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Acórdão STJ de 2021-04-22

4/21.0YREVR.S1

TribunalSupremo Tribunal de Justiça
Processo4/21.0YREVR.S1
Nº Convencional5.ª SECÇÃO
RelatorEduardo Loureiro
DescritoresExtradição, Cumprimento de Pena, Recusa Facultativa de Execução, Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal
Data do Acordão2021-04-22
VotaçãoUnanimidade
Privacidade1
Meio ProcessualEXTRADIÇÃO / M.D.E.
DecisãoNegado o Provimento.
Indicações EventuaisTRANSITADO EM JULGADO.

Sumário

I - A extradição de um cidadão brasileiro residente em Portugal para o efeito do cumprimento no seu país de origem do remanescente de 3 anos, 5 meses e 20 dias de pena de prisão de 4 anos e 2 meses em que aí foi condenado pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, é regulada pela Convenção da Extradição entre Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, assinada na cidade da Praia em 23-11-2005, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 49/2008, de 15-09, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 66/2008, de 15-09 (Convenção/CPLP), e, subsidiariamente, pela Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, aprovada pela Lei n.º 144/99, de 03-08 (LCJIMP) – art. 3.º – e pelo Código de Processo Penal (CPP) – art. 229.º II - O facto de o remanescente da pena de prisão – rectius, de reclusão, na terminologia do direito penal e penitenciário brasileiro – dever ser cumprido no regime semiaberto previsto nos arts. 33.º, §§ 1.º e 2.º, al. b), e 35.º, do Código Penal brasileiro e 91.º e 92.º da Lei Execução Penal brasileira, aprovada pelo Lei n.º 7 210, de 11-07-1984 (LEP), em nada bole com a sua natureza de pena privativa da liberdade e, portanto, com a susceptibilidade de constituir fundamento de extradição nos termos do art. 2.º, n.º 2, da Convenção/CPLP. III - O art. 18.º, n.º 2, da LCJIMP – que prevê a recusa facultativa da extradição quando ela possa implicar consequências graves para a pessoa visada em razão da idade, estado de saúde ou outros motivos de carácter pessoal – não é subsidiariamente aplicável nas situações reguladas pela Convenção/CPLP, por não haver lacuna que cumpra preencher. IV - O art. 22.º, da Convenção/CPLP, não estabelece uma cláusula de recusa facultativa de extradição em favor da segurança individual do extraditando, antes um instrumento de protecção da segurança pública e colectiva, da ordem pública e de outros interesses similares dos próprios Estados contratantes.


Texto Integral

Autos de Recurso Penal EXTRADIÇÃO n.º  4/21.0YREVR.S1 5ª Secção acórdão Acordam em conferência os juízes na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:  I. relatório. 1. Por acórdão proferido em 16.3.2021 pelo Tribunal da Relação …. (TR.…) no Processo de Extradição n.º 4/21……, foi deferido o pedido de extradição do cidadão …. AA, id. nos autos, para que cumpra, no âmbito do processo …. da Comarca ……. do Estado …, ……, o remanescente de 3 anos, 5 meses e 20 dias da pena de prisão de 4 anos e 2 meses que lhe foi imposta por sentença, transitada, proferida pelo ……. Tribunal Criminal …… – …-…… pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelos art.os 33.º e 40.º da Lei ….. n.º 11 343/2006, em virtude de no dia 27/6/2017, na cidade ……, ter sido encontrado na posse de 802 gramas de marijuana. 2. Inconformado com tal acórdão – doravante, Acórdão Recorrido –, move-lhe o AA – doravante, Recorrente – recurso para este Supremo Tribunal de Justiça (STJ), rematando a peça com as seguintes conclusões e pedido: ─ «[…]. A- Nos termos do disposto no nº 2 do artigo 2º da Convenção da Extradição entre Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e artigo 22º da Lei 144/99, não pode ser concedida extradição ao pedido apresentada pelo …..., no processo sub judice. B- Infringem-se os dois citados preceitos se se determinar a extradição do detido no presente processo, para o seu país de origem, o …... C- O risco de vida do detido na sua chegada ao …..., nas diversas circunstâncias expressas impõem a não extradição. D- Os presídios ...……, são de acordo com todas as entidades que regulam os Direitos e Liberdades dos cidadãos, verdadeiras masmorras de morte. E- Num artigo publicado no Jornal …. “……” em 24 de junho de 2018, que poderá ser visita do no site da ...…., escreve-se “A Constituição veda a pena de morte no país, mas a distância entre as garantias da lei e a vida real é grande suficiente para esconder uma rotina: entre 2014 e 2017 pelo menos 6 368 homens e mulheres morreram sob a custódia do Estado, seja por doença que infestam aas penitenciárias, homicídios e suicídios. Esse quadro repercute diretamente no dia a dia de violência que atinge todas as regiões do país. F- Nesse período, houve uma média superior a quatro mortes por dia nas prisões ……. G- As informações são resultado de um levantamento do ……., feito via Lei de Acesso à Informação, com solicitações remetidas aos 26 estados e ao Distrito Federal. Desses 21 enviaram os dados, de completa ou parcial. H- Seria pois pertinente, legítimo e legal, ao abrigo do disposto no referido artigo 22º da Convenção impedir a extradição do detido para o …... I-        A Lei nº 144/99 de 22 de agosto, consagra como fundamentos para a oposição à extradição duas circunstâncias: não ser o detido a pessoa reclamada, ou em se não verificarem os pressupostos da extradição. J-       O arguido é a pessoa cuja extradição foi requerida, por quem de direito, cumpre verificar se efetivamente se verificam os restantes pressupostos para a extradição. K- Deverá também considerar-se se a pena a cumprir pelo arguido se enquadra no nº 2 do artigo 2º da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, Resolução da Assembleia da República nº 49/2008. L-       Na verdade é nosso entendimento que se não verificam os pressupostos para extradição, no caso sub judice, como aliás se defendeu na Oposição junto do Tribunal da Relação ……. M- Na verdade o arguido, foi condenado na pena de cinco anos e seis meses de prisão, pela prática do crime de tráfico de roubo agravado, pelo ….. Tribunal Federal de …., …... N- Como consta da documentação junta, pelo tribunal ….., resta-lhe cumprir três anos, cinco meses e 20 dias. O- Como e bem se refere no documento elaborado pela Procuradoria Geral da República, dirigido à Senhora Ministra da Justiça “Compulsada a documentação instrutória do pedido, bem como os textos oferecidos pelo Estado requerente, constatou-se que a pena a cumprir seria num regime denominada como semiaberto”. P- Porque exatamente apenas lhe resta para cumprir uma pena correspondente a três anos, cinco meses e 20 dias, esta será em regime em regime semiaberto, não corresponde, tal restrição, à previsão do disposto no nº 2 do artigo 2º da Convenção de Extradição entre os Estados membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Q- Não é uma pena de prisão, é um regime semiaberto. R- O arguido faz a sua vida em plena liberdade, tendo apenas um local certo onde recolhe, que no caso …, pode nem sequer corresponder a um presídio ou penitenciária. S- Termos em que não se enquadrando nas expectativas do nº 2 do artigo 2º, da Convenção, pelo que não admissível a extradição, devendo o arguido, ser liberto. T- Ainda que assim não fosse, o arguido corre riscos de vida se regressa ao …, como já se referiu, quando analisada a extradição prevista na Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. U- Na verdade, no caso concreto, os restantes arguidos, no processo em que o ora detido foi condenado, e que foram apanhados em flagrante delito, conjuntamente com o arguido, como consta da decisão junta aos autos, já todos cumpriram a pena que lhes foi determinada. V- O facto do arguido não ter cumprido a totalidade da sua, porque se ausentou do país, torna-se, de acordo com os códigos do submundo, um alvo a abater assim que regressar ao …….. W- Termos e condições em que o arguido, porque corre manifesto perigo de vida se regressar ao…. …, não pode, de acordo com a Lei ser extraditado.  Nestes termos e nos demais de Direito, deverão V. Excelências, Ponderados os motivos invocados e os preceitos legais aplicáveis, determinara não concessão de extradição para o detido AA, fazendo V. Excelências a acostumada JUSTIÇA. […].». 3. O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos autos e com efeito suspensivo. 4. O Ministério Público no TR… respondeu ao recurso, concluindo-o o Senhor Procurador-Geral Adjunto pela seguinte forma: ─ «[…]. 1. No douto Acórdão exarado em 16/03/2021, julgando improcedente a oposição deduzida pelo requerido o Tribunal recorrido concedeu a requerida extradição de AA, cidadão ….., para no ….. cumprir a pena de 3 (três) anos 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de prisão. 2. Não assiste razão ao recorrente. A pena em que foi condenado no … é uma pena de prisão, ainda que seja para cumprir em regime semiaberto; 3. Contrariamente ao que defende, o regime de execução de uma pena de prisão não lhe retira o seu carácter de pena privativa de liberdade, o que satisfaz, plenamente, o requisito previsto no n° 2 do artigo 2º da Convenção de Extradição entre os Estados membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, assinada na Cidade da Praia, em 25 de novembro de 2005 e não é motivo de recusa de extradição. 4. Nada, de formal ou de substancial, obsta à extradição para a República …. do seu nacional AA, por não se verificar nenhuma situação contemplada no artigo 3º da Convenção, nem tão pouco se verifica quaisquer causas de recusa facultativa do artigo 4º que torne inadmissível a execução do pedido de extradição. 5. Conforme decisão recorrida, "não ficou demonstrado que o Requerido corra risco de vida se regressar ao ….". "Nem que para os restantes elementos do grupo que com ele cometeram o crime de tráfico de estupefacientes seja um alvo a abater". 6. Apesar do alegado, afigura-se-me que não constitui causa de recusa para a extradição, nem tão pouco se enquadra na previsão do n°2 do artigo 18°, da Lei 144/99 de 31/8, onde se prevê a negação da cooperação por motivos de caráter pessoal que impliquem consequências graves para a pessoa visada. Nos termos expostos, deve o presente recurso interposto pelo extraditando AA ser julgado improcedente, pela falência dos factos e argumentos apresentados e, consequentemente, Vas. Excelências, farão a costumada justiça, proferindo decisão a confirmar a decisão que deferiu a requerida extradição para a República …., como peticionado. […].». 5. Colhidos os vistos, de acordo com o exame preliminar, foram os autos presentes a conferência. Cumpre, assim, apreciar e decidir. II. Fundamentação. A. O Acórdão Recorrido. 6. Vem assente no Acórdão Recorrido a seguinte factualidade: ─ «[…]. (i) O Requerido é cidadão …. e foi condenado, no âmbito do processo n.º …….., que correu termos na …. Vara Criminal de …., Estado de ….., ……, por sentença de 8 de março de 2018, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 33, § 4.º da Lei n.º 11.343/2006, na pena de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão. (ii) Desta pena tem o Requerido ainda por cumprir 3 (três) anos 20 (vinte) meses e 5 (cinco) dias de prisão, em regime semiaberto. Em conformidade com o disposto no artigo 33º do Código Penal …. considera-se regime semiaberto a execução da pena em colónia agrícola, industrial ou estabelecimento similar. (iii) O Requerido esteve presente em Tribunal quando foi proferida a sentença. (iv) Os factos constitutivos do crime a que se reporta a pena de prisão aplicada ao Requerido – e que motivou o presente pedido de extradição – são puníveis pela lei penal portuguesa, concretamente pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro. (v) A pena aplicada pelo Tribunal ….. não se encontra extinta, por efeito da prescrição. (vi) Não correu nem corre perante os Tribunais portugueses qualquer processo-crime contra o Requerido por factos que fundamentam o presente pedido de extradição. (vii) O pedido formal de extradição apresentado às autoridades portuguesas pelas autoridades ….. satisfaz os requisitos do artigo 2.º, n.ºs 1 e 2 da Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, tendo Sua Excelência a Senhora Ministra da Justiça, por despacho de 11 de fevereiro de 2021, considerado admissível o pedido de extradição, nos termos do disposto nos artigos 6.º a 8.º, 31.º, 32.º, n.º 1, a contrario sensu e 48.º, n .º 2 da Lei n .º 144/99, de 31 de agosto, e artigos 1.º a 3.º a contrario sensu e 10.º da Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. (viii) O Requerido encontra-se em Portugal há cerca de 2 (dois) anos. Vive maritalmente com BB. Tem trabalhado em part-time, no horário entre as 12H00 e as 17H00, no “Snack Bar …..”, sito na Estrada nacional n.º ……, Caminho ….., em …….. x Não ficou demonstrado que o Requerido corra risco de vida se regressar ao …... Nem que para os restantes elementos do grupo que com ele cometeram o crime de tráfico de estupefacientes seja um alvo a abater Entendemos a dificuldade de demonstração destes aspetos, à distância que nos encontramos do País de origem do Requerido. Todavia, a testemunha arrolada pelo Requerido demonstrou apenas um conhecimento indireto sobre estes aspetos, embora tenha revelado na primeira pessoa as dificuldades e riscos que se vivem nos presídios …...». 7. Já nos momentos de aplicar o direito, discreteou o mesmo acórdão como segue: ─ «Da factualidade que acima se deixou descrita resulta que os factos pelos quais o Requerido foi condenado e que fundamentam o pedido de extradição são tipificados como crime pela lei do Estado Requerente e do Estado Requerido. O Extraditando foi condenado numa pena privativa de liberdade, da qual tem para cumprir 3 (três) anos 20 (vinte) meses e 5 (cinco) dias de prisão, em regime semiaberto. Esta pena, independentemente da forma como será cumprida no Estado Requerente – em regime semiaberto, ou seja, a execução da pena ocorrerá em colónia agrícola, industrial ou estabelecimento similar – não perde a sua natureza de pena privativa de liberdade. O que nos permite concluir, sem necessidade de outras considerações, que se verifica a previsão do n.º 2 do artigo 2.º da Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Por outro lado, não se verifica qualquer das causas de inadmissibilidade da extradição no artigo 3.º, n.º 1, da Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Nem da sua recusa facultativa, em conformidade com o que se dispõe no artigo 4.º da referida Convenção. Resta deixar expresso, que a Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa não consagra motivos de caráter pessoal como causa possível de recusa de extradição. Como se faz notar no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de outubro de 2013, proferido no processo n.º 86/13.8YREVR.S1 e acessível em www.dgsi.pt, «da hermenêutica do preceito do artigo 4.º da Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa resulta que ali se indicam taxativamente as situações de recusa facultativa da extradição», pelo que não encontramos razão para aplicar o disposto no n.º 2 do artigo 18.º da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal – onde se admite a possibilidade de recusa da extradição quando possa implicar consequências graves para a pessoa visada em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de caráter pessoal. Atente-se que sendo aplicável a Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, não pode contornar-se o disposto no n.º 1 do seu artigo 25.º - «A presente Convenção substitui, no que respeita aos Estados aos quais se aplica, as disposições de tratados, convenções ou acordos bilaterais que, entre dois Estados Contratantes, regulem a matéria da extradição.» E porque assim é, revela-se irrelevante a alegação da situação familiar e profissional do Requerido, tanto mais que não vem suportada em factos de onde se possa inferir a ocorrência de consequências graves e imprevisíveis para o visado em consequência da extradição. E ainda que assim pudesse não ser, tem sido entendimento maioritário da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que não se enquadra como motivo de recusa de extradição prevista no artigo 18.º, n.º 2, da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal o facto do extraditando ter família no nosso País. Tem-se decidido no sentido que o afastamento da família é uma consequência “inevitável” da extradição (e, consequentemente, da suspeita da prática de um crime) e que não se sobrepõe ao superior interesse da cooperação internacional no prosseguimento da boa administração da justiça», […]. Em conclusão, dir-se-á que as razões invocadas pelo Requerido não integram, de acordo com a Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, quaisquer circunstâncias que permitam a recusa – obrigatória ou facultativa – da extradição pedida pelo Estado Requerente. Carece, pois, de fundamento a oposição à extradição solicitada.». B. O mérito do recurso. a. Fundamentos do recurso. 8. Inconformado, então, com o assim decidido, quer o Recorrente que este STJ revogue o decretamento da sua extradição e que o restitua de imediato à liberdade, convocando duas ordens de razões, a saber: ─ Em primeiro lugar, diz que não se verifica o requisito previsto art.º 2º n.º 2 da Convenção da Extradição entre Estados Membros da Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa, assinada na cidade da Praia em 23.11.2005, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 49/2008, de 15.9, ratificada pelo Decreto do Presidente ad República n.º 66/2008, de 15.9, ao abrigo de que a sua extradição foi decretada – doravante, Convenção/CPLP –, de que a sanção a expiar tenha a natureza de pena privativa da liberdade, uma vez que, nos termos do próprio pedido do Estado requerente, o remanescente da pena haverá de ser cumprido em regime semiaberto, portanto, «em plena liberdade, tendo apenas um local certo onde recolhe, que no caso ….., pode nem sequer corresponder a um presídio ou penitenciária». ─ Depois, por, como previsto no art.º 22º da Convenção/CPLP[1], assistir ao Estado Português fundamento de recusa facultativa do pedido de extradição quando o «seu cumprimento for contrário à segurança», o que – afirma – precisamente se verifica in casu, por o Recorrente, no ….., correr sério risco de vida quer em razão da previsível retaliação dos co-participantes no crime por que aí foi condenado – que foram detidos em flagrante e cumpriram pena de prisão –, quer em razão da extrema perigosidade dos presídios …., justificadamente reconhecidos nos fora internacionais como masmorras da morte. Veja-se: b. O regime da extradição aplicável. 9. A extradição constitui uma forma de cooperação judiciária internacional em matéria penal, através da qual um Estado – requerente – pede a outro – requerido – a entrega de uma pessoa que se encontre no território do segundo, para efeitos de procedimento criminal ou de cumprimento de pena ou de medida de segurança privativa da liberdade, por infracção cujo conhecimento seja da competência dos tribunais do primeiro. As condições de admissibilidade da extradição quando, como in casu, Portugal é o Estado requerido – extradição passiva – é regulada pelos tratados e convenções internacionais e, na sua falta ou insuficiência, pela lei de cooperação judiciária internacional aprovada pela Lei n.º 144/99 e, ainda, pelo Código de Processo Penal, conforme dispõem os art.os 229º deste[2] e 3º daquela[3]. Na situação dos autos, e tal como vem decidido, o pedido de extradição está submetido ao regras da Convenção/CPLP – de que tanto a República Portuguesa como a República …., são signatárias –, conforme expressamente decorre do seu artigo 1º, que dispõe que «Os Estados Contratantes obrigam-se a entregar, reciprocamente, segundo as regras e as condições estabelecidas na presente Convenção, as pessoas que se encontrem nos seus respectivos territórios e que sejam procuradas pelas autoridades competentes de outro Estado Contratante, para fins de procedimento criminal ou para cumprimento de pena privativa da liberdade por crime cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente». E se é certo que, como já se disse, na falta ou insuficiência da regulação convencional, serão aplicáveis as normas da LCJIMP e, se ainda necessário, as do Código de Processo Penal, não menos o é que «o direito subsidiário, como direito auxiliar ou acessório que é, apenas pode e deve ser aplicado em caso de omissão não intencional ou lacuna e desde que não colida com os princípios gerais do ordenamento jurídico que visa integrar, sendo que aquela só ocorre quando a lei aplicável é omissa, isto é, quando certa e determinada matéria ou certa e determinada situação não cabem no conteúdo da regulamentação legal existente, isto é, depois de as normas haverem sido submetidas, infrutiferamente, a todas as formas possíveis de interpretação e desde que se possa concluir que a omissão não resulta da vontade do legislador, no sentido de se está perante uma situação carente de regulamentação por via do regime subsidiário, e não face a situação que o legislador, pura e simplesmente, não quer regulamentar quer directa, quer indirectamente.»[4]. Isto dito em jeito de (primeiro) enquadramento: c. A natureza da pena-fundamento do pedido de extradição. 10. Abandonando, então, o argumentário que (também) desenvolveu na peça de oposição em torno da sua situação pessoal em Portugal – e abandonando bem, pois que, como o Acórdão Recorrido proficientemente demonstrou, «o afastamento da família é uma consequência “inevitável” da extradição (e, consequentemente, da suspeita da prática de um crime) e que não se sobrepõe ao superior interesse da cooperação internacional no prosseguimento da boa administração da justiça» –, insiste o Recorrente em que a sua extradição não pode ser deferida que, de um lado, não se verifica o pressuposto de que tenha para cumprir pena privativa da liberdade e que, do outro, o Estado Português pode/deve recusar o pedido de extradição com fundamento na cláusula de reserva de segurança prevista no art.º 22º da LCJIMP. 11. Começando pela questão da natureza da pena que o Recorrente tem a cumprir no …….., cabe desde já referir que haverá ela, na verdade, de ser privativa da liberdade, que a Convenção/CPLP só com relação a esse tipo de penas autoriza a extradição, como inequivocamente decorre do respectivo art.º 1º que aqui se recorda[5]. E, mais do que isso, exige ainda o instrumento internacional que – art.º 2º n.º 2 – «a parte da pena por cumprir não seja inferior seis meses». Exigência que, no caso, não constituirá, por si, obstáculo que, como já se viu, dos 4 anos e 2 meses decretados na condenação, estão por expiar 3 anos, 5 meses e 20 dias.   12. Tendo, assim, o Recorrente a lei do seu lado quando diz que a pena tem de ser privativa da liberdade, já o mesmo, porém, não acontece quando sustenta que a que lhe foi aplicada, e que lhe falta cumprir, não é dessa natureza, por dever ser executada em regime semi-aberto nos termos previsto no art.º 33º e seu § 1º al.ª b) do Código Penal da República ….. – doravante Cód. Penal …... ou CP…... Com efeito: 13. À temática das penas refere-se o Título V do Cód. Penal …. – art.os 32º a 95º –,  agrupando-as o art.º 32º em três espécies, a saber, as penas privativas de liberdade, as restritivas de direitos e a de multa[6]. Das penas privativas da liberdade e seu regime executivo ocupam-se, para o que aqui interessa, os art.os 33º a 42º desse diploma e os art.os 82º a 93º Lei da Execução Penal (LEP), aprovada pelo Lei n.º 7 210, de 11.7.1984, surpreendendo-se na respectiva articulação a seguinte disciplina: ─ As penas privativas da liberdade subdividem-se em duas modalidades, a reclusão e a detenção. ─ «A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto» e «A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado» – corpo do art.º 33º do CP….. ─ «Considera-se: a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média; b) regime semi-aberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar; c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado.» – art.º 33º § 1º do CP….. ─ «As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado; b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto; c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.» – art.º 33º § 2º do CP….. ─ A decisão sobre o regime inicial do cumprimento da pena é, nos termos dos art.os 33º § 3º  e 59º - III do CP….[7], da competência do tribunal da condenação e responde, e acautela, a necessidade e a suficiência da reprovação e prevenção do crime, aferidas em função da culpabilidade, dos antecedentes, da conduta social e da personalidade do agente, dos motivos, circunstâncias e consequências do crime e do comportamento da vítima – art.º 59º referido. ─ No regime fechado, o condenado fica confinado a estabelecimento prisional – a penitenciária, na classificação dos estabelecimentos penais do art.º 87º da LEP[8] –, trabalhando em comum no período diurno e pernoitando em regime de isolamento – art.º 34º §§ 1º e 2º [9] do CP…. – e sendo o trabalho externo apenas admitido em serviços ou obras públicas – art.º 34º § 3º do CP….[10]. ─ No regime semi-aberto – art.º 35º do CP…. – o condenado trabalha em comum em Colônia Agrícola, Industrial ou Similar[11] – é dizer, no espaço físico de um estabelecimento penal, na definição dos art.os 82º e 91º da LEP[12] –, podendo ser alojado em compartimento colectivo – art.º 92º da lei citada[13] – e prestar trabalho externo e frequentar cursos profissionalizantes e académicos – art.os 35º § 2º do CP….[14]. ─ No regime aberto, o condenado trabalha, frequenta curso ou exerce outra actividade autorizada fora do estabelecimento e sem vigilância, recolhendo-se, porém, para pernoita e nos dias de folga em estabelecimento penal, concretamente, em Casa do Albergado – art.os 36º § 1º do CPB e 93º da LEP[15]. 14. Resulta, assim, desta breve visita ao regime penal e penitenciário …., que, contrariamente ao que o Recorrente pretende, a pena que lhe foi aplicada e cujo remanescente tem a cumprir é uma verdadeira e própria pena privativa da liberdade – aliás, na modalidade mais gravosa da reclusão[16], que é a que as disposições do art.º 33º e seu § 4º da Lei …. n.º 11 343, de 23.8.2006 cominam ao crime de tráfico de estupefacientes por que foi condenado[17]  –, como a classificam o Cód. Penal … e a Lei de Execução Penal, em nada interferindo com tal natureza o facto de dever ser executada em regime semi-aberto. De resto, trata-se de pena cuja execução decorre em estabelecimento penal – em colónia agrícola, industrial ou similar –, por isso que com as inerentes restrições à liberdade do condenado materializadas nas pertinentes regras de confinamento, de vigilância, de ordem e de segurança, apenas se admitindo a ausência de vigilância directa nas saídas temporárias do estabelecimento para visita à família, para frequência de curso profissionalizante ou de formação académica ou para participação em actividades que «concorram para o retorno ao convívio social», mas sem prejuízo, ainda assim, da utilização de meios de controlo à distância e precedendo, sempre, autorização judicial – art.º 122º da LEP[18]. Aliás, na filosofia do sistema penal e penitenciário ….., nem sequer as penas de reclusão ou de detenção executadas em regime aberto são cumpridas em meio inteiramente livre, nem mesmo por aí escapando ao conceito material de pena privativa da liberdade: trabalhando ou exercendo actividade autorizada fora do estabelecimento e sem vigilância, o condenado está obrigado a pernoitar e a recolher-se nos dias de folga a casa do albergado que, como já visto, é um estabelecimento penal – cfr. art.os 36º § 1º do CP…. e 93º da LEP. 15. Numa palavra, para rematar neste ponto – e estabelecendo, de passagem, o necessário paralelo com a ordem jurídica portuguesa –, ressalvadas as necessárias distâncias – desde logo, a de no sistema …. ser uma das operações a desenvolver pelo juiz do julgamento no processo, complexo, da escolha e determinação da medida concreta da pena que, como visto, inclui a do respectivo regime de execução inicial, ao passo que no português tudo se passa em sede de regime de flexibilização do cumprimento da pena sob a alçada da administração prisional –, o regime semi-aberto …. é instituto que comunga, a um mesmo tempo, de características do regime aberto português, interior e exterior, previsto no art.º 14º do CEPMPL[19]. E se quanto a pena de prisão que passe em Portugal passe a cumprir-se em regime aberto está fora da qualquer cogitação admitir, face à ordem jurídica portuguesa, a sua transmutação em pena não privativa da liberdade, o mesmo exactamente acontece, e por identidade substancial de razões, com as penas de reclusão ou de detenção – de prisão, na nomenclatura portuguesa – no … e face à respectiva ordem jurídica que, num caso e no outros, de nada mais se trata do que regimes de execução de pena que não bolem com a natureza dela. 16. Motivos por que se verifica, in casu, o requisito do art.º 2º n.º 2º da Convenção/CPLP de que a extradição se destine ao cumprimento de pena privativa da liberdade, nada, por aí, obstando ao seu deferimento, e havendo de improceder o recurso quanto a esse fundamento. d. A recusa facultativa da extradição por motivos de segurança – art.º 22º da Convenção/CPLP. 17. Mas diz ainda o Recorrente que, de qualquer modo, não deverá ser autorizada a sua extradição para o …. por razões de segurança, como o permite ao Estado Português o art.º 22º da Convenção/CPLP ao dispor que «O Estado requerido pode recusar, com a devida fundamentação, o pedido de extradição quando o seu cumprimento for contrário à segurança, à ordem pública ou a outros seus interesses fundamentais»[20]. E, em abono do argumento, diz que corre sério perigo de vida se for deslocado para aquele país, sujeito que fica à retaliação por parte do co-arguidos no crime por que foi condenado e aos riscos inerentes ao seu encarceramento nas cadeias ……, internacionalmente conhecidas, nas suas palavras, por masmorras da morte.  Veja-se, mesmo sem relevar a contradição em que o Recorrente incorre ao convocar o perigo para sua vida decorrente do encarceramento, isso depois de ter sustentado, a propósito da natureza não privativa da liberdade do remanescente da pena que lhe falta cumprir, que o regime aberto em que iria ser executada nem para o efeito da pernoita implicava necessariamente a sua recolha em estabelecimento prisional! 18. A primeira nota que o argumento suscita é a de que, contrariamente ao que o Recorrente parece entender, o Acórdão Recorrido não deu como assente que «o Requerido corra risco de vida se regressar ao …», e que «para os restantes elementos do grupo que com ele cometeram o crime de tráfico de estupefacientes seja um alvo a abater». Bem pelo contrário, tudo ali se considerou não demonstrado e com fundamentação que aqui não suscita qualquer reserva: «Entendemos a dificuldade de demonstração destes aspetos, à distância que nos encontramos do País de origem do Requerido. Todavia, a testemunha arrolada pelo Requerido demonstrou apenas um conhecimento indireto sobre estes aspetos, embora tenha revelado na primeira pessoa as dificuldades e riscos que se vivem nos presídios …...» Depois, e no que respeita às condições do encarceramento no …… e aos, alegados, perigos para a sua vida e integridade física, cumpre aqui acompanhar a contramotivação do Senhor Procurador-Geral Adjunto, quando diz que «relativamente ao sistema prisional …., sua superlotação, suas fragilidades e deficiências, ainda que esta alegação possa ter o seu fundo de consistência, porém, assenta em considerações meramente conclusivas ao atribuir-lhe concreta e pessoalmente risco de vida ao ter que regressar ao …., para cumprir a sua pena» e que «tais alegações carecem de concretização e pelo que se sabe, não temos dúvidas em afirmar que a Republica …. é um Estado de Direito, regendo-se por normas legais claramente delineadas caso a caso, sendo espelho disso até os presentes autos, pelo que falece esta pretensão do arguido.». O que, tudo, deita por terra qualquer fundamento em prol de uma recusa de extradição por motivos de segurança, logo soçobrante no plano dos factos. 19. Mas ainda que assim não fosse, a verdade é que nem o art.º 22º da Convenção/CPLP, nem aliás qualquer outra disposição dela ou das normas subsidiárias, prevê o fundamento de recusa pretendido pelo Recorrente. Na verdade: 20. Como referido, o presente procedimento de extradição rege-se pelas disposições da Convenção/CPLP e, na falta ou insuficiência regulamentária dela, sucessivamente, pela LCJIMP e pelo Código de Processo Penal. Nos termos, então da convenção, verificadas as condições previstas nos art.os 1º – é dizer, estando em presença Estados Contratantes e encontrando-se no território de um deles pessoa procurada pelo outro para fins de procedimento criminal ou cumprimento de pena privativa da liberdade cujo julgamento seja da competência deste último – e 2º – é dizer, estando em causa factos qualificáveis como crime punível com não menos do que um ano de prisão perante ambas as ordens jurídicas, ou, tratando-se de cumprimento de pena, que a parte dela por cumprir seja igual ou superior a seis meses –, é, em princípio, obrigatório o deferimento da extradição requerida. Assim não acontece, porém, nas situações previstas no art.º 3º n.º 1, em que a extradição é necessariamente recusada: é o caso, salvas as excepções previstas no seu n.º 2[21], «a) Quando se tratar de crime punível com pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física; b) Quando se tratar de crime que o Estado requerido considere ser político ou com ele conexo. A mera alegação de um fim ou motivo político não implicará que o crime deva necessariamente ser qualificado como tal; c) Quando se tratar de crime militar que não constitua simultaneamente uma infracção de direito comum; d) Quando a pessoa reclamada tiver sido definitivamente julgada, indultada, beneficiada por amnistia ou objecto de perdão no Estado requerido com respeito ao facto ou aos factos que fundamentam o pedido de extradição; e) Quando a pessoa reclamada tiver sido condenada ou dever ser julgada no Estado requerente por um tribunal de excepção; f) Quando se encontrarem prescritos o procedimento criminal ou a pena em conformidade com a legislação do Estado requerente ou do Estado requerido.», E assim pode não acontecer nas hipóteses previstas nos art.os 4º e 22º, em que assiste ao Estado requerido recusa facultativa de autorização da extradição: ─ É o que sucede quando – art.º 4º – «a) A pessoa reclamada» é «nacional do Estado requerido; b) O crime que deu lugar ao pedido de extradição» é «punível com pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida; c) A pessoa reclamada» está «a ser julgada no território do Estado requerido pelos factos que fundamentam o pedido; d) A pessoa reclamada não» pode «ser objecto de procedimento criminal em razão da idade; e) A pessoa reclamada» foi «condenada à revelia pela infracção que deu lugar ao pedido de extradição, excepto se as leis do Estado requerente lhe assegurarem a possibilidade de interposição de recurso, a realização de novo julgamento ou outra garantia de natureza equivalente.»; e ─ É o que sucede quando – art.º 22º – o seu «cumprimento for contrário à segurança, à ordem pública ou a outros seus interesses fundamentais.». 21. Ora, como referido, é precisamente com base neste art.º 22º e na ideia da segurança que nele se acolhe, que o Recorrente critica o Acórdão Recorrido, querendo que tivesse indeferido a sua extradição. Ideia de segurança onde quer ver a segurança relativa à sua própria pessoa na perspectiva da preservação do direito à vida é à integridade física, em alegado, risco grave e iminente acaso seja repatriado para o …... Mas salvo o devido respeito, mesmo que estivesse demonstrado esse risco – mas, como já dito, não está! –, a verdade é que não é aquela a ideia de segurança que a norma acautela, facultando a recusa. A segurança que ali se protege é, essa sim, a segurança inerente aos Estados signatários enquanto nações, enquanto comunidades politicamente organizadas e soberanas, é a segurança pública e colectiva, a par, aliás, da ordem pública e dos outros interesses colectivos fundamentais que ali igualmente se amparam, não – imediatamente, pelo menos – a segurança de qualquer pessoa individualizada, singular ou colectiva. Numa palavra, a norma do art.º 22º da Convenção/CPLP é uma emanação da reserva de soberania dos Estado contratantes, constituindo-se como instrumento de protecção dos valores públicos e colectivos nele referenciados. Pelo que, por si e em si, nunca poderia, in casu, fundar uma recusa do pedido de extradição. 22. Ficando-se o Recorrente pela invocação do art.º 22º da Convenção/CPLP, mas sendo o tribunal livre na indagação do direito, sempre seria de perguntar, ainda, se o art.º 18º n.º 2 da LPCJP não poderia vir em seu auxílio ao dispor que «Pode ainda ser negada a cooperação quando, tendo em conta as circunstâncias do facto, o deferimento do pedido possa implicar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal», integrando, eventual, lacuna de regulamentação que se pudesse verificar, nos termos do seu art.º 3º e do art.º 229º do CPP. E assim – claro está! – suposto que estivesse demonstrado o risco para a própria vida e integridade física que o Recorrente invoca – mas, insiste-se, não está! – e que tal situação pudesse caber no conceito das «consequências graves para a pessoa visada, em razão […] de outros motivos de carácter pessoal» de que fala a norma. Sucede, contudo, que nem nessa dupla suposição a pretensão poderia proceder! É que, conforme lição do AcSTJ n.º 30.10.2013 - Proc. n.º 86/13.8YREVR.S1[22] – e vai-se transcrever porque melhor se não diria – a norma daquele art.º 18º n.º 2 não é supletivamente aplicável in casu, por não haver lacuna a preencher: ─ A «[…] Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa não prevê no seu artigo 4º […], norma que, sob a epígrafe de recusa facultativa de extradição, elenca as circunstâncias em que a extradição pode ser recusada, a possibilidade de recusa da extradição, tal qual sucede com o n.º 2 do artigo 18º da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, quando possa implicar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal. Da hermenêutica do preceito do artigo 4º, da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, resulta que ali se indicam taxativamente as situações de recusa facultativa da extradição. Assim sendo, não se prevendo na Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa a possibilidade de recusa da extradição por o seu deferimento poder implicar consequências graves para o visado, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal, ou seja, pelas razões concretamente invocadas pelo recorrente, o recurso terá de improceder nesta parte. […].». 23. Razões por que, sem necessidade de mais alongadas considerações, também aqui se conclui pela improcedência, em qualquer caso, do recurso.  III. decisão. 24. Termos em que acordam os juízes desta 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso, mantendo integralmente o Acórdão Recorrido. Sem custas – art.º 73º n.º 1 da LCJIMP – sem prejuízo do disposto no art.º 26º n.os 2 al.ª b) a d) e 4  do mesmo diploma. *   Digitado e revisto pelo relator (art.º 94º n.º 2 do CPP).   * Supremo Tribunal de Justiça, em 22.4.2021. Eduardo Almeida Loureiro (Relator) António Gama António Clemente Lima _______________________________________________________ [1] Na conclusão A- da motivação o Recorrente refere-se ao art.º 22º da Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal (LCJIMP), aprovada pela Lei n.º 144/99, de 31.8, mas pensa-se que por lapso, por ao arrepio das restantes referenciações constantes da peça de recurso que sempre mencionam a convenção e por alheia a norma ao argumentário que desenvolve, que respeita ela às formas de transmissão do pedido de extradição. [2] «Prevalência dos acordos e convenções internacionais As rogatórias, a extradição, a delegação do procedimento penal, os efeitos das sentenças penais estrangeiras e as restantes relações com as autoridades estrangeiras relativas à administração da justiça penal são reguladas pelos tratados e convenções internacionais e, na sua falta ou insuficiência, pelo disposto em lei especial e ainda pelas disposições deste livro.». [3] «Prevalência dos tratados, convenções e acordos internacionais 1 - As formas de cooperação a que se refere o artigo 1.º regem-se pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste diploma. 2 - São subsidiariamente aplicáveis as disposições do Código de Processo Penal.». [4] AcSTJ de 30.10.2013 - Proc. n.º 86/13.8YREVR.S1, in www.dgsi.pt. [5] «Os Estados Contratantes obrigam-se a entregar, reciprocamente, segundo as regras e as condições estabelecidas na presente Convenção, as pessoas que se encontrem nos seus respectivos territórios e que sejam procuradas pelas autoridades competentes de outro Estado Contratante, para fins de procedimento criminal ou para cumprimento de pena privativa da liberdade por crime cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente» – sublinhado acrescentado. [6] Art.º 32º: –«As penas são: I - privativas de liberdade; II - restritivas de direitos; III - de multa.». [7] Art.º 33º § 3º: – «A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código.». Art.º 59 - III: – «O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I - as penas aplicáveis dentre as cominadas; II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.» – sublinhado acrescentado. [8] « A penitenciária destina-se ao condenado à pena de reclusão, em regime fechado.». [9] «§ 1º - O condenado fica sujeito a trabalho no período diurno e a isolamento durante o repouso noturno. § 2º - O trabalho será em comum dentro do estabelecimento, na conformidade das aptidões ou ocupações anteriores do condenado, desde que compatíveis com a execução da pena.». [10] «O trabalho externo é admissível, no regime fechado, em serviços ou obras públicas.». [11] «O condenado fica sujeito a trabalho em comum durante o período diurno, em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar.». [12] Art. 82º: – «Os estabelecimentos penais destinam-se ao condenado, ao submetido à medida de segurança, ao preso provisório e ao egresso.». Art. 91º: – «A Colônia Agrícola, Industrial ou Similar destina-se ao cumprimento da pena em regime semi-aberto.». [13] «O condenado poderá ser alojado em compartimento coletivo, observados os requisitos da letra a, do parágrafo único, do artigo 88, desta Lei. […]», isto é «salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;». [14] «O trabalho externo é admissível, bem como a freqüência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior.». [15] Art.º 36º § 1º do CP…..: – «O regime aberto baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado.». Art.º 93º da Lei de Execução das Penas: – «A Casa do Albergado destina-se ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime aberto, e da pena de limitação de fim de semana.» Art.º 94º da Lei de Execução das Penas: – «O prédio deverá situar-se em centro urbano, separado dos demais estabelecimentos, e caracterizar-se pela ausência de obstáculos físicos contra a fuga.». § 1º - O condenado deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhar, freqüentar curso ou exercer outra atividade autorizada, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga». [16] Para uma informação mais aprofundada sobre a temática das penas e dos regimes penitenciários na ordem jurídica …., veja-se André Estefan, "Direito Penal – Parte Geral", 2018, pp. 391 a 399, acessível em https://acljur.org.br/wp-content/uploads/2018/07/Direito-Penal-Parte-Geral-Volume-1-Andr%C3%A9-Estefam-2018.pdf. A propósito dos regimes de execução das penas privativas da liberdade no …., veja-se Joaquim Boavida, "As medidas de Flexibilização da Execução da Pena de Prisão", dissertação de mestrado, pp. 57 a 58, acessível em https://run.unl.pt/bitstream/10362/19206/1/Boavida_2014.pdf. [17] Art.º 33º: – «Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. […]. § 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.» – sublinhado acrescentado. [18] «Os condenados que cumprem pena em regime semi-aberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos: I - visita à família; II - freqüência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução; III - participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social. Parágrafo único.  A ausência de vigilância direta não impede a utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim determinar o juiz da execução. § 1º A ausência de vigilância direta não impede a utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim determinar o juiz da execução. § 2º Não terá direito à saída temporária a que se refere o caput deste artigo o condenado que cumpre pena por praticar crime hediondo com resultado morte.». [19] «Regime aberto 1 - O recluso condenado é colocado em regime aberto, com o seu consentimento, se: a) Não for de recear que se subtraia à execução da pena ou medida privativa da liberdade ou que se aproveite das possibilidades que tal regime lhe proporciona para delinquir; e b) O regime se mostrar adequado ao seu comportamento prisional, à salvaguarda da ordem, segurança e disciplina no estabelecimento prisional, à protecção da vítima e à defesa da ordem e da paz social. 2 - Verificados os pressupostos do número anterior, são colocados em regime aberto no interior os reclusos condenados em pena de prisão de duração igual ou inferior a um ano. 3 - Verificados os pressupostos do n.º 1, podem ser colocados em regime aberto no interior os reclusos condenados em pena de prisão de duração superior a um ano desde que tenham cumprido um sexto da pena. 4 - A colocação em regime aberto no exterior depende ainda do cumprimento de um quarto da pena, do gozo prévio de uma licença de saída jurisdicional com êxito e de que não se verifique pendência de processo que implique a prisão preventiva. 5 - A colocação do recluso em regime aberto cessa se deixarem de verificar-se os pressupostos previstos nos números anteriores ou se o recluso deixar de cumprir as condições estabelecidas aquando da sua concessão. 6 - A colocação do recluso em regime aberto no interior e a sua cessação são da competência do director do estabelecimento prisional. 7 - As decisões de colocação em regime aberto no interior, bem como de cessação deste, são comunicadas ao director-geral dos Serviços Prisionais. 8 - A colocação do recluso em regime aberto no exterior e a sua cessação são da competência do director-geral dos Serviços Prisionais, sendo a decisão de colocação submetida a homologação prévia pelo tribunal de execução das penas, nos termos do artigo 172.º-A. 9 - Os reclusos colocados em regime aberto estão sujeitos à realização periódica ou aleatória dos testes referidos na alínea g) do artigo 8.º». [20] Sublinhado acrescentado. [21] «2 - Para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 não se consideram crimes de natureza política ou com eles conexos: a) Os crimes contra a vida de titulares de órgãos de soberania ou de altos cargos públicos ou de pessoas a quem for devida especial protecção segundo o direito internacional; b) Os actos de pirataria aérea e marítima; c) Os actos a que seja retirada natureza de infracção política por convenções internacionais de que seja parte o Estado requerido; d) O genocídio, os crimes contra a Humanidade, os crimes de guerra e infracções graves segundo as Convenções de Genebra de 1949; e) Os actos referidos na Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1984.». [22] Aliás, e como documentado em 7. supra, citado no Acórdão Recorrido a propósito de idêntica temática, aí referenciada à questão da situação pessoal e familiar do Recorrente.

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