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Acórdão TR Porto de 2009-01-27

0827482

TribunalTribunal da Relação do Porto
Processo0827482
Nº ConvencionalJTRP00042142
RelatorMário Serrano
DescritoresDivórcio, Bens Próprios, Enriquecimento sem Causa, Bens Comuns do Casal
Nº do DocumentoRP200901270827482
Data do Acordão2009-01-27
VotaçãoUnanimidade
Privacidade1
Meio ProcessualAPELAÇÃO.
DecisãoConfirmada a Decisão.
Indicações EventuaisLIVRO 297 - FLS 155.
Área Temática.

Sumário

I - Estando em causa contribuições da A. para pagamento de um empréstimo contraído pelo R., antes do casamento, para adquirir um imóvel que veio depois a ser casa de morada de família relativamente a elas não se coloca uma questão de divisão de bens comuns do casal. II - A entrega de quantias por um dos cônjuges que gera enriquecimento do património próprio do outro tem causa na pendência do matrimónio (ou da comunhão de vida que este pressupõe), mas deixa de ter causa justificativa com a separação ou o divórcio.


Texto Integral

Proc. nº 7482/08-2 Apelação (Acto processado e revisto pelo relator signatário: artº 138º, nº 5-CPC) * ACORDAM NA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: I – RELATÓRIO: Na presente acção ordinária que B………. intentou, na comarca de Vale de Cambra, contra o seu ex-marido C………., pedindo a condenação do R. a pagar à A. a quantia de 34.193,98 €, acrescida de juros legais, desde a citação até integral pagamento, por alegado enriquecimento sem causa, pedido que foi julgado totalmente procedente, vem o R. interpor recurso de apelação da sentença final proferida em 1ª instância. Na petição inicial, alegou a A., no essencial, o seguinte: na sequência do decretamento do divórcio por mútuo consentimento entre as partes, foi acordada a partilha dos bens comuns à data existentes (saldo de conta bancária, no valor de 4.568,33 €, e bens móveis adquiridos a título oneroso na pendência do casamento, no valor de 7.000,00 €), através da aceitação da quantia de 5.000,00 €, a título de meação na partilha, revertendo para o R. a totalidade daqueles bens; nesse acordo não foram incluídas verbas que a A. entregou ao R. para benefício deste, concretamente: a) a contribuição com o vencimento da A. (depositado na conta comum do casal) para pagamento de crédito imobiliário (amortizações e juros) contraído pelo R. para aquisição de bem imóvel próprio deste, em valor correspondente a metade do valor global pago (48.158,04 €), ou seja, no montante de 24.079,02 €, e b) a contribuição com uma quantia doada pelo pai da A. (e depositada em conta própria desta) para pagamento de encargos com obras no referido bem imóvel do R., em valor correspondente à quantia doada (10.000,00 €) e juros (114,96 €), ou seja, no montante de 10.114,96 € – o que tudo perfaz a quantia de 34.193,98 €, com que ficou enriquecido o património do R. e empobrecido o da A., sem causa justificativa, pelo que se requer a sua restituição, ao abrigo do artº 473º do C.Civil. Regularmente citado o R., este não contestou, pelo que o tribunal de 1ª instância declarou confessados os factos articulados pela A., nos termos do artº 484º, nº 1, do CPC. Cumprido o disposto no artº 484º, nº 2, do CPC, foi de seguida proferida sentença, em que se julgou totalmente procedente a acção, condenando o R. a restituir à A. a quantia de 34.193,98 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal em vigor, desde a citação até integral pagamento. Fundamentou-se a decisão, no essencial, nas seguintes considerações: pela factualidade provada, é evidente ter havido um enriquecimento do património do R. à custa da A., com um correlativo empobrecimento do património desta; a entrega voluntária desses valores pela A. ocorreu em função da existência de um vínculo conjugal, pelo que a separação torna ilegítimo o enriquecimento do R. e revela a falta de causa justificativa para tal – pelo que a A. tem direito à restituição do que prestou, com os respectivos juros desde a citação. É desta decisão que vem interposto pelo R. recurso de apelação. As suas alegações culminam com as seguintes conclusões: «1ª – A. Apelada e R. Apelante como base, pressuposto e condição da transformação do divórcio litigioso em mútuo consentimento procederam à outorga dos necessários acordos, inclusive a partilha dos bens comuns, divórcio este que como tal foi doutamente homologado e decretado. 2ª – Com a partilha efectuada entre os cônjuges A. e R., ficaram e consideram eles encerradas e efectuadas todas as contas do casal, conforme bem expresso e esclarecido (em complemento à matéria de facto do n° 4) no teor do doct° 1 ora junto, no qual a própria A. Apelada declara ter recebido as devidas tornas correspondentes ao valor da sua meação no património comum e do que deu respectiva quitação, tendo que considerar-se fechadas as contas, e a partilha efectuada, nos termos e de conformidade com o disposto nos art°s 1689° e 1692° do C.C.. 3ª – Com a partilha efectivada entre os cônjuges A. e R., nos termos e à luz do disposto no art° 1689° do C.C., não tem qualquer sentido aplicar, sendo-lhe totalmente alheio e estranho, o regime jurídico do instituto do enriquecimento sem causa, constante das disposições legais dos art°s 473° e 479° do C.C., cujas disposições por isso foram violadas pela Sentença recorrida. 4ª – Aliás, a não ser assim, ter-se-ia verificado uma notória e grave reserva mental por parte da A. Apelada ao efectuar a partilha nos termos em que o fez, e vir agora, através da presente acção, com “venire contra factum proprium”, pedir o acerto das contas já fechadas e encerradas com a partilha, o que implica uma verdadeira nulidade, nos termos dos art°s 244°, n° 1, 280°, n° 2, e 286° todos do C.C., que violados foram, acarretando uma postura de grosseira má-fé por parte da Apelada. 5ª – A Sentença recorrida violou, além das já citadas, as disposições legais constantes dos art°s 473° e 479° (aqui inaplicáveis) e dos art°s 1689° e 1697°, omissos na sua aplicação, que como tal o deveriam ter sido, relevando a partilha efectuada entre Apelada e Apelante.» A apelada contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida. Como é sabido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (cfr. artos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do CPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (cfr. artos 660º, nº 2, e 664º, ex vi do artº 713º, nº 2, do CPC). Do teor das alegações do R. resulta que a matéria a decidir se resume a apurar se a partilha efectuada entre as partes no âmbito do divórcio teve o efeito de um «acerto de contas» definitivo, que obstaria a que a A. pudesse agora demandar o R. pela «partilha» de quaisquer outros bens – sendo que, em caso negativo, caberá averiguar da aplicabilidade do instituto do enriquecimento sem causa à situação em apreço. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. * II – FUNDAMENTAÇÃO: A) DE FACTO: O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, não sujeitos a impugnação, que aqui se aceitam (cfr. artº 713º, nº 6, do CPC) e que, para melhor análise, se passam a reproduzir: «1 – Tendo a autora B………. e o réu C………. casado em 14 de Abril de 2002 sem convenção antenupcial, separaram-se no dia 09 de Maio de 2006. 2 – Por sentença proferida em 20.11.2006, transitada em julgado em 07.12.2006, foram homologados os acordos efectuados entre B………. e C………., e, consequentemente, foi decretado o divórcio, declarando-se dissolvido o casamento celebrado entre as partes e a que correspondia o assento n° 16 do ano de 2002 da Conservatória do Registo Civil de Vale de Cambra. 3 – Na sequência do seu divórcio, autora e réu lograram acordar na partilha dos bens comuns, constituídos pelo saldo bancário existente, na data da aludida separação de facto, na conta com o n° ………….. da agência de Vale de Cambra do D………., no valor de 4.568,33 €, bem como pelos bens móveis adquiridos na constância do matrimónio, no valor global de 7.000,00 €, de que a autora juntou relação. 4 – Nos termos do respectivo acordo, o réu ficou os bens referidos em 3, no valor total de 11.586,33 €, entregando à autora, a título de meação nos bens comuns, a quantia de 5.000,00 €. 5 – Em data anterior ao casamento de ambos, o réu havia contraído, para aquisição de um prédio urbano sito em Aveiro, um crédito imobiliário na agência de Vale de Cambra do D………. . 6 – Na vigência do casamento, entre 27 de Junho de 2002 e 09 de Maio de 2006, o empréstimo referido em 5 foi amortizado com dinheiro existente na conta comum do casal identificada em 3, a qual era aprovisionada, designadamente, com o vencimento que a autora auferia ao serviço do estabelecimento E………., sito em ………., Vale de Cambra. 7 – O valor total das amortizações efectuadas no período identificado em 6 ascende a 48.158,04 €, sendo certo que o foi para reembolso de um empréstimo concedido ao réu para aquisição de um bem próprio dele, não sendo, como tal, incluído na partilha efectuada na sequência do divórcio. 8 – No dia 03 de Fevereiro de 2005, o pai da autora levantou de uma conta bancária de que era titular na F………., com o n° ….-……….., a quantia de 10.000 €, depositando-a na conta com o n° ….-………. da mesma instituição bancária e de que a autora era a única titular, doando-lhe a referida quantia, tal como havia feito com os demais filhos, por conta da legítima. 9 – Em 06 de Fevereiro de 2006, a autora procedeu ao levantamento da quantia referida em 8, acrescida dos juros entretanto vencidos, no valor total de 10.114,96 €, entregando-a ao réu para que este efectuasse o pagamento de obras de ampliação por ele realizadas na casa da ………., da sua exclusiva propriedade.» B) DE DIREITO: Comece-se por sublinhar que o recorrente formula argumentos que nada trazem de substancialmente novo perante a fundamentação apresentada pelo tribunal recorrido, que contraria o essencial dessa argumentação, sendo certo que esse tribunal se pronunciou fundadamente sobre o objecto da causa, em termos que merecem adesão – pelo que bastaria aqui uma simples remissão para os fundamentos dessa decisão, ao abrigo do artº 713º, nº 5, do CPC. Em todo o caso, sempre aditaremos uma sucinta análise adicional da matéria em causa. Como vimos, ficou assente que, na sequência do divórcio entre A. e R., estes acordaram na partilha extra-judicial de bens comuns do casal (dinheiro e móveis), ficando o R. com esses bens e entregando este à A. uma quantia em dinheiro, a título de meação nos bens comuns (factos 3º e 4º). Ora, pretende o R. que essa partilha extra-judicial teria o efeito de obstar a que outros bens (designadamente, créditos ou débitos) pudessem ser posteriormente considerados ou que fosse reaberta a discussão sobre a repartição desses outros bens – ou seja, ao firmar esse acordo haveria como que uma renúncia dos ex-cônjuges a um eventual direito a quaisquer outros bens ou valores. Em primeiro lugar, diga-se que, em princípio, a realização de uma partilha (mesmo extra-judicial) não terá o significado de uma renúncia a outros bens. Convém ter aqui presente o disposto no artº 2122º do C.Civil, em que se diz que «a omissão de bens da herança não determina a nulidade da partilha, mas apenas a partilha adicional dos bens omitidos», e a norma instrumental daquela, o artº 1395º, nº 1, do CPC, segundo o qual «quando se reconheça, depois de feita a partilha judicial, que houve omissão de alguns bens, proceder-se-á no mesmo processo a partilha adicional», sendo certo que estas disposições, directamente dirigidas à partilha por morte, se aplicam também à partilha em caso de divórcio, como evidencia a remissão do artº 1404º, nº 3, do CPC para os termos da partilha por morte (sobre este ponto, cfr. CAPELO DE SOUSA, Lições de Direito das Sucessões, II, Coimbra Editora, Coimbra, 1980, pp. 374-375). Nada obsta, pois, a uma «partilha adicional» em caso de divórcio, não tendo os artos 1689º e 1697º do C.Civil o alcance que o R. lhes pretende conferir. Admite-se, porém, que, em concreto, possa haver essa renúncia, o que dependerá dos termos exactos em que for celebrado o acordo de partilha extra-judicial. No entanto, no presente caso, não foram integrados na matéria de facto elementos mais específicos sobre o teor do acordo, de modo a ter a exacta percepção acerca da posição das partes sobre essa partilha: não sabemos se, ao acordarem a partilha nos termos em que o fizeram, pretenderam resolver definitivamente a questão, renunciando a quaisquer outros bens ou valores. Se é certo que essa atitude seria normal, no contexto da cessação da comunhão de vida inerente ao vínculo conjugal, sempre haveria que colher elementos seguros sobre a ocorrência dessa atitude. Ora, no caso sub judicio são omissos esses elementos por decorrência da não dedução de contestação por parte do R., que assim não trouxe aos autos elementos de facto donde se pudesse inferir a postura das partes relativamente à partilha celebrada. É verdade que trouxe aos autos, já em sede de recurso, um documento subscrito pela A. relativo à partilha, mas esse documento não pode ser considerado como integrante da matéria de facto, por esta ter ficado assente pela aplicação do artº 484º, nº 1, do CPC. Mas, independentemente disso, sempre se dirá que o teor desse documento é inconclusivo: sob a epígrafe de «Declaração», nele afirmou a A. «ter procedido à partilha dos bens comuns e à inexistência de imóveis a relacionar, tendo nesta data a declarante recebido do seu marido a quantia de € 5.000 (cinco mil euros), correspondente ao valor da sua meação no património comum, de cujo recebimento e quantia dá a respectiva quitação» – o que não indicia claramente a renúncia a que se aludiu. Havendo, pois, que considerar apenas a matéria de facto assente, não se afigura possível admitir que houve uma tal renúncia – pelo que parece nada obstar a que a A. possa exigir do R. uma «partilha adicional» de outros bens ou valores não considerados na partilha anteriormente celebrada. E, por aqui, fica totalmente arredada a alegação de reserva mental ou de venire contra factum proprium. Contudo, cremos que a matéria trazida pela A. aos presentes autos se situa em domínio diverso de uma «partilha adicional»: estão em causa contribuições da A. que não se incorporaram no património comum do casal, mas antes produziram um enriquecimento do património próprio do R.. E, nessa perspectiva, já não se coloca um problema de repartição de bens comuns: se há um enriquecimento do património do R. e um correlativo empobrecimento do património da A., estará já configurada uma hipótese de enriquecimento sem causa, tal como foi entendido na decisão recorrida. Poderá pretender-se que essas contribuições se inscrevem no âmbito do dever de assistência, em que o excesso do prestado faria presumir uma renúncia ao direito à compensação (artº 1676º, nos 1 e 2, do C.Civil). Mas o certo é que, no presente caso, as contribuições da A. não se dirigiam a prover a «encargos da vida familiar», mas já a beneficiar o património do R. – pelo que estamos fora do âmbito do preceito citado. Também se poderia argumentar que esse enriquecimento teve causa, que seria o próprio vínculo conjugal, faltando assim um dos pressupostos da aplicação do artº 473º do C.Civil. Porém, o instituto em apreço não funciona só em caso de carência ab initio de causa justificativa. Como diz ANTUNES VARELA, «para que haja obrigação de restituir, é necessário, nos termos do artº 473º, nº 1, que o enriquecimento, contra o qual se reage, careça de causa justificativa – ou porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido» (Das Obrigações em Geral, vol. I, 10ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, p. 482). Aliás, por isso se refere, no nº 2 do artº 473º, que a obrigação de restituir pode ter por objecto «o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir». É de aceitar, assim, o argumento, usado na decisão recorrida, segundo o qual a entrega de quantias por um dos cônjuges que gera enriquecimento do património próprio do outro tem causa na pendência do matrimónio (ou da comunhão de vida que este pressupõe), mas deixa de ter causa justificativa com a separação ou o divórcio. Concorda-se, pois, com a aplicação do instituto do enriquecimento sem causa à situação em apreço, sendo esse entendimento já sufragado por jurisprudência dos tribunais superiores, em cujos fundamentos nos louvamos, para melhor explicitar perante o recorrente a ratio dessa aplicação. Citamos, a este propósito, o Ac. STJ de 17/1/2002 (Proc. 01B4058, in www.dgsi.pt) e o Ac. RC de 11/5/2004 (Proc. 712/04, idem). Lê-se no primeiro desses arestos, com perfeita adequação ao nosso caso: «As contribuições monetárias da autora para a construção da casa de morada da família, que ficou a ser bem próprio do réu (como a autora reconhece), não são, como já se explicou, referenciáveis a qualquer dos deveres conjugais aludidos, ou a qualquer dos outros, elencados no citado art. 1672º, CC. Mas, não seria correcto afirmar que não têm qualquer suporte na relação jurídica familiar. Como se disse, elas tiveram por finalidade a construção da casa de morada da família que os cônjuges haviam concordado em estabelecer ali, no uso do poder-dever consignado no art. 1673º, CC. Assim, o casamento, mais que motivo, foi a real causa jurídica daquelas contribuições. Por isso, se não é aceitável que, ao abrigo de um qualquer dos deveres recíprocos dos cônjuges, consignados no art. 1672º, CC, designadamente o de assistência ou o de cooperação, um dos cônjuges possa exigir do outro o apoio para a construção de casa própria, ainda que destinada à morada da família, já não custa aceitar que as voluntárias contribuições do cônjuge, em tais circunstâncias, mesmo que feitas sem espírito de liberalidade, não devam ser, em princípio, objecto de repetição. O jogo de cedências e de renúncias que a harmonia conjugal exige pode conduzir a uma tal solução de equilíbrio na escolha em comum da residência da família: vir esta a ser instalada numa casa a construir para um dos cônjuges, com dinheiro da contribuição de ambos. (…) As contribuições monetárias da autora para a construção da casa do réu tiveram, pois, uma causa jurídica, que foi o modo como, em concreto, os cônjuges cumpriram o dever de, em conjunto, escolherem a residência da família. Mas, com a separação do casal, e posterior divórcio, a causa extinguiu-se, e passou, assim, a não ser justificável que a autora continuasse desapossada do que dera para a construção da casa, que é pertença do réu, e que já não iria ser a habitação da família. Nos termos do nº. 2, do art. 473º, CC, o réu deve, por isso, restituir à autora o que dela recebeu por virtude de tal causa finita.» Na mesma linha se exprime o segundo aresto, sobre um caso paralelo de ruptura de união de facto: «O enriquecimento é injusto, não apresentando causa justificativa, quando não está de harmonia com a correcta ordenação jurídica dos bens aceita pelo sistema, em virtude de determinado valor se achar no património do beneficiado, quando o seu lugar era no património do prejudicado. (…) Com efeito, o que suscita a reacção da lei é a circunstância de determinado valor se achar no património de A, quando o seu lugar não é aí, mas antes no património de B, em função da ordem de atribuição ou destinação dos bens (…). Entre os casos especiais da obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, exemplificativamente, enumerados pelo artigo 473º, nº 2, do CC, destaca-se a situação de alguém receber uma prestação, em virtude de uma causa que deixou de existir, como acontece quando a entidade patronal faz adiantamentos ao empregado, por conta de ordenados futuros, vindo, entretanto, a cessar a relação de trabalho (…), ou, por manifesta identidade de razão, quando, como acontece, no caso sub judice, um dos membros da união de facto, com vista a adquirir a co-titularidade de um apartamento destinado a servir como casa de morada de família, entrega ao outro dinheiro para pagar metade do preço da sua compra e respectivas despesas de escritura e registo, dissolvendo-se, entretanto, a união de facto, por vontade unilateral do parceiro que, tendo expulsado o outro do apartamento, continua a viver no mesmo. Neste caso, a recepção constitui o accipiens na obrigação de restituir, por locupletamento à custa alheia, o que tiver obtido da outra parte, logo que cesse a causa da prestação, tratando-se de um crédito comum desta última, baseado no instituto subsidiário do enriquecimento sem causa, que nasce no preciso momento em que ocorre o fim da comunhão de vida. E foi a ruptura da união de facto, motivada por vontade unilateral do réu, ao contrário do que este sustenta, que determinou o desaparecimento posterior da causa da deslocação patrimonial verificada, e, em consequência, e, simultaneamente, originou o nascimento do direito da autora a exigir a restituição do que entregou ao réu, atendendo à verificação daquela condictio ob causam finitam.» Sendo integralmente válidos os fundamentos que emergem dos trechos transcritos, que reforçam o sentido da decisão recorrida, damos a eles a nossa adesão, concluindo que o R. tem a obrigação de restituir à A. o valor apurado das suas contribuições, que perfazem o montante de 34.193,98 € – pelo que não assiste razão ao recorrente, assim devendo improceder integralmente a presente apelação. Em suma: o tribunal a quo não violou as disposições legais mencionadas nas conclusões das alegações de recurso, pelo que não merece censura o juízo de procedência da pretensão da A. formulado na decisão recorrida. * III – DECISÃO: Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a presente apelação, confirmando a sentença recorrida. Custas pelo R. apelante, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido (v. fls. 98-100). Porto, 27/1/2009 Mário António Mendes Serrano António Francisco Martins António Guerra Banha

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