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Acórdão TR Lisboa de 2007-11-22

9457/2007-6

TribunalTribunal da Relação de Lisboa
Processo9457/2007-6
RelatorPereira Rodrigues
DescritoresDivórcio, Casa da Morada de Família, Acção de Divisão de Coisa Comum, Abuso de Direito
Nº do DocumentoRL
Data do Acordão2007-11-22
VotaçãoUnanimidade
Meio ProcessualAPELAÇÃO
DecisãoRevogada a Decisão

Sumário

I. Estando já a decorrer acção de divórcio entre os cônjuges, comproprietários de imóvel adquirido antes do casamento e de outros bens durante o casamento, e tendo por acordo entre eles sido atribuído o imóvel aludido como casa de morada da família à cônjuge mulher até à venda ou partilha, tem de considerar-se acordado que o imóvel em causa não podia ser objecto de divisão (entenda-se litigiosa) senão nos termos do processo de inventário instaurado para partilha dos bens comuns do casal na sequência da sentença do divórcio, ou através de meio próprio após este processo de inventário. II. Assim, tendo o acordo de atribuição da casa de morada de família à mulher tido lugar em 25 de Outubro de 2005 e homologado por sentença transitada em julgado em 17 de Novembro de 2005, não podia o cônjuge marido vir intentar acção de divisão de coisa comum da mesma casa logo de seguida em 13 de Dezembro de 2005, estando ainda a decorrer a acção de divórcio. III. Mas, a admitir-se a mera hipótese de o marido ter direito no condicionalismo descrito a intentar a acção para a adjudicação ou venda do imóvel em causa, sempre estaríamos perante uma situação integradora de abuso do direito nos termos do art. 334º do CPC, por não ser expectável que o marido, poucos dias depois de ter firmado um acordo com a mulher no sentido de lhe ser atribuído o imóvel como casa de morada da família, viesse intentar uma acção de divisão desse imóvel com a finalidade aludida e a consequência visível da venda do bem e a perda da morada para a família para aquela. P.R.


Texto Integral

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A SOLUCIONAR. No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, Renato instaurou a presente acção especial de divisão de coisa comum contra Maria peticionando que, pela sua procedência, cesse a indivisão referente à fracção autónoma designada pela letra “U”, correspondente ao 6º andar direito do prédio urbano sito na Freguesia da Ameixoeira, em Lisboa. Invoca, no essencial, que em 9 de Junho de 1997 adquiriu com a ré a propriedade do referido imóvel, antes do matrimónio celebrado entre ambos. Não foi convencionada, nem registada qualquer cláusula de indivisão referente à referida fracção. Não obstante, a ré recusa-se a pôr termo à indivisão de forma amigável. Contestou a ré alegando, além do mais, a existência de um acordo de indivisão, uma vez que o imóvel em apreço lhe foi atribuído na pendência do divórcio como casa de morada de família até à partilha dos bens do casal. Mais alega, que o autor não pode exigir a venda ou a divisão da fracção por se tratar da casa de morada de família num matrimónio não dissolvido, pelo que a sua venda ou qualquer outro modo de oneração ou alienação dependerá sempre do acordo da ré mulher, atento o disposto no artº 1682º-A, nº 2 do CC. Por último alega que a presente acção representa, em todo o caso, não traduz o exercício legítimo de qualquer direito por parte do A., mas antes um abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, pelo que sempre o pedido deve improceder. Pede, a final, a condenação do autor como litigante de má fé no pagamento de multa e indemnização à ré, incluindo as despesas processuais e honorários de advogado, por ter deduzido intencionalmente pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar, tendo igualmente omitido factos importantes para a apreciação da causa. Respondeu o autor pugnando pela improcedência de toda a matéria articulada pela ré em sua defesa. Prosseguiram os autos os seus trâmites, foi proferida sentença, julgando procedente o pedido de divisão formulado pelo autor relativamente à fracção dos autos e determinando que os autos prossigam tendo em vista a adjudicação ou venda da referida fracção, uma vez que a coisa não é divisível em substância. Inconformada com a decisão, veio a A. interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES: 1ª. A. e R., na Acção de Atribuição da Casa de Morada de Família que correu por apenso ao Processo de Divórcio Litigioso e na pendência deste, por acordo homologado por sentença em 28/10/05, acordaram, em relação ao andar dos presentes autos, “atribuir a casa de morada de família, sita na Ameixoeira – Lisboa à Requerente – mulher, até à venda ou partilha“ conforme Doc. de fls. 36 e facto 6º. provado na douta sentença recorrida de fls. 166. 2ª. O A. marido, ora apelado, propõe a presente Acção de Divisão de Coisa Comum, do referido andar, em 13/12/05, (conforme fls. 3 desta acção), portanto 1 mês e meio após ter celebrado o dito acordo com a então mulher, ora apelante, sabendo o acordo que com ela tinha feito, e numa ostensiva declaração de que o não queria cumprir, e revelando má-fé em violação do art. 334 e Nº. 2 do art.. 762º. do C. Civil . 3ª. E nessa altura estava até ainda pendente o divórcio litigioso entre as partes, e o qual veio a ser decretado em 2/6/2006 (e transitado em 22/6/06) com culpa exclusiva do marido ora apelado (vide sentença documentada a fls. 97 e sgts.). 4ª. Por isso, logo na Contestação a ora Ré-Apelante defendeu como Questão Prévia e Causa Prejudicial que, como se trata de “casa de morada de família” num matrimónio não dissolvido, ainda que se trate de bem próprio do A. (a metade que tem em compropriedade com a Ré) não é possível a venda e qualquer outro modo de oneração ou alienação, sem o acordo da Ré mulher, nos termos do Nº. 2 do art. 1682-A do C. Civil; e esta, opondo-se como se opõe, não pode o A. exigir a venda ou a divisão (Nº. 2 do art.. 1413º. do C. Civil, sendo irrelevante que o divórcio viesse a ser decretado mais tarde; mas a douta sentença recorrida decidiu em sentido inverso. 5ª. É bem de ver que, o direito de habitação atribuído à mulher, Ré-apelante, no referido Acordo judicialmente transitado, subjectiva tal direito em exclusivo no interesse dela protegendo ela e o filho, até à partilha . 6ª. Ao apreciar a fls. 168, o Acordo celebrado entre A. e R. no referido Apenso de Atribuição da Casa de Morada de Família, a Douta Sentença recorrida entende que o mesmo não contém qualquer cláusula de indivisão do andar em apreço, mas tão só atribui à Ré-apelante mulher o gozo do mesmo. 7.ª E abona-se a sentença recorrida, para dar suporte à sua tese, no limite temporal do acordo que diz até à venda. Mas desvaloriza a douta sentença recorrida que nesse acordo, também se diz ou até à partilha, posto que não interpreta o significado de se ter inserido no acordo este último momento, e a sua utilidade para a beneficiária dele – a ora apelante, sendo inequívoco que o prazo é principalmente em favor da ora Apelante. 8ª. Mas se tal Acordo não configura um acordo de indivisão temporária até à partilha, então o que é ? A douta sentença recorrida não o declarou, mas devia fazê-lo, tendo em conta todos os dados a ponderar. 9ª. A douta sentença recorrida, fez indevida interpretação do Acordo celebrado pelas partes, e indevida interpretação e aplicação dos arts. 1682-A Nº. 2, e ainda os arts. 334 e 762 Nº. 2 do C. Civil, normas que violou. 10ª. Com tais fundamentos e com os do douto suprimento de Vossas Excelências, pede-se a revogação da douta sentença apelada e o consequente indeferimento do Pedido do Autor-apelado por absoluta falta de fundamento, ou, se assim se não entender se revogue a douta decisão recorrida, declarando-se que a divisão do bem comum só é possível após o trânsito em julgado da partilha pendente ou antes se a Apelante assim o decidir, consoante o que primeiro vier a ocorrer. A A. contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida. Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação, sendo que nada obstando ao conhecimento da apelação, cumpre decidir. A questão essencial a resolver é a de saber se ao apelado assiste direito ao pedido de divisão de coisa comum formulado nos autos. | II. FUNDAMENTOS DE FACTO. Consideram-se provados os seguintes factos: 1º Encontra-se descrita na 5ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, na ficha nº 189/19901015, a fracção autónoma designada pela letra “U”, correspondente ao 6º andar direito do prédio urbano sito na Ameixoeira, em Lisboa; 2º Pela Ap. 19 de 09.06.1997 foi inscrito na ficha referida em 1º, a favor do autor e da ré, o acto de aquisição, por compra do imóvel descrito em 1º; 3º O autor e a ré casaram um com o outro em 25 de Abril de 1999 no regime de comunhão de adquiridos; 4º Por sentença proferida em 2 de Junho de 2006 no âmbito do processo de divórcio litigioso foi decretado o divórcio entre o autor e a ré; 5º A sentença referida em 4º transitou em julgado em 22 de Junho de 2006; 6º Por apenso ao processo de divórcio referido em 4º correu termos um processo de atribuição da casa de morada de família no âmbito do qual, em 25 de Outubro de 2005, o autor e a ré acordaram em atribuir a casa de morada da família, sita na Ameixoeira, em Lisboa, à requerente mulher até à venda ou partilha; 7º O acordo referido em 6º foi homologado por sentença que transitou em julgado em 17 de Novembro de 2005; 8º Por apenso ao processo de divórcio referido em 4º ainda corre termos o processo de inventário instaurado para partilha dos bens comuns do extinto casal constituído pelo autor e pela ré; | III. FUNDAMENTOS DE DIREITO. O direito de exigir a divisão de coisa comum está inscrito no art. 1412º/1 do CC, segundo o qual “nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão, salvo quando se houver convencionado que a coisa se conserve indivisa”. O direito potestativo de que trata o artigo 1412° do CC é, na sua essência, um direito de dissolução da compropriedade, que normalmente se opera mediante a divisão em substância da coisa, mas que também pode realizar-se através da partilha do seu valor ou preço. Há, porém, muitos actos conducentes à cessação da comunhão que nada têm a ver com o direito potestativo aqui regulado, uma vez que a comunhão pode cessar, através dos vários negócios entre vivos ou mortis causa, ou até da usucapião, capazes de concentrarem a propriedade da coisa comum numa só pessoa, que tanto pode ser um dos dois ou mais comproprietários, como um terceiro. O direito a que alude o artigo 1412° do CC distingue-se, todavia, das outras formas de dissolução da comunhão ou compropriedade, pelo facto de se dirigir contra todos os consortes e ter como fim prático a cessação da compropriedade, e não apenas a determinação da quota do consorte na coisa comum (1). A divisão da coisa comum pode ser feita amigavelmente ou nos termos da lei do processo (art. 1413º do CC). A lei do processo preceitua, no art. 1052º/1 do CPC, que “todo aquele que pretenda pôr termo à indivisão da coisa comum requererá, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respectivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respectivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas”. Coloca-se na presente acção e recurso, como essencial, a questão de saber se o Autor, ora Apelado, tem direito a pôr termo à indivisão da fracção autónoma de que é comproprietário com a Ré, ora Apelante, invocando o primeiro, no que mais releva, que não foi convencionada, nem registada qualquer cláusula de indivisão relativamente à fracção em apreço e contrapondo a segunda a existência de um acordo de indivisão, uma vez que o imóvel em apreço lhe foi atribuído na pendência do divórcio como casa de morada de família até à partilha dos bens do casal. Invoca ainda a Apelante que Apelado não pode exigir a venda ou a divisão da fracção por se tratar da casa de morada de família num matrimónio não dissolvido, pelo que a sua venda ou qualquer outro modo de oneração ou alienação dependerá sempre do acordo da ré mulher. Na douta sentença recorrida entendeu-se que nada obstava à procedência da acção, porque: “Relativamente ao primeiro dos argumentos aventados pela ré, refira-se que não consubstancia qualquer acordo de indivisão o acordo estabelecido entre as partes no âmbito dos autos de atribuição da casa de morada de família. Nos referidos autos as partes apenas acordaram em atribuir a casa de morada da família, sita na … Ameixoeira, em Lisboa, à requerente mulher até à venda ou partilha. Trata-se tão só de uma cláusula de atribuição do gozo da fracção em apreço nos autos à ré e não de uma cláusula de indivisão. A utilização da expressão até à venda releva claramente que não foi intenção do autor e da ré sujeitar a referida fracção ao regime da indivisibilidade até à partilha dos bens comuns do casal, tal como é sugerido pela ré. Se assim fosse bastaria o simples recurso à expressão até à partilha. Acrescentando a referida expressão até à venda só pode significar que o autor e a ré acordaram em ceder o gozo da fracção em apreço à ré, como casa de morada de família, até ao momento da sua venda, judicial ou extrajudicial, e independentemente de se ter já verificado ou não a partilha dos bens comuns do casal. Não se verifica, pois, qualquer acordo de indivisão nos termos assinalados pela ré. Também no que concerne ao segundo dos argumentos invocados pela ré entendemos que não lhe assiste razão. Note-se, a este respeito, que tendo já sido decretado o divórcio entre o autor e a ré, por sentença transitada em julgado, não é aplicável o disposto no artº 1682º-A, nº 2 do CC, porquanto já foi dissolvida a sociedade conjugal formada entre as partes. Assim sendo, conclui-se que nada obsta à adjudicação ou venda da fracção nos termos pedidos pelo autor”. Ora, vejamos, antes de mais, os factos: A Apelante e o Apelado casaram um com o outro em 1999 no regime de comunhão de adquiridos, sendo que antes do casamento, em 1997, haviam adquirido em compropriedade o imóvel reportado nos autos. Por sentença proferida em 2 de Junho de 2006 em processo de divórcio litigioso foi decretado o divórcio entre ambos, sentença que transitou em julgado em 22 de Junho de 2006. Por apenso ao processo de divórcio correu termos um processo de atribuição da casa de morada de família no âmbito do qual, em 25 de Outubro de 2005, as partes acordaram “em atribuir a casa de morada da família, sita na …. Ameixoeira, em Lisboa, à requerente mulher até à venda ou partilha”, acordo homologado por sentença transitada em julgado em 17 de Novembro de 2005. Por apenso ao processo de divórcio ainda corre termos o processo de inventário instaurado para partilha dos bens comuns do extinto casal constituído pelas partes deste processo. A presente acção de divisão de coisa comum do prédio adquirido pela Apelante e pelo Apelado em compropriedade antes do casamento foi instaurada em 13 de Dezembro de 2005. É em face deste quadro factual que importa indagar se assistia direito ao Apelado a intentar a presente acção com vista à dissolução da compropriedade do imóvel em apreço. Antes de mais, há tomar na devida conta que a compropriedade que está em causa nos autos não é uma compropriedade entre dois estranhos indivíduos, mas sim entre marido e mulher, casados em comunhão de adquiridos e que possuem em comum não só o imóvel dos autos adquirido antes do casamento, como outros bens adquiridos na constância do matrimónio, designadamente outro imóvel para habitação. Estando a decorrer já acção de divórcio entre os cônjuges, comproprietários do imóvel adquirido antes do casamento e de outros bens durante o casamento, e tendo por acordo entre as partes sido atribuído o imóvel aludido como casa de morada da família à Apelante até à venda ou partilha, tem de concluir-se que o imóvel em causa não podia ser objecto de divisão (entenda-se litigiosa) senão nos termos do processo de inventário instaurado para partilha dos bens comuns do casal na sequência da sentença do divórcio, ou através de meio próprio, após este processo de inventário. É que havendo bens em compropriedade do casal, quer por aquisição anterior quer por aquisição posterior ao casamento e pretendendo em caso de divórcio qualquer dos cônjuges fazer a divisão daqueles bens, parece de admitir a possibilidade de uma única acção de inventário a correr por apenso à acção de divórcio, nos termos do art. 1404º do CPC, onde se proceda à divisão ou partilha de todos os bens. Só não poderá haver lugar a este inventário, com tal abrangência, se o regime de bens do casamento for de separação (art. 1404/1, in fine), sendo que neste caso, se houver bens em compropriedade, é que terá de recorrer-se a acção de divisão de coisa comum (2). Daí que quando por apenso ao processo de divórcio correu termos acção de atribuição da casa de morada de família no âmbito da qual, em 25 de Outubro de 2005, as partes acordaram “em atribuir a casa de morada da família, sita na Ameixoeira, em Lisboa, à requerente mulher até à venda ou partilha”, as partes só poderiam ter em mente que o acordo firmado era para durar até à partilha dos bens do casal efectuada em inventário na sequência da acção de divórcio ou até a uma eventual venda do imóvel feito por acordo das partes ou de forma litigiosa na âmbito do mesmo inventário. Não no âmbito de qualquer acção de divisão de coisa comum que, em princípio, não poderia ter lugar. Fácil será de entender que um declaratário normal, colocado na situação da Apelada enquanto requerente da atribuição da morada da casa de família, não aceitaria um acordo no sentido de aquela atribuição lhe ser feita apenas até à venda que viesse a ser realizada no âmbito de qualquer acção de divisão de coisa comum, que no dia seguinte ao acordo o Apelado lhe pudesse mover. No caso dos autos o acordo de atribuição da casa de morada de família à Apelante teve lugar em 25 de Outubro de 2005, vindo a ser homologado por sentença transitada em julgado em 17 de Novembro de 2005, sendo que a presente acção de divisão de coisa comum da mesma casa foi instaurada logo de seguida em 13 de Dezembro de 2005. Será que as partes admitiram, aquando do acordo, a eventualidade desta acção, que em princípio, como se disse, nem poderia ter lugar segundo as regras do processo? A Apelante certamente que não admitiu, pois que de contrário não aceitaria o acordo, por não servir os seus interesses. O Apelado se o admitiu e se já tinha em mente instaurar esta acção, então terá actuado com reserva mental e sem boa fé. Por isso, mesmo a admitir-se que o Apelado tivesse direito a intentar a presente acção para a adjudicação ou venda da fracção nos termos pedidos, sempre estaríamos perante uma situação integradora de abuso do direito nos termos do art. 334º do CPC, por não ser expectável que o Apelado, poucos dias depois de ter firmado um acordo com a Apelante no sentido de lhe ser atribuído o imóvel como casa de morada da família, viesse intentar uma acção de divisão desse imóvel com a finalidade descrita e a consequência visível da venda do bem e a perda da morada para a família da Apelante. Com efeito, existe abuso de direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado. O exercício do direito não deve, assim, exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, por a todos se impor uma conduta de acordo com os padrões da diligência, da honestidade e da lealdade exigíveis no comércio jurídico. E os limites impostos pela boa fé são excedidos, designadamente, quando alguém pretenda fazer valer um direito em contradição com a sua conduta anterior, quando tal conduta objectivamente interpretada, de harmonia com a lei, justificava a convicção de que se não faria valer o mesmo direito. No caso dos autos perante o acordo firmado pela Apelante e pelo Apelado quanto à atribuição do imóvel dos autos como casa de morada de família para a primeira só podia ter o significado de o destino do imóvel ser o do acordo concertado até que entre as partes fosse feita a partilha e eventual venda dos bens. Tanto mais quanto decorre do processo, designadamente do documento do fls. 118 (cópia da relação de bens) que existe outro imóvel para habitação, bem comum do casal, que, segundo afirma a Apelante sem refutação, está a ser habitado pelo Apelado. Se assim acontece, onde está o exercício legítimo do direito do Apelado em dividir apressadamente o imóvel que serve de morada de casa de família à Apelada e ao filho, enquanto que ele, Apelado, se mantém alojado no outro imóvel bem comum do casal ? Pelos fundamentos descritos se entende que a pretensão do Apelado de divisão do imóvel dos autos deve ser julgada improcedente e a Apelada absolvida do pedido. Apenas uma nota final para referir que a Apelante censura a sentença recorrida também por omissão de pronúncia sobre questões de que devia ter conhecido. Porém, analisada a sentença nessa vertente, entende-se que se não verifica tal omissão, dado que quanto à questão essencial para decidir do mérito da causa se pronunciou devidamente, não podendo, assim, considerar-se verificada a nulidade da sentença por omissão de pronúncia relevante para a decisão. Procedem, por isso e no essencial, as conclusões do recurso, sendo de revogar a decisão recorrida.| IV. DECISÃO: Em conformidade com os fundamentos expostos, concede-se provimento à apelação e revoga-se a sentença recorrida, julgando-se a acção improcedente e absolvendo-se a Apelada do pedido. Custas nas instâncias pelo apelado. Lisboa, 22 de Novembro de 2007. FERNANDO PEREIRA RODRIGUES FERNANDA ISABEL PEREIRA MARIA MANUELA GOMES __________________________ 1 - P. Lima/A. Varela, in CC anotado, III, 2.ª ed, pg. 386-387. 2 - Veja-se neste sentido Lopes Cardoso, in Partilhas Judiciais, III, 3.ª ed., pg. 346 e Abel Pereira Delgado, in O Divórcio, 1980, pg. 101.

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