirar essa conclusão de uma mera referência à expressão “opcionalmente outros ingredientes terapêuticos", incluída na reivindicação 27 da patente EP894, é contrariar frontalmente o entendimento do TJUE nas decisões acima expostas. 56. Com efeito, à luz da jurisprudência acima referida, a expressão “opcionalmente outros ingredientes terapêuticos" não é suficientemente específica para cumprir a exigência do artigo 3.º, alínea a) do Regulamento CCP, não servindo, como é evidente, para alargar o âmbito de proteção da EP ’894 de modo a abarcar a emtricitabina e/ou a combinação de tenofovir disoproxil (ou um seu sal) e emtricitabina. 57. Adicionalmente, sempre se dirá que a existência da patente posterior EP ’542, titulada pela Gilead, bem como as suas afirmações perante o Instituto Europeu de Patentes, corroboram expressamente a conclusão de que as reivindicações da patente EP ’894 não especificam/identificam a emtricitabina para os efeitos do artigo 3.º, al. a) do Regulamento CCP. 58. Como atrás referido, a reivindicação 1 da EP ’542 abarca especificamente uma formulação farmacêutica compreendendo tenofovir disoproxil fumarato e emtricitabina – i.e., o TRUVADA. Assim, a necessidade de a Gilead requerer uma patente posterior para permitir que o perito na arte realize a alegada invenção de uma formulação farmacêutica de combinação contendo os ingredientes ativos tenofovir disoproxil fumarato e emtricitabina demonstra que a patente EP ’894, incluindo a sua reivindicação 27, não estava suficientemente descrita para abarcar essa combinação. 59. Ou seja, considerando que a combinação de tenofovir disoproxil fumarato e emtricitabina foi defendida pela Gilead como sendo nova e inventiva à data da EP ’542 (i.e., 2004, com prioridade reivindicada de 14 de janeiro de 2003), não se pode nunca considerar que a patente anterior EP894, em 1996, "identificou/especificou" essa combinação, tal como exigido pelo artigo 3.º, alínea a) do Regulamento CCP. 60. Por conseguinte, o CCP 202 foi concedido em violação do disposto no artigo 3.º, alínea a) do Regulamento CCP, sendo, em consequência, o CCP 202 manifestamente nulo – cf. artigo 15º, n.º 1, al. a) do Regulamento CCP. *** 7. Por despacho da Exma. Desembargadora Relatora, a revista «normal» não foi admitida, por se ter considerado haver «dupla conforme». Desse despacho, vieram as rés reclamar para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do art. 643.º do C.P.C. 8. Neste Supremo Tribunal, a relatora proferiu despacho a deferir a reclamação e, consequentemente, a admitir o recurso de revista, nos termos previstos no art. 671º, nº 1, do CPC (v. apenso A). 9. Notificada desta decisão, a recorrida veio reclamar para a conferência, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 643º, nº 4, e 652º, nº 3, do CPC, tendo sido proferido acórdão, transitado em julgado, a indeferir a reclamação. 10. Como se sabe, o âmbito objetivo do recurso é definido pelas conclusões apresentadas (arts. 608.º, n.º 2, 635.º, nº 4 e 639º, do CPC), pelo que só abrange as questões aí contidas. Por sua vez – como vem sendo repetidamente afirmado – os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal que proferiu a decisão impugnada, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal a quo. Sendo assim, as questões objeto da revista são as seguintes: a) - Violação da lei do processo; b) - Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia; c) - Reapreciação da matéria de facto nos termos dos 682.º, n.ºs 2 e 3, e 683.º, do CPC; d) - Errada interpretação do art. 3.º, al. a), do Regulamento CCP; Subsidiariamente (i.e., para o caso de proceder alguma das questões acima enunciadas): e) - Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia no que toca à intempestividade do recurso de apelação (questão suscitada pela recorrida). *** II – Fundamentação de facto 11. As instâncias deram como provados os seguintes factos: 1 - A Gilead Sciences, INC é titular da patente de invenção europeia n° 915894 (EP894). 2 - A Gilead Biopharmaceuticals Ireland UC é a titular da licença de utilização da EP894. 3 - A Gilead Sciences, INC é titular do CCP202, relativo à Autorização de Introdução no Mercado (AIM) n° C(2005)456 relativa a medicamentos que compreendem a combinação dos princípios ativos emtricitabina e tenofovir disoproxil fumarato, tendo como patente base a EP894. 4 - O CCP202 tem como limite de vigência o dia 24/02/2020. 5 - A EP894 foi pedida em 25/07/1997, com base no pedido de patente internacional PCT/US97/13244, publicado como WO98/004569, em 05/02/1998. 6 - A EP894 reivindica a prioridade do pedido de patente norte-americano US 686838 de 26/07/1996. 7 - A EP894 tem como título "ANÁLOGOS NUCLEÓTIDOS". 8 - Do resumo da EP894 consta: «A presente invenção refere-se a novos compostos que compreendem ésteres de análogos de nucleótidos de fosfonometoxi antivirais com carbonatos e/ou carbomatos, com a estrutura - OC (R2)20C(0)X(R)a (...).» «Os compostos são úteis como intermediários para a preparação de compostos ou oligonucleótidos antivirais, ou são úteis para administração diretamente ao paciente para terapia ou profilaxia antiviral, Concretizações são particularmente úteis quando administradas oralmente». 9 - Do Contexto da Invenção consta: «A presente invenção refere-se a intermediários para análogos de nucleótidos fosfonometoxi, em particular a intermediários adequados para utilização no fornecimento oral eficiente de tais análogos». 10 - Das utilidades da Invenção consta: «Os compostos desta invenção são úteis para o tratamento ou profilaxia de uma ou mais infeções virais no homem ou em animais, incluindo infeções causadas por vírus DNA, vírus RNA, vírus herpes (CMV,HSV1,HSV2; VZV e afins), retrovírus, hepadnavírus (por exemplo HBV), vírus do papiloma, hantavírus, adenovírus e HIV. Outras infeções a serem tratadas com os compostos desta invenção incluem MSV, RSV, SIV, FIV, MuLV e outras infeções retrovirais de roedores e outros animais. A técnica precedente descreve a especificidade antiviral dos análogos de nucleótidos, e a especificidade do fármaco paterno é partilhada pelos compostos desta invenção (...). Os compostos desta invenção também são úteis como intermediários na preparação de etiquetas detetáveis para sondas de oligonucleótidos (...)». 11 - Nas formulações farmacêuticas da Invenção consta: «(...) Se bem que seja possível que os ingredientes ativos sejam administrados puros, é preferível apresentá-los como formulações farmacêuticas. As formulações da presente invenção incluem pelo menos um princípio ativo, como definido acima, juntamente com um ou mais transportadores aceitáveis e, opcionalmente, outros ingredientes terapêuticos. O(s) transportador(es) devem ser "aceitáveis" no sentido de serem compatíveis com outros ingredientes da formulação e de não serem prejudiciais para o paciente.» 12 - 0 CCP202 foi concedido com base na patente EP894 e na AIM do medicamento TRUVADA, o qual contém a associação de dois princípios ativos: TENOFOVIR DISOPROXIL e EMTRICITABINA. 13 - A patente EP894 tem 33 reivindicações. 14 - Os compostos intermediários para análogos de nucleótidos descritos na EP 894, nela identificados como compostos de fórmula (1a) e compostos de fórmula (1) por referência a fórmulas de Markush, englobam milhões de compostos possíveis, incluindo o tenofovir disoproxil. 15 - Os compostos intermediários para análogos de nucleótidos descritos na EP894 destinam-se ao tratamento de uma grande variedade de vírus existentes, não se limitando apenas ao HIV. 16 - O exemplo 16, tabela 2, pág. 73, da patente EP894 não implica que a patente fique limitada ao tratamento do HIV. 17 - Na EP894 não há qualquer referência à emtricitabina ou à eficácia antiviral da combinação do tenofovir com a emtricitabina ou outros antivirais e não está coberta pelas fórmulas de Markush da EP. 18 - Em julho de 1996 o perito da matéria desconhecia que a emtricitabina podia ser combinada com o tenofovir disoproxil, pois sabia que nem todas as combinações de agentes antivirais entravam em sinergia. 19 - 0 termo "outros ingredientes terapêuticos" referido na reivindicação 27 da EP894, não está definido no texto da patente, nem deste resulta que o mesmo esteja limitado à referência de agentes antivirais ou antirretrovirais. 20 - "Outros ingredientes terapêuticos" pode abranger vários tipos de compostos usados para o tratamento de vários tipos de vírus referidos na patente. 21 - A emtricitabina não é um intermediário para análogos de nucleótidos fosfonometoxi. 22 - A emtricitabina apenas foi aprovada em 2003 para ser administrada como ingrediente terapêutico, e em combinação foi aprovada em 2005. 23 - Em 1996 a emtricitabina encontrava-se numa fase muito inicial de desenvolvimento, tendo sido esse estudo abandonado e reiniciado em 1997. 24 - A patente europeia n° 1583542 pedida pela Gilead Sciences Inc. reivindicava a combinação de tenofovir disoproxii fumarato e emtricitabina, tendo data de prioridade de 14/01/2003. 25 - A Gilead Sciences Inc. defendeu perante o Instituto Europeu de Patentes que a formulação reivindicada na EP 542 era nova e inventiva. 26 - O Tribunal Federal Alemão de Patentes, por decisão de mérito proferida em 15/05/2018, anulou o certificado de proteção 202. 27 - O Tribunal de Grande Instância de Paris, por decisão de mérito proferida em 25/05/2018, anulou o certificado de proteção 202 por violação do art.3º, a), do Regulamento CE469/2009, de 06/05/2009. 28 - Na Grécia e na Suécia foram rejeitados pelos respetivos Institutos Nacionais de Patentes os certificados complementares de proteção equivalentes ao CCP202 tendo a EP894 como patente base. 29 - Na Suécia essa decisão foi confirmada pelo respetivo Tribunal de Recurso. 30 - Na Holanda também foi rejeitada a proteção do certificado complementar de proteção equivalentes ao CCP202 tendo a EP894 como patente base. 31 - O Tribunal de Comércio de Barcelona também revogou uma providência cautelar intentada pela R. Gilead Sciences com base num CCP equivalente ao CCP 202. 32 - O Tribunal Superior Marítimo e de Comércio da Dinamarca indeferiu uma providência cautelar intentada pela R. Gilead Sciences com base num CCP equivalente ao CCP 202. 12. Por sua vez, as instâncias deram como não provado que: a) - A emtricitabina fosse um ingrediente ativo usado à data da reivindicação da patente EP 894. b) - A emtricitabina esteja referida na EP 894. c) - A EP 894 se restrinja ao tratamento do HIV. d) - A expressão "outros ingredientes terapêuticos" referida na reivindicação 27 da EP 894 inclua necessária ou especificamente a emtricitabina ou qualquer outro ingrediente retroviral." *** III – Fundamentação de Direito 13. Das nulidades Sustentam as recorrentes que o acórdão recorrido deve ser anulado nos termos do art. 195.º, n.º 2, do CPC, por ter violado o disposto no art. 652.º, n.º 3, do CPC e no art. 20.º da CRP, dado que foi antecedido de um despacho, datado de 28.11.2019, que, tendo negado às recorrentes o direito de reclamar para a conferência do despacho do Relator de 12.11.2019, em violação do direito à tutela jurisdicional efetiva, é nulo. É manifesto que não lhes assiste razão. Com efeito: Por requerimento de 25.09.2019, as recorrentes pediram que se aguardasse pela prolação de acórdão do TJUE a proferir nos processos apensos C-650/17 e C-114/18 por forma a garantir uma interpretação harmonizada do Direito da União Europeia. Tal pretensão foi indeferida por despacho de 12.11.2019, da Exma. Desembargadora Relatora, com fundamento no facto de o Tribunal não dispor de elementos sobre os identificados processos e sobre as questões neles suscitadas e por não se justificar fazer diligências para as apurar, nem aguardar pela prolação de novos acórdãos do TJUE tendo em conta que o CCP 202 em causa nos autos tinha como limite de vigência 24.02.2020. Não obstante o processo já ter ido, anteriormente, aos vistos, foi, entretanto, com vista a nova Juíza Adjunta, tendo sido inscrito em tabela no dia 28.11.2019. Notificadas do despacho de 12.11.2109, por comunicação de 22.11.2019, vieram as recorrentes invocar, por requerimento de 27.11.2019, que o processo se encontrava inscrito para julgamento no dia 28.11.2019; porém, como só foram notificadas do despacho que indeferiu a sua pretensão em 25.11.2019, alegaram que o prazo de que dispunham para reclamar para a conferência apenas terminava em 10.12.2019, devendo, por isso, a Relação sobrestar na prolação do acórdão final. Tal pretensão foi indeferida por despacho de 28.11.2019, nos termos do art 6.º, n.º 1, do CPC, por se ter entendido que cabia providenciar pelo andamento célere do processo e recusar o que fosse meramente dilatório. O acórdão ora impugnado, que se debruçou sobre o objeto da apelação, foi, assim, proferido em 28.11.2019. Em 10.12.2019, as recorrentes reclamaram para a Conferência dos supra citados despachos proferidos em 12.11.2019 e em 28.11.2019, tendo sido proferido acórdão (em 26.3.2020), que indeferiu a reclamação. Assim sendo, e contrariamente ao alegado, as recorrentes não só não ficaram impedidas de reclamar para a Conferência, como, efetivamente, o fizeram, tendo recaído acórdão sobre a matéria dos despachos em questão. Tal é, pois, quanto basta para que improceda a sua pretensão, posto que, não tendo sido coartado qualquer direito às recorrentes, não foi violado nem o art. 652.º, n.º 3, do CPC, nem o direito à tutela jurisdicional efetiva consagrado no art. 20.º da CRP. Acresce que: Se é certo que a lei confere às partes a faculdade de reclamar para a Conferência de qualquer despacho do Relator, que não seja de mero expediente e que considerem que as prejudique, requerendo que sobre a matéria do despacho recaia acórdão, não é menos certo que não impõe que a deliberação da Conferência seja inserida no acórdão que venha a recair sobre o objeto do recurso. Na verdade, só assim sucederá se for possível, podendo na hipótese contrária, a deliberação da Conferência ser autonomizada: quer nos casos em que se imponha uma decisão imediata, quer nos casos em que o recurso já tenha sido decidido[1] (art. 652.º, n.ºs 3 e 4, do CPC). Não há, por isso, qualquer imposição legal no sentido de o tribunal ter de sobrestar na prolação do acórdão que incida sobre o objeto do recurso quando esteja a correr prazo para eventual reclamação para a Conferência de qualquer despacho que tenha sido proferido pelo Relator durante a pendência do processo na Relação. A entender-se de forma diversa estava a possibilitar-se que as partes impedissem a prolação do acórdão “final”, bastando, para tanto, que apresentassem sucessivos requerimentos, provocando a prolação dos competentes despachos e que invocassem que se encontrava em curso prazo para deles reclamar. Sublinhe-se, além disso, que, tal como bem observa a Relação no acórdão da Conferência - que indeferiu a reclamação e manteve os despachos impugnados – quando o processo já está inscrito em tabela para julgamento, nem mesmo nos casos em que falece ou se extingue qualquer das partes há lugar à suspensão da instância, ocorrendo esta apenas depois de proferido acórdão (art. 270.º, n.º 1, do CPC) – o que é bem demonstrativo do espírito do legislador e do sentido da lei. Ora, in casu, aquando da apresentação do requerimento de 27.11.2019 (no qual as recorrentes pediram que se sobrestasse na prolação do acórdão enquanto estivesse a decorrer prazo para reclamar para a conferência), já o processo tinha ido aos vistos e estava inscrito em tabela para julgamento, para o dia seguinte, não havendo qualquer fundamento para que dela fosse retirado. É de referir, por último, que sempre assistiria às recorrentes o direito de, querendo, recorrerem nos termos gerais do acórdão em que a conferência deliberou manter os despachos da relatora, pelo que, não o tendo feito, também não seria esta, no que concerne à matéria dos ditos despachos, a sede própria para o fazerem (art. 652.º, n.º 5, al. b), do CPC). Tudo para concluir que a invocada anulação do acórdão recorrido nos termos do art. 195.º, n.º 2, do CPC, sendo destituída de fundamento legal, tem, necessariamente, de improceder. *** Invocam também as recorrentes que o acórdão é nulo, por omissão de pronúncia, uma vez que requereram, na apelação, a reapreciação do facto 23, em toda a sua dimensão, sem que a Relação se tenha pronunciado sobre toda a matéria ali inserta. A Relação, no acórdão proferido em 26.3.2020,afastou a invocada nulidade uma vez que, se no que se refere à parte inicial do ponto 23, da matéria de facto provada as recorrentes defenderam que a mesma devia ser integralmente revogada, já no que tange à sua segunda parte limitaram-se a dizer que a mesma é irrelevante, sem especificar a decisão que, no seu entender, devia ser proferida, sendo que afirmar que a matéria de facto é irrelevante não significa considerar que foi incorretamente julgada. Afigura-se-nos que se decidiu acertadamente, tanto mais que as patologias ocorridas no plano da decisão de facto não configuram as nulidades previstas no art. 615.º do CPC, designadamente a nulidade decorrente de omissão de pronúncia. Conforme se afirmou no Acórdão do STJ de 10-12-2020[2] , muito embora o atual Código de Processo Civil tenha concentrado, na sentença final, o julgamento da matéria de facto, há que distinguir os vícios de que possa enfermar a decisão de facto dos que possam afetar a decisão sobre o mérito, uma vez que as patologias ocorridas no plano da decisão de facto (cf. art. 607.º, n.ºs 1 a 4, do CPC, aplicável aos acórdãos da Relação por força do estatuído no art. 663.º, n.º 2, do mesmo Código) não configuram as nulidades previstas no art. 615.º do CPC que enuncia – com caráter taxativo – as causas de nulidade da sentença. Por outro lado, é certo que as recorrentes não impugnaram verdadeiramente a segunda parte do facto vertido no ponto 23, uma vez que a alegada irrelevância não equivale a afirmar a incorreção do seu julgamento e, por conseguinte, não tinha que haver pronúncia quanto ao que não foi pedido. Quando muito, as recorrentes poderiam pôr em causa, em sede de decisão de mérito, o atendimento desse facto, caso entendessem que lhe tinha sido atribuída, indevidamente e em face do direito aplicável, relevância. A verdade, porém, é que, ainda que fosse esse o caso – mas não é porque não foi invocado – a consideração de um facto que não devia ser atendido jamais consubstanciaria nulidade da decisão (por não constituir, em si, uma questão a resolver nos termos do art. 608.º, n.º 2, do CPC), antes se podendo reconduzir a eventual erro de julgamento[3]. Não se verificando, portanto, a invocada omissão de pronúncia, improcede a arguida nulidade. *** 14. Da fixação dos factos materiais da causa Alegam as recorrentes que a matéria de facto constante dos pontos 18 a 20 deve ser reapreciada, nos termos dos 682.º, n.ºs 2 e 3, e 683.º, ambos do CPC, na medida em que tiveram por base conclusões extraídas por quem não é perito na matéria – já que, no caso, este é um médico com experiência em terapia antiviral, nomeadamente VIH – relevando, para interpretar a reivindicação 27 da patente, o conhecimento geral comum que o mesmo teria à data da prioridade. Vejamos. Dispõe o artigo o artigo 682.º, n.º 1, do CPC que aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado; acrescentando o n.º 2 do mesmo normativo que a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º. Preceitua, por sua vez, este último normativo que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. Conforme decorre destes normativos, o STJ, enquanto tribunal de revista, em regra, apenas conhece de matéria de direito, não lhe cabendo sindicar a matéria de facto apurada pelas instâncias, a não ser que se verifique algum dos casos excecionais expressamente previstos na lei. Tal como refere, a este propósito, Teixeira de Sousa[4], a atividade do Supremo não se preocupa com as possíveis alternativas sobre o julgamento dos factos relevantes, mas exclusivamente com a determinação da solução jurídica adequada para os factos apurados pelas instâncias, já que na função atribuída ao Supremo prevalecem os interesses gerais de harmonização na aplicação do direito sobre a averiguação dos factos relativos ao caso concreto e a concentração dos seus esforços na determinação da norma aplicável e no controlo da sua interpretação e aplicação pelas instâncias. Assim, face ao disposto no artigo 674.º, n.º 3, do CPC, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça circunscreve-se a aspetos em que se tenha verificado a violação de normas de direito probatório material (por, nessa hipótese, estarem em causa verdadeiros erros de direito), não abrangendo, porém, questões inerentes à decisão da matéria de facto quando a convicção do julgador assentar na formulação de um juízo assente na livre apreciação da prova formulado pela 1.ª instância ou até pela Relação[5]. Ora, no caso em apreço, não obstante as recorrentes terem lançado mão do conceito de perito da matéria e de se socorrerem da interpretação do art. 3.º, al. a), do Regulamento n.º 469/2009 fixada pelo TJUE para, dessa forma, procurarem demonstrar que está em causa matéria que cabe nos poderes de apreciação do STJ, a verdade é que não invocam que tenha sido ofendida qualquer norma de direito probatório material que se enquadre numa das supra referidas exceções previstas na lei. Com efeito, o que decorre da sua alegação recursória (e das conclusões da revista) é que as recorrentes não se conformam com a apreciação crítica que o Tribunal a quo fez da prova testemunhal produzida, nem com a circunstância de, nessa apreciação, ter entendido que uns depoimentos testemunhais não eram contraditados por outro (em concreto, o depoimento da testemunha DD) para, assim, formar a sua convicção no que concerne à factualidade que deu como provada sob os pontos 18. a 20. Na realidade, ainda que a pretexto de supostos conceitos de direito e de interpretações jurídicas que defendem em abono da sua tese, as recorrentes limitam-se a manifestar a sua discordância por o Tribunal se ter ancorado no depoimento de profissionais de certas áreas e não de outras, mormente de um médico que arrolaram como testemunha e cujo curriculum não foi posto em causa. Acontece que, para além de tal afirmação não ser exata[6], o certo é que se está no domínio da prova testemunhal e da convicção que, com base nela, o Tribunal formou. Ora, estando a prova testemunhal sujeita ao princípio da livre apreciação da prova (arts. 396.º do CC, e art. 607.º, n.º 5, do CPC), forçoso é concluir que a discordância das recorrentes acerca da apreciação crítica que dela foi feita pelo Tribunal recorrido não se enquadra em nenhuma das exceções previstas na parte final do art. 674.º, n.º 3, do CPC, estando, como tal, o STJ impedindo de sindicar a decisão da matéria de facto que resultou da apreciação desse meio probatório. Esta orientação tem, aliás, sido, pacificamente, adotada no STJ, tal como ilustram, entre muitos outros, o acórdão de 19-01-2017[7], em cujo sumário se deixou dito que (…) II - Na fixação da matéria factual relevante para a solução do litígio a Relação tem a derradeira palavra, através do exercício dos poderes que lhe são conferidos pelos n.ºs 1 e 2 do art.º 662.º do Cód. de Proc. Civil, acrescendo que da decisão proferida nesse particular pela Relação não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (art.º 662º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil). III - É residual a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no apuramento da factualidade relevante da causa, restringindo-se, afinal, a fiscalizar a observância das regras de direito probatório material, a determinar a ampliação da matéria de facto ou o suprimento de contradições sobre a mesma existentes) e o acórdão de 22-01-2015[8], em cujo sumário se afirmou que: I - A lei portuguesa prevê apenas um grau de recurso no julgamento da matéria de facto, razão pela qual a intervenção do STJ nesta matéria apenas se justifica sempre que o tribunal recorrido tenha ofendido uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova, para a existência do facto, ou que fixe a força de determinado meio de prova; mas já não nas circunstâncias em que apenas se pretende reanalisar a apreciação que as instâncias fizeram de prova testemunhal, pericial ou qualquer outra sujeita ao princípio da livre apreciação da prova. (…)[9]. Refira-se, por fim, que, apesar de as recorrentes invocarem nas conclusões que a matéria de facto devia ser reapreciada nos termos dos arts. 682.º, n.º 3, e 683.º do CPC, não indicaram quaisquer contradições de que enferme a decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito e nem alegaram que a decisão de facto deva ser ampliada, sendo que é apenas para estes casos que regem os citados normativos. Em face do exposto, não existindo erro suscetível de ser sindicado pelo STJ, não pode, nesta parte, conhecer-se do objeto do recurso, mantendo-se, em consequência, inalterada a matéria de facto dada como provada pela Relação (arts. 662.º, n.º 4, e 607.º, n.º 5, do CPC, este último aplicável ex vi do disposto no art. 663.º, n.º 2, do mesmo Código). *** 15. Do Certificado Complementar de Proteção Sustentam as recorrentes que, ao proferir o acórdão recorrido sem nunca mencionar as reivindicações da patente de base em vigor (EP 894), a Relação interpretou o art. 3.º, al. a), do Regulamento CCP sem respeitar a interpretação que dele fez o Tribunal de Justiça da União Europeia (doravante TJUE) no acórdão C-121/17, bem como o art. 69.º da Convenção sobre a Patente Europeia (doravante CPE) e o seu protocolo interpretativo, já que, devendo o citado normativo ser interpretado à luz do conhecimento do perito na matéria (médico especialista em VIH), em face do estado da técnica à data da prioridade da patente, a emtricitabina é identificável nas reivindicações da EP 894 – mormente na reivindicação 27 –, à luz de todos os elementos que a mesma divulga, sendo, portanto, de concluir, contrariamente ao afirmado pela Relação, que o CCP 202 é plenamente válido. Atendendo, porém, à factualidade provada, é manifesto que não lhes assiste razão, pois, como veremos, a sua alegação de que a emtricitabina é identificável nas reivindicações da EP 894 está alicerçada em factos que não resultaram provados, tendo, ao invés, ficado provada factualidade bem diversa. Senão vejamos: A questão que cumpre apreciar e decidir consiste em saber se a combinação dos princípios ativos que é objeto da proteção conferida pelo certificado complementar de proteção n.º 202 (CCP 202) está ou não protegida pela patente de invenção europeia n.º 915894 (EP 894). O certificado complementar de proteção para os medicamentos foi introduzido na ordem jurídica da União pelo Regulamento (CEE) n.º 1768/92, do Conselho, de 18.6.1992, o qual, mercê de sucessivas alterações, veio a ser codificado, por razões de clareza e racionalidade, pelo Regulamento n.º 469/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6.5.2009. Na verdade, o legislador comunitário, tendo presente que a investigação no domínio farmacêutico contribui decisivamente para a melhoria contínua da saúde pública e ponderando, por um lado, que os medicamentos, resultando de uma investigação longa e onerosa, só continuarão a ser desenvolvidos se beneficiarem de uma regulamentação favorável que preveja uma proteção suficiente para incentivar a investigação, e, por outro, que o período que decorre entre o depósito de um pedido de patente para um novo medicamento e a respetiva autorização de introdução no mercado (AIM) reduz a proteção efetiva conferida pela patente a um período insuficiente para amortização dos investimentos realizados com a investigação farmacêutica entendeu que era conveniente prever uma solução uniforme a nível comunitário, com vista a evitar uma evolução divergente das legislações nacionais, suscetível de entravar a livre circulação dos medicamentos e, consequentemente, de afetar o funcionamento do mercado interno[10]. O objetivo do certificado complementar de proteção é, assim, o de prolongar a duração da proteção da patente para os princípios ativos utilizados em medicamentos. O Regulamento n.º 469/2009 confere aos produtores de medicamentos a possibilidade de, através do dito certificado, prolongarem os seus direitos de exclusividade sobre os princípios ativos patenteados por um período máximo total de quinze anos, a partir da primeira autorização de colocação no mercado da União do medicamento em causa. Trata-se, ainda assim, de um regime que visa garantir o equilíbrio entre os vários interesses em causa no sector farmacêutico: por um lado, os interesses das empresas e instituições, que desenvolvem atividades de investigação muito dispendiosas nesse domínio, pretendendo, por isso, um prolongamento da duração da proteção das suas invenções para poderem amortizar as despesas de investimento e, por outro lado, os interesses dos fabricantes de medicamentos genéricos que, devido a esse prolongamento, ficam impedidos de produzir e comercializar os medicamentos genéricos, sendo que estes implicam, em geral, uma redução do preço dos medicamentos. Entre os interesses de uns e de outros, encontram-se ainda os pacientes que têm interesse em que sejam desenvolvidos novos princípios ativos para medicamentos, mas têm também interesse em que estes sejam oferecidos a preços acessíveis [11]. Foi precisamente tendo em vista a necessidade de conciliação dos diferentes interesses em jogo (incluindo o interesse da saúde pública), num sector tão complexo e sensível como o farmacêutico, que o legislador estabeleceu que a proteção conferida pelo certificado está sujeita a um limite de duração máximo e que a sua concessão depende da verificação cumulativa de determinados requisitos. Nos termos do art. 2.º do Regulamento (CE) n.º 469/2009, do Parlamento e do Conselho de 6.5.2009, relativo ao certificado complementar de proteção para os medicamentos (doravante Regulamento CCP), os produtos protegidos por uma patente no território de um Estado-Membro e sujeitos, enquanto medicamentos, antes da sua introdução no mercado, a um processo de autorização administrativa, podem ser objeto de um certificado, nas condições e segundo as regras previstas no presente regulamento. Dispõe, por sua vez, o art. 3.º do mesmo Regulamento, na parte que ora releva, que o certificado é concedido se no Estado-membro onde for apresentado o pedido previsto no artigo 7.º e à data de tal pedido: a) O produto estiver protegido por uma patente de base em vigor (…). Para efeitos do Regulamento CCP, entende-se por “Medicamento” qualquer substância ou associação de substâncias com propriedades curativas ou preventivas em relação a doenças humanas ou animais, bem como qualquer substância ou associação de substâncias que possa ser administrado ao homem ou a animais com vista a estabelecer um diagnóstico médico ou a restaurar, corrigir ou alterar funções orgânicas no homem ou nos animais; já o “Produto” é o princípio ativo ou associação de princípios ativos contidos num medicamento; enquanto a “Patente de base” é a patente que protege um produto como tal, um processo de obtenção de um produto ou uma aplicação de um produto e que tenha sido designado pelo seu titular para efeitos do processo de obtenção de um certificado ((cf. art. 1.º, do Regulamento em questão). O certificado, uma vez concedido, confere os mesmos direitos que os atribuídos pela patente de base, estando sujeito às mesmas limitações e obrigações; contudo, a proteção que o mesmo concede apenas abrange o produto coberto pela AIM do medicamento correspondente para qualquer utilização do produto, como medicamento, que tenha sido autorizada antes do termo de validade do certificado (arts. 4.º e 5.º do Regulamento CCP). Acresce que, caso se verifique que o certificado foi concedido sem observância dos requisitos previstos no citado art. 3.º, será anulado (art. 15.º do Regulamento CCP). É esta, precisamente, a questão central que se discute nestes autos. Conforme se referiu, as recorrentes sustentam que a Relação fez uma inadequada interpretação do art. 3.º, al. a), do Regulamento CCP, por desrespeitar a jurisprudência do TJUE. A citada norma – art. 3.º do Regulamento CCP – que estabelece os requisitos, de verificação cumulativa, de que depende a obtenção do certificado complementar de proteção tem suscitado, ao longo do tempo, dúvidas de interpretação que o TJUE tem procurado dissipar. Para essa tarefa interpretativa, releva o art. 69.º da CPE, assinada em Munique, em 5.10.1973[12], que estatui, no seu n.º 1, que o âmbito da proteção conferida pela patente europeia ou pelo pedido de patente europeia é determinado pelas reivindicações. Não obstante, a descrição e os desenhos servem para interpretar as reivindicações; acrescentando o n.º 2 que durante o período até à concessão da patente europeia, o âmbito da proteção conferida pelo pedido de patente europeia é determinado pelas reivindicações contidas no pedido tal como publicado. Contudo, a patente europeia, tal como concedida ou modificada no decurso do procedimento de oposição, de limitação ou de revogação, determina retroativamente a proteção. Importa, para além disso, ter presente o art. 1.º do Protocolo Interpretativo do art.69º da referida Convenção, que dela faz parte integrante[13], que preceitua que o artigo 69º não deve ser interpretado como significando que a extensão da proteção conferida por uma patente europeia é determinada no sentido estrito e literal do texto das reivindicações e que a descrição e os desenhos servem unicamente para dissipar as ambiguidades que poderiam ocorrer nas reivindicações. Nem deve ser considerado como significando que as reivindicações servem unicamente como orientação e que a proteção se estende também ao que, da consideração da descrição e desenhos por um especialista na matéria, o titular da patente entendeu proteger. Pelo contrário, o artigo 69º deve ser interpretado como definindo uma posição, entre estes extremos, que assegura simultaneamente uma proteção justa ao titular da patente e um grau razoável de segurança jurídica para terceiros. No que toca à descrição da invenção, prescreve o art. 83.º da CPE que a invenção deve ser descrita no pedido de patente europeia de forma suficientemente clara e completa para que um perito na matéria a possa executar; estatuindo o 84.º do mesmo instrumento, a propósito das reivindicações, que estas, definindo o objeto da proteção pedida, devem ser claras e concisas e apoiar-se na descrição. Dispõe, no mesmo sentido, o art. 66.º do Código da Propriedade Industrial[14] que a invenção deve ser descrita no pedido de patente de maneira suficientemente clara e completa que permita a sua execução por um perito na especialidade. Vejamos, então, por força do princípio da interpretação conforme, a interpretação que o TJUE tem feito, à luz das regras acima enunciadas, do art. 3.º, al. a), do Regulamento n.º 469/2009. Por sua vez, no acórdão de 24-11-2011[15], proferido no processo C-322/2010 (Medeva), o TJUE sublinhou que, conferindo o CCP os mesmos direitos que os conferidos pela patente de base e estando sujeito às mesmas limitações e obrigações nos termos do art. 5.º do Regulamento CCP, daí decorre que o art. 3.º, al. a), do mesmo Regulamento se opõe à concessão de um certificado para princípios ativos que não figurem no texto das reivindicações dessa patente de base; acrescentando que, do mesmo modo, se uma patente reivindica uma associação de dois princípios ativos, mas não contém nenhuma reivindicação relativamente a um desses princípios ativos considerado individualmente, não pode ser concedido um CCP com base em tal patente para um desses princípios ativos considerados isoladamente. Trata-se de uma abordagem que é corroborada, conforme faz notar o TJUE, pelo ponto 20., n.º 2, da exposição de motivos da Proposta de Regulamento (CEE) do Conselho, de 11-04-1990, relativo à criação de um certificado complementar de proteção para os medicamentos, no qual é expressa e unicamente feita referência, quanto ao que é «protegido pela patente de base», ao texto das reivindicações da patente de base, bem como pelo considerando 14 do Regulamento (CE) n.º 1610/96 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23-07-1996, relativo à criação de um certificado complementar de proteção para os produtos fitofarmacêuticos, no qual se refere a necessidade de que os «produtos» sejam objeto de patentes que os reivindiquem especificamente[16]. Nesta conformidade, declarou o TJUE, no acórdão Medeva, que o artigo 3.º, alínea a), do Regulamento (CE) n.º 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Maio de 2009, relativo ao certificado complementar de proteção para os medicamentos, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades competentes em matéria de propriedade industrial de um Estado‑Membro concedam um certificado complementar de proteção para princípios ativos que não são mencionados no texto das reivindicações da patente de base invocada em apoio desse pedido. Posteriormente, no acórdão de 12-12-2013, proferido no processo C-493/2012 (Ely Lilly), o TJUE reforçou o papel essencial das reivindicações para determinar se um produto está protegido por uma patente de base na aceção do art. 3.º, al. a), do Regulamento CCP[17], reafirmando que um princípio ativo que não seja mencionado nas reivindicações de uma patente de base, através de uma definição estrutural ou até mesmo, em determinadas condições, funcional, não pode ser considerado como estando protegido na aceção do citado normativo. Ou seja, ainda que o TJUE tenha admitido que nem sempre é necessária uma referência literal ao princípio ativo, através do seu nome ou da sua estrutura química, nas reivindicações de uma patente de base, podendo uma definição funcional de um princípio ativo constante dessas reivindicações ser suficiente, tal apenas sucederá em determinados casos que o Tribunal especificou[18]. Por estas razões, concluiu o TJUE, no acórdão Eli Lilly, que o artigo 3.°, alínea a), do Regulamento (CE) n.º 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, relativo ao certificado complementar de proteção para os medicamentos, deve ser interpretado no sentido de que, para se poder considerar que um princípio ativo está «protegido por uma patente de base em vigor» na aceção desta disposição, não é necessário que o princípio ativo esteja mencionado nas reivindicações desta patente, através de uma fórmula estrutural. Quando este princípio ativo estiver coberto por uma fórmula funcional contida nas reivindicações de uma patente concedida pelo Instituto Europeu de Patentes, o mesmo artigo 3.º, alínea a), não se opõe, em princípio, à emissão de um certificado complementar de proteção para este princípio ativo, na condição, porém, de que, com base nessas reivindicações, interpretadas designadamente à luz da descrição da invenção, conforme previsto no artigo 69.º da Convenção sobre a concessão de patentes europeias e no protocolo interpretativo do mesmo, seja possível concluir que essas reivindicações visavam, implícita mas necessariamente, o princípio ativo em causa, de forma específica, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Por sua vez e mais relevantemente, no processo n.º C-121/17 (Teva v Gilead), o TJUE pronunciou-se, no acórdão de 25-07-2018, acerca dos critérios que permitem determinar se um produto composto por vários princípios ativos de efeito combinado é protegido por uma patente de base em vigor na aceção do art. 3.º, al. a), do Regulamento CCP. Este processo teve por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado no âmbito de um litígio, no Reino Unido, que opunha, além do mais, a Teva UK Ltd. à Gilead Sciences Inc., contestando a primeira a validade do CCP concedido à segunda para um produto farmacêutico destinado ao tratamento do vírus da imunodeficiência humana (VIH). Trata-se, por isso, de situação em tudo similar à dos presentes autos, estando em causa um CCP, que tem por base a mesma patente e que é relativo ao mesmo medicamento antirretroviral (comercializado sob a marca TRUVADA), que contém dois princípios ativos – o tenofovir disoproxil e a emtricitabina – sendo que, tal como sucede no caso vertente, também aí a Gilead se apoiava na reivindicação 27 para defender que a emtricitabina vinha aí definida funcionalmente, estando, por isso, a combinação dos ditos princípios protegida pela patente de base. Neste acórdão, o TJUE reiterou o papel essencial das reivindicações para determinar se um produto está protegido por uma patente de base na aceção do art. 3.º, al. a), do Regulamento CCP, salientando, no que se refere à patente europeia, que, nos termos do art. 69.º da CPE (supra transcrito), o âmbito da proteção conferida por essa patente é determinado pelas reivindicações, devendo estas assegurar simultaneamente, em conformidade com o protocolo interpretativo, uma proteção justa ao titular da patente e um grau razoável de segurança jurídica para terceiros – o que significa que não devem servir unicamente de linhas diretrizes, nem ser lidas no sentido de que significam que o âmbito da proteção conferido por uma patente é determinado pelo sentido estrito e literal do texto das reivindicações. Relembrou igualmente que, assim sendo, o citado normativo não se opõe a que um princípio ativo que corresponde à definição funcional constante das reivindicações de uma patente emitida pelo IEP possa ser considerado como estando protegido por aquela patente, na condição, porém, de que, com base nessas reivindicações, interpretadas designadamente à luz da descrição da invenção, seja possível concluir que essas reivindicações visavam, implícita mas necessariamente, o princípio ativo em causa, de forma específica. Em consequência e por força da interpretação fixada pelo TJUE, um produto só pode ser considerado protegido pela patente de base em vigor quando o produto objeto do CCP seja expressamente mencionado, ou seja, necessária e especificamente visado, nas reivindicações dessa patente. Para tanto, conforme sublinha o TJUE, há que atentar na descrição e nos desenhos da patente de base, posto que esses elementos permitem determinar se o produto objeto do CCP é visado nas reivindicações da patente de base e é efetivamente abrangido pela invenção coberta por essa patente. Trata-se de uma exigência que é conforme com o objetivo do CCP, que consiste em restabelecer um período suficiente de proteção efetiva da patente de base, permitindo ao seu titular beneficiar de um período suplementar de exclusividade após a expiração dessa patente, destinado a compensar, pelo menos parcialmente, o atraso sofrido na exploração comercial da sua invenção, devido ao lapso de tempo decorrido entre a data do depósito do pedido de patente e a da obtenção da primeira AIM na União[19]. Importa, contudo, ter presente que seria contrário ao objetivo do Regulamento n.º 469/2009 conceder um CCP para um produto que não fosse abrangido pela invenção coberta pela patente de base, na medida em que esse CCP não teria por objeto os resultados da investigação reivindicados por essa patente. Em consequência, tal como afirma o TJUE, o CCP não se destina a ampliar o âmbito da proteção conferida por esta patente para lá da invenção coberta pela referida patente. Refira-se, ademais, que admitir que um CCP possa conferir uma proteção mais ampla ao titular da patente de base do que a assegurada por esta patente a título da invenção por ela coberta seria igualmente contrário à conciliação que deve ser feita entre os diversos interesses em jogo já que se, por um lado, importa incentivar a investigação e conferir proteção aos interesses da indústria farmacêutica, não podem, por outro lado, ser preteridos os de interesse público. Decorre do exposto, tendo em conta os objetivos visados pelo Regulamento e tal como observa o TJUE, que as reivindicações não podem permitir ao titular da patente beneficiar, através da obtenção de um CCP, de uma proteção que ultrapasse a que é conferida pela invenção coberta por essa patente e daí que, para efeitos de aplicação do art. 3.º, al. a), as reivindicações da patente de base devam ser entendidas à luz dos limites da invenção divulgada, conforme resulta da descrição e dos desenhos dessa patente, limitando-se o objeto da proteção conferida pelo certificado às características técnicas da invenção coberta pela patente de base, conforme reivindicadas por essa patente[20]. Ora, devendo tais reivindicações ser interpretadas por referência ao ponto de vista do especialista na matéria[21], cumprirá verificar, primeiramente, se este pode compreender, de forma unívoca, com base nos seus conhecimentos gerais e à luz da descrição e dos desenhos da invenção que estão contidos na patente de base, se o produto visado nas reivindicações constitui uma característica técnica necessária para a solução do problema técnico, divulgada por essa patente. Para tanto e em segundo lugar, ter-se-á de considerar a evolução técnica à data de depósito ou à data de prioridade da patente, de modo que o produto possa ser especificamente identificado pelo especialista na matéria à luz de todos os elementos divulgados por aquela. E compreende-se que assim seja, uma vez que, caso essa apreciação pudesse ser feita à luz dos resultados da investigação realizada após as referidas datas, a obtenção de um CCP permitiria ao seu titular beneficiar indevidamente de uma proteção para esses resultados, apesar de estes ainda não serem conhecidos à data de prioridade ou do depósito da referida patente e, além disso, à margem de qualquer processo destinado à obtenção de uma nova patente – o que, naturalmente e em face de tudo quanto já se deixou exposto, contrariaria o Regulamento n.º 469/2009. Pelas razões expostas, de acordo com a interpretação fixada pelo TJUE, um produto é protegido por uma patente de base, na aceção do art. 3.º, al. a), do Regulamento em causa, desde que, mesmo que não esteja expressamente mencionado nas reivindicações da patente de base, esse produto seja necessária e especificamente visado por uma das reivindicações dessa patente. Para esse efeito, devem verificar-se duas condições cumulativas: (i) o produto deve estar necessariamente abrangido, para o especialista na matéria, à luz da descrição e dos desenhos da patente de base, pela invenção coberta por esta patente; e (ii) o especialista na matéria deve poder identificar especificamente esse produto, à luz de todos os elementos divulgados pela referida patente, e com base na evolução técnica à data de depósito ou da prioridade da mesma patente – sendo que esta interpretação é igualmente válida para as situações em que os produtos objeto de um CCP sejam compostos por vários princípios ativos de efeito combinado (como sucede in casu)[22]. Partindo destes pressupostos, o TJUE indicou o caminho a seguir, clarificando que para responder à questão de saber se uma reivindicação, como a reivindicação 27 da patente de base em causa, cobre efetivamente uma combinação como a combinação TD/emtricitabina objeto do CCP em causa, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se a expressão genérica «outros ingredientes terapêuticos», associada ao inciso «eventualmente», preenche o requisito de que o produto deve ser necessária e especificamente visado nas reivindicações da patente em causa. Em especial, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, em conformidade com as enunciadas considerações, se, do ponto de vista do especialista na matéria, a combinação dos princípios ativos que compõem o produto objeto do CCP em causa está necessariamente abrangida pela invenção coberta por essa patente e se cada um desses princípios ativos é especificamente identificável, com base na evolução técnica à data de depósito ou de prioridade da referida patente[23]. Acresce que, no caso analisado no processo de reenvio prejudicial C-121/17 que se vem analisando e seguindo de perto[24], resultando das indicações contidas na decisão de reenvio que a descrição da patente de base em causa não dá nenhuma indicação quanto à eventualidade de a invenção coberta por essa patente poder dizer especificamente respeito a um efeito combinado do tenofovir disoproxil (TD) e da emtricitabina no tratamento do VIH, tal como o TJUE fez notar, o especialista na matéria, com base na evolução técnica à data de depósito ou de prioridade dessa mesma patente, não parece estar em condições de compreender como pode a emtricitabina estar necessariamente abrangida, em combinação com o TD, pela invenção coberta por esta patente, competindo, no entanto, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é, efetivamente, esse o caso. E, por outro lado, compete-lhe ainda determinar se a emtricitabina pode ser especificamente identificada por esse especialista na matéria à luz de todos os elementos contidos na referida patente, e com base na evolução técnica à data de depósito ou de prioridade da mesma patente.[25] Em face do exposto, declarou o TJUE, no acórdão Teva v Gilead, que O artigo 3.º, alínea a), do Regulamento n.º 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, relativo ao certificado complementar de proteção para os medicamentos, deve ser interpretado no sentido de que um produto composto por vários princípios ativos de efeito combinado é «protegido por uma patente de base em vigor», na aceção desta disposição, quando a combinação dos princípios ativos que o compõem, mesmo que não esteja expressamente mencionada nas reivindicações da patente de base, é necessária e especificamente visada nessas reivindicações. Para o efeito, do ponto de vista do especialista na matéria e com base na evolução técnica à data de depósito ou de prioridade da patente de base: – A combinação desses princípios ativos deve ser necessariamente abrangida, à luz da descrição e dos desenhos da patente, pela invenção coberta por esta, e – Cada um dos referidos princípios ativos deve ser especificamente identificável, à luz de todos os elementos divulgados pela referida patente . Já depois da prolação do acórdão recorrido, o TJUE declarou ainda, no acórdão de 30-04-2020, proferido no processo C-650/17[26] (Royalty Pharma), que: 1) O artigo 3.º, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, relativo ao certificado complementar de proteção para os medicamentos, deve ser interpretado no sentido de que um produto está protegido por uma patente de base em vigor, na aceção desta disposição, quando responde a uma definição funcional geral utilizada por uma das reivindicações da patente de base e está abrangido necessariamente pela invenção coberta por essa patente, sem que resulte, no entanto, de forma individualizada, enquanto composição concreta, das especificações técnicas da referida patente, desde que seja especificamente identificável, à luz de todos os elementos divulgados pela mesma patente, pelo especialista na matéria, com base nos seus conhecimentos gerais no domínio em questão à data de depósito ou de prioridade da patente de base e na evolução técnica nessa mesma data. 2) O artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009 deve ser interpretado no sentido de que um produto não está protegido por uma patente de base em vigor, na aceção desta disposição, quando, embora esteja abrangido pela definição funcional constante das reivindicações dessa patente, tenha sido desenvolvido após a data de depósito do pedido de patente de base, na sequência de uma atividade inventiva autónoma. Neste processo, o TJUE remeteu, no essencial, para as considerações feitas nos precedentes acórdãos, acrescentando, em face da particularidade do caso[27], que quando o produto não está explicitamente divulgado pelas reivindicações da patente de base, mas está compreendido num definição funcional geral como a utilizada pela patente de base em causa no processo principal[28], o produto poderá estar protegido se o especialista na matéria puder deduzir, direta e inequivocamente, da especificação da patente, tal como foi depositada, que o produto objeto do CCP se insere no objeto de proteção dessa patente. Todavia, o TJUE sublinhou que o facto de esse produto estar abrangido pela definição funcional constante das reivindicações da patente não invalida a interpretação de que se o mesmo tiver sido desenvolvido após a data de depósito ou de prioridade da patente de base, na sequência de uma atividade inventiva autónoma, já não poderá considerar-se abrangido pelo objeto da proteção conferida por essa patente. Exposta a interpretação que o TJUE tem feito do art. 3.º, al. a), do Regulamento n.º 469/2009, cumpre, então, analisar, à luz dessa interpretação, a factualidade fixada nos autos por forma a apurar se o produto para o qual as recorrentes obtiveram o CCP 202 está, ou não, protegido por uma patente de base na aceção do referido normativo. Recorde-se, a propósito, que as recorrentes são, respetivamente, titulares da patente de invenção europeia n.º 915894 (EP 894) e da licença de utilização dessa patente. A 1.ª recorrente é titular do CCP 202, relativo à Autorização de Introdução no Mercado (AIM) n.º C(2005)456 relativa ao medicamento TRUVADA que compreende a combinação de dois princípios ativos, tendo, assim, o referido CCP sido concedido para um produto (medicamento antirretroviral) composto por dois princípios ativos de efeito combinado: o tenofovir disoproxil e a emtricitabina, tendo como patente de base a EP 894 (cf. factos provados sob os pontos 1. a 3. e 12.). É pacífico nos autos que o princípio ativo tenofovir disoproxil é expressamente objeto da reivindicação 25 da patente de base, ao passo que a emtricitabina não está expressamente mencionada em nenhuma das 33 reivindicações dessa patente. Restará, por isso, apenas e tão só apreciar se, não obstante, tal princípio não estar expressamente referido nas ditas reivindicações, pode considerar-se que ali se encontra definido funcionalmente, maxime na reivindicação 27, por estar abrangido pela expressão “outros ingredientes terapêuticos”, tal como pretendem as recorrentes e se, consequentemente, se pode concluir que a combinação dos dois princípios ativos se encontra, necessária e especificamente, visada nessas reivindicações. Para tanto e em primeiro lugar, importaria que o especialista na matéria, com base na evolução técnica à data do depósito ou de prioridade da patente de base, considerasse que a combinação desses princípios ativos estava necessariamente abrangida, à luz da descrição e dos desenhos da patente, pela invenção coberta por esta. Ora, resulta da descrição da patente de base (EP 894) – designadamente do seu contexto, das utilidades da invenção e das formulações farmacêuticas - que esta cobre, em geral, um conjunto de compostos – que compreendem ésteres de análogos de nucleótidos de fosfonometoxi antivirais com carbonatos e/ou carbomatos, em particular, intermediários adequados para utilização no fornecimento oral eficiente de tais análogos – que são úteis para o tratamento terapêutico ou profilaxia de diversas infeções virais, no homem ou nos animais, nomeadamente infeções causadas por vírus DNA, RNA, herpes, retrovírus, hepadnavírus, vírus do papiloma, hantavírus, adenovírus e VIH (cf. factualidade provada sob os pontos 9 e 10). Tal descrição divulga várias fórmulas farmacêuticas que podem ser utilizadas para os compostos reivindicados, sem visar especificamente determinados compostos nem uma sua particular utilidade. Com efeito, os compostos intermediários para análogos de nucleótidos descritos na EP 894 e nela identificados como compostos de fórmula (1.ª) e compostos de fórmula (1), por referência a fórmulas de Markush, englobam milhões de compostos possíveis, sendo que entre os compostos reivindicados figura expressamente o tenofovir disoproxil (cf. factos provados sob os pontos 11 e 14). É certo que a descrição refere igualmente a possibilidade de tais compostos serem associados a “outros ingredientes terapêuticos”, todavia, esses ingredientes, para além de não estarem definidos, nem explicitados, na patente em questão[29], vêm antecedidos da expressão “opcionalmente” (cf. facto provado sob o ponto 11[30]). Por sua vez, a reivindicação 27 tem o seguinte teor: Uma composição farmacêutica que compreende um composto em conformidade com uma das reivindicações 1 a 25, em conjunto com um excipiente aceitável e, eventualmente, outros ingredientes terapêuticos. Considerando que as reivindicações, definem o objeto da proteção pedida, devem as mesmas ser claras e concisas, apoiar-se na descrição e visar, ainda que não explícita ou expressamente, pelo menos implicitamente, mas necessária e especificamente, os princípios ativos em causa. Ora, tal como observou a Comissão no âmbito do processo C-121/17 que se analisou detalhadamente, a aludida reivindicação está redigida de forma excessivamente ampla, aberta e genérica, não satisfazendo, por conseguinte, o critério estabelecido pelo TJUE, o que decorre, desde logo, das expressões aí utilizadas “eventualmente” e “outros ingredientes terapêuticos”. De igual modo, também o Advogado-Geral, nas suas conclusões, alertou para o facto de algumas reivindicações serem, muitas vezes, redigidas (deliberadamente e de forma engenhosa) em termos amplos (tal como o demonstram algumas fórmulas Markush e algumas fórmulas funcionais), vagos, genéricos e estereotipados a fim de garantir uma grande variedade de substâncias[31]. E, de facto, in casu, é de concluir, na esteira do entendimento perfilhado pelo Advogado-Geral[32], que a reivindicação 27 está redigida de forma tão ampla que pode abranger, potencialmente, qualquer eventual combinação de tenofovir disoproxil com qualquer outra substância química, usada para o tratamento dos vários tipos de vírus referidos na patente (cf. factos provados sob os pontos 19 e 20). Por conseguinte, cremos que a expressão genérica “outros ingredientes terapêuticos”, associada a “eventualmente”, está muito longe de preencher o requisito exigível, qual seja o de a emtricitabina dever ser necessária e especificamente visada nas reivindicações da patente de base em causa nos autos, não se se vendo sequer que esteja aí abrangida funcionalmente e muito menos que se possa retirar da redação da dita reivindicação 27 que a combinação desse princípio ativo com o tenofovir disoproxil seja, necessária e especificamente, visada nessa reivindicação, já que, como se disse, poderão estar em causa uma multiplicidade de combinações possíveis. Na verdade, as expressões contidas na citada reivindicação são de tal forma indeterminadas, que são suscetíveis de abranger uma multiplicidade de substâncias e de combinações que não são identificáveis de forma específica e precisa, à luz da descrição e dos desenhos da patente, à data da sua prioridade. Admitir-se que a expressão “outros ingredientes terapêuticos” visava a emtricitabina desvirtuaria por completo a segurança jurídica para terceiros que a CPE, a par de uma proteção justa ao titular da patente, pretende assegurar e contrariaria frontalmente os objetivos subjacentes ao Regulamento CCP, porquanto permitiria ao fabricante de um medicamento obter um CCP para toda e qualquer combinação de indiscriminados princípios ativos com o tenofovir disoproxil, beneficiando-o , assim, indevidamente, com uma proteção acrescida, concedida através do prolongamento da duração da proteção da patente, com a inerente exclusividade de comercialização, para um produto que, não estando abrangido pela invenção coberta pela patente de base, não tinha implicado custos de investigação, reivindicados por essa patente, que tivessem de ser amortizados. Por outro lado, e no que se refere à evolução técnica à data da prioridade da patente de base em causa, é de sublinhar que não ficou demonstrado que a emtricitabina fosse um ingrediente ativo usado à data da prioridade da patente de base em causa (26-07-1996) e muito menos que fosse um agente eficaz, conhecido pelo especialista na matéria, para o tratamento de VIH em seres humanos. O que ficou provado é que, na referida data, o perito na matéria desconhecia que a emtricitabina pudesse ser combinada com o tenofovir disoproxil, uma vez que sabia que nem todas as combinações de agentes antivirais entravam em sinergia – o que, de resto, está em perfeita consonância com o facto de, em 1996, a emtricitabina se encontrar ainda numa fase muito inicial de desenvolvimento e com a circunstância de tal princípio ativo apenas ter sido homologado pela AEM em 2003 para ser administrado como ingrediente terapêutico e, em combinação, apenas em 2005 (e, portanto, muito tempo depois da data relevante para este efeito) – cf. factualidade provada sob os pontos 18, 22 e 23. Acresce que os demais elementos divulgados pela patente também nada adiantam no sentido de, do ponto de vista do especialista na matéria e com base na evolução técnica à data de julho de 1996, se poder concluir que o princípio ativo emtricitabina – quer individualmente considerado, quer em combinação com o tenofovir disoproxil –, fosse visado, necessária e especificamente, nas reivindicações da patente de base (maxime na reivindicação 27). Com efeito, para além da invenção da patente de base se referir a intermediários para análogos de nucleótidos fosfonometoxi e de a emtricitabina não se inserir nessa categoria, esses compostos visados pela patente nem sequer se limitam ao tratamento do VIH, antes se destinando ao tratamento de uma grande variedade de vírus, ao que acresce a circunstância de a emtricitabina não estar coberta pelas fórmulas de Markush da patente de base e de não haver nesta qualquer referência a esse princípio ativo (seja pelo nome, pela estrutura ou por qualquer outra forma), não havendo também na patente qualquer referência à eficácia antiviral da combinação do tenofovir com a emtricitabina ou com outros antivirais (cf. factos provados sob os pontos 7., 15. a 17. e 21.) Por outro lado, não estando a combinação do tenofovir disoproxil com a emtricitabina, do ponto de vista do especialista na matéria e com base na evolução técnica à data da prioridade da patente, necessariamente abrangida, à luz da descrição e dos desenhos da patente, pela invenção coberta por esta e também não sendo a emtricitabina, do ponto de vista do referido especialista e com base na dita evolução, especificamente identificável, atendendo a todos os elementos divulgados pela referida patente, forçoso é concluir que a combinação dos princípios ativos que compõem o produto para o qual foi obtido o CCP 202 não é necessária e especificamente visada nas reivindicações da EP 894. Em suma: tal produto não está protegido por uma patente de base em vigor na aceção do art. 3.º, al. a), do Regulamento n.º 469/2009 do Parlamento e do Conselho, de 06-05-2009, devendo, como tal, o CCP 202 ser anulado (art. 15.º, n.º 1, al. a), do mesmo Regulamento). Improcede, portanto, o recurso. E improcedendo, fica, consequentemente, prejudicado o conhecimento das questões invocadas pela recorrida, a título subsidiário, em sede de ampliação do âmbito do recurso (art. 636.º, n.º 2, do CPC). *** IV – Decisão 16. Nestes termos, acorda-se em negar a revista e em considerar prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pela recorrida, a título subsidiário, em sede de ampliação do objeto do recurso. Custas pelas recorrentes. Lisboa, 20.5.2021 Relatora: Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado 1º Adjunto: Oliveira Abreu 2º Adjunto: Ilídio Sacarrão Martins Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 15º-A, do Decreto-Lei nº 20/2020, atesto que, não obstante a falta de assinatura, os Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos deram o correspondente voto de conformidade. _______ [1] Veja-se neste sentido Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2014, p. 207. [2] Revista n.º 4390/17.8T8VIS.C1.S1 - 7.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt. [3] Vide, neste sentido, o acórdão do STJ de 23-03-2017, Revista n.º 7095/10.7TBMTS.P1.S1 - 2.ª Secção, Tomé Gomes (Relator), disponível em www.dgsi.pt. [4] Estudos sobre o Processo Civil, 2.ª edição, p. 398. [5] Neste sentido: Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição, 2014, p. 337 e ss. [6] Dado que decorre da fundamentação do acórdão recorrido, na parte em que reapreciou a factualidade em causa (remetendo para a fundamentação de facto da sentença, que corroborou), que o tribunal se serviu dos depoimentos de testemunhas com diferentes conhecimentos e valências: AA (professor, especialista no estudo do HIV), CC (médico especialista em HIV) e Carlos Afonso (professor na Faculdade de Farmácia), considerando que o depoimento da testemunha DD (médico especialista em doenças infeciosas e professor jubilado) não os tinha contraditado. [7] Revista 841/12.6TBMGR.C1.S1 - 7.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt). [8] Revista 24/09.2TBMDA.C2.S1 - 7.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt. [9] No mesmo sentido, entre muitos outros, vejam-se os acórdãos do STJ de 19-06-2018, Revista n.º 2721/06.5TBMTJ.L1.S1; de 08-11-2018, Revista n.º 248015/09.2YIPRT.S1; de 04-07-2019, Revista n.º 113/17.0T8CNF.C1.S1; de 17-12-2019, Revista n.º 2224/17.2T8BRG.G1.S1; de 15-01-2020, Revista n.º 1350/14.4TBBRR.L2.S1. [10] Cf. os Considerandos do Regulamento n.º 469/2009. [11] Cf. os pontos 76. a 7, das Conclusões da Advogada-Geral, apresentadas em 13.7.2011, no processo de reenvio prejudicial C-322/10, disponíveis em www.curia.europa.eu/juris. [12] Que entrou em vigor em Portugal em 01-01-1992. [13] Por força do art. 164.º, n.º 1, da CPE. [14] Que, nos termos do art. 77.º, n.º 2, é aplicável em tudo o que não contrarie a CPE. [15] Este e os que infra se citarão, encontram-se disponíveis em www.curia.europa.eu/juris. [16] Cf. pontos 25. a 27. do citado acórdão Medeva. [17] Importância essa que é corroborada pelo ponto 20., segundo parágrafo, da exposição de motivos da Proposta de Regulamento (CEE) do Conselho, de 11-04-1990, bem como pelo considerando 14 do Regulamento (CE) n.º 1610/96 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23-07-1996, aos quais já se fez referência. [18] Cf. ponto 39. do acórdão. [19] Tudo conforme pontos 34. a 39. do acórdão Teva v Gilead e considerando 4 do Regulamento CCP. [20] Trata-se de interpretação que é conforme com os arts. 4.º e 5.º do Regulamento CCP (cf. pontos 40. a 46. do acórdão Teva v Gilead. [21] Cf. artigo 1.º do protocolo interpretativo do artigo 69.º da CPE. [22] Cf. pontos 47. a 53. do acórdão Teva v Gilead. [23] Cf. pontos 54 e 55 do acórdão Teva v Gilead. [24] E que, conforme se referiu, é em tudo similar aos dos presentes autos, sendo, de resto, a patente de base a mesma. [25] Cf. ponto 56 do acórdão Teva v Gilead. [26] No qual as recorrentes baseavam o pedido de suspensão da instância. [27] Estava em causa um único princípio ativo – a sitaglipina – e o CCP havia sido recusado por se ter considerado que o produto havia sido desenvolvido após a data de depósito do pedido da patente e que, em consequência, o objeto da proteção desta não correspondia ao medicamento posteriormente desenvolvido e comercializado. [28] No caso apreciado, a patente divulgava um método de redução do nível de glucose no sangue dos mamíferos mediante a injeção de inibidores da enzima dipeptidil peptidase 4 (DP IV), que contribui para regular o nível de glicémia no sangue e, como o princípio ativo sitagliptina é um dos inibidores da DP IV, resultava da decisão de reenvio que, embora tal princípio não estivesse explicitamente mencionado nas reivindicações da patente de base, estava necessariamente abrangida, enquanto inibidor da DP IV, pelo âmbito da invenção dessa patente – circunstância que pode, desde já, adiantar-se que não tem qualquer similitude com a dos autos. [29] Sendo que foi feita igual observação pelo TJUE, a propósito da EP 894, no acórdão Teva v Gilead (vejam-se os pontos 15. a 17.). [30] Nas formulações farmacêuticas da invenção consta «(…) Se bem que seja possível que os ingredientes ativos sejam administrados puros, é preferível apresentá-los como formulações farmacêuticas. As formulações da presente invenção incluem pelo menos um princípio ativo, como definido acima, juntamente com um ou mais transportadores aceitáveis e, opcionalmente, outros ingredientes terapêuticos. O(s) transportador(es) devem ser “aceitáveis” no sentido de serem compatíveis com outros ingredientes da formulação e de não serem prejudiciais para o paciente.» [31] Vide ponto 80. das conclusões. [32] Veja-se o ponto 80. das conclusões e a nota de rodapé (44) para o qual o mesmo remete.