I - Pela via por onde circulava o motociclo conduzido pela vítima, o trânsito de veículos automóveis seguia numa única fila, com muitos carros seguidos até aos semáforos, antes de um entroncamento e depois dele, ora parados, ora em marcha muito lenta, no fenómeno, tipicamente urbano, que se designa comummente por “pára – arranca”. II - O motociclo conduzido pela vítima foi ultrapassando, de uma só vez, todos esses veículos e fê-lo apesar de existir o entroncamento com outra via. III - Não se diga, como faz a Relação, que o condutor do motociclo estava a observar o disposto no n.º 3 do art.º 41.º do C. da Estrada, onde se diz que não é aplicável o disposto nas alíneas a) a c) e e) do n.º 1 [designadamente, a proibição de ultrapassagem imediatamente antes e nos cruzamentos e entroncamentos] sempre que na faixa de rodagem sejam possíveis duas ou mais filas de trânsito no mesmo sentido, desde que a ultrapassagem se não faça pela parte da faixa de rodagem destinada ao trânsito em sentido oposto. IV - Com efeito, por onde seguia o motociclo não existiam duas faixas de rodagem no mesmo sentido, mas apenas uma e, portanto, não é pelo facto do motociclo “caber” fisicamente no mesmo espaço da faixa de rodagem por onde circula um automóvel que se “criam” artificialmente duas ou mais faixas de rodagem. V - A vantagem comparativa das motorizadas em relação aos automóveis no trânsito dentro das cidades, de poderem «furar» por entre o trânsito, não está ao abrigo de qualquer disposição legal, pois o facto de circularem pela direita ou pela esquerda por entre os automóveis que estão a aguardar em fila ou que estão no pára – arranca é proibido pelo C. da Estrada, já que a demarcação da faixa de rodagem (“via de trânsito”, na terminologia legal) existe para que cada veículo circule em segurança na sua via e não para que dois veículos circulem a par dentro desses limites (cf. art.º 1º-t, do CE). VI - Atribuiu-se, em face de todas as circunstâncias do acidente que vitimou mortalmente o condutor do motociclo, uma percentagem de 20% de culpa para a condutora do automóvel e de 80% para a vítima. VII - O art.º 570.º, n.º 1, do C. Civil dispõe que “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”. VIII - Desta norma resulta, portanto, que quando há uma concorrência de culpas entre o lesado e uma outra pessoa na produção dos danos, o tribunal não é obrigado a indemnizar de acordo com uma determinada percentagem que atribuiu à culpa de cada um, pois pode conceder o total da indemnização, ou excluir a indemnização, ou reduzi-la. IX - Ora, a seguradora, para quem foi transferida a responsabilidade civil pelos danos causados pelo veículo automóvel, aceitou no presente recurso que havia uma percentagem de culpa da respectiva condutora, que contabilizou em metade. X - Perante esta aceitação da Ré e tendo em conta que o risco da circulação de um automóvel é superior ao dos motociclos, o que, de certo modo, «contrabalança» o grau inverso na proporção das culpas, entende-se ser de fixar em metade a responsabilidade civil daquela. XII – Quanto à perda do direito à vida e aos danos não patrimoniais da mulher e da filha menor da vítima, contabilizados pela Relação em € 65 000,00 para a primeira e € 25 000,00 para cada uma das demandantes quanto aos segundos, «a consideração conjunta de todos os factores consideráveis não consentiria – nem consente - que, segundo critérios de equidade, a indemnização devesse ou pudesse ter sido fixada em menor montante. Além de que não só «escapam à admissibilidade de recurso “as decisões dependentes da livre resolução do tribunal”» como, em caso de julgamento segundo a equidade, «devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses [que não é a dos autos] em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”». XIII – Quanto aos danos patrimoniais futuros, por perda de salários que a vítima iria receber na sua vida profissional, dos quais dois terços seriam destinados aos gastos domésticos, dada a incerteza económica conjuntural que atravessamos, é especulativo estar a fazer outras contas que não as que constam da “proposta razoável de indemnização”, vertidas na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, cujas tabelas foram actualizadas pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, onde, para se evitar o litígio, se definem critérios e valores orientadores, entre seguradora e vítima em acidente de viação. XIV - No que respeita a este tipo de dano, o cálculo que aí vem feito é puramente matemático e estabelece uma taxa de juro de crescimento anual de 2%, o que, no presente momento político e económico parece até exagerado, mas que serve para cobrir os eventuais desenvolvimentos positivos para a economia no futuro. XV - Pela tabela III, anexa a esse diploma, a importância total é, para o período de 41 anos, de € 340 006,20, que se obtém multiplicando o rendimento anual, na parte destinada aos gastos domésticos, pelo factor 24,336155. XVI – A seguradora pagará às demandantes metade dos valores calculados, depois de subtraída a importância que as mesmas receberam do Centro Nacional de Pensões, relativas às prestações por morte da vítima.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. No âmbito dos autos que correram termos pelo Tribunal Judicial de Valongo (processo n.º 461/06.4GBVLG, 2º Juízo), foi decidido, após julgamento, por sentença de 16-07-2010, absolver a arguida A da prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137.º, n.º 1, do C. Penal e absolver também a demandada cível “B” dos pedidos contra si formulados, quer pela assistente, C , por si e em representação da filha menor, quer pelo Instituto de Segurança Social IP – Centro Nacional de Pensões. Dessa sentença recorreu a assistente e demandante cível (por si e também em representação da sua filha menor) para o Tribunal da Relação do Porto, onde, por acórdão de 22-06-2011, foi decidido conceder provimento parcial ao recurso, revogando-se a sentença recorrida tão só na parte cível (pois na parte criminal manteve-se a absolvição da arguida, por falta de indicação na pronúncia dos factos atinentes à negligência) e condenando-se a demandada cível B. a pagar-lhes, nos termos aí explicados, a quantia de € 432.375,00 (1), acrescida de juros de mora à taxa legal, hoje de 4%, desde esta data até integral e efectivo pagamento. 2. Inconformadas, recorrem agora para o Supremo Tribunal de Justiça quer a assistente quer a seguradora. A assistente conclui o seguinte: 1) A inditosa vítima deparou, no local, com as seguintes condições exógenas quando efectuou a ultrapassagem a várias viaturas que seguiam em "pára - arranca": estava a atravessar uma longa recta com boa visibilidade, e com uma largura de cerca de 6,80 metros; em sentido contrário não circulava qualquer viatura; nenhum sinal que lhe fosse dirigido obstava a essa ultrapassagem, antes pelo contrário, na medida em que a via estava dividida por uma linha longitudinal descontínua; seguia a 40/50 km por hora e, nos últimos metros da sua ultrapassagem, sobre o eixo da via, ainda que já na semifaixa esquerda e o trânsito à sua direita circulava em pára - arranca, por causa de uns semáforos existentes no final da recta. 2) Para além disso e tratando-se de um motociclo, em qualquer momento, designadamente à entrada dos semáforos (ou se necessário, antes disso - por surgir, entretanto, uma viatura em sentido contrário, por exemplo) retomaria sem qualquer dificuldade a metade direita da via, inserindo-se no meio da fila de trânsito. 3) Ou seja, o inditoso D deparou-se com uma situação ideal para efectuar essa manobra, em termos de largura da via, em termos de visibilidade, em face de não circular nenhuma viatura em sentido contrário, em função da existência da linha longitudinal descontínua e até no facto de o trânsito circular em pára - arranca por causa do semáforo. 4) Em função dos factos provados, desconhece-se a que distância da embocadura com a Rua Castro Moutinho, esta seria visível para quem circulasse no sentido do D e já em ultrapassagem a viaturas que seguiam à sua direita que, muito provavelmente, o impediriam se aperceber dessa embocadura, pelo menos antes de passar ao seu lado. 5) O sinal vertical de proibição de voltar à direita, uma vez que tal sinal apenas permite concluir dessa proibição e porque não era intenção do falecido D voltar à direita, antes seguir em frente, não poderia constituir, por isso, fundamento de censura ao mesmo, por não ter "induzido", "adivinhado" que, afinal, se aproximava de um entroncamento! 6) Os sinais têm uma finalidade específica, própria e aos condutores nunca pode ser exigido que - em face de eventuais erros ou falhas de sinalização por parte da entidade pública com competência para tal - induzam esses erros, essas omissões e, sobretudo, sejam censurados, se não se precaverem contra esses mesmos erros ou falhas de sinalização! E esse erro ou falha de sinalização decorre da circunstância de, em pleno entroncamento, a linha separadora das hemifaixas de rodagem ser uma linha longitudinal descontínua! 7) Além disso, tal proibição de voltar à direita também não significava necessariamente que essa via à direita permitisse o trânsito de sentido oposto, ou seja, para entrar na Rua de Cabeda (poderia ser uma rua pedonal, por exemplo), até porque, bem mais incisivo e directo do que esse sinal, o D deparava, à sua frente, no pavimento, com linhas longitudinais descontínuas, ou seja, "autorizando" a ultrapassagem com invasão da hemifaixa esquerda, não lhe sendo exigível que suspeitasse da "incompetência" da autoridade de quem de efectuou a marcação da via e detectasse a existência de um erro porque, metros atrás, havia um sinal de ... proibição de voltar à direita! 8) Mesmo que, eventualmente, se tenha apercebido do sinal de proibição de voltar à direita e mentalmente "induzido" da aproximação de entroncamento ou cruzamento, seguramente que, ao deparar, em simultâneo, com a sinalização no pavimento, "autorizando a ultrapassagem pela hemifaixa esquerda, ou seja, ao deparar com a linha longitudinal descontínua, muito naturalmente, o condutor do motociclo, à imagem do que faria qualquer condutor medianamente prudente e apto para a condução, concluiu que o dito entroncamento se situaria algures mais à frente, designadamente no cruzamento onde existiam os semáforos que davam origem ao "pára arranca" que se verificava no trânsito. 9) De outro modo - assim teria concluído o D ou qualquer outro condutor medianamente prudente, avisado e conhecedor das regras de circulação estradal - a entidade responsável pela sinalização das rodovias não teria marcado o pavimento com linhas longitudinais descontínuas antes com linha longitudinal contínua. 10) Subsidiariamente A eventual violação da regra estradal pelo falecido D relativa à proibição de ultrapassagem em entroncamento, invadindo, para o efeito, a hemifaixa esquerda - ainda que lhe fosse imputável e não é, porque, repete-se, sinal algum o avisava da proibição de ultrapassagem e da existência de cruzamento naquele preciso local - não foi causalmente adequada a provocar o acidente; com efeito, nada o impedindo de circular em paralelo com as viaturas que seguiam em pára - arranca desde que o fizesse pela hemifaixa direita da via, nesse caso o acidente teria ocorrido de igual modo e com a mesma gravidade. 11) Deste modo, impõe-se concluir que a única conduta que deu origem ao acidente foi a da condutora do NZ, segurada na requerida, que violou regras de prioridade e entrou num entroncamento em que deparava com um sinal de Stop, sem conceder prioritariamente a passagem ao motociclo. 12) Ora, não havendo lugar a qualquer redução da indemnização, nos termos do art. 570 do C Civil, sempre se deveria manter a indemnização no valor de 576.500,00 € conforme cálculos constantes do douto acórdão, mormente de pág. 57. 13) Embora se não tenha provado o valor exacto dos rendimentos auferidos pelo D nas funções que exercia na Zuripal Administração de Condomínios Ld.ª de que era sócio e gerente, é inaceitável o montante que, com base na equidade, o T. da Relação do Porto fixou (150 euros mensais (x11 meses). 14) Com o devido respeito, em circunstância alguma um jovem dinâmico, activo e com capacidade de trabalho aceitaria dedicar-se todos os dias no final do seu horário normal de trabalho e aos sábados durante todo o dia (factos provados 24 a 26) a uma actividade que lhe proporcionasse...150 euros por mês! 15) Bem ao invés, julgamos justa e equitativa a verba mensal de 750 euros, tendo em conta o tipo de actividade, o dinamismo do falecido e o tempo que ele despendia nessa actividade: todos os dias no final de trabalho e ainda aos sábados durante todo o dia! 16) Em face desse acréscimo de valor e tendo ainda em conta a redução (proporcional) a que se faz referência no primeiro parágrafo de pág. 57 do douto acórdão, afigura-se-nos que o valor global fixado pela douta decisão deverá ser alterado de 576.500,00 € para 676.500 euros 17) Decidindo de forma diversa o T. da Relação do Porto violou designadamente o disposto nos art.ºs 35 n.º 1 e 38, n.ºs 1 e 2 do C. Estrada, 24.º-c, 11.º-a) e 60, n.º 1 M2, do Dec. Regulamentar 22-A/98 de 1/10 e art. 570 C Civil. Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso, fixando-se a indemnização devida às recorrentes e requerentes do pedido de indemnização pela requerida B em 676.500 euros (seiscentos e setenta e seis mil e quinhentos euros) com juros de mora desde a data da prolação da decisão do T. da Relação do Porto. 3. A Ré Seguradora concluiu assim o seu recurso: 1. Porque, tendo em conta a matéria de facto definitivamente fixada pelo douto acórdão em crise, à aqui recorrente não custa admitir que o acidente em causa nos autos haja ficado a dever-se em parte à actuação da arguida; 2. Mas porque, se assim é, dessa mesma matéria de facto resulta à saciedade que a actuação do malogrado marido e pai das recorridas se traduziu na pratica de contra-ordenações graves traduzidas na violação do disposto nos artigos 3°, 24°, 36°, 38° e 41° do Código da Estrada. 3. Que quando comparadas à actuação da arguida merecem sanção de igual medida e distribuição da culpa por ambos os intervenientes em partes iguais; 4. Porque, pese embora a indiscutível gravidade dos danos de natureza não patrimonial decorrentes da morte do malogrado marido e pai das recorridas, as indemnizações arbitradas a título de perda da vida e do dano moral próprio de cada uma delas pecam por manifesto exagero; 5. Sobretudo se comparadas com as indemnizações arbitradas pela jurisprudência em casos semelhantes e os princípios orientadores plasmados na portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, que actualizou os valores apontados na Portaria n.º 377 /2008, de 26 de Maio (que antecedeu aqueloutra e instruiu a chamada proposta razoável); 6. Porque, assim sendo, a indemnização a arbitrar às recorridas não deve ultrapassar: - Pela perda do direito à vida…€ 60.000,00; - Pelo dano moral próprio de cada uma delas...€ 20 000,00; E a eles deduzida a percentagem de responsabilidade que cabe ao falecido; 7. Porque, no tocante ao dano de natureza patrimonial e tendo em conta o valor dos aumentos a que cada demandante poderia aspirar se não tivesse ocorrido o decesso do malogrado marido e pai a indemnização a arbitrar a cada uma delas não deverá ultrapassar: - Para a viúva, a quantia de € 92.959,40, assim calculada: € 3.970,52 [€6.040,00 - € 2.069,48 (147,82 x 14)] vezes o índice 23.412400 das tabelas financeiras correspondentes ao período de 41 anos; - Para a filha, a quantia de € 82.473,77, assim calculada: €5,350,22 [€6.040,00 - 689,78 (49,27 x 14)] vezes o índice 15.415024 das tabelas financeiras correspondentes ao período de 21 anos, E, igualmente, a elas deduzida a percentagem de culpa atribuída ao falecido 8. Ao decidir de forma diversa o aliás douto acórdão em crise violou por erro de aplicação e interpretação o disposto nos artigos 3°, 24º, 36°, 38° e 41° do Código da Estrada, e bem assim o disposto nos artigos 495º, 496º e 570º do Código Civil, pelo que, face que se deixa dito e com o douto suprimento de vossas excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso em consonância com as conclusões supra e proferido douto acórdão nessa conformidade. 4. Nas suas respostas a assistente e a seguradora mantiveram as posições já assumidas anteriormente. 5. Foram colhidos os vistos e, como não foi requerida audiência, realizou-se a conferência com o formalismo legal. Cumpre decidir. As principais questões a decidir são as seguintes: 1ª- A distribuição de culpas no acidente deve ser fixada em ¼ para a vítima mortal e ¾ para a condutora do veículo automóvel, como fez o acórdão recorrido, ou em metade para cada um, como pretende a seguradora? 2ª- Os valores do direito à vida, dos danos não patrimoniais da viúva e da filha e dos danos patrimoniais futuros foram fixados de forma excessiva? 6. FACTOS ASSENTES, TAL COMO MODIFICADOS PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO 1. No dia 9 de Outubro de 2006, pelas 9 horas e 9 minutos, a arguida, conduzindo a viatura ligeira de passageiros, matrícula ...-NZ, pela Rua de Castro Moutinho, em Alfena, Valongo, aproximou-se do entroncamento da mesma com a Rua de Cabeda, por onde pretendia seguir, no sentido Alfena – Valongo, o que a obrigava a mudar de direcção para a esquerda; 2. À entrada desse entroncamento, existe um sinal de stop ainda na Rua de Castro Moutinho onde seguia a arguida e que a obrigava a parar e a facultar a passagem a todas as viaturas que circulassem pela Rua de Cabeda, onde de facto parou; 3. Todavia, como do lado direito, atento o seu sentido de marcha, existissem uns semáforos, o trânsito estava parado a aguardar o sinal verde dos mesmos, uma das viaturas que, seguia na Rua de Cabeda, no sentido Valongo - Alfena, parou à entrada do entroncamento e cedeu a passagem à arguida; 4. A arguida avançou para o centro do entroncamento, em marcha lenta; 5. Entrando na Rua de Cabeda, após completar a travessia da hemifaixa direita de rodagem e na altura em que virava à esquerda, na direcção Alfena – Valongo, quando parte do veículo por si conduzido já se encontrava dentro da hemifaixa direita da aludida rua, atento o sentido Alfena-Valongo, deparou-se com o motociclo que seguia em manobra de ultrapassagem a veículos que se encontravam parados em obediência aos semáforos existentes no cruzamento da Rua de Cabeda com a Rua de S. Vicente sitos a poente do local onde ocorreu o acidente (no entroncamento da Rua Castro Moutinho com a Rua de Cabeda); 6. A aproximação do motociclo fez a arguida imobilizar a viatura NZ; 6.1. O qual foi embater na parte frontal esquerda do NZ; 6.2. A arguida não concedeu passagem ao motociclo; 6.3. A actuação da arguida foi causalmente adequada a provocar o referido acidente; 7. A Rua de Cabeda é constituída por uma extensa recta, com boa visibilidade, e a faixa de rodagem tem uma largura de 6,80 metros, dividida em duas hemifaixas por uma linha longitudinal descontínua marcada no pavimento; 8. O trânsito no sentido em que seguia o referido D seguia muito lentamente em "pára - arranca", por causa dos semáforos existentes no referido cruzamento, este circulava, a cerca de 40 a 50 km por hora, pela esquerda desse trânsito, atento o seu sentido de marcha, mas aquando do embate o trânsito estava parado; 9. Em consequência do embate o D sofreu as lesões descritas no relatório de autópsia junto aos autos, onde se conclui: que a morte do D foi devida às lesões traumáticas tóraco-abdominais, resultantes de violento traumatismo de natureza contundente, tal como o que pode ter sido devido a acidente de viação, que foram causa necessária e directa do mesmo, vindo o mesmo a falecer cerca das 20 horas e 50 minutos desse dia; 10. A arguida estava obrigada a ceder a passagem a qualquer veículo que transitasse pela Rua de Cabeda e se aproximasse daquele entroncamento e só poderia avançar para esta rua depois de se certificar que tal manobra não punha em risco a segurança dos demais utentes da via; 11. A demandante C é viúva de D falecido a 9OUT2006; 12. A requerente E é a única filha do falecido D e da Autora E; 13. As requerentes são as únicas e universais herdeiras do falecido De como tal se habilitaram por escritura pública lavrada a 23/1/2008; 14. A A conduzia a viatura ligeira de passageiros, matrícula ...-NZ, propriedade de A...do V...A..., com autorização deste; 15. Em frente a esse entroncamento colocado na margem direita da Rua de Cabeda, atento o sentido Alfena - Valongo, a cerca de 2 metros de altura, existia um espelho para permitir aos condutores que vindo da Rua Castro Moutinho e pretendessem entrar na Rua de Cabeda, detectar a aproximação a esse entroncamento das viaturas que circulassem pela Rua de Cabeda; 16. A arguida entrou na Rua de Cabeda, para seguir no sentido Alfena -Valongo; 17. O motociclo ZF-... conduzido pelo D e propriedade deste, circulava pela dita Rua de Cabeda, no sentido Valongo - Alfena, inexistindo ao longo desta qualquer sinal avisando da proximidade de um entroncamento; 18. À data do acidente, o proprietário da viatura ...-NZ tinha transferido para a demandada B, a sua obrigação de indemnizar terceiros, decorrente de acidente de viação em que interviesse a mesma viatura, por contrato de seguro titulado pela apólice 750992305; 19. Após o acidente, o D manteve-se ainda com vida até cerca das 20 horas e 50 minutos, hora em que ocorreu o falecimento; 20. Em consequência das lesões, sofreu durante esse período dores e sentiu-se invadido pelo pânico e pelo terror da proximidade da morte; 21. À data do falecimento, D exercia funções de gerente de hotel, trabalhando por conta, sob as ordens e direcção de Mary Queen Hotéis SA; 22. No exercício de tais funções, o D era o responsável pelas compras necessárias à exploração da unidade hoteleira que a sua entidade patronal se preparava, então, para abrir, no Furadouro, em Ovar; 23. Pelo exercício de tais funções, o D auferia o vencimento mensal ilíquido de € 1.500,00, mais prémios se a estes houver lugar; 24. O Dacumulava tais funções com as que exercia na sociedade comercial Zuripal Administração de Condomínios Lda.; 25. Ao exercício destas funções se dedicava o D diariamente após terminar o trabalho enquanto responsável hoteleiro e aos sábados durante todo o dia; 26. O falecido D era pessoa activa, dinâmica e com capacidade de trabalho, saudável, bem disposta, ambiciosa, lutadora e dedicada à esposa e filha; 27. As requerentes e o malogrado D viviam em casa própria adquirida com empréstimo bancário: 28. Constituíam uma família, que vivia num clima de felicidade, unida por laços de afecto e carinho, votando os progenitores à menor profunda dedicação; 29. O D, os tempos livres, sobretudo ao domingo e férias, passava-os exclusivamente com a esposa e filha; 30. Com a morte do pai, a menor E à medida que cresce e vai tomando consciência da definitiva ausência daquele, irá sentir para sempre, mas sobretudo até à fase da formação da sua personalidade, um vazio, motivado por essa ausência; 31. Que a falta de pai constituirá óbice a um crescimento harmonioso e não traumático da personalidade; 32. A requerente C não exercia qualquer actividade, sendo que a família vivia com os proventos auferidos pelo falecido; 33. A morte do D provocou na C um vazio, depressão, desinteresse pela vida, dor e amargura; 34. O malogrado D nasceu em 3NOV1977; 35. A requerente C nasceu a 14JUN1975; 36. A menor E nasceu a 23JUN2005; 37. A reparação do motociclo de matrícula ZF-..., ascende à quantia de € 1.500,00; 38. O malogrado D caiu do motociclo que tripulava e foi projectado no pavimento; 39. O motociclo seguia sobre o eixo da via, embora já na semifaixa esquerda, atento o seu sentido de marcha, fora da sua faixa de rodagem, a qual se encontrava ocupada por automóveis parados a aguardar o sinal verde dos semáforos existentes no cruzamento da Rua de Cabeda com a Rua de São Vicente, a poente do local onde ocorreu o embate; 40. Na altura do acidente fazia bom tempo, e o trânsito de veículos processava-se, na ocasião, com grande intensidade; 41. A embocadura da Rua Castro Moutinho é perceptível para quem circule na Rua da Cabeda; 42. Em consequência do falecimento, D, pagou o CNP, a C e a E as respectivas prestações por morte, no período de 11.2006 a 2.2010, o montante global de € 11.217,82; 43. O CNP continua a pagar à viúva e filha do beneficiário as pensões de sobrevivência o valor mensal de € 147,82 para a viúva e € 49,27 para a filha; 44. A arguida é casada; 45. Aufere o salário mensal de € 700,00; 46. O marido aufere € 550,00 por mês; 47. Reside em casa própria que adquiriu com recurso ao crédito, estando a pagar ao banco uma prestação mensal de € 250,00; 48. Possui como habilitações literárias o 12º ano de escolaridade e o curso técnico de administração; 49. Do CRC nada consta. 7. O GRAU DE REPARTIÇÃO DAS CULPAS A 1ª instância tinha atribuído a culpa exclusiva do acidente à vítima, pelos motivos que se podem ver, essencialmente, deste passo da sua decisão: «…a ultrapassagem é uma manobra considerada perigosa que impõe especial atenção do condutor, o que parece não ter sucedido com o inditoso D, porquanto existia uma fila de trânsito na Rua Valongo/Alfena, que se encontrava parada, devido ao vermelho que se apresentava nos semáforos, existentes no cruzamento da Rua de Cabeda com a Rua de S. Vicente, todavia, o malogrado condutor não hesitou em proceder à ultrapassagem dos veículos que se encontravam parados na referida fila de trânsito, sendo que os sinais e regras de trânsito são para ser respeitados por todas as pessoas que transitam na via pública, sejam automobilistas sejam motociclistas ou peões. Acresce ainda que, embora o local seja um entroncamento e, na altura, não existisse sinalização do mesmo, todavia, como o condutor do motociclo tem uma posição de condução mais elevada, o que lhe permite maior e melhor visibilidade, quer do local quer dos veículos que circulam na via, sendo certo que mesmo sem sinalização, o dito entroncamento não passa despercebido a quem passa na referida Rua de Cabeda, mesmo sem estar "em cima do mesmo", a que cresce a existência de um espelho colocado do lado esquerdo da via, no sentido Valongo/Alfena e que o malogrado D também não podia ignorar, pois, se tivesse olhado para o mesmo, certamente que não deixaria de se aperceber do entroncamento e do carro da arguida que estava a tomar a direcção de Alfena-Valonqo. Além disso, se alguns metros antes do entroncamento onde ocorreu o acidente existe um sinal de trânsito de proibição de virar à direita, certamente que uma pessoa atenta e diligente sabe que ali próximo está uma rua do lado direito e que se está a aproximar de um entroncamento ou cruzamento. Daqui decorre que o malogrado D parece ter ignorado tudo isto violando, assim, um dever objectivo de cuidado que se encontra consubstanciado na prática da contra-ordenação supra referida. O não ter tido o comportamento condizente com o cuidado objectivo que lhe era imposto, nomeadamente pelas regras de trânsito e pelos deveres de cuidado emergentes da experiência comum no domínio da circulação rodoviária e que são exigíveis ao cidadão médio colocado no circunstancialismo concreto de actuação do arguido. O mesmo não se poderá dizer da arguida, porquanto, tomou a mesma todos os cuidados e só depois de lhe ter sido cedida a passagem pela testemunha A...M..., é que a mesma avançou, com todo o cuidado e repare-se que segundo a conclusão final do relatório pericial o motociclo não "'foi embatido pelo ligeiro conduzido pela arguida, "mas, isso sim, o condutor do motociclo, na sua manobra evasiva para evitar o embate, da sua frente com a parte lateral esquerda do veículo ligeiro, “raspou” tangencialmente na parte frontal deste" o que levou ao desequilíbrio e à queda inevitável do motociclo e do seu condutor.» A Relação, porém, procedeu a diversas modificações na matéria de facto e concluiu doutro modo, que havia concorrência de culpas, sendo de fixar a da condutora do veículo automóvel em ¾ e a do condutor do motociclo em ¼: «O certo é que a arguida, a quem se apresentava o sinal de STOP, em consequência da fila de trânsito, para a sua esquerda e para a sua direita, a impedir a efectivação da manobra com uma visão perfeita das ocorrências de trânsito que se processavam na faixa de rodagem onde pretendia ingressar - o que constitui factor que impunha que a realização de tal manobra fosse efectuada com as maiores cautelas de molde a evitar que da sua concretização resultasse perigo ou embaraço para o restante trânsito - aproveitando uma ocasional abertura deixada pelo 1º veículo imobilizado à sua esquerda – veio a invadir a dita faixa de rodagem e a cortar linha de marcha do motociclo conduzido pela vítima, ao penetrar no entroncamento, devagar, depois de ter parado ao sinal STOP, é certo, deparou-se com a vítima no seu motociclo, a cerca de 6,7 metros, do seu veículo automóvel, que imobilizou, de imediato, no centro do entroncamento, tendo este, que circulava a cerca de 40/50 km/hora, travado, derrapado para a sua esquerda e vindo, assim, a embater com o seu lado direito na frente esquerda do veículo da arguida. Donde, a arguida pelo sinal STOP estava, desde logo, obrigada a parar antes de entrar no entroncamento junto do qual o mesmo se encontrava colocado e, sempre, a ceder passagem aos veículos que transitassem na via em que pretendia vir a entrar. Não era exigível à vítima que pudesse contar com o aparecimento intempestivo e desabrido da arguida naquele preciso instante. É certo que o motociclista estava a ultrapassar em local em que tal era impedido. Com efeito o artigo 41º/1 alínea c) do Código da Estrada diz ser proibida a ultrapassagem imediatamente antes e nos entroncamentos. Mas dispõe o n.º 3 que tal não é aplicável sempre que na faixa de rodagem sejam possíveis 2 ou mais filas de trânsito no mesmo sentido, desde que a ultrapassagem se não faça pela parte da faixa de rodagem destinada ao trânsito em sentido oposto. O interesse subjacente é inequívoco - o de não causar perigo para o trânsito em sentido contrário - e a este propósito, recorde-se, por sua vez, que como consta do ponto 7. dos factos provados, a via no local tinha linha descontínua e tinha um traço maior mas também descontínuo. Donde a inferência que quem sinalizou a via não considerou que a manobra de ultrapassagem naquela recta, extensa e de boa visibilidade, apesar da existência daquele entroncamento, como susceptível de criar perigo para o restante tráfego, de forma tal que para o arredar se impusesse a existência no local de um traço longitudinal contínuo. Ora como vimos o motociclista vinha a circular a cerca de 40/50 km/hora, numa recta com boa visibilidade, com uma faixa de rodagem de cerca de 6,80 m de largura e a efectuar ultrapassagens, de veículos parados, sobre o eixo da via, quando nos últimos 4/5 veículos antes do entroncamento em causa, estava um pesado mais próximo do eixo da via o que o fez, então, circular já no lado esquerdo. De resto, o facto de a vítima conduzir um motociclo, em qualquer momento, poderia retomar, sem dificuldade, a metade direita da via, inserindo-se no meio da fila de trânsito – esta é uma das evidentes vantagens inerentes a tal tipo de veículo. Cremos no entanto e não obstante, que o facto de se tratar de um motociclista, o que permitia 2 filas de trânsito no seu sentido e de não causar embaraço ou perigo para o trânsito, também em sentido contrário – que não existia – não era permitido que a vítima circulasse como o fazia. Donde a consideração de estar a conduzir, pelos menos nos derradeiros metros antes do embate, objectivamente, em infracção. Foi no entanto, a condução da arguida que, não obstante ter que conceder prioridade absoluta de passagem, resultante do STOP, ao cortar a linha de marcha do motociclista, quando se encontrava a 6/7 metros, que originariamente desencadeou o processo que culminou na colisão. Dito, mesmo de outra forma, se o motociclista conduzisse sobre o eixo da via ou mesmo na parcela sobrante da semifaixa do lado direito, a colisão dava-se na mesma. Perante o quadro criado pela arguida, ao penetrar na semifaixa esquerda e depois, perante o visionamento da motociclista, a imobilizar o veículo no centro da via, assim cortando a sua linha de marcha, sempre a colisão ocorreria. A arguida deveria naquelas circunstâncias ter contado com a possibilidade do aparecimento de um motociclista.» Fazendo uma descrição resumida do acidente que aqui se está a apreciar, diríamos o seguinte: - A condutora do veículo automóvel (A) seguia por uma via urbana (X) que entroncava numa outra também urbana (Y), para a qual queria virar para a esquerda, sendo que nesse entroncamento a via X tem um sinal de stop; - A via Y, para o lado direito da condutora e a distância não concretizada, mas mais além do entroncamento, tem uns semáforos luminosos, num cruzamento com outra via (Z); - Por causa dessa sinalização entre as vias Y e Z, no momento em que a condutora A chegou ao entroncamento da rua X com a rua Y, parou e olhou para um lado e para o outro, verificou que o trânsito que vinha da sua esquerda na via Y estava em fila até aos semáforos, seguindo os diversos veículos em marcha de pára – arranca; mas, o trânsito na via Y para o lado direito da condutora estava desimpedido, pois os veículos desse lado estavam parados nos ditos semáforos; - Pelo lado esquerdo da condutora A e em direcção aos ditos semáforos, vinha um motociclo conduzido por B, a uma velocidade de 40-50 km/hora, sem se deter, ultrapassando os diversos veículos em fila, com a utilização da parte desimpedida da hemifaixa do seu lado direito; - Mais perto do dito entroncamento, o condutor B prosseguiu as ultrapassagens dos veículos em fila, mas com a utilização da hemifaixa do seu lado esquerdo, pois esta estava desimpedida e teve de ultrapassar um veículo pesado que seguia na dita fila de trânsito; - A via Y tem sinalização de traço descontínuo no pavimento do local do dito entroncamento e tem uma largura total de 6,80 metros; - Na via Y, pouco antes do mesmo entroncamento e do lado direito do condutor B, existe um sinal vertical de proibição de virar à direita; - No mesmo entroncamento, colocado na via Y há um espelho que permite a quem vem da via X a visualização do trânsito da via Y; - Tendo a condutora A parado na via X, no local onde entronca com a via Y e olhado nas duas direcções, como já se disse, o condutor de um veículo que estava à sua esquerda, na dita fila de trânsito, parou e possibilitou à condutora A que iniciasse a manobra de virar à esquerda, o que esta fez, devagar e atravessando-se pela frente daquele, pela hemifaixa da via Y desse lado; - Sempre com velocidade reduzida, a condutora A entrou na hemifaixa contrária da via Y, pois não havia trânsito a circular do seu lado direito, mas, nessa altura, apercebeu-se que o motociclo conduzida por B vinha pelo seu lado esquerdo em ultrapassagem e a circular na hemifaixa esquerda da via Y, atento o seu sentido de marcha; - Nessa altura, a condutora A imobilizou o veículo que conduzia, momento em que o condutor B se quis desviar do veículo de A, mas não conseguiu, embatendo na parte frontal esquerda do mesmo e sendo projectado para o solo. Como lembrou a 1ª instância, «dispõe o artigo 35°/1 do Código da Estrada que "o condutor só pode efectuar a manobra de ultrapassagem em local e por forma a que, da sua realização, não resulte perigo ou embaraço para o trânsito". Por outro lado, o artigo 38° do mesmo diploma legal estabelece o modo de execução dessa manobra, impondo ao condutor o dever de não a iniciar sem se certificar se a pode realizar sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário e, ainda, o dever de se certificar especialmente se a faixa de rodagem se encontra livre na extensão e largura necessária à sua realização em segurança, que pode retomar a direita sem perigo para os que aí transitem, que nenhum condutor que siga no mesmo sentido iniciou a ultrapassagem relativamente a ele e que o condutor que o antecede não assinalou a intenção de ultrapassar um terceiro veículo. Resulta ainda do artigo 41°/1 alínea c) do Código da Estrada que "é proibida a ultrapassagem: imediatamente antes e nos cruzamentos e entroncamentos". Além disso, dispõe o n.º 1 do artigo 24° do Código da Estrada que "o condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via (...) possa, em condições de segurança, executar manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente"». Ora, o condutor do motociclo violou todas estas regras estradais. Na verdade, pela via por onde circulava, o trânsito de veículos automóveis seguia numa única fila, com muitos carros seguidos até aos semáforos, antes do dito entroncamento e depois dele, ora parados, ora em marcha muito lenta, no fenómeno, tipicamente urbano, que se designa comummente por “pára – arranca”. O motociclo conduzido pela vítima foi ultrapassando, de uma só vez, todos esses veículos e fê-lo apesar de existir o entroncamento com outra via. Não se diga que essa outra via não estava de algum modo sinalizada, pois até existia um sinal vertical de proibição de virar à direita, o que implicava que havia uma outra via à direita por onde circulavam veículos e não apenas peões, pois se a mesma fosse tão só pedonal não estaria assinalada a proibição de virar à direita e haveria, provavelmente, algum obstáculo físico para impedir a circulação de veículos na via pedonal. Também não se diga que o condutor do motociclo não podia ver o entroncamento, pois provou-se que “a embocadura da Rua Castro Moutinho é perceptível para quem circule na Rua da Cabeda” e, se não o viu, foi porque ia em sucessivas ultrapassagens. Mas, ainda que não houvesse qualquer sinal de entroncamento de vias, é preciso recordar que o motociclo estava a circular em trânsito urbano, onde surgem múltiplos cruzamentos ou entroncamentos sem qualquer sinalização, como é da experiência comum, pois os condutores sabem que as ruas dão acesso aos vários arruamentos que delimitam os diversos quarteirões ou urbanizações e, portanto, o condutor de um veículo que ultrapasse outro ou outros nessas circunstâncias, deve ir com redobrada atenção para se assegurar previamente que não o está a fazer numa zona onde existem intercepções com outras vias. Não se diga, como faz a Relação, que o condutor do motociclo estava a observar o disposto no n.º 3 do art.º 41.º do C. da Estrada, onde se diz que não é aplicável o disposto nas alíneas a) a c) e e) do n.º 1 [designadamente, a proibição de ultrapassagem imediatamente antes e nos cruzamentos e entroncamentos] sempre que na faixa de rodagem sejam possíveis duas ou mais filas de trânsito no mesmo sentido, desde que a ultrapassagem se não faça pela parte da faixa de rodagem destinada ao trânsito em sentido oposto. Com efeito, por onde seguia o motociclo não existiam duas faixas de rodagem no mesmo sentido, mas apenas uma e, portanto, não é pelo facto do motociclo “caber” fisicamente no mesmo espaço da faixa de rodagem por onde circula um automóvel que se “criam” artificialmente duas ou mais faixas de rodagem. A vantagem comparativa das motorizadas em relação aos automóveis no trânsito dentro das cidades, de poderem «furar» por entre o trânsito, não está ao abrigo de qualquer disposição legal, pois o facto de circularem pela direita ou pela esquerda por entre os automóveis que estão a aguardar em fila ou que estão no pára – arranca é proibido pelo C. da Estrada, já que a demarcação da faixa de rodagem (“via de trânsito”, na terminologia legal) existe para que cada veículo circule em segurança na sua via e não para que dois veículos circulem a par dentro desses limites (cf. art.º 1º-t, do CE) É certo que as autoridades de trânsito não vêm impedindo sistematicamente que a circulação das motorizadas se faça dessa maneira desorganizada, pois todos temos consciência de que a circulação urbana é muito complicada e que, por isso, não se podem reprimir todos os comportamentos menos ortodoxos dos condutores citadinos. Mas, os condutores das motorizadas que circulam no meio do trânsito como se houvesse uma ou mais faixas de rodagem imaginárias, só para eles, por entre as vias de trânsito que estão demarcadas no solo, têm de tomar consciência de que o estão a fazer em infracção às regras estradais e que, portanto, não estão no uso de um direito. Já a condutora do automóvel tinha de observar rigorosamente o que a lei dispõe quanto ao sinal de “stop”. Diz-se no acórdão recorrido o seguinte: “Resulta do n.º 1, do artigo 29° do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei 114/94, de 3MAI, com a redacção do Decreto-Lei 44/2005, de 23FEV que “o condutor sobre o qual recaia o dever de ceder a passagem deve abrandar a marcha, se necessário parar, ou, em caso de cruzamento de veículos, recuar por forma a permitir a passagem de outro veículo, sem alteração da velocidade ou direcção deste". Estabelece o n.º 1 do artigo 30° do mesmo diploma legal que "nos cruzamentos e entroncamentos o condutor deve ceder a passagem aos veículos que se lhe apresentem pela direita". Preceitua o artigo 8° alínea a) do Regulamento de Sinalização de Trânsito, aprovado pelo Decreto Regulamentar 22-A/B, de 1OUT, que “os sinais de cedência de passagem - informam os condutores da existência de um cruzamento, entroncamento, rotunda ou passagem estreita, onde lhes é imposto um determinado comportamento ou uma especial atenção". Resulta do artigo 21° do referido diploma que os sinais de cedência de passagem, designadamente o sinal B2 de - "paragem obrigatória no cruzamento ou entroncamento: indicação de que o condutor é obrigado a parar antes de entrar no cruzamento ou entroncamento junto do qual o STOP se encontre colocado e ceder a passagem a todos os veículos que transitem na via em que vai entrar". O sinal de STOP é de prescrição absoluta e obriga o condutor defrontado a parar antes do cruzamento ou entroncamento e a ceder passagem aos veículos que transitem na via onde vai entrar. Impõe, pois, o sinal de STOP, ao condutor do veículo que circula na estrada onde esse sinal se encontra a obrigação de interromper a marcha ao chegar ao entroncamento ou cruzamento, concedendo prioridade de passagem ao trânsito que se processe na outra via, não podendo iniciar ou retardar a marcha sem previamente se certificar de que a mesma não compromete a segurança do tráfego, artigo 12° do Código da Estrada.» Ora, pode dizer-se que, genericamente, a condutora do automóvel observou estas regras, pois que, perante o sinal de stop, parou, olhou para um lado e para outro, verificou que havia uma fila de veículos que vinham da sua esquerda para a sua direita na via com prioridade e que, nessa via, no sentido contrário, não havia trânsito, por estar parado uns largos metros mais distante, por causa de uns semáforos. Por isso, só avançou, devagar e com cautela, quando o veículo mais chegado ao entroncamento, da tal fila que se apresentava à sua esquerda, parou e lhe facilitou a passagem. Nessa altura, não lhe seria possível ver que havia um motociclo a circular na mesma via de trânsito, pelo lado esquerdo dos veículos em fila, pois estes últimos tapavam a visão. Por isso, só depois de continuar a avançar, devagar, quando meteu a parte dianteira do seu veículo já na hemifaixa contrária da via com prioridade, por onde não se apresentava qualquer veículo a circular do seu lado direito, é que viu que, do seu lado esquerdo, em manobra de ultrapassagem e já a circular nessa hemifaixa contrária (própria do trânsito que se lhe apresentava pala sua direita) seguia um motociclo. Nessa altura, fez o que lhe era possível, que foi imobilizar o automóvel. Porém, o condutor do motociclo, que não contaria com esse obstáculo que impedia a sua marcha, pois não se apercebeu, como podia e devia, da existência do entroncamento, já não foi capaz de evitar o embate do motociclo na parte dianteira esquerda do automóvel, já então parado. Esta actuação da condutora do automóvel pode considerar-se quase inteiramente correcta, de acordo com as boas regras estradais – pois ninguém é obrigado a prever a conduta contra-ordenacional de terceiros – não fosse o caso de haver um espelho colocado nesse entroncamento, que possibilitava uma visão integral de todo o trânsito da via com prioridade, de um lado e do outro e que está aí exactamente para evitar que ocorram situações como a que veio a acontecer. Se a condutora do automóvel tivesse olhado para esse espelho – e seguramente não o terá feito – teria visto o motociclo antes de entrar na hemifaixa contrária da via com prioridade e teria evitado o acidente. Por outro lado, sendo o trânsito naquele local do tipo urbano, o condutor avisado e prudente tem de contar com as inúmeras situações que noutras circunstâncias seriam imprevisíveis, como a circulação desordenada de motociclos ou de peões e, portanto, antes de a condutora do automóvel ter entrado na faixa contrária da via com prioridade, teria de olhar outra vez para um lado e para o outro e só poderia avançar caso não houvesse nenhum veículo a circular nessa faixa, ainda que em violação das regras estradais. Há, assim, alguma contribuição negligente por parte da condutora do automóvel, pois, naquelas circunstâncias de tempo e lugar, poderia e deveria ter tido outros cuidados, para além dos que efectivamente tomou e que seriam os adequados para evitar a produção do resultado que efectivamente ocorreu. Vemos, assim, que há culpas concorrentes da vítima e da condutora do automóvel, embora com muito maior contribuição por parte da vítima, já que foi temerária, imprudente, pouco atenta à sinalização vertical e à própria configuração do local, só em parte desculpável pela má sinalização do tracejado que separa as duas vias de trânsito na Rua de Cabeda, pois apresenta-se de traço descontínuo e deveria ser contínuo, antes e depois do dito entroncamento com a Rua Castro Moutinho, para melhor assinalar a proibição de ultrapassagem nesse local. Atribuiríamos, deste modo, uma percentagem de 20% de culpa para a condutora do automóvel e de 80% para a vítima. O art.º 570.º, n.º 1, do C. Civil dispõe que “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”. Desta norma resulta, portanto, que quando há uma concorrência de culpas entre o lesado e uma outra pessoa na produção dos danos, o tribunal não é obrigado a indemnizar de acordo com uma determinada percentagem que atribuiu à culpa de cada um, pois pode conceder o total da indemnização, ou excluir a indemnização, ou reduzi-la. Ora, a seguradora, para quem foi transferida a responsabilidade civil pelos danos causados pelo veículo automóvel, aceitou no presente recurso que havia uma percentagem de culpa da respectiva condutora, mas que “a actuação do malogrado marido e pai das recorridas se traduziu na pratica de contra-ordenações graves traduzidas na violação do disposto nos artigos 3°, 24°, 36°, 38° e 41° do Código da Estrada…que, quando comparadas à actuação da arguida, merecem sanção de igual medida e distribuição da culpa por ambos os intervenientes em partes iguais”. Perante esta aceitação da Ré de assumir metade dos prejuízos e tendo em conta que o risco da circulação de um automóvel é superior ao dos motociclos, o que, de certo modo, «contrabalança» o grau inverso na proporção das culpas, entende-se ser de fixar em metade a responsabilidade civil daquela. 8. MONTANTE DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS O montante da indemnização por danos não patrimoniais «será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º» (art. 496.º, N.º 3 do CC), a saber: a) O grau de culpabilidade do agente (que, no caso, foi compartilhado pela vítima); b) A situação económica deste (o que aqui não está em causa, visto haver uma transferência da responsabilidade civil para a seguradora) c) A situação económica do lesado («À data do falecimento, D exercia funções de gerente de hotel, trabalhando por conta, sob as ordens e direcção de Mary Queen Hotéis SA; pelo exercício de tais funções, o D auferia o vencimento mensal ilíquido de € 1.500,00, mais prémios se a estes houver lugar; o Dacumulava tais funções com as que exercia na sociedade comercial Zuripal Administração de Condomínios Lda»); d) E as demais circunstâncias do caso (o falecido D era pessoa activa, dinâmica e com capacidade de trabalho, saudável, bem disposta, ambiciosa, lutadora e dedicada à esposa e filha; as requerentes e o malogrado Dviviam em casa própria adquirida com empréstimo bancário; constituíam uma família, que vivia num clima de felicidade, unida por laços de afecto e carinho, votando os progenitores à menor profunda dedicação; o D, os tempos livres, sobretudo ao domingo e férias, passava-os exclusivamente com a esposa e filha; com a morte do pai, a menor E à medida que cresce e vai tomando consciência da definitiva ausência daquele, irá sentir para sempre, mas sobretudo até à fase da formação da sua personalidade, um vazio, motivado por essa ausência; que a falta de pai constituirá óbice a um crescimento harmonioso e não traumático da personalidade; a requerente C não exercia qualquer actividade, sendo que a família vivia com os proventos auferidos pelo falecido; a morte do D provocou na C um vazio, depressão, desinteresse pela vida, dor e amargura; o malogrado Dnasceu em 3NOV1977; a requerente C nasceu a 14JUN1975; a menor E nasceu a 23JUN2005»). As instâncias fixaram a indemnização pelo direito à vida em € 65 000,00 e o dano moral da viúva e filha menor em € 25 000,00 para cada uma. «A consideração conjunta de todos os factores consideráveis não consentiria – nem consente - que, segundo critérios de equidade (2), a indemnização devesse ou pudesse ter sido fixada em menor montante. Além de que não só «escapam à admissibilidade de recurso “as decisões dependentes da livre resolução do tribunal”» como, em caso de julgamento segundo a equidade, «devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses [que não é a dos autos] em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”» (STJ 16-10-2000, recurso n.º 2747/00-5, 17-06-2004, recurso n.º 2364/04-5 e STJ 27-11-2007, recurso n.º 3310/07-5). Assim, mantêm-se esses valores indemnizatórios, a pagar pela demandada na proporção de metade. 9. DANOS FUTUROS PELA PERDA DE SALÁRIOS DO FALECIDO Disse o tribunal recorrido seguinte, na parte que mais aqui importa: «Do que vem de ser dito, em função do gradual aumento da esperança de vida − que confronta o Estado Social com a sustentabilidade dos regimes de segurança social − é mais que certo o aumento progressivo da idade da reforma, questão, de resto, na ordem do dia, na actualidade da vida social e económica, cremos bem que se deve considerar que o falecido teria ainda, de vida activa 41 anos, pela sua frente - nas mais recentes decisões do STJ tem-se ponderado a idade de 70 anos como termo da vida activa, mesmo no caso dos trabalhadores por conta de outrem. Da mesma forma, a filha deve ser compensada pela perda do rendimento do pai, até aos 25 anos de idade. O patamar da maioridade, aos 18 anos, não assume neste particular qualquer relevo. Factor decisivo é a idade em que se complete a instrução, o que nos tempos que correm – mormente para quem se afirma pretender continuar os estudos – dificilmente se completa antes dos 25 anos (3). Se não resulta provado que a vítima entregasse a totalidade do seu salário à demandante para o sustento do agregado familiar, da mesma forma não se provou que despendesse consigo próprio, qualquer valor, mormente, pelo menos 1/3 do mesmo. Daqui, no entanto, não se pode afirmar que o falecido não prestava nenhuma contribuição para o agregado familiar - provado vem com efeito que, a família vivia com os proventos auferidos pelo falecido. Mesmo que tal sucedesse, tal facto, de resto, não obstaria a que o Tribunal, porque o cônjuge a tal contribuição está vinculado, fixasse a medida da perda patrimonial decorrente da impossibilidade de prestação dessa contribuição. Por isso, se, por um lado, não há nenhum elemento de facto que nos permita concluir que o falecido não contribuía com os seus ganhos para os encargos da vida conjugal, por outro - atento o valor do seu salário e o da agora viúva, enquanto formavam um casal em comunhão de vida - não se apurou em concreto com que percentagem do mesmo o fazia. Impõe-se, por isso, fixar em juízo de equidade, o valor a atribuir à viúva e à filha, pela perda de rendimentos futuros derivados da morte do marido e pai, decorrentes da privação de alimentos que aquele, não fora a ocorrência do evento, não poderia deixar de lhes prestar. Consideramos ser de adoptar o entendimento, mais ou menos generalizado de que do seu salário, o comum das pessoas despende consigo mesma, 1/3 do mesmo, para as suas necessidades pessoais, a própria alimentação, o seu próprio vestuário, higiene e saúde. O que de qualquer forma se trata de uma pura ficção, pois que tudo dependerá das circunstâncias do caso concreto: se para salários baixos esse valor se aproxima da realidade, já o critério falha para salários muito elevados em que essa regra sofrerá, necessariamente, uma redução abaixo desse limite de 1/3 e em salários muito baixos o gasto próprio será ou poderá ser, bem superior. Por outro lado, a necessidade de contribuição vale para toda a vida útil do cônjuge e em relação à filha, com dissemos já, até que complete os 25 anos de idade. A fixação do montante da indemnização pelos danos sofridos pela demandante e filha, privados da contribuição do marido e pai, assume contornos sempre delicados exactamente porque há que lidar com o incerto, visto que a morte daquele trouxe a incerteza no que respeita ao tempo por que perduraria a sua capacidade de ganho futuro, interferindo nessa incerteza factores como a capacidade laboral, passível de afectação por doença, a oscilação crescente de vencimentos, a data da sua reforma, a subsistência do emprego, agora e cada vez mais periclitante, a flutuação da moeda, apenas se sabendo que a vítima auferia o salário mencionado, efectuando, ainda, fora do horário de trabalho, trabalhos relacionados com a empresa de administração de condomínios Os prejuízos ao nível salarial estão, assim, em directa ligação com a capacidade laboral, que não cobre todo o trajecto vital, antes se fazendo por referência a um período de vida activa, inconfundível com a esperança média de vida, que vem aumentando mercê da melhoria das suas condições. Após várias tentativas ensaiadas e sucessivamente abandonadas, estabilizou-se o entendimento de que a indemnização deve ser calculada em função do tempo previsível da vida activa da vítima de molde a representar um capital produtor de rendimentos que cubra a diferença entre a situação anterior e actual até final daquele período. A partir de então, a jurisprudência seguiu este critério, servindo-se das taxas de juro estabelecidas para as operações bancárias activas de crédito, evoluindo para as de depósitos a prazo, adaptando a taxa de juro às flutuações respectivas no mercado financeiro. Critério que no entanto, não passa de índice meramente informador da fixação, meros caminhos de solução, simples guias, instrumentos de trabalho, de feição auxiliar, que não permitem dispensar a equidade, que é a justiça do caso concreto, o dizer a solução de acordo com a lógica e o bom senso, na exacta medida das coisas, das regras da boa prudência, da criteriosa ponderação das realidades da vida, no caso concreto, que não ceda a critérios subjectivos de ponderação, que leve em apreço a gravidade do dano. Estamos no âmbito de uma matéria onde reina a incerteza, em terreno oscilante, mas onde a equidade pode desempenhar um papel importante e imprescindível sobretudo se, de acordo com um critério de normalidade, for orientada para o que em condições normais ocorre, em função de um concreto e possível juízo de prognose de concretização do que é altamente provável. A equidade corrigirá os resultados julgados excessivos ou deficientes pelo julgador. Donde se tem, da mesma forma, reputado, também, como critério possível, introduzindo uma certa flexibilização no cálculo, a aplicação de uma regra de três simples em que cura de determinar qual o capital simplesmente produtor do rendimento anual que se deixou de obter, tendo em conta a taxa de juro de 3% - seja qual o capital que à taxa de juro em alusão reproduz aquele rendimento, a que é de deduzir um factor de correcção. Adoptar-se-á este último. Assim, ponderando-se que a vítima tinha 29 anos de idade e que segundo um juízo de normalidade, de normal prognose, trabalharia mais 41 anos, pois era uma pessoa activa, dinâmica e com capacidade de trabalho, saudável, bem disposta, ambiciosa e lutadora, gastaria consigo 1/3 do seu salário, € 1.500,00 (€ 500,00), restando para afectação ao sustento da viúva e da filha € 1.000,00, o que multiplicado por 14 meses ascendia a € 14.000,00 € anuais, fazendo acrescer o rendimento derivado da prestação da actividade na sociedade de administração de condomínios, que em pura equidade se fixa no valor de € 150,00, mensais, havendo que repartir o total obtido de € 15.500,00 pela viúva e pela filha, considerando que em relação àquela a prestação de alimentos seria por mais 41 anos e para a filha por mais 21, idade em que, em condições normais, teria já concluído os seus estudos e portanto cessaria a prestação alimentar – artigo 1880º C Civil - temos que o montante total de rendimentos repartido entre ambos corresponderia a cerca de € 310.500 para a viúva e € 159.000 para a filha. Ou seja: € 1.500,00 x 1/3= € 500,00; € 1500,00 - € 500,00= € 1.000,00; (€ 1000,00 x 14 meses x 30 anos) +(€ 150,00 x 11meses x 30 anos) = € 420.000,00 + € 49.500,00 = € 469.500,00. De acordo com a regra de três simples em que o total correspondente a 62 anos, respeitando aos anos totais previsíveis de privação a dividir por 41 anos para a viúva, obteríamos cerca de € 310.500,00 e o remanescente pela filha de cerca de € 159.000,00, mas considerando que essa soma vai ser recebida de uma vez só e fazendo intervir a equidade, como factor de correcção das incertezas que o cálculo comporta e atendendo ao facto de que a viúva recebeu já o subsídio por morte e vem recebendo, a par da filha, a pensão de sobrevivência que vem sendo paga pela segurança social – que no período de NOV2006 a FEV2010 ascendem ao montante global de € 11.217,82, continuando a receber as pensões de sobrevivência do valor mensal de € 147,82 para a viúva e € 49,27 para a filha - cremos poder fixar a indemnização, respectivamente nos valores de € 300.000,00 e € 150.000,00». Ora, em primeiro lugar, compete à parte que alega fazer prova dos factos constitutivos do direito que invoca (art.º 342.º, n.º 1, do CC). Tendo as demandantes alegado e provado que o falecido, para além do emprego remunerado num Hotel, onde recebia um vencimento mensal de € 1 500,00, exercia ainda funções na sociedade comercial Zuripal Administração de Condomínios Lda, a verdade é que não fizeram prova de que essas funções eram remuneradas e, no caso afirmativo, quanto auferia aí de vencimento. Assim, numa acção cível, não pode o tribunal substituir-se à parte e conjecturar, com base em juízos de equidade (?), que aí auferia € 150,00 mensais ou outra quantia. Em suma, o que se provou é que o falecido auferia um vencimento mensal de € 1500,00 nas suas funções no Hotel. Poderemos admitir que o falecido, desse rendimento, entregava para as despesas domésticas € 1000,00 mensais e que trabalharia até aos 70 anos, isto é, por mais 41 anos, como fez o tribunal recorrido e pelas razões aí aduzidas. Mas, dada a incerteza económica conjuntural que atravessamos, é especulativo estar a fazer outras contas que não as que constam da “proposta razoável de indemnização”, vertidas na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, cujas tabelas foram actualizadas pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, onde, para se evitar o litígio, se definem critérios e valores orientadores, entre seguradora e vítima em acidente de viação. No que respeita a este tipo de dano (patrimonial futuro), o cálculo que aí vem feito é puramente matemático e estabelece uma taxa de juro de crescimento anual de 2%, o que, no presente momento político e económico parece até exagerado, mas que serve para cobrir os eventuais desenvolvimentos positivos para a economia no futuro. Pela tabela III, anexa a esse diploma, a importância total é, para o período de 41 anos, de € 340 006,20, que se obtém multiplicando o rendimento anual pelo factor 24,336155. Como as demandantes receberam do Centro Nacional de Pensões as respectivas prestações por morte, durante o período de 11.2006 a 2.2010, no montante global de € 11.217,82, há que subtrair esta quantia àquela outra, pelo que o montante de danos patrimoniais futuros ascende a € 329 488,40, do qual a demandada terá de pagar metade (€ 164 744,20). Desta importância a receber pelas demandantes da seguradora, correspondente a 41 anos, os primeiros 24, até aos 25 anos de idade da menor, são a dividir em partes iguais por elas e o restante acrescenta totalmente à viúva, isto é, € 48 217,80 para a menor e € 116 526,40 para a viúva. Assim, os montantes a pagar pela demandada são de metade dos valores calculados e distribuem-se assim: a) Para a demandante C: - € 16 250,00, pelo direito à vida do falecido; - € 2 500,00, pelos danos não patrimoniais da vítima; - € 12 500,00, pelos seus próprios danos não patrimoniais; - € 750,00, pelos danos patrimoniais; - € 116 526,40, pelos danos patrimoniais futuros. Num total de € 148 526,40. b) Para a demandante E: - € 16 250,00, pelo direito à vida do falecido; - € 2 500,00, pelos danos não patrimoniais da vítima; - € 12 500,00, pelos seus próprios danos não patrimoniais; - € 750,00, pelos danos patrimoniais; - € 48 217,80, pelos danos patrimoniais futuros. Num total de € 80 217,80. Termos em que procede parcialmente o recurso da demandada e improcede totalmente o das demandantes. 10. Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em conceder provimento parcial ao recurso da demandada e em negar provimento ao das demandantes, condenando a demandada a pagar à demandante C a quantia de € 148 526,40 (cento e quarenta e oito mil, quinhentos e vinte e seis euros e quarenta cêntimos) e à demandante E a quantia de € 80 217,80 (oitenta mil, duzentos e dezassete euros e oitenta cêntimos), acrescidas de juros de mora à taxa legal, hoje de 4%, desde esta data até integral e efectivo pagamento. Custas pelas demandantes e demandada na proporção do vencido. Supremo Tribunal de Justiça, 7 de Dezembro de 2011 Santos Carvalho (Relator) Rodrigues da Costa ------------------------------------ (1) Correspondente a ¾ da soma dos seguintes valores: € 65 000,00 pelo direito à vida, € 10 000,00 danos morais da vítima, € 25 000,00 danos morais da assistente, € 25 000,00 danos morais da filha menor, € 1 500,00 de danos patrimoniais emergentes, € 300.000,00 e € 150.000,00 de danos patrimoniais futuros, respectivamente, da viúva e da filha. (2) «O montante da indemnização por danos não patrimoniais, de harmonia com o preceituado no art. 496.º, n.º 1, do CC, deve ser fixado equitativamente, isto é, «tendo em conta todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida» (Antunes Varela - Henrique Mesquita, Código Civil Anotado, vol. 1.º, anotação 6.ª ao art. 496.º). (3) A formação profissional não acaba com a obtenção do grau académico. No mundo actual, altamente competitivo, em regra, aquela formação inicia-se precisamente depois de obtido o grau académico e pode ter duração mais ou menos variável. Assim, se um percurso escolar e académico sem acidentes permitirá ao recorrente obter o grau de licenciado/mestre, conforme o regime universitário em questão, quando atingir os 23 anos de idade, não deixa de ser razoável aceitar a hipótese de um ano de insucesso ou de um estágio superior a um ano. Neste pressuposto, entendeu que a prestação mensal devida ao recorrente se deve manter até este perfazer 25 anos de idade nos Acórdãos do STJ de 8.5.2008 e de 19.3.2002, apud Acórdão do mesmo tribunal de 7.7.2009, relator Pires da Graça.