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Acórdão TR Guimarães de 2020-09-24

2151/18.6T8VCT.G1

TribunalTribunal da Relação de Guimarães
Processo2151/18.6T8VCT.G1
RelatorJosé Amaral
DescritoresInvestigação da Paternidade, Caducidade do Direito a Interpôr Ação, Constitucionalidade
Nº do DocumentoRG
Data do Acordão2020-09-24
VotaçãoMaioria com * Dec Vot e * Vot Venc
Meio ProcessualAPELAÇÃO
DecisãoImprocedente
Indicações Eventuais1.ª SECÇÃO CÍVEL

Sumário

Sumário [elaborado pelo Relator] Mantendo-se válidos os argumentos e fundamentos desde há muito considerados e relevados em forte corrente jurisprudencial de todas as Instâncias no sentido de que a norma do artº 1817º, nºs 1 e 3, alínea c), do Código Civil – prazos para a propositura de acção de investigação de paternidade –, não enferma de inconstitucionalidade, e tendo em conta idêntico entendimento maioritária do Plenário do Tribunal Constitucional reiterado e recentemente renovado no Acórdão nº 394/2019 – que a prudência e o pragmatismo aconselham a respeitar, dada a natureza e função de tal Órgão e a sua autoridade jurisdicional nesta matéria – reafirma-se a concordância e adesão a tal tese.


Texto Integral

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO O autor J. C. intentou, em 11-06-2018, no Tribunal de Família de Viana do Castelo, acção declarativa constitutiva, com processo comum, contra o réu L. H.. Nela formulou o pedido de que, uma vez julgada procedente, em consequência: “a) Seja declarada e reconhecida, nos termos do disposto no art. 204º da nossa Lei Fundamental, a inconstitucionalidade material da norma ínsita art. 1817º, nº 1 do Código Civil (ex vi art. do Código Civil ), porque violadora, entre outros, dos arts.16.º, n.º1, 18.º, n.º 2 e 26.º, n.º 1, da CRP b) Seja reconhecido e decretado que o Autor é filho do réu L. H. c) Seja ordenado o averbamento de tal paternidade e da avoenga daí resultante ao assento de nascimento do Autor; d) Ser o réu condenado em custas e demais acréscimos.” Como fundamentos, alegou, em síntese, que nasceu em 24-08-1968, mas foi registado sem menção de paternidade. A mãe, por pudor, durante muitos anos, recusou-se a revelar-lha. Desde 1991 até 2018, esteve emigrado. Sucedeu que, durante o mês de Agosto de 2017, a amiga O. F. deu-lhe conhecimento que seu pai era o réu. Surpreendido, confrontou a mãe. Esta acabou por lhe confirmar o relacionamento sexual (exclusivo) com aquele e a gestação. De facto, é fisicamente parecido com o demandado. Assim, interpelou-o mas ele recusou assumir a paternidade. Nessa altura, foi-lhe solicitado que entregasse uma amostra da sua saliva para “teste de ADN” e, em Novembro seguinte, foi-lhe dito que ele “dera positivo”, embora nunca tenha tido acesso ao relatório, que estará na posse do demandado. Em Fevereiro de 2018, o réu propôs-lhe que subscrevesse um documento no qual, além do mais, declarava que há mais de 10 anos tinha conhecimento de tal paternidade e reconhecia ter caducado o direito de acção, renunciando a esta, em troca do pagamento de 270.000€ e para evitar o litígio judicial. Aceitou, assinou-o e recebeu a referida quantia. [1] Além disso, assinou ainda uma carta. Porém, além de não corresponderem à verdade e serem ineficazes dada a natureza do direito (à filiação) em causa, o certo é que apenas assinou “na convicção de estes documentos confirmarem, de alguma forma ser o ora réu seu pai”. Invocou, por fim, a inconstitucionalidade material da norma do artº 1817º, nº 1, CC (prazo). Juntou, entre outros, os aludidos dois documentos. Na contestação, o réu impugnou parte da alegada factualidade e documentos. Acrescentou que era considerado “homem de posses”, “abastado” e “com fortuna” e “desde sempre se constou no meio de Valença do Minho que o réu poderia ser o pai do autor”, o que sempre negou, recusando assumir tal paternidade, apesar de desde há mais de 20 anos o autor o procurar e lha imputar. De resto, chegou a correr processo de averiguação oficiosa de paternidade, mas que terminou pelo não reconhecimento (arquivamento). Sucedeu que o advogado do autor contactou-o, comunicando-lhe a intenção de agir judicialmente. Foi no contexto das negociações havidas que acabaram por acordar uma compensação só para evitar mais transtornos com a justiça. Excepcionou a caducidade do prazo (dada a confissão feita pelo autor e documentada de que há mais de 10 anos tinha conhecimento), de abuso de direito (face ao comportamento contraditório do autor e frustrante da confiança gerada no réu motivado apenas por este ser divorciado e não ter descendentes, ou seja, por razões “monetárias” já que o autor nunca se “aproximou”, o que deve impedir o exercício do seu direito ou, então, restringir este aos efeitos pessoais e excluir os patrimoniais, caso dos sucessórios) e a excepção de caso julgado (relativamente ao dito processo de averiguação oficiosa). Também juntou documentos. O autor, em requerimento subsequente, contrapôs que a declaração que assinou é nula (por se referir ao estado das pessoas e a direito irrenunciável) e nem sequer podia ter sido reconhecida por isso e por não ter sido verificado o pagamento do imposto de selo. E, convidado depois, a exercer o contraditório, replicou ainda percutindo a não caducidade do prazo, a ineficácia da sua “confissão” e concluindo pela improcedência das excepções. Entretanto, em face da notícia do óbito do réu, foi requerida e deferida a produção antecipada de prova (colheita de ADN ao cadáver), suspensa a instância, apensado procedimento cautelar de arrolamento e habilitados como herdeiros A. P., A. L. (este acabou, mais tarde, por renunciar à herança), L. I., C. P., A. H. e B. A.. Foi fixado o valor da causa, dispensada a audiência prévia, proferido saneador (no qual foi julgada improcedente a excepção de caso julgado e relegado para final o conhecimento das demais), identificado o objecto do litígio, enunciados os temas da prova e apreciados os requerimentos respectivos. Realizada a audiência de discussão e julgamento nos termos e com as formalidades narradas nas actas respectivas, foi proferida, com data de 13-02-2020, a sentença que culminou na decisão de julgar procedente a excepção de caducidade e absolver os demandados (herdeiros habilitados) do pedido. O autor não se resignou e apelou a esta Relação, apresentando as seguintes conclusões recursivas: “I. Vem o presente recurso interposto da sentença revidenda, notificada ao recorrente a 17/02/2020, que decidiu “(...) julgar procedente a excepção de caducidade invocada pelo réu e, em consequência, absolvo os herdeiros habilitados do pedido”. II. No modesto entender do impetrante, foram porém incorrectamente julgados, e assim expressamente se impugnam o Ponto 12 dos Factos Provados (“Há mais de vinte anos que o autor sabia que o falecido L. H. era seu pai”) que deveria ter sido considerado Não Provado e o segundo parágrafo/item/ponto da matéria Não Provada (“- Só no mês de Agosto de 2017, uma amiga da família revelou ao autor que seu pai era o réu L. H., o que só então foi confirmado pela sua mãe”) que deveria ter sido considerado Provado. III. A testemunha O. F. confirmou ter comunicado ao Autor-recorrente, em Agosto do ano de 2017, a identidade de seu pai, e que em consequência este ficou “transtornado” – cfr. depoimento prestado na audiência de 18/10/2019, com início às 11 horas e 35 minutos e termo pelas 12 horas e 2 minutos, gravado no sistema informático Habilus Media Studio, em particular no segmento entre 00h24m24s e as 00h25m26s. IV. Este depoimento é consentâneo com o da testemunha A. M., amigo de longa data e colega de trabalho da mãe do autor que, convictamente, afirmou que o autor desconhecia a identidade do seu pai, pois que apenas em Maio de 2018 abordou a testemunha quanto a esse tema – cfr. depoimento prestado na audiência de julgamento de 18/10/2019, com início às 12 horas e 16 minutos e termo pelas 12 horas e 25 minutos, gravado no sistema informático Habilus Media Studio, em particular no segmento entre as 00h02m44seg e as 00h04m16s V. Dos depoimentos acima mencionados, conjugados com as regras de experiência comum, resulta que foi na sequência da revelação da testemunha O. F. que o autor encetou diligências tendentes a ser reconhecido como filho do decesso réu L. H., designadamente as constantes dos Pontos 5, 6 e 7 dos Factos Provados, que ora se dão por reproduzidos. VI. Mais, a testemunha O. F. afirmou que o autor ficou transtornado por ter descoberto que o decesso réu seria seu pai, donde facilmente se conclui que ficou nesse estado, foi porque desconhecia a verdade até então, de contrário não ficaria sequer surpreendido. VII. Até do comportamento do investigado se percebe que tudo se precipitou após Agosto de 2017: o autor interpelou o falecido L. H. nesse mês, este rejeitou-o e, após a subscrição do documento mencionado no Ponto 7 dos Factos Provados – a 02/02/2018 - o investigado tratou de instituir seus herdeiros os aqui habilitados, apenas cinco dias depois (a 07/02/2018), determinando que “(...)caso à data do seu falecimento venha a possuir herdeiros legitimários institui os herdeiros supra mencionados herdeiros da sua quota disponível (...)” – cfr. testamento (documento nº 02) junto com petição no apenso de habilitação de herdeiros. VIII. Salvo melhor opinião, resulta evidente que esta questão da filiação entre autor e réu só se colocou após o mês de Agosto de 2017, menos de um ano antes de 11/06/2018, data da propositura desta acção, até porque, acaso o autor soubesse há mais tempo da identidade de seu pai, o que o impediria de propor esta acção anteriormente? IX. Resulta assim que a presente acção foi intentada tempestivamente, menos de três anos após o Autor ter conhecido da identidade de seu pai, nos termos previstos pelo art. 1817º, nº 3, alínea b) do Código Civil, pelo que deveria o Tribunal a quo ter dado como Provado o segundo parágrafo/ponto/item dos Factos Não Provados, com a seguinte redacção: “Só no mês de Agosto de 2017, uma amiga da família revelou ao autor que seu pai era o réu L. H., o que só então foi confirmado pela sua mãe. X. Devendo, por maioria de razão, dar como Não Provado o Ponto 12 dos Factos Provados, isto é que “Há mais de vinte anos que o autor sabia que o falecido L. H. era seu pai”. XI. Sem prejuízo da impugnação da matéria fáctica acima elencada, mesmo que o recorrente soubesse há mais de vinte anos a identidade de seu pai, ainda assim deveria a acção ter procedido, pois que a decisão recorrida cria um desfasamento entre a verdade biológica e verdade jurídica - cfr. neste sentido o Acórdão desta Relação de Guimarães de 09/05/2019 (Eugénia Cunha), no proc. 1431/17.2T8VRL.G1. XII. Com efeito, o exame hematológico (vulgo “exame de ADN”), de fls. 59 e ss dos autos, determinou, com 99,9999999999999% de certeza que o recorrente J. C. é filho do réu-investigado L. H. – v. ainda Ponto 4 dos Factos Provados. XIII. Daí que, no humilde entendimento do requerente, a norma ínsita no art. 1817º nº 1 do Código Civil (aplicável in casu por via do disposto no art. 1873º CC), ao determinar um prazo de caducidade de dez anos da acção de paternidade, contados da maioridade do investigante é inconstitucional, por violar frontalmente o disposto nos arts. 16º, 18º, nº 2 e 3, 26º nº 1, 36º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP). XIV. Na acção de investigação de paternidade estamos perante interesses indisponíveis do ser humano, como seja o direito à identidade pessoal (art. 26º CRP), nele se incluindo o direito a conhecer e a ver reconhecida a sua ascendência biológica (cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros, in “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo 1, págs. 284 e 285 e Gomes Canotilho e Vital Moreira in “Constituição da República Portuguesa Anotada”). XV. Através da ação, o investigante está a defender o direito à sua verdade biológica, a saber quem é, de onde vem, direito esse que, até agora, sempre lhe foi negado, direito esse que é pessoalíssimo, e por isso indisponível e imprescritível. XVI. Este direito a conhecer (e ver reconhecida) a origem genética é essencial para a identidade e constitutivo da personalidade singular de cada indivíduo, como bem referem Jorge Miranda e Rui Medeiros (op. cit. pág. 609):“ninguém deve ser obrigado a viver em discordância com aquilo que pessoal e identitariamente é” XVII. O próprio direito fundamental de constituir família (art. 36º CRP), ao impor ao legislador a previsão de meios para o estabelecimento jurídico dos vínculos de filiação - os modos de perfilhar e a ação de investigação, acaba por ser denegado, por via da lei ordinária, leia-se, pela previsão do art. 1817º, nº 1 CC. XVIII. Conforme defendem Jorge Miranda e Rui Medeiros (cf. op. cit pág. 813) “no direito de constituir família, o artigo 36.º, n.º 1, abrange, ao lado da família conjugal, a família constituída por pais e filhos, podendo extrair-se deste preceito constitucional um direito fundamental, não apenas a procriar, mas também ao conhecimento e reconhecimento da paternidade e da maternidade” [negrito e sublinhado nossos]. XIX. Por outro lado ainda, o art. 36º, nº 4 da nossa Lei Fundamental proíbe a discriminação dos filhos nascidos fora do casamento, não permitindo que estes sejam desfavorecidos ao verem limitadas as possibilidades de estabelecimento da sua filiação mediante prova do vínculo biológico – prova essa que, no caso em apreço foi feita: o exame de ADN confirmou, com o grau máximo de certeza possível, que o recorrente é filho do falecido réu. XX. Assim, o estabelecimento do prazo de caducidade de dez anos - ou de qualquer outro - para a propositura da acção de investigação de paternidade consubstancia uma restrição desproporcionada ao direito à identidade pessoal, à verdade biológica e ao direito a constituir família sendo por isso inconstitucional. XXI. Este entendimento tem aliás feito o seu caminho nos Tribunais Superiores, veja-se, entre outros, Ac. STJ de 14/01/2014, proc. 155/12.1TBVLC-A.P1.S1, Ac. STJ de 06/09/2011, proc. 1167/10.5TBPTL.S1, Ac. TRG de 09/05/2019, proc. 1431/17.2T8VRL.G1, Ac. TRG de 02/02/2017, proc. nº 1660/16.6T8VCT.G1, Ac. TRG de 06/11/2014, proc. 2777/13.4TBBCL.G1, Ac. TRG de 28/02/2013, proc. 733/12.9TBFAF.G1, Ac. TRG de 22/03/2011, proc. 780/10.5TBVVD-A.G1, Ac. TRP de 03/06/2014, proc. 1261/12.8TBSTS.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt XXII. Também profusa doutrina converge neste sentido, v. entre outros, José Duarte Pinheiro, in “Inconstitucionalidade do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil”, Cadernos de Direito Privado, n.º 15 Julho/Setembro 2006, págs.. 32 a 52, Guilherme de Oliveira, in “Caducidade das Acções de Investigação”, revista Lex Familiae, n.º 1, 2004, pp. 7 a 13 e Menezes Leitão, in “Anotação ao Acórdão do STJ de 19/04/2013”, R.O.A., ano 73, Vol. I, Janeiro/Março, págs. 396 a 399. XXIII. É habitual argumentar-se, contra a inconstitucionalidade do prazo, com a (in)segurança do investigado e da família, mas, no modesto entender do impetrante, este motivo não colhe pois que o princípio da segurança jurídica não tem acolhimento constitucional directo e conflituando o direito ao conhecimento da ascendência e verdade biológica com a “tranquilidade” do suposto pai, sempre tem aquele de sobre este, pois inscreve-se num direito de personalidade, mais relevante. XXIV. Por outro lado, o argumento da segurança jurídica não tem valia no caso vertente, pois que o investigado faleceu na pendência dos autos, divorciado, sem quaisquer herdeiros legitimários - para além do recorrente - donde o reconhecimento do impetrante como herdeiro não desestabiliza qualquer relação jurídica ou simples expectativa de terceiros, designadamente a “tranquilidade” do investigado ou dos herdeiros. XXV. Ademais, o estabelecimento de um prazo de caducidade não deve servir para sancionar a inércia do investigante pois que, como bem se defende no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 486/2004. XXVI. Por fim, não pode deixar de se fazer apelo, data venia, ao douto Acórdão desta Relação de Guimarães, de 02/02/2017 (Helena Gomes de Melo), proc. 1660/16.6T8VCT.G1, disponível em www.dgsi.pt onde se aduzem, entre outros, os seguintes argumentos: “Não tendo o legislador limitado temporalmente a impugnação da maternidade (artº 1807º do CC) e a impugnação de perfilhação (artº 1859º nº 2 do CC), não se entende a limitação do direito à investigação da maternidade/paternidade e à impugnação da paternidade presumida. Como salienta o citado acórdão do STJ de 16.09.2014, o prazo para interpor a ação é inferior ao prazo geral de 20 anos, previsto no artº 309º do CC, sendo mais fácil reclamar um direito patrimonial que um direito de personalidade”. XXVII. Face ao exposto, deveria pois o Tribunal a quo ter decidido que o art. 1817º, nº 1 do Código Civil, aplicável ex vi art. 1873º CC, padece de inconstitucionalidade material, não o aplicando, e consequentemente ter julgado a ação tempestiva e procedente. XXVIII. Ao não o fazer, violou pois a sentença revidenda aos Princípios ínsitos nos arts. 16º, 18º, nº 2 e 3, 26º, nº 1 e 36º, nºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa. XXIX. Devendo, por conseguinte, ser a sentença revidenda revogada, e substituída por outra que, considerando não precludido o direito do autor, o reconheça como filho do entretanto falecido réu L. H., com as legais consequências. Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis, dando provimento ao presente recurso, deve revogar-se a sentença revidenda, e julgar a acção tempestiva e procedente por aplicação do prazo do art. 1817º, nº 3, alínea b) do Código Civil, mais declarando, sempre e em qualquer caso, o art. 1817º, nº 1 do Código Civil, (aplicável ex vi art. 1873º CC) materialmente inconstitucional e considerando também por esta via não precludido o direito do autor, farão pois V. Exas. a habitual e necessária JUSTIÇA!”. Em contra-alegações, o demandado A. P., concluiu: “A. A impugnação da matéria de facto efectuada pelo A. visa ultrapassar a circunstância de ter sido dado como provado que este há mais de 20 anos sabia a identidade do seu pai, facto que levou o Tribunal a quo a concluir que o seu direito a interpor a acção destes autos – em Junho de 2018 – há muito estava caducado (Agosto de 1996). B. Pretende, assim, o A. que, por um lado, que o facto provado sob o número 12 – Há mais de vinte anos que o autor sabia que o falecido L. H. era seu pai. – seja dado como não provado. E, por outro lado, pretende que o segundo item dos factos dados como não provados – Só no mês de Agosto de 2017, uma amiga da família revelou ao autor que o seu pai era o réu L. H., o que só então foi conformado pela sua mãe; – seja dado como provado. C. No seu recurso, indica o A. que os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida são os depoimentos das testemunhas O. F. e A. M., não deixando ainda de referir que todo o comportamento do A. que levou à presente acção e a outorga do testamento do R. L. H. a favor dos RR. habilitados, em 07.02.2018, cinco dias após a assinatura do documento a que alude o facto provado vertido sob o número 7, deviam igualmente ter sido considerados nesse julgamento. D. Quanto ao depoimento da testemunha O. F., o A. defende que, ao contrário do que vem referido na sentença recorrida, do depoimento desta testemunha não resulta claro que este soubesse, há mais de vinte anos, que o R. L. H. fosse seu pai, e que, a circunstância da testemunha ter referido que o A. tinha ficado transtornado evidencia isso mesmo, só podendo esse sentimento de transtorno, bem como todo o comportamento do R. que se lhe seguiu (interpelação do R. L. H., negociação do acordo juntos aos autos, realização do exame de ADN e conversa com a testemunha A. M.), evidenciar esse desconhecimento. E quanto ao depoimento da testemunha A. M., defende o A. que resulta desse depoimento que ele próprio, em Maio de 2018, perguntou à testemunha se aquele sabia quem era o seu pai, o que evidencia o seu desconhecimento acerca da identidade do seu pai em momento anterior, pois, pelas “regras da experiência comum e da normalidade do acontecer”, caso já o soubesse, já teria questionado a referida testemunha sobre o tema, uma vez que se encontravam com alguma regularidade. E. Quanto à circunstância do falecido R. L. H. ter outorgado testamento a favor dos Recorridos em 07.02.2018, cinco dias após a assinatura do documento a que alude o facto provado vertido sob o número 7, defende o A. que tal circunstância também evidencia que só após Agosto de 2017 o R. L. H. foi por si abordado, facto este que, por sua vez, leva a concluir que só após essa data o A. teve conhecimento da identidade do seu pai, caso contrário já o teria abordado em momento anterior. F. A sentença recorrida analisou (bem) e considerou na sua decisão o depoimento das testemunhas O. F. e A. M., entre outras não consideradas no recurso do A.. Sendo que, a súmula que o Tribunal a quo faz do depoimento da Testemunha O. F. não poderia ser mais rigoroso e acertado se consideramos a globalidade do seu depoimento e não apenas o excerto transcrito no recurso do A.; análise que igualmente se aplica ao depoimento da testemunha A. M., se considerado na sua globalidade. G. Analisada a globalidade do depoimento da testemunha O. F. – com transcrição integral no presente recurso –, que é a “testemunha chave” deste processo, na medida em que, defende o A., foi a pessoa que em Agosto de 2017 lhe revelou a identidade do seu pai, com sendo o primitivo R. L. H., é inequívoco que o A. há mais de 20 anos sabia quem era o seu pai. Ao longo do seu depoimento, com grande espontaneidade a testemunha referiu o seguinte: i) por um lado, que era uma “inconsciência” que fossem os herdeiros (os habilitados e recorridos nestes autos) do R. L. H. a herdar tudo, quando ele tinha tido um filho; ii) por outro lado, que a sua filha, actualmente com 42 anos, tinha apenas 19 anos quando foram a casa do A. e o seu marido deu ao A. a notícia da identidade do seu pai; iii) por fim, que a conversa que teve com o A. em Agosto de 2017 tinha o propósito de o alertar para “arranjar” um “bom” advogado, porque o pai estava doente, tendo o A. ficado transtornado perante a possibilidade de não ter tempo de “resolver” a questão da paternidade ainda em vida do R. L. H., como, de resto, veio a acontecer. H. Acresce que, analisada a globalidade do depoimento da testemunha A. M., ao contrário do que pretende o A. fazer crer ao Tribunal ad quem, esta testemunha não afirmou que o A. desconhecia a identidade do seu pai. A referida testemunha, para além de afirmar que o tema da paternidade do A. não era tema tabu, que toda a gente em Valença sabia, que o povo comentava que o A. era a cara “chapada” do R. L. H., que ao restaurante de Valença – ZM., onde a testemunha trabalha – vinha muita gente de ... (aldeia onde cresceu o A.), quando perguntado concretamente se o A. já sabia quem era o pai, a testemunha referiu que pensava que o A. não sabia, mas que não o podia afirmar. Ademais, refere que não percebe a razão do A. ter ido ter com ele para falar no tema da paternidade, dando a entender não haver grande relação de proximidade entre ambos, razão pela qual também falece o argumento do A. de que, se já soubesse há mais tempo da identidade do pai, teria questionado a testemunha em momento anterior. I. Conclui-se, assim, pela análise do depoimento integral destas duas testemunhas – valorando ainda as declarações do próprio A. e da sua mãe, bem como do advogado P. E., analisadas no corpo destas alegações, e do documento n.º 4 junto com a PI (também junto com a contestação como documento n.º 2, na sua versão integral) – que decidiu bem o Tribunal a quo em dar o como provado o facto vertido sob o número 12 do elenco dos factos provados e, consequentemente, em dar como não provado o segundo item do elenco dos factos dados como não provados, não merecendo qualquer censura esse julgamento. J. A respeito do comportamento do A., que levou à acção dos presentes autos, “interpelação do aqui investigado, negociação do pretenso acordo, realização do exame de ADN, conversa com a testemunha A. M.”, refere o A. que este comportamento foi desencadeado pela notícia que a testemunha O. F. lhe deu em 2017, que seria a da “revelação” – que o “transtornou” – da identidade do seu pai. K. Mas se tivermos presentes as declarações do A., temos forçosamente de concluir que o seu comportamento e “transtorno” após a “revelação” da testemunha O. F., só fará sentido, à luz de um critério de experiência comum, se entendermos que essa revelação não se prende com a identidade do seu pai – o que ele há muito já saberia –, mas sim com a circunstância de ter sabido que este estaria doente e que poderia estar a “ficar sem tempo” de ver reconhecida a sua paternidade – circunstâncias que é também reconhecida pela testemunha O. F. no seu depoimento –, o que nomeadamente teria como consequência que somente os RR. habilitados seriam considerados herdeiros de L. H.. Note-se que, nos minutos que se seguiram à “revelação”, o A. – sem sequer procurar a sua mãe para confirmar a notícia que supostamente teria acabado de receber da testemunha e amiga O. F. acerca da identidade do seu pai –, interpelou de imediato o R. L. H. no café onde este habitualmente se encontrava àquela hora do dia e, perante a postura daquele de negação da sua paternidade, o A. foi de imediato ao escritório de um advogado, tendo somente, no final destas diligências, procurado a sua mãe a fim de obter a confirmação de quem era o seu pai (algo que disse sempre ter querido saber). L. A respeito desta questão do comportamento do A. e do “transtorno” que terá sentido com a “revelação” da testemunha O. F., não pode ainda deixar de se salientar, por um lado, que, nas suas declarações, o A. refere que a mãe sempre se negou a dizer-lhe quem era o seu pai; porém, confrontada com essa questão, a mãe do A. referiu que este nunca lhe perguntou a identidade do pai, mas que se o tivesse querido saber que lho teria dito. E, por outro lado, recorde-se que esta testemunha O. F. referiu que o A., há muitos anos sabia quem era o seu pai e ficou transtornado por ter sabido que o pai estava doente, o que dificultaria o reconhecimento da paternidade caso viesse a falecer. M. Ademais, ao contrário do que pretende o A., a negociação do pretenso acordo e a realização do exame de ADN, nas circunstâncias descritas por ele próprio, demonstram estarmos perante uma situação em que o A., porque acompanhado de advogado, estaria ciente de estarem ultrapassados os prazos legais para o reconhecimento da sua paternidade, tendo aceite celebrar um acordo, através do qual assinou a declaração junta aos autos, mediante a contrapartida financeira nela prevista – [cfr. documento n.º 4 da PI e documento n.º 2 da contestação (este último completo, com o reconhecimento da assinatura)] –, e a que se alude nos factos provados sob os números 7, 8 e 9. Não deixando de ser curioso que, no decurso das suas declarações, contrariando até o que vem descrito no artigo 24.º da PI, o A. tenha referido que não recebeu todo o dinheiro que havia sido acordado, tendo recebido apenas a quantia de €25.000,00; o que, de resto, em audiência de julgamento, foi contraditado pelo seu advogado à época, o Dr. P. E., testemunha dos RR. habilitados. N. Tenha-se ainda em conta que a declaração a que alude o facto provado vertido sob o número 7, constante do documento n.º 4 junto com a PI, que também foi junto com a contestação como documento n.º 2 (de onde resulta a sua junção completa com o reconhecimento da assinatura do A. por solicitador), é um documento com força probatória plena das declarações nele prestadas pelo seu autor. O. E se tal documento, versando sobre direitos indisponíveis não é válido quanto à transacção nele celebrada, ou seja, quanto à renúncia ao direito de acção de reconhecimento de paternidade; já quanto à declaração confessória no documento aposta, ou seja, de que há mais de 10 anos o A. tem conhecimento que o seu pai era L. H., o documento em apreço faz prova plena de tais factos – cfr. art. 371.º do CC. Pois, tal declaração consubstancia uma confissão extra-judicial feita em documento autêntico, à parte contrária, admissível pela sua própria essência, e que goza de força probatória plena contra o confitente – cfr. arts. 352.º, 355.º, n.os 1 e 4 e 358.º, n.º 2 do CC. P. Em resultado dessa força probatória plena, o facto confessado – conhecimento da paternidade há mais de 10 anos –,tinha de se considerar como provado, sem poderem ser admitidas outras provas em contrário (as quais, em todo o caso, não foram produzidas), ademais atendendo-se a que o A. não invocou a falsidade do documento, nem fez prova de quaisquer vícios de vontade que inquinassem tal declaração confessória. Q. Por fim, quanto à questão da outorga do testamento do R. L. H. a favor dos Recorridos/Habilitados em 07.02.2018, cinco dias após a assinatura do documento a que alude o facto provado vertido sob o número 7, ao contrário do que pretende o A., esta circunstância nada prova a favor da sua argumentação no sentido de que só após Agosto de 2017 o R. L. H. foi por si abordado, facto este que, por sua vez, leva a concluir que só após essa data o A. teve conhecimento da identidade do seu pai, caso contrário já o teria abordado em momento anterior. Pois, o que a outorga deste documento, nesta data, demonstra é uma preocupação do primitivo R. L. H. em assegurar que os RR. habilitados seriam seus herdeiros, caso o A. conseguisse, de alguma forma, fazer prova de que desconhecia, há mais de vinte anos, a circunstância de saber que aquele era seu pai. R. Em face do exposto, a impugnação da matéria de facto não deve ser julgada procedente. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DO ARTIGO 1817.º, N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL (ex vi artigo 1873.º do mesmo diploma) S. A acção de investigação da paternidade está prevista nos artigos 1869.º e seguintes do Código Civil, sendo que, por força do artigo 1873.º do mesmo diploma legal, aplica-se à acção de investigação da paternidade o disposto nos artigos 1817.º a1819.º e 1820.º. Estabelecendo o artigo 1817.º, n.º 1 que a “(…) acção de investigação de maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação”. No caso do Recorrente, e tendo em conta os termos destas disposições legais, o direito a investigar a paternidade caducou em Agosto de 1996. T. A questão levantada pelo Recorrente prende-se com a questão de saber se tal regra do artigo 1817.º, n.º 1 do Código Civil, ao estabelecer um prazo – apenas com as excepções previstas no seu n.º 3 – para a investigação da paternidade é, ou não, inconstitucional. U. Entendemos que esta questão está hoje ultrapassada pela mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, não sendo posta em causa pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. V. Na esteira da mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, convocamos o acórdão, proferido em 07.11.2019, no âmbito do processo n.º 317/17.5T8GDM.P1.S2, disponível em www.dgsi.pt, com o sumário seguinte: «I - Sobre a questão do estabelecimento de prazos de caducidade em matéria de estabelecimento da filiação, seja na vertente da investigação de paternidade ou maternidade, seja na impugnação da filiação registral, as teses mais radicais em confronto assentam, de um lado, no entendimento de que os prazos de caducidade actualmente existentes não violam a Constituição e, do outro lado, no entendimento de que o estabelecimento de qualquer prazo de caducidade nessa matéria será inconstitucional por violação do direitos fundamentais à identidade pessoal e ao livre desenvolvimento da personalidade, ao conhecimento da paternidade/maternidade, bem como ao estabelecimento das correspondentes relações de filiação. II - O TC é, nos termos da CRP (arts. 221.º e ss.) o órgão jurisdicional supremo em matéria de apreciação da constitucionalidade das normas de direito positivo em vigor no Estado Português. III - Tendo, recentemente, tal órgão decidido em Plenário (Acórdão do TC n.º 394/2019) que a norma constante do n.º 1 do art. 1817.º do CC, não é inconstitucional, seria dificilmente compreensível continuar a defender o contrário, quando a última palavra sobre a matéria pertence àquele tribunal.». W. Ao nível da mais recente jurisprudência do Tribunal Constitucional, tenha-se presente o Acórdão n.º 394/2019, proferido em 3 de Julho de 2019, cujo extracto foi publicado em Diário da República de 3 de Outubro de 2019, 2.ª Série, n.º 190, Parte D, pág. 160, no sentido seguinte: «Não julga inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009, na parte em que, aplicando-se às ações de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da ação, contado da maioridade ou emancipação do investigante.». X. Considere-se, por último, a jurisprudência pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), a qual, face às distintas soluções adotadas nas ordens jurídicas dos diversos Estados-membros que impõem limitações temporais ao exercício do direito de investigação da paternidade, tem defendido que «(…) a existência de um prazo limite para a instauração duma acção de reconhecimento judicial da paternidade não é, por si só, violadora da Convenção, importando verificar se a natureza, duração e características desse prazo resultam num justo equilíbrio entre o interesse do investigante em ver esclarecido um aspecto importante da sua identidade pessoal, o interesse do investigado e da sua família mais próxima em serem protegidos de demandas respeitantes a factos da sua vida íntima ocorridos há já muito tempo, e o interesse público da estabilidade das relações jurídicas.» (por todos, Acórdão n.º 401/2011). Em concreto para o caso Português, e a respeito da norma ora apreciação constante do artigo 1817.º, n.º 1 do CC, pronunciou-se o TEDH, no caso Silva e Mondim Correia versus Portugal, por decisão de 3 de Outubro de 2017, no âmbito das queixas n.os 72105/14 e 20415/15), no sentido do prazo de caducidade dela constante não ser violador do artigo 8.º da CEDH. Y. Em face de tais arestos, entendemos que dúvidas não pode haver quanto à questão da norma constante do artigo 1817.º, n.º 1 do CC não ser inconstitucional. Z. Uma última palavra, para se referir que os mandatários signatários entendem que o ser humano não sabe para onde vai, mas tem o direito de saber de onde vem, razão pela qual, em casos como o dos presentes autos – em que todos os prazos a favor de investigante se encontram clara e manifestamente ultrapassados –, entendem que os tribunais podiam adoptar uma solução que cindisse os efeitos pessoais dos patrimoniais, conferindo-se ao investigante o direito pessoal a ver estabelecida a sua filiação, sem se habilitar a qualquer efeito patrimonial que daí pudesse decorrer. E, nessa medida, sempre se estaria a dar ao investigante, sem margem para qualquer dúvida, o direito mais valioso que é o direito à sua identidade. Termos em que o recurso não merece provimento, com as legais consequenciais.”. E, por sua vez, a demandada B. A., sem apresentar conclusões, defendeu que o recurso deve improceder e a sentença deve ser confirmada, de facto e de direito. O recurso foi admitido como de apelação, a subir de imediato, nos autos, com efeito suspensivo. Corridos os Vistos legais e submetido o caso à apreciação e julgamento colectivo, cumpre proferir a decisão, uma vez que nada a tal obsta. II. QUESTÕES A RESOLVER Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos. Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC. No caso, importa apurar se: a) Deve ser modificada a decisão da matéria de facto quanto aos pontos impugnados. b) Deve ser alterada a decisão da matéria de direito relativamente ao juízo de constitucionalidade do prazo previsto no artº 1817º, CC. III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O tribunal a quo considerou relevantes e decidiu julgar como provados os seguintes factos: “1. O autor nasceu no dia -/8/1968 e foi registado como filho de V. F. – documento de fls. 7 vº. 2. O autor foi emigrante em França desde o ano de 1991 até 2018. 3. A mãe do autor manteve com o falecido L. H. relações de cópula completa nos primeiros 120 dias dos trezentos que antecederam o nascimento do autor. 4. Foi na sequência dessas relações sexuais que a mãe do autor engravidou, gestação da qual nasceu o autor. 5. O autor interpelou o falecido L. H. para que este assumisse a paternidade. 6. O autor acedeu a realizar um teste de ADN e, em Novembro de 2017, foi-lhe dito que o falecido L. H. era seu pai biológico. 7. Em Fevereiro de 2018 o réu propôs ao autor a subscrição do documento de fls. 8, cujo teor se dá aqui por reproduzido. [2] 8. Contra a subscrição desse documento, o autor recebeu a quantia de € 25.000,00 em cheque e a quantia de € 245.000,00 em numerário. 9. Na mesma data foi apresentada ao autor a minuta da carta junta a fls. 9 vº, que aqui se dá por reproduzida, para este copiar o respectivo teor, manuscrevê-la e datá-la, o que o autor fez. 10. O autor tem a quarta classe. 11. O falecido L. H. era homem de posses e pessoa reconhecida e estimada em Valença. 12. Há mais de vinte anos que o autor sabia que o falecido L. H. era seu pai. 13. O documento referido no ponto 7 resultou das negociações havidas entre os advogados do autor e do réu e foi aceite pelo réu para evitar o desgaste das acções judicias que o autor ameaçava propor. 14. O autor comprometia-se, com a assinatura do referido documento e após ter recebido a quantia de € 270,00, a não intentar acção com vista ao reconhecimento da paternidade.” Mais decidiu o tribunal recorrido julgar não provados os factos seguintes: “- A mãe do autor sempre se escusou a revelar-lhe entidade de seu pai; - Só no mês de Agosto de 2017, uma amiga da família revelou ao autor que seu pai era o réu L. H., o que só então foi confirmado pela sua mãe; - O autor apenas assinou os documentos referidos nos pontos 7,8 e 9 na convicção de os mesmos confirmarem ser o réu seu pai; - Nos últimos vinte anos o autor abordou o réu procurando respostas quanto à sua filiação; - No meio de Valença constava-se que o autor era filho do réu, rumor que se iniciou logo após ter decorrido processo de averiguação da paternidade; - Há vinte anos o autor abordou o réu no seu estabelecimento comercial dizendo que era seu filho e pedindo-lhe dinheiro pois estava com dificuldades financeiras; - Há cerca de 15 anos, numa casa que o réu tinha no Monte de …, disse ao réu, à frente de quem lá estava, que tinha a certeza que era seu filho; - Há 12 anos, no Restaurante C. V., no centro de Valença, perante quem lá estava disse ao réu que este era seu pai e que iria ter direito ao que lhe pertencia; - A última vez, o autor dirigiu uma carta ao réu em que reconhece que tem conhecimento que é seu filho há mais de 20 anos;” Para tal, expôs a seguinte motivação: “A decisão sobre a matéria de facto baseou-se na prova pericial, nas declarações de parte do autor e no depoimento das testemunhas, que se apreciaram em consideração da sua razão de ciência e as regras da experiência comum. Na dúvida sobre a realidade do facto decidiu-se contra a parte à qual o facto aproveita, cumprindo-se a regra estabelecida no art. 414º do CPC. Assim, quanto à prova da paternidade biológica, o tribunal assentou a sua convicção no relatório pericial de fls. 59 e ss, de onde resulta que a probabilidade de o falecido L. H. ser pai do autor é de 99,9999999999999%; No que respeita às declarações de parte do autor, este pouco acrescentou à matéria de facto por si alegada na petição inicial; de relevante, disse que apenas em Agosto de 2017, quando se encontrava de férias em Portugal, ficou a saber e o pai era o falecido L. H.; esse facto foi-lhe transmitido por uma amiga da mãe, a testemunha O. F.; o autor esclareceu ainda em que circunstâncias foi elaborado o documento referido no ponto 7, já depois de ter efectuado uma zaragatoa bocal para realização de teste de ADN; em Novembro, o seu advogado disse-lhe que o teste tinha dado positivo e, em Fevereiro de 2018 assinou o referido documento contra o recebimento de € 25.000,00; o restante dinheiro seria recebido mais tarde; mais referiu que o dinheiro que ficou acordado receber era uma compensação pelos “anos perdidos” e pelas dificuldades de ter crescido sem pai; afirmou ainda, que o seu único interesse, era ter o nome do seu pai (no entanto, quando confrontado com o facto de no documento em causa se prever uma “renúncia” a esse direito mediante o recebimento de uma contrapartida monetária, explica que apenas tem a quarta classe e que não teve consciência do que estava a assinar (!)); na mesma data copiou e assinou a carta junta a fls. 9 vº; por fim, de relevante, disse que enquanto emigrado em França tirou a carta de motorista, trabalhou nos camiões do lixo e, em 2008 e ss, trabalhou por conta própria; Quanto ao mais, foram considerados os depoimentos das seguintes testemunhas: - V. F., mãe do autor, que referiu que a gravidez do filho resultou de uma única relação intima com o réu; a testemunha referiu que o filho nunca lhe perguntou nada sobre quem era o seu pai, mas que se perguntasse diria; a sua amiga O. F., sabia há mais de 40 anos que o pai do filho era o Sr. L. H. e nunca lhe pediu para guardar segredo; - O. F., declarou conhecer a mãe do autor há muitos anos, assim como conhecia o réu; segundo esta testemunha, dizia-se que o pai do autor era o Sr. L. H.; a testemunha soube através do marido há muitos anos, muito tempo antes de este falecer; após um depoimento inicial um pouco confuso, a testemunha acabou por dizer que quando a filha tinha 19 anos (actualmente tem 42) foi a casa do autor tratar de uns papéis e disseram-lhe que o Sr. L. H. era seu pai; depois disso, nunca mais falaram no assunto; quando a mãe do autor lhe confidenciou quem era o pai do filha não lhe disse que já sabia; quando esteve com o autor em 2017, resolveu dizer-lhe que o pai estava muito doente (poucas pessoas sabiam disso), para ele “tratar do assunto” com um advogado; apesar de dizer que nessa altura o autor ficou “transtornado”, reafirmou que o autor já sabia há muitos anos quem era o pai; - M. P., declarou conhecer o autor desde os 4/5 anos e que apenas há um ano e meio ficou a saber, pela mãe do autor que este era filho do Sr. L. H.; mais referiu que em ... ninguém sabia quem era o pai do autor; - A. M., vizinho da mãe do autor, empregado de mesa de um restaurante onde era cliente habitual o falecido réu, comentou que uma vez, há cerca de 15 anos, ouviu o seu patrão perguntar-lhe sobre a paternidade do “rapaz”; mais referiu que há um ano o autor chamou-o e perguntou-lhe se sabia quem era o seu pai e a testemunha respondeu que era o “L.” (alcunha do réu); nessa altura, o autor disse que tinha confrontado o réu com isso e que ele tinha negado a paternidade; disse ainda que toda a gente sabia e comentava esse facto, que não era um segredo; dizia-se que o filho era a cara chapada do pai; - H. G., companheira do autor desde 2016, esclareceu que viveu com o auto rem França, mas regressaram a Portugal em 2018; esta testemunha mencionou que quando conheceu o autor, em 2016, este disse ser “apenas filho de mãe”; contou que em Agosto de 2017 a D. O. F. chamou o autor porque tinha um assunto importante para falar com ele e disse-lhe que o pai estava muito doente; foi nessa conversa que lhe foi revelado que o pai era o Sr. L. H.; de imediato deslocaram-se a um café onde o mesmo se encontrava e o autor foi falar com ele; no mesmo dia, o autor foi falar com o seu advogado, Dr. P. E. que iniciou conversações com o réu; dias mais tarde foi-lhe dado um kit para fazer um teste de AND, que foi feito e só em Novembro o referido advogado telefonou a dizer que o teste tinha dado positive e que havia uns documentos para assinar; vieram de França em Janeiro de 2018 e, no escritório do advogado do réu, o autor assinou um documento que dizia que o réu reconhecia ser seu pai e por esse motivo iria receber dinheiro. Além disso, o autor tinha de copiar uma carta fornecida pelo réu, à mão. Nesse dia o autor recebeu € 25.000,00, e mais tarde, quando recebesses o teste, receberia a restante parte do dinheiro. O dinheiro referido no documento assinado seria uma compensação ao autor, por nunca ter recebido nada do pai, mas o verdadeiro objectivo era que este fosse declarado pai do autor; - P. E., advogado, foi contactado pelo autor e participou na elaboração dos documentos juntos com a petição inicial (pontos 7 e 9 dos factos provados); de relevo, disse que a assinatura do documento referido no ponto 7 foi efectuada em casa do pai do Dr. R. S.; depois foram buscar o dinheiro a casa do réu, onde contaram o dinheiro. Perante estes depoimentos, temos de concluir que o autor há mais de vinte anos que sabe que o seu pai era o falecido réu L. H.; o depoimento da testemunha O. F., se bem que algo confuso no início, acabou por concretizar que foi quando a filha tinha 19 anos – por isso há mais de vinte anos, tendo em conta que actualmente essa filha tem 42 anos – que o autor ficou a saber desse facto; a conversa tida com o autor no Verão de 2017 deveu-se ao facto de o réu estar muito doente e de ela achar que o autor devia tratar do assunto com um advogado, sendo certo que até então, nas suas palavras, nunca se tinha preocupado em ter o nome do pai; esta testemunha revelou-se isenta e o seu depoimento circunstanciado mereceu credibilidade; já a testemunha H. G., revelou ter um evidente interesse na decisão da causa, com um depoimento em tudo semelhante à posição do autor nos autos, sem qualquer nota digna de registo; cumpre ainda referir que de acordo com o depoimento da testemunha A. M., toda a gente sabia e comentava que o réu era pai do autor, diziam que o autor era a “cara chapada” do réu; perante isto, difícil é de acreditar que o autor não tivesse ele próprio ouvido esses comentários; por fim, difícil é de acreditar que o autor nunca perguntou à mãe sobre quem era o pai, o que aliás é alegado na petição inicial, quando a mãe do disse que o filho nunca lhe perguntou e que se este o tivesse feito lhe teria dito, pois não fazia segredo disso (!). Todas estas considerações determinaram que se desse como provado que o autor sabia, há mais de vinte anos que o réu era seu pai. Finalmente, no que respeita aos documentos referidos nos pontos 7 e 9 dos factos provados, não mereceu credibilidade a alegação, por parte do autor, que apenas os assinou na convicção de os mesmos confirmarem ser o réu seu pai ou que no futuro o réu assumiria a paternidade; não só os documentos não dizem isso, como, na realidade, apontam em sentido contrário; no primeiro documento, o réu, não reconhecendo a paternidade do autor, comprometia-se a pagar determinada quantia em dinheiro ao autor para evitar futuras acções; no segundo documento, a carta que o autor teve de copiar, à mão, dizia que sabia que era filho do réu desde os 18 anos; perante isto, o autor, que sabe ler e escrever (note-se que o mesmo tirou carta de condução em França e trabalhou por conta própria naquele país, revelando ser pessoa informada) e estava acompanhado de advogado, não pode sustentar o desconhecimento do teor dos referidos documentos. Os restantes factos não provados ficaram a dever-se à falta de prova quanto à veracidade dos mesmos.” IV. APRECIAÇÃO Questão de facto Com observância das regras exigidas no artº 640º, CPC, impugna o recorrente a decisão quanto ao ponto provado nº 12, segundo o qual, “Há mais de vinte anos que o autor sabia que o falecido L. H. era seu pai.” E, bem assim, quanto ao segundo parágrafo dos não provados, que refere como tal: “Só no mês de Agosto de 2017, uma amiga da família revelou ao autor que seu pai era o réu L. H., o que só então foi confirmado pela sua mãe”. Defende que, não tendo aquele, ao contrário do que deveria, sido julgado não provado, deve sê-lo agora. E, do mesmo passo, que este deve agora ser julgado provado. Baseia-se, para tanto, em extractos do depoimento da testemunha O. F., cerca dos minutos 24 e 25 da respectiva gravação, do qual considera não resultar claro que, ao contrário do que foi entendido pelo tribunal a quo, o autor tivesse conhecimento há mais de duas décadas que o primitivo e ora falecido réu era seu pai, pois que foi aquela quem, apenas em Agosto de 2017, tal lhe revelou. Vale-se, ainda, de parcela do depoimento gravado entre cerca dos minutos 2 e 4 da testemunha A. M., do qual extrai que este afirmou peremptoriamente que o autor desconhecia a identidade de seu pai, tanto que lho perguntou em Maio de 2018, coisa que, em face das regras da experiência comum, não teria perguntado se já antes o soubesse. Argumenta ainda que só aquela revelação despoletou as suas diligências investigatórias, contactos e negociações, salientando, ainda, a circunstância de só em 07-02-2018 (já depois do acordo/pagamento), o pretenso pai ter outorgado testamento a instituir como herdeiros seus sobrinhos. O recorrido A. P., contrapondo, salientou que deve ser tida em conta a globalidade do depoimento da referida testemunha O. F., do qual, como sintetiza na alínea g), das suas conclusões, resulta que esta lhe fizera a revelação há mais de 20 anos e que, quando o abordou de novo em Agosto de 2017, o propósito foi comunicar-lhe que o réu se encontrava doente e para tratar de defender os respectivos direitos mediante contratação de advogado. Sublinhou, ainda, quanto ao depoimento da testemunha A. M., que, como dele resulta e resume na alínea h), o assunto era conhecido e comentado em Valença e que não foi da conversa entre ambos que resultou a novidade para o autor. Acrescenta, de resto, nas alíneas i) a q) das mesmas conclusões, outros elementos e argumentos com que defende que a decisão sobre os dois pontos questionados deve ser confirmada. Por sua vez, a recorrida B. A., sustentando o mesmo ponto de vista, salienta também que as transcrições dos dois depoimentos, parcelares e subjectivamente interpretadas pelo recorrente, são irrelevantes e de sentido desconforme ao que, global e verbalmente, exprimiram as testemunhas. Ora, como se colhe da motivação acima transcrita constante da sentença recorrida, a convicção do tribunal a quo assentou, sobretudo, quanto à questionada matéria, na parte do depoimento da testemunha O. F., pois “se bem que algo confuso no início, acabou por concretizar que foi quando a filha tinha 19 anos – por isso há mais de vinte anos, tendo em conta que actualmente essa filha tem 42 anos – que o autor ficou a saber desse facto; a conversa tida com o autor no Verão de 2017 deveu-se ao facto de o réu estar muito doente e de ela achar que o autor devia tratar do assunto com um advogado, sendo certo que até então, nas suas palavras, nunca se tinha preocupado em ter o nome do pai; esta testemunha revelou-se isenta e o seu depoimento circunstanciado mereceu credibilidade”. Corroborou-o, aliás, com o depoimento de A. M., segundo o qual “toda a gente sabia e comentava que o réu era pai do autor, diziam que o autor era a “cara chapada” do réu”. Por isso, e em conjugação com a demais prova apreciada, concluiu que difícil é de acreditar que o autor não tivesse ele próprio ouvido esses comentários” e que “é de acreditar que o autor nunca perguntou à mãe sobre quem era o pai, o que aliás é alegado na petição inicial, quando a mãe do disse que o filho nunca lhe perguntou e que se este o tivesse feito lhe teria dito, pois não fazia segredo disso (!)”. Assim, em seu juízo, “Todas estas considerações determinaram que se desse como provado que o autor sabia, há mais de vinte anos que o réu era seu pai.” Em face disto, ouvimos, na íntegra, os depoimentos das duas testemunhas salientadas pelo recorrente. E, após isso, não nos restam quaisquer dúvidas. A decisão recorrida, quanto aos dois pontos de facto questionados, não enferma de erro de julgamento que por nós deva ser corrigido. Tendo em conta os argumentos recíproca e estrategicamente tecidos nos articulados em torno dos factos cruciais e, designadamente, dos motivos que presidiram às negociações conducentes à assinatura dos documentos e pagamento/recebimento (pelo réu ao autor) da quantia nele mencionada; independentemente e sem curar do sentido, validade e eficácia das declarações nestes vertidas pelo autor, mormente quanto à confissão dos factos atinentes ao conhecimento da sua paternidade e renúncia ao direito de a ver reconhecida judicialmente; à parte os demais meios de prova manifestamente interessados e comprometidos (declarações do autor J. C., depoimentos da sua mãe V. F. e da sua companheira H. G.), a testemunha O. F., amiga muito próxima do autor e notoriamente sintonizada com os seus interesses, conhecedora do problema e das suas implicações (quanto à filiação, por ter sido funcionária da Conservatória, e ao património do réu, por o conhecer bem), inquieta com a longa passividade (quiçá também motivada pela sua condição de emigrante durante muitos anos) daquele, sabedora da idade avançada e doença do pretenso pai que poderia frustrar quaisquer aspirações ao respectivo acervo muito avultado em benefício exclusivo dos sobrinhos – o que na sua opinião seria um desfecho injusto – embora, como nos parece óbvio, a princípio algo hesitante e, por isso, confusa em precisar factos essenciais que bem sabia comprometedores da versão do autor e, por isso, notoriamente condicionada pelo empenho em narrar e repisar apenas que só em Agosto de 2017 lhe disse quem era o pai, que este estava doente e que tinha de tratar do assunto e, portanto, de afinar aquilo que ia dizendo pela versão do autor e demais testemunhas dele próximas, acabou por, em tom sereno e firme, de modo espontâneo e com aparência de fundado e fidedigno e, enfim, credivelmente, narrar com clareza os motivos (para lhe tratar de uns papéis) e as circunstâncias objectivas (quando sua filha, que tem agora 42 anos, tinha a idade de 19, a depoente e seu marido foram a casa do autor) em que, há portanto mais de 20 anos, este tomou conhecimento (por revelação nessa ocasião e local ao mesmo feita por aquele seu falecido cônjuge) de que o pai era o falecido L. H. e distinguir essa comunicação e tomada de conhecimento, que repetidamente acabou por confirmar, do motivo, sentido, termos e objectivo da conversa, apenas inicialmente enfatizada (a reboque da instância), com ele tida em 2017 sobre o previsível decesso próximo do mesmo, deixando bem explícito que não foi, afinal, aí que lhe deu e ele tomou conhecimento, como novidade, de quem era seu pai nem por isso e para isso que o procurou nessa altura, mas sim que o alertou para a necessidade de arranjar um “bom advogado” e tratar de defender os seus interesses, mormente os relativos ao património, pois que ele nem tinha herdeiros legitimários e seria uma “inconsciência” ficar tudo para os sobrinhos, tendo sido este cenário que o deixou “transtornado” e não a surpresa de só então ter conhecido a identidade do seu progenitor. Sendo disto exemplo várias passagens do seu depoimento transcritas, aliás, nas contra-alegações e que afastam qualquer ilação diversa porventura retirável da parcela transcrita pelo recorrente como este pretendia, ela própria, portanto, fez desmoronar a versão do autor inserta na petição de que fora esta testemunha (a tal amiga O. F.) quem, em Agosto de 2017, lhe revelara a identidade do pai até aí de si totalmente desconhecida. Ouvido também o depoimento integral da testemunha A. M. não se retira dele qualquer afirmação fundada e peremptória de que o autor, quando o abordou, em Maio de 2018, desconhecia ainda quem era o pai. Certo que disse pensar isso mas esclareceu que não sabia. Pelo contrário, a testemunha foi bem clara e assertiva ao afirmar que o tema da paternidade do autor não era tabu em Valença e que toda a gente sabia e comentava imputando-a ao L. H. justificando que aquele é a “cara chapada” deste. Relatou, aliás, que o seu falecido patrão (dono do restaurante onde trabalha e o réu era cliente assíduo) o chegou a confrontar, sem qualquer discrição, no estabelecimento, sobre o assunto, há uns 15 anos, não tendo ele feito qualquer comentário incomodado com tal publicidade ou a rejeitar a imputação, embora manifestando desinteresse em resolvê-lo. A circunstância de, naquela altura, o autor ter abordado a testemunha interpelando-o com a pergunta sobre se sabia quem era o seu pai – para o que a própria considera não encontrar razão, nem nele ter notado qualquer surpresa em face da resposta dada – não se prende, evidentemente, com a busca da verdade até aí desconhecida mas, presumivelmente, com a necessidade de arrolar testemunhas no processo judicial que então estava a preparar e que o conselho e informação da testemunha O. F. havia impulsionado. Sabendo esta e seu marido, há mais de 20 anos, sabendo a testemunha F. (do qual a mãe do autor foi colega quando esta também trabalhou no restaurante) e seu patrão há mais de 15, tendo corrido processo de averiguação oficiosa de paternidade na qual foram ouvidas várias pessoas com a consequente difusão alargada, se não pública, do assunto, não é crível e por isso não pode suscitar-se a menor dúvida de que o autor, pessoa com conhecimento e experiência de vida, de todo ignorava a quem era imputável a sua paternidade e só em Agosto de 2017 disto foi informado pela referida testemunha. De resto nem o seu comportamento espelhado no processo revela a sua surpresa. Pelo contrário. A sua afirmação de que sempre questionou a mãe e sempre esta se recusou esclarecê-lo a pretexto de alegado pudor, não se harmoniza – e até o descredibiliza –, com o depoimento dela no sentido de que nunca ele lhe fez qualquer pergunta, pois se a tivesse feito tê-lo-ia esclarecido, como é lógico face ao que ela própria relatou, espontaneamente e sem constrangimento, em tempos, à testemunha O. F., como esta disse, e era propalado em Valença. Tal como do do réu, ao outorgar testamento em 07-02-2018 a favor dos seus sobrinhos e nele salvaguardando que, na hipótese de vir a suceder-lhe algum herdeiro legitimário, lhes deixava a quota disponível, não pode deduzir-se que só então ele foi confrontado com a interpelação do autor e que esta se deveu ao facto de este só então ter tomado conhecimento de que a ele era imputada a paternidade. A eventual “precipitação” pode justificar-se, tão só, pelos 88 anos de idade (nasceu em 09-03-1030) e pela doença que o acometera (garantida pela testemunha O. F. e a levara a alertar o autor), pois que há muito contava ele certamente com o risco (embora atenuado pela longa passividade do autor e pelo desfecho da averiguação oficiosa de paternidade) de vir a ser chamado a assumir a propalada responsabilidade, e, ainda, pela desconfiança quanto à atitude deste apesar do negócio feito, dos papéis assinados e do valor recebido em contrapartida. Tanto basta, pois, para se concluir que nenhum erro de julgamento existe nem têm as alegações do apelante o condão de evidenciar e que, portanto, deve improceder, nesta parte, o recurso e manter-se a decisão da matéria de facto na íntegra. Questão de direito Entendeu o tribunal recorrido que, “no caso em apreço, apesar de ter resultado não provado que o autor tivesse abordado o réu sobre a sua paternidade nos últimos vinte anos, ficou provado que aquele sabia, há mais de vinte anos, que o falecido L. H. era seu pai. Assim, temos de concluir que o direito de interpor a acção caducou não podendo o autor lançar mão do prazo previsto na al. b) do nº 3 do art. 1817º do CC, sendo certo que também o prazo geral de 10 anos previsto no art. 1817º há muito estava ultrapassado (Agosto de 1996).” Efectivamente, tendo o autor nascido em ..-08-1960 e, portanto, atingido a maioridade legal em ..-08-1978 e tendo instaurado a presente acção em 11-06-2018, é evidente que há muito se tinha esgotado (1988) o prazo previsto para o efeito no nº 1, do artº 1817º, do CC. Sem embargo, poderia a mesma, ainda, ter sido ainda proposta nos três anos posteriores ao conhecimento superveniente por ele de factos ou circunstâncias que possibilitassem e justificassem a investigação, de acordo com a alínea c), do nº 3, do citado artigo. Face ao insucesso da impugnação da decisão de facto, queda-se como assente que os factos e circunstâncias alegados pelo autor – de que só em Agosto de 2017 a testemunha sua amiga (O. F.) lhe fez a revelação – resultaram não provados e que, pelo contrário, há mais de 20 anos que ele o sabia. [3] Só, portanto, não operaria fatalmente a caducidade no caso de a norma do artº 1817º balizadora de prazos para o efeito ser considerada inconstitucional e, por isso, dever desaplicar-se, assim se removendo o aludido efeito extintivo e vigorando a direito de acção. Não foi isso que na sentença recorrida se entendeu, já que esta, mormente ancorando-se no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 394/2019, de 3 de Julho, optou e decidiu pela tese da constitucionalidade. Ora, igual posição sempre foi abraçada pelo aqui Relator, nem sempre por unanimidade. O último dos acórdãos em que tal sucedeu – com douto voto de vencido da 1ª Adjunta – foi o de 30-01-2019, proferido no processo 503/18.0T8VNF.G1, confirmado, aliás, pelo do STJ, de 12-09-2019. Como é por todos sabido, estão esgotados os argumentos num e noutro sentido e seria, além de inútil, fastidioso, repeti-los e esgrimi-los aqui. Numa altura em que o STJ parecia encontrar-se dividido, o Acórdão do TC nº 488/2018, de 4 de Outubro, do Tribunal Constitucional, gerou a expectativa de aí vir a inverter-se o sentido maioritário até então seguido. Sucedeu que o Acórdão nº 394/2019, de 3 de Julho, proferido em Plenário, embora sempre com vários votos de vencido, retomou a orientação anterior e revogou até aquele outro, proferido em Secção, e, assim, aliás, o Acórdão desta Relação de Guimarães de 02-02-2017, proferido no processo 1660/16.6T8VCT. [4] Embora o tema prevaleça controverso e provavelmente só por via legislativa possa/deva ser alcançada solução mais aceitável, a verdade é que o Supremo Tribunal de Justiça tem corroborado o Tribunal Constitucional, sobretudo enfatizando o citado Acórdão 394/2019. Assim, como se sumaria nos arestos de 07-11-2019 [5] e de 10-12-2019 [6], respectivamente: “I - Sobre a questão do estabelecimento de prazos de caducidade em matéria de estabelecimento da filiação, seja na vertente da investigação de paternidade ou maternidade, seja na impugnação da filiação registral, as teses mais radicais em confronto assentam, de um lado, no entendimento de que os prazos de caducidade actualmente existentes não violam a Constituição e, do outro lado, no entendimento de que o estabelecimento de qualquer prazo de caducidade nessa matéria será inconstitucional por violação do direitos fundamentais à identidade pessoal e ao livre desenvolvimento da personalidade, ao conhecimento da paternidade/maternidade, bem como ao estabelecimento das correspondentes relações de filiação. II - O TC é, nos termos da CRP (arts. 221.º e ss.) o órgão jurisdicional supremo em matéria de apreciação da constitucionalidade das normas de direito positivo em vigor no Estado Português. III - Tendo, recentemente, tal órgão decidido em Plenário (Acórdão do TC n.º 394/2019) que a norma constante do n.º 1 do art. 1817.º do CC, não é inconstitucional, seria dificilmente compreensível continuar a defender o contrário, quando a última palavra sobre a matéria pertence àquele tribunal.”. “I - É entendimento do Tribunal Constitucional que o legislador ordinário goza de liberdade para submeter as ações de investigação da paternidade a um prazo preclusivo, desde que acautelado o conteúdo essencial dos direitos fundamentais em causa, cabendo-lhe fixar, dentro dos limites constitucionais admitidos pelo respeito pelo princípio da proporcionalidade II - Assim sendo, ainda que se aceite o direito à verdade biológica e ao estabelecimento do respetivo vínculo jurídico como direitos fundamentais, isso não impede que o legislador possa harmonizar ou até mesmo restringir o exercício de tais direitos em função de outros interesses ou valores igualmente tutelados, na medida em que não estamos perante direitos absolutos. III - No âmbito das ações de investigação de paternidade não assiste apenas a tutela do interesse da pessoa que pretende saber quem são os seus pais e estabelecer o inerente vínculo; assiste, igualmente, a concreta proteção dos investigados e suas famílias, cuja tutela não pode deixar de ser considerada, sendo precisamente a necessidade de harmonização de cada um destes interesses com o interesse público da segurança jurídica e da estabilidade social e familiar que legitima que o legislador estabeleça os prazos em apreço (para a propositura de ação de investigação da paternidade), não sendo, assim, injustificado nem excessivo fazer recair sobre o titular do direito um ónus de atuação diligente quanto à iniciativa/impulso processual para o apuramento definitivo da filiação, não fazendo prolongar ad aeternum, através de um regime de imprescritibilidade, uma situação de incerteza que não é desejável. III - Daí que, por ser conforme à jurisprudência constitucional, seja de concluir que a fixação legal de prazos de caducidade para a propositura de ações de investigação da paternidade, desde que tais prazos se mostrem proporcionados ou razoáveis, não ofende o núcleo essencial dos direitos fundamentais à integridade e identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade e de constituir família, nos termos dos arts. 16º, nº 1, 18º, nº 2, 26º, nºs 1 e 3, e 36º, nº 1, todos da Constituição da República Portuguesa.” [7] Prevalecendo, pois, válidos os argumentos já antes assumidos em sustento deste entendimento e respectiva corrente jurisprudencial, com eles se continuando a concordar e, por isso, a aderir-lhe sem que mais haja para acrescentar e atendendo, ainda, à reiterada e renovada posição do Tribunal Constitucional que a prudência e o pragmatismo aconselham a acatar, considera-se não verificada a arguida inconstitucionalidade, sendo de julgar improcedente, também nesta parte, o recurso e devendo, consequentemente, confirmar-se a sentença. V. DECISÃO Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida. * Custas da apelação pelo apelante – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).* * * Notifique. Guimarães, 24 de Setembro de 2020 Este Acórdão vai assinado digitalmente no Citius, pelos Juízes-Desembargadores: Relator: José Fernando Cardoso Amaral Adjuntos: 1ª - Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo [Com Declaração de Voto] 2º - Eduardo José Oliveira Azevedo Declaração de voto da 1ª Adjunta Tenho vindo a defender a inconstitucionalidade do prazo estabelecido no artº 1817º, nº1 do CC , aplicável às ações de investigação de paternidade, em conformidade com o que também foi entendido em diversos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, pelas razões que melhor se desenvolvem no Ac. deste TRG proferido no processo 1660/16.6T8VCT que se encontra publicado. Muito recentemente, chamado de novo o Plenário do Tribunal Constitucional a pronunciar-se sobre a questão, precisamente no processo 1660/16, repetiu o juízo de constitucionalidade do referido preceito legal, embora por decisão com diversos votos de vencido (Ac. 394/2019, de 3 de Julho). Tendo em conta a reiteração recente sobre o juízo de constitucionalidade da norma em questão, entendo ser de votar o presente acórdão, pois como se refere no Ac. do STJ de 07-11-2019, citado na decisão que antecede,” seria dificilmente compreensível continuar a defender o contrário, quando a última palavra sobre a matéria pertence àquele tribunal”. 1. Esta confissão do recebimento foi, na sequência de declarações do autor na audiência, “retirada” por requerimento de 15-11-2019 (artº 465º, nº 2, CPC), mas, dada a oposição do réu com fundamento em ter aceite o facto na contestação, foi o mesmo indeferido. 2. Desse documento, segundo a síntese dele vertida na petição, consta que: “• Declara o autor que há mais de dez anos sabia ser o réu seu pai biológico; • Já havia abordado o réu nesse sentido há mais de vinte anos; • Não intentou qualquer acção nesse sentido não obstante estar ciente da circunstância referida nos pontos precedentes; • Desde o ano de 2015 que tem vindo a tentar contacto com o réu, que sempre negou ser seu pai; • À data da subscrição da “declaração”, o réu aceitou pagar ao autor, que recebeu, o valor de 270 000,00 € (duzentos e setenta mil euros) em numerário, para evitar toda e qualquer acção judicial com vista ao estabelecimento a filiação; • Semelhante pagamento apenas ocorreu para evitar recurso à via judicial, renunciando expressamente o autor ao direito de acção; • Na eventualidade de o autor intentar acção de investigação de paternidade, constitui-se na obrigação de restituir ao réu o valor recebido, acrescido do montante de 100 000,00 € (cem mil euros) a título de cláusula penal e de compensação por danos morais, mesmo que a acção seja proposta após o decesso do ora réu; • Caso o aludido montante não seja tempestivamente restituído, obriga-se ainda o autor a pagar o valor de 1000,00 € (mil euros) por cada dia de atraso no cumprimento; • O autor renuncia ao direito de acção atinente ao estabelecimento da filiação em relação ao ora réu, reconhecendo expressamente já o mesmo ter caducado.” 3. Face à ausência de qualquer dúvida não se coloca o problema da aplicação do artº 414º , CPC, nem, portanto, da atribuição, no caso, do ónus da prova, questão também não consensual mas em que predomina o entendimento sufragado pelo STJ, de que ele impende sobre o investigante – cfr. Acórdãos de 09-03-2017, processo nº 759/14.8TBSTB.E1.S1, de 04-05-2017, processo nº 2886/12.7TBBCL.G1.S1, de 13-03-2018, processo nº 2947/12.2TBVLG.P1.S1, e de 05-06-2018, processo nº 65/14.8T8FAF.G1.S1. 4. Relatado pela aqui 1ª Adjunta e então tirado por unanimidade. 5. Processo nº 317/17.5T8GDM.P1.S2. 6. Processo 211/17.0T8VLN.G1.S2, que, aliás, confirmou o desta Relação de 17-12-2018. 7. Idêntica posição foi tomada, mais recentemente, no Acórdão de 23-01-2020, de acordo com o sumário inserto na CJ (S), nº 302, páginas 212 e 213.

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