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Acórdão TCA Sul de 2011-09-29

07937/11

TribunalTribunal Central Administrativo Sul
Processo07937/11
SecçãoCA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão2011-09-29
RelatorCristina dos Santos
DescritoresRegisto de Aim em Procedimento Comunitário Centralizado, Acto Administrativo, Competência dos Tribunais da Jurisdição Comum, Conteúdo da Patente – Âmbito Tecnológico de Protecção, Aim – Condição do Procedimento de Pvp, Aim - Relação Jurídica Poligonal ou Multipolar

Sumário

1. Os actos de registo emitidos pelo Infarmed de AIM’s concedidas em procedimento centralizado por órgão comunitário, v.g. sobre medicamentos genéricos, têm a natureza de acto administrativo – cfr. artº 54º nº 2 do DL 176/06 de 30.08 e Deliberação 147/CD/2008 do Conselho Directivo do Infarmed. 2. Os litígios em matéria substantiva regulada no Código da Propriedade Industrial – v.g. sobre o âmbito do conteúdo técnico das reivindicações – competem aos Tribunais da jurisdição comum. 3. A reivindicações traduzem os elementos de natureza técnica (considerações, meios e efeitos técnicos) que caracterizam o invento, de tal maneira que esses elementos ou características devem ser os necessários para definir o produto reivindicado ou executar o método reivindicado – artº 62º nº 1 a) e nº 3, CPI/2003, DL 36/2003 de 05.03. 4. O âmbito tecnológico de protecção conferido pela patente é definido pelos resultados interpretativos do conteúdo ou teor das reivindicações, servindo a descrição e os desenhos para as interpretar - artº 97º nº 1 in fine, CPI/2003. 5. A iniciativa económica privada da comercialização de medicamentos de uso humano é uma actividade fortemente regulada expressa na intervenção permissiva do Estado objectivada nos actos de autorização de introdução no mercado (AIM) e de fixação do preço máximo de venda ao público (PVP), cujo procedimento se inicia a requerimento do interessado – artº 64º nº 3 e), CRP. 6. A autorização de introdução no mercado (AIM), da competência do INFARMED, tem por finalidade remover o limite de exercício do direito pré-existente da iniciativa económica privada, constitucionalmente configurado - artºs. 14º/1, 15º/1 e 23º/1, DL 176/06 de 30.08; artº 61º, CRP. 7. A fixação do PVP compete à Direcção Geral de Empresa (DGE), devendo os titulares da AIM formular a sua proposta de preços, passível de autorização tácita decorridos que sejam, no tocante aos genéricos, 45 dias sobre a entrada do pedido, sem prejuízo de eventuais suspensões em caso de solicitação de elementos ao requerente - artºs. 1º nº 1, 2º e 4º, Portaria 300/A/07, de 19.03. 8. O acto administrativo de AIM assume a natureza de condição do procedimento a desencadear pelo interessado junto da DGE para fixação dos máximos de PVP - artº 77º /1/3, DL 176/06 de 30.08 e artº 1º/1, Portaria 300/A/07 de 19.03. 9. A natureza poligonal ou multipolar da situação jurídica administrativa em que se insere o acto de concessão de AIM fundamenta a legitimidade de intervenção de terceiros titulares de direitos exclusivos assentes em patente/certificado complementar de protecção (CCP) do medicamento de referência, no procedimento autorizativo para o medicamento genérico e de controlo participado no iter de formação da decisão, ao abrigo do estatuto jurídico de contra-interessados - artºs. 52º e 53º, CPA. 10. Tendo a lei afastado expressamente o efeito preclusivo da norma de justificação, o titular de AIM não pode prevalecer-se de nenhum efeito justificativo ao abrigo da concessão da autorização, contra eventuais pretensões de terceiros titulares de patente/CCP lesados pela comercialização de genéricos na vigência da protecção do exclusivo – artºs. 14º/4 e 29º/1 n), DL 176/06 de 30.08. 11. A concessão de AIM de medicamentos genéricos na pendência da vigência de patente/CCP sobre a substância activa dos medicamentos de referência e obtido o PVP, constituem causa provável, em juízo de normalidade, de decréscimo do volume de negócios e descida de réditos, probabilidade fáctica notória no sentido adjectivo do artº 514º nº 1 CPC, que não carece de prova, não sendo necessário trazer à acção cautelar as demonstrações financeiras dos dois ou três últimos anos para, a partir delas, extrapolar projecções contabilísticas de perdas operacionais e decréscimo de proveitos e ganhos de exercício.


Texto Integral

A...- A...AG, com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, dela vem recorrer, concluindo como segue: 1. O que importa analisar e decidir é se um acto administrativo que concede uma autorização de comercialização de um medicamento genérico que irá violar uma patente válida e em vigor, é inválido porque ilegal e, por isso, se for concedido pelo Infarmed e/ou pela DGAE, deve ser anulado pelo tribunal. 2. Colocada correctamente a questão, ao Tribunal a quo só restaria concluir que as AIM impugnadas deveriam ser declaradas nulas ao abrigo dos artigos 135° e 133°, n.° 2 c) e d) do CPA, uma vez que levantam barreiras administrativas referentes à exploração de medicamento genérico, e logo violação, pelas Contra-Interessadas, da Patente. Tendo como consequência o permitir a violação de normas constitucionais (nomeadamente os artigos 62° e 266° da Constituição), que visam a protecção de um direito fundamental. 3. Sendo irrelevante, para os presentes autos, o processo pelo qual a AIM foi obtida, uma vez que, mesmo que através de procedimento centralizado exige o registo da AIM no Infarmed, sendo tal registo da AIM obtida através do procedimento centralizado é um acto administrativo, susceptível de impugnação contenciosa. 4. Com a patente é conferido ao seu titular o direito exclusivo de explorar a invenção em qualquer parte do território português, sendo que tal corresponde ao direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, qualquer actuação que viole essa patente, seja o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio. 5. Nos termos do artigo 316° do Código da Propriedade Industrial, o direito exclusivo emergente da titularidade de uma patente, goza das garantias estabelecidas para a propriedade em geral. Assim, é-lhe atribuída específica protecção constitucional, como direito fundamental tendo a natureza de "direitos, liberdades e garantias", beneficiando do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17° da Constituição. 6. Neste sentido tem entendido a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul, como defendido nos acórdãos proferidos no Processo n.° 3887/08; Processo n.° 3886/08, Processo n.° 4265/08; Processo n.° 4219/08, Processo n.° 4034/08 e mais recentemente Processo No. 05803/09. 7. Sempre que não respeite o principio da legalidade, o acto de concessão de AIM a um medicamento, sendo um acto administrativo cujo objecto é o da viabilização jurídica da actividade de comercialização desse medicamento no território nacional, actividade essa que, doutro modo, estaria interdita ao interessado, dele decorrendo, além disso, a imposição ao seu titular do dever de exercício dessa mesma actividade, será ilegal. 8. O princípio da legalidade contém um comando legal de obediência à lei e ao Direito que obriga a uma total conformidade com todo o ordenamento jurídico, sendo que a ausência dessa conformidade constitui infracção ao ordenamento jurídico e tem como consequência a invalidade da actividade administrativa. 9. As AIM impugnadas devem ser declaradas nulas, nos termos do artigo 133° n° 2 alínea d) do Código de Procedimento Administrativo, uma vez que ofendem o conteúdo essencial de um direito fundamental - os Direitos de Propriedade Industrial da Recorrente emergentes da Patente. 10. A principal missão da providência cautelar administrativa é a de garantir a utilidade efectiva da sentença a proferir na acção principal, sendo que o risco primordial a ser evitado no quadro das providências cautelares é, exactamente, o do facto consumado, isto é, o da decisão na acção principal se tornar absolutamente inútil. 11. Só se tal risco se não se verificar é que serão de considerar os "prejuízos de difícil reparação". 12. Da emissão da AIM que se pretende anular resultará um facto consumado que retirará toda a utilidade a essa acção, tornando-se, assim, imperiosa e urgente a emissão de uma medida cautelar adequada a assegurar a utilidade da sentença a proferir na acção principal. 13. Mas mesmo se assim não fosse considerado, o não decretamento desta providência causará danos imateriais de reparação difícil. 14. A comercialização dos medicamentos genéricos irá implicar que a Recorrente fique, contra a sua vontade, privada do uso e fruição do exclusivo concedido pela Patente de que é titular, equivalendo essa situação à privação, com violência, do direito de propriedade de um bem pertencente à ora Recorrente. 15. Trata-se de uma ofensa ao direito da Recorrente, causador de um dano imaterial, consistente na retirada temporária de uma parte do activo da Recorrente, o qual não poderá ser reparado mesmo que, na sequência de uma decisão condenatória, lhe viesse a ser atribuída uma compensação de natureza financeira. 16. De facto, tal compensação seria insusceptível de reintegrar a Recorrente no gozo do seu direito ao monopólio legal da comercialização do invento. 17. Se a providência não for concedida com base no argumento de que a Recorrente sempre poderia vir a ser compensada pelos prejuízos sofridos, tal iria contrariar o princípio basilar da acessoriedade da indemnização em relação à reconstituição natural e iria violar o princípio constitucional da efectiva protecção decorrente do artigo 20°, n° 4 da CRP. 18. O facto de os danos resultarem da comercialização dos medicamentos genéricos pelas Contra-lnteressadas não os desqualifica para efeitos da sua apreciação, uma vez que não têm que ser actuais mas sim, precisamente, futuros, no teor inequívoco da alínea b) do n° 1 do artigo 120° do CPTA. 19. Acresce que a lei não exige que os danos futuros, que ao caso interessam sejam de ocorrência certa, mas sim que se verifique um justificado receio de que danos venham a ocorrer se a providência não for decretada, ou seja, que os danos sejam prováveis. 20. A aplicação correcta do princípio da teoria da causalidade adequada ao caso dos autos leva-nos a concluir que a autorização administrativa para a introdução no mercado de um medicamento é causa adequada dos danos produzidos por essa introdução, uma vez que ela é condição desses danos actuando adequadamente para que se produzam. 21. A ora Recorrente alegou factos que são suficientes para a demonstração do fundado receio de vir a sofrer prejuízos importantes e de difícil reparação. 22. A providência requerida deve ser decretada porque se verificam todos os pressupostos legais para o seu decretamento. 23. Tendo em conta o que foi provado nos presentes autos, conclui-se facilmente que os danos que resultariam da concessão da providência são manifestamente inferiores àqueles que podem resultar da sua recusa. 24. As Contra-lnteressadas não alegaram quaisquer prejuízos próprios decorrentes do decretamento da providência e mesmo que se verificassem, nunca seriam superiores aos da Recorrente, ao contrário do que é exigido pelo n° 2 do artigo 120° do CPTA para que as providências possam ser recusadas. 25. A decisão recorrida violou e fez uma interpretação errada de diversos normativos legais, entre eles encontrando-se os artigos 511° do CPC, 563° do Código Civil, artigos 112° e 120° n° 1 a) e b) do CPTA, artigos 133° n° 2 c) e d) do CPA e artigos 18°, 62° e 266° da Constituição. 26. O Tribunal Central Administrativo Sul tem concedido processos cautelares exactamente iguais ao dos presentes autos, com os mesmos argumentos apresentados pela ora Recorrente, através dos Acórdãos, entre outros, de 11 de Setembro de 2008 (Processo n° 3782/88), de 18 de Setembro de 2008 (Processo 3886/08), de 2 de Outubro de 2008 (Processo n.° 4265/08), de 17 de Outubro de 2008 (Processo n.° 04219/08), de 30 de Outubro de 2008 (Processos n.°s 4205/08 e 4232/08), de 6 de Novembro de 2008 (Processo n.° 3993108), de 13 de Novembro de 2008 (Processo n.° 4231/08), de 4 de Dezembro de 2008 (Processo n.° 4351/08), de 22 de Janeiro de 2009 (Processo n.° 4614/08), de 12 de Fevereiro de 2009 (Processo n.° 3990/08), de 14 de Maio de 2009 (Processo n.° 4564/08), de 10 de Setembro de 2009 (Processos n.° 5333/09 e 5384/09) e mais recentemente a 28 de Janeiro de 2010 (processo nº. 05803/09). Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente ser a decisão recorrida revogada e substituída por decisão que decrete a providencia nos termos requeridos. * A Contra-Interessada C...– Indústria Farmacêutica, SA contra-alegou, concluindo como segue: 1. A Recorrente não impugnou a decisão proferida sobre matéria de facto, pelo que, nessa parte, a douta sentença já transitou em julgado, encontrando-se definitivamente fixada a matéria de facto, que é a constante das alíneas A) a N) da "Factualidade Assente" (fls. 863/868). 2. Na douta sentença recorrida, foi entendido que: "a simples concessão da AIM não lesa, por si só, os direitos de patente, lesão essa que só se verificará com a posterior comercialização dos medicamentos genéricos em questão"; e "Não havendo normas que expressamente determinem a obrigação do INFARMED de aferir da eventual violação dos direitos de patente antes de proceder a actos de registo de AIM, não se apresenta como procedente uma pretensão que invoca uma tal obrigação " 3. Concluindo que é "flagrante que será manifestamente improcedente a acção principal, por se verificar uma situação de fumus malus iuris. 4. Sendo manifestamente improcedente a acção principal, é óbvio que a providência requerida não pode proceder, por aplicação, a contrario da norma da alínea a) do n.° 1 do artigo 120° do CPTA. 5. Assim, a providência improcedeu por ser evidente que a pretensão formulada no processo principal será improcedente, logo, nada há a acautelar por via da providência requerida. 6. A Recorrente discorda deste entendimento, mas, das suas alegações, mormente das respectivas conclusões, não se alcança quais os argumentos invocados com vista a pôr em crise o referido segmento principal da decisão. 7. Com efeito, não está demonstrado nos autos que os actos administrativos impugnados irão violar uma patente válida e em vigor; 8. As AIMs impugnadas por si só não permitem e menos ainda impõem a comercialização dos respectivos medicamentos genéricos, pelo que as ditas AIMs não permitem a violação de normas constitucionais ou quaisquer outras. 9. A própria requerente se refere às actividades que o titular da patente pode impedir, citando "o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio", porém, as AIMs e os PVPs em causa nos presentes autos ocorrem em fase anterior ao fabrico, pelo que, em nada colidem com direitos emergentes de patentes. 10. O direito decorrente da titularidade da patente não é um direito absoluto, sendo mero direito privativo sobre processos técnicos de produção e desenvolvimento da riqueza, com natureza essencialmente económica, que têm apenas a função de garantir (temporariamente) a lealdade da concorrência. 11. A questão dos prejuízos de difícil reparação, na douta sentença recorrida, surge analisada subsidiariamente e apenas na hipótese - que não é a dos autos - de não ser evidente a improcedência da acção principal. Porém, mesmo neste caso, não ficaram indiciariamente provados quaisquer factos - que era à Requerente que competia alegar e provar - dos quais possam resultar para a Requerente prejuízos de difícil reparação, além de que, quaisquer eventuais prejuízos só poderão resultar da efectiva comercialização dos medicamentos. 12. A discussão de quaisquer prejuízos, presentes ou futuros, certos ou prováveis, eventualmente emergentes da comercialização dos medicamentos genéricos não é da competência dos Tribunais Administrativos, pelo que, não pode ser abordada nos presentes autos. 13. A concessão de uma AIM de um medicamento pela entidade administrativa competente não é causa adequada dos danos produzidos pela introdução desse medicamento no mercado, porque a concessão de uma AIM e a introdução do respectivo medicamento no mercado são realidades distintas, quer jurídica quer fisicamente e só a comercialização propriamente dita é susceptível de causar danos a terceiros. 14. A questão da proporcionalidade dos interesses em presença, na douta sentença recorrida, surge analisada também subsidiariamente e apenas na hipótese - que não é a dos autos - de não ser evidente a improcedência da acção principal. Porém, mesmo neste caso, sempre deveriam prevalecer os interesses inerentes à saúde pública sobre os interesses da Requerente e das Contra-interessadas, como sublinha e bem, a douta sentença recorrida. 15. Logo, a douta sentença recorrida não merece qualquer reparo. Nestes termos e nos mais de direito, que Vossas Excelências doutamente se dignarão suprir, deverão as presentes contra-alegaçoes ser julgadas procedentes e, consequentemente, proferido acórdão que, negando provimento ao recurso, confirme inteiramente a douta sentença recorrida Assim fazendo esse Venerando Tribunal, como é seu timbre, a habitual Justiça. * O Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP, ora Recorrido, contra-alegou, concluindo como segue: 1. Na presente demanda, a ora Recorrente deduziu uma providência cautelar conservatória de suspensão da eficácia de actos de concessão de AIMs referentes aos medicamentos genéricos com o principio activo Ácido Ibandrónico, tendo a mesmo sido julgada improcedente pelo douto Tribunal a quo. 2. In casu, não se encontram preenchidos os requisitos que fundamentam a adopção da mencionada providência cautelar. 3. É manifesta a improcedência da pretensão a formular na causa principal, uma vez que as AIM concedidas não padecem de quaisquer vícios. 4. Da factualidade dada como provada resulta que as AIMs são actos insusceptíveis de lesar os direitos de propriedade industrial da Recorrente. 5. O que se discute nestes autos é definir se o INFARMED está obrigado a verificar quaisquer direitos de propriedade industrial aquando da atribuição de AIMs e se estas são actos susceptíveis de lesar a esfera jurídica da Recorrente. 6. Ambas as respostas são negativas sendo irrelevante apurar, no presente processo, se existem patentes válidas, devendo o recurso da matéria de facto interposto pela Recorrente ser julgado manifestamente improcedente. 7. Se as AIMs são actos válidos e eficazes, independentemente da existência de direitos de propriedade industrial, cabe à Recorrente, caso assim o entenda, defender as alegadas violações dos mesmos nos tribunais de comércio, intentando as competentes acções judiciais contra as requerentes das AIMs. 8. Não compete ao INFARMED aferir quaisquer direitos de propriedade industrial de terceiros, bem como a eventual violação daqueles direitos não resultará da AIM, mas antes da efectiva comercialização, traduzindo-se num conflito de direitos privados, que não compete à Entidade administrativa dirimir. 9. Os direitos de propriedade industrial não configurarem um direito fundamental, e muito menos um direito fundamental de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, para efeitos do artigo 133.° do CPA. 10. Ainda que se entenda que os direitos de propriedade industrial gozam da aplicação do art. 62° da CRP, a verdade é que sempre seria ilegítimo por esta via impedir actos de futura comercialização, porque o conteúdo da patente consiste no exclusivo temporário de comercialização e não inclui nenhum poder de vedar procedimentos preparatórios de futura entrada no mercado. 11. Bem andou o douto Tribunal a quo ao julgar não verificada a previsão do artigo 120.°/1/a) do CPTA, já que é manifesta a improcedência da pretensão a formular na causa principal, uma vez que as AIM concedidas não padecem de quaisquer vícios, pelo que deve ser mantida a sentença recorrida. 12. Como se conclui na douta sentença recorrida, não se verifica igualmente o pressuposto periculum in mora, visto que inexiste um fundado receio de facto consumado ou da verificação da produção de prejuízos de difícil reparação. 13. A Recorrente não fez prova do periculum in mora, prova essa que se diga ser impossível, visto que os prejuízos que invocam não resultam directamente dos actos administrativos cuja suspensão se requer, mas antes da efectiva comercialização dos medicamentos. 14. A verificarem-se prejuízos, estes seriam sempre decorrentes da comercialização e não da concessão de Al M, não existindo qualquer nexo de causalidade entre aqueles e os actos de concessão de AIM. 15. Neste sentido, decidiu o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28.02.2008, que perfilhou a tese que defende a inexistência de qualquer causalidade adequada entre os actos de AIM e os eventuais prejuízos invocados pelas então Recorrentes. 16. Ainda que a Recorrente tivesse logrado provar qualquer prejuízo com a concessão das AIMs, o que não se verificou, sempre seria de entender que prevaleceria o interesse público, aplicando-se in casu o disposto no artigo 120.°/2 do CPTA. 17. Em suma, e não se verificando in totum, no caso sub judice, os requisitos necessários para a concessão da providência cautelar requerida, deve ser julgado improcedente o recurso da Recorrente, mantendo-se a douta sentença recorrida. NESTES TERMOS, Deve ser negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente, mantendo-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências. * A Contra-Interessada B...– Comércio e Indústria de Produtos Farmacêuticos, Lda. contra-alegou, concluindo como segue. 1. O presente recurso vem interposto da sentença datada de 24.05.2011 dos autos que julgou totalmente improcedente os pedidos cautelares formulados nos autos, com fundamento na al, a) do ns l do artigo 120? do CPTA. 2. Ao contrário do sustentado pela Recorrente, a douta sentença recorrida é absolutamente inatacável, tendo procedido à correcta interpretação e aplicação das disposições legais aplicáveis, em especial, à aplicação das disposições legais que consubstanciam transposição para o direito interno português de disposições comunitárias imperativas para o Estado Português enquanto Estado-Membro da União Europeia. 3. A presente contra-alegação inclui, ainda, um pedido de ampliação do objecto do recurso, nos termos do artigo 684º-A do CPC, aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, quanto à questão da incompetência material dos tribunais administrativos para conhecimento da acção principal. 4. Pois embora o Tribunal a quo tenha considerado que nos presentes autos está em causa um pedido e uma causa de pedir que permitem concluir pela natureza administrativa da relação em causa (entendimento contestado pela ora Recorrida na sua oposição face ao teor do Requerimento Inicial), a verdadeiramente causa de pedir nos presentes autos é, em rigor, a ilegalidade de uma conduta privada, a saber a comercialização do medicamento identificado no Requerimento Inicial (aliás, tal como já resultava nos artigos 172, 282, 299, 355, 3 e, 449, 43°, 570, 732, 89, 903, 952, 952, 9ºs, 100º, 113º, 126º a 129º do Requerimento Inicial). 5. Sendo que tal entendimento da ora Recorrida é agora confirmado pelos termos da alegação de recurso da Requerente, ora Recorrente, na qual esta confessa que a causa de pedir não é, ao contrário do sustentado pelo tribunal de recurso a violação das referidas normas de direito público que afirma não estarem em causa: 6. A Recorrente começa por referir que a sua pretensão "é manifestamente procedente, tendo ficado demonstrado no Requerimento Inicial, onde foi explanado claramente que as AIM concedidas a um medicamento cuja comercialização vai violar uma patente, são actos ilegais (...)" (página 3 da alegação de recurso, negrito nosso) 7. Depois refere que "no caso destes autos, ficou já assente que a comercialização dos medicamentos genéricos das Contra-Interessadas, constituirá uma violação dos direitos da ora Recorrente, emergentes da Patente" (página 7 da alegação de recurso, negrito nosso) 8. Mais referindo que "temos assim que a concessão de uma AIM que, aquando da comercialização, irá violar uma Patente válida e em vigor, como é o caso dos presentes autos (...)" (página 8 da alegação de recurso, negrito nosso) 9. A Recorrente invoca ainda que "o facto de os danos alegados - ou parte deles – se poderem verificar apenas na fase da comercialização não constitui obstáculo ao requisito do periculum in mora (...)" (página 13 da alegação de recurso, negrito nosso) e, em sede de conclusões de recurso, refere expressamente que "a comercialização dos medicamentos genéricos irá implicar que a Recorrente fique, contra o sua vontade, privada do uso e fruição do exclusivo concedido pela Patente de que é titular, equivalendo essa situação à privação, com violência, do direito de propriedade de um bem pertencente ò ora Recorrente", (página 16 da alegação de recurso, negrito nosso) 10. Não pode a Contra-lnteressada, ora Recorrida, deixar de aqui deixar especificadamente aceites, nos termos e para os efeitos do artigo 38º do CPC, aplicável ex vi do artigo lº do CPTA, as referidas declarações confessórias da Recorrente, com os efeitos que das mesmas deve retirar-se nos presentes autos. 11. Com efeito, a Recorrente agora expressamente confessa que o objecto da acção principal não é saber se as AIM's são ilegais por entender que o Infarmed não pode emitir AIMs na pendência da vigência de patentes do medicamentos de referência, mas sim saber se o objecto da aim ou seja, a comercialização do medicamento genérico é ilegal. 12. Ora, decorre com mediana clareza que, saber se o objecto da AIM constitui um comportamento ilegal é o mesmo que analisar se a comercialização do medicamento genérico viola a patente do medicamento de referência. 13. Pelo que, e sem necessidade de maiores considerações, não pode deixar de concluir-se pela incompetência material dos tribunais administrativos, revogando-se nessa parte a sentença recorrida, com a consequência) da não verificação da segunda parte do requisito da ai. b) do nº l do artigo 120º do CPTA, por ser manifesta a existência de questão que obsta ao conhecimento de mérito da acção principal. 14. Também por esta razão, e uma vez que a questão da competência do tribunal não consubstancia uma excepção ao conhecimento da providência cautelar, mas sim uma questão a conhecer em sede de aferição dos requisitos de concessão da providência, como claramente decorrer do teor da citada norma da al. b) do nº l do artigo 1202 do CPTA, deve ser julgado improcedente o recurso portal circunstância. 15. Acresce que, é manifesta a inexistência de vícios imputáveis aos actos suspendendos, uma vez que em primeiro lugar o direito decorrente da patente é um direito de exclusivo com um determinado âmbito e alcance, legalmente definidos, que confere ao seu titular determinados poderes tipificados na lei (cfr. artigos 101.ç, alínea c) do artigo 102.2 do CPI de 2003). 16. Das disposições legais mencionadas decorre, com toda a clareza, que a patente e o direito de exclusivo dela decorrente apenas conferem ao seu titular o direito subjectivo de impedir actos relativos à utilização comercial ou industrial da invenção antes de expirar a patente, mas não de impedir os interessados de praticar os actos necessários à obtenção das aprovações pelas entidades oficiais. 17. Tal entendimento resulta ainda do artigo 19º, nº 8, do Estatuto do Medicamento e do artigo do Professor J.P. Remédio Marques, Medicamentos versus Patentes. Estudos de Propriedade industrial. Coimbra Editora, p. 143. 18. No caso dos autos, a Recorrida não iniciou a comercialização nem praticou qualquer acto que indicie que irá comercializar o medicamento antes de expirar a patente, o que, salienta-se mais uma vez, é pressupostos da ilegalidade da comercialização. 19. Não pode, pois, uma Al M ser considerada ilegal com fundamento numa suposta, não verificada, e não comprovada, utilização ilegal de tal autorização por parte da ora Recorrida. 20. Em segundo lugar, o Infarmed não violou quaisquer normas legais ou regulamentares ao emitir as AlMs em causa nos autos (cfr. entendimento contido da decisão recorrida, parecer do Ministério Público proferido no processo nº 00749/11 do TCA do Sul, voto de vencido, em Acórdão do TCA Sul de 06.05.2010, do Senhor Juiz Desembargador Benjamim Barbosa), 21. Sendo este o entendimento da União europeia que tem, sistematicamente, vindo a interpretar e aplicar as disposições das Directivas Comunitárias citadas no sentido da não vigência, no espaço europeu, de um sistema de "patent linkage", no que concerne aos medicamentos genéricos (cfr. neste sentido, relatórios da Comissão Europeia, Preliminar e Final, juntos alguns excertos - como documentos nºs l e 2 à oposição). 22. a conclusão a retirar, é, pois, sem qualquer margem de dúvida, a de que o Estatuto do Medicamento não pode deixar de ser interpretado em conformidade com as disposições e considerandos da Directiva comunitária que visou transpor para a ordem jurídica interna, sendo certo que, de acordo com as referidas disposições, para um medicamento ser considerado genérico, não é necessário que tenham caducado os direitos de propriedade industrial relativos às respectivas substâncias activas ou processo de fabrico, pelo que o INFARMED, não pode recusar uma AIM com tal fundamento. 23. A violação de tais normas comunitárias gera, igualmente, inconstitucionalidade, por violação do artigo 8º, nº 4 da Constituição. 24. Do exposto decorre, necessariamente, a conclusão de que, não poderá o INFARMED, nem qualquer oo entidade dos Estados-Membros, mesmo judicial, pôr em causa as directivas emanadas da União Europeia e as políticas que as mesmas visam institucionalizar, de forma harmonizada, em todos os Estados Membros. 25. No que concerne ao relacionamento entre os órgãos dos Estados-Membros e os órgãos da União europeia, bem como à distribuição de competências entre os mesmos, não pode nesta sede deixar de chamar-se a atenção para as disposições constantes do Tratado constitutivo da União Europeia, nomeadamente o artigo 42, do qual decorre que os Estados-Membros devem tomar todas as medidas gerais ou específicas adequadas para garantir a execução das obrigações decorrentes dos Tratados ou resultantes dos actos das instituições da União, seja pela via positiva da acção seja pela via negativa, abstendo-se de praticar actos que ponham em causa tais obrigações dos Tratados ou tais decisões das instituições comunitárias. Os Estados-Membros devem, pelo contrário, facilitar à União o cumprimento da sua missão e abster-se de qualquer medida susceptível de pôr em perigo a realização dos objectivos da União. 26. Está, por isso, em causa, em última instância, o cumprimento/incumprimento do ordenamento jurídico comunitário, inclusive do chamado ordenamento constitucional comunitário (o Tratado da UE) e, consequentemente, a eventual futura responsabilidade do Estado Português por uma decisão, ainda que de um Tribunal, desrespeitadora das mais elementares normas comunitárias em vigor (cfr. artigo 258º (ex-artigo 2262 do TCE), Acórdãos do Tribunal de Justiça das Comunidades de 19 de Novembro de 1991, no caso "Francovich", de 30 de Setembro de 2003, no caso "Kôbler", de 16 de Junho de 2006, no caso "Traghetti Del Mediterrâneo" e, ainda, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Novembro de 2007, proferido no processo 07A3954, disponível in www.dgsi.pt). 27. Note-se que, o Venerando Supremo Tribunal Administrativo teve já oportunidade de se pronunciar em sede de admissão de recurso de revista, no sentido de que se trata efectivamente de questões relativas à interpretação e aplicação conjunta de dispositivos legais nacionais e comunitários j que interferem com a política do medicamento no espaço europeu e que tais questões "apresentam um grau de dificuldade superior ao comum e respeitam à delimitação de poderes e competência, assim como à articulação entre procedimentos e actos de instâncias nacionais e comunitárias, num feixe de relações jurídicas, complexas, que se projecta no desenvolvimento da política do medicamentai cujo fim último se prende com a disponibilização à população de medicamento de qualidade mas a um preço mais acessível". - cfr. Acórdão de 2 de Junho de 2011J proferido no Recurso 508/11). 28. Em suma, o entendimento sufragado pela Recorrente e que vem sendo adoptado por este TCA do Sul, põe em causa, norma comunitárias vinculativas para o Estado Português e os deveres dos Estados-Membros supra identificados, que são deveres materiais ou substancias e não deveres meramente formais, aferidos em função da forma ou do meio processual utilizado com relação ao pedido e causa de pedir formalmente apresentados pelo Autor ou Requerente. 29. E põe em causa o cumprimento das disposições dos artigos 2º, 263º e ss, 279º,288º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia e dos artigos 4º, 5º e 17º do Tratado da União Europeia. Sendo certo que, viola também, por consequência, também, e como consequência, o artigo 8º, nº 4 da Constituição. 30. Em qualquer caso, e ainda que se entendesse que, in casu, se verificava o requisito do fumus bónus iuris, sempre teria que concluir-se pela não verificação dos demais requisitos de concessão da providência, de natureza cumulativa, nomeadamente o periculum in mora, uma vez que: a) Não existe uma situação de facto consumado pois a mesma a ocorrer só poderia consumar-se com a comercialização dos medicamentos identificados nos autos (e não com a concessão de actos de AIM); b) A alegação da Recorrente dos factos consubstancíadores de prejuízos é deficitária, limitando-se a mesma a invocar que os actos suspendendos e a aprovação dos PVP dos medicamentos da Contra-lnteressada determinarão a eliminação do exclusivo e a baixa significativa do volume de vendas do produto; c) Não existe nexo causal entre o alegado dano imaterial e o acto cuja suspensão se requer ou a conduta cuja abstenção se pede, pois o facto de a Requerente vir eventualmente a perder o seu alegado direito de exclusivo, a consumar-se, não resulta da actuação do INFARMED e, muito menos, da actuação da DGAE no exercício das suas competências de aprovação dos preços, mas sim, directamente, do eventual acto de comercialização do medicamento genérico (por essa razão é esse acto que a Requerente deve atacar, quando o mesmo ocorrer, junto dos tribunais de comércio). d) Não existe qualquer prejuízo irreparável ou de difícil reparação, pois o eventual dano no direito de exclusivo alegado pela Requerente, não só tem conteúdo material, patrimonial e económico, como a sua violação é, de acordo com a própria lei que regula e protege os direitos de exclusivo alegados (artigo 338º-J) do Código da Propriedade Industrial), integralmente reparável pela via da indemnização através dos critérios definidos pelo próprio legislador. 31. De qualquer modo, e sem conceder no que respeita a tudo o alegado supra, a presente providência não pode ser concedida ao ponderarem-se devidamente os interesses em presença (art. 120º, nº 2 do CPTA). 32. Como se sabe, a política do medicamento nacional e da Comunidade Europeia, encontra-se actualmente focada na promoção da produção e comercialização de medicamentos genéricos, estando em curso, como é público, várias campanhas de promoção da sua prescrição e comercialização. 33. É manifesto o interesse público, e, portanto, o relevante interesse social, da comercialização de medicamentos genéricos e, por isso, também o interesse público na promoção de procedimentos legais e judiciais adequados e garantísticos não apenas da qualidade desses medicamentos mas também da sua efectiva comercialização e do acesso dos cidadãos aos mesmos (cfr. Acórdão do STA datado de 25.01.2007, disponível em www.dgsi.pt); 34. Trata-se, em rigor de interesses públicos comunitários, bem patentes nos nas considerações levadas a cabo pela Comissão Europeia, nos resultados do inquérito levado a cabo por aquela entidade, cujas principais conclusões constam da "Comunicação da Comissão, Síntese do relatório sobre o inquérito ao sector farmacêutico", dos quais resulta de forma inequívoca a importância social ao nível europeu das questões relativas à entrada no mercado dos medicamentos genéricos (cfr. respectivas pág. l a 3). A questão da superioridade do interesse público, quer nacional quer comunitário nestas providências e a consequente recusa da providência ao abrigo do nº 2 do artigo 120º do CPTA, causa obviamente grande embaraço ao erário público. 35. Para além do mais, prende-se directamente com um direito constitucionalmente consagrado, a saber, o direito à saúde previsto no artigo 64º da C.R.P. 36. É facto público e notório que, actualmente, a política do medicamento nacional e da Comunidade Europeia -, encontra-se centrada na promoção da produção e comercialização de medicamentos genéricos, estando em curso, como é público, várias campanhas de promoção da sua prescrição e comercialização, constituindo o medicamento um elemento fundamental da política de saúde do SNS; Isto porque tem sido preocupação de todos os governos dos países da União Europeia possibilitar aos utentes a utilização de medicamentos genéricos; 37. É facto público e notório que, a utilização destes medicamentos por parte dos utentes implica um conjunto significativo de vantagens, tanto para os próprios utentes/doentes, como para o SNS. Na verdade, tendo os medicamentos genéricos os mesmos efeitos terapêutico do medicamento de referência e encontrando-se acessíveis aos utentes a um preço inferior, a sua utilização tem como efeito imediato e benéfico uma rentabilização das despesas para o utente e para o Estado, e o desenvolvimento de uma relação sustentável entre o benefício e o custo dos medicamentos 38. É facto público e notório que, com a introdução dos medicamentos genéricos no mercado, os cidadãos, únicos beneficiários da prescrição medicamentosa e principais interessados na utilização criteriosa dos dinheiros públicos, passam a dispor da possibilidade de, no acto de fornecimento ou dispensa dos medicamentos, lhes ser proporcionada a opção pelo medicamento com a mesma substância activa, segurança e valor terapêutico, ao menor preço; 39. É facto público e notório que, a política de genéricos visa, assim, atingir o objectivo de racionalizar e utilizar da melhor forma os recursos financeiros existentes; 40. É óbvio que a concessão da presente providência irá atrasar a introdução dos novos medicamentos genéricos no mercado pelo menos durante o período de cinco anos, período este que é o invocado pela Requerente, como aquele que poderá durar a apreciação, em sede de acção principal, dos direitos da Requerente; 41. Tal atraso na implementação da política europeia de genéricos é inadmissível e insustentável em face das posições que a este propósito têm vindo a ser tomadas pela Comissão Europeia e às quais Portugal está vinculado e terá, obviamente, impactos muito significativos na qualidade de vida da população portuguesa e no acesso aos medicamentos, atendendo em especial à crise económica e social que se vive a nível mundial; 42. Do lado da Requerente estão em causa danos patrimoniais, meros lucros cessantes, não alegados nem concretizados. 43. O que está em causa é a mera manutenção de milhões de euros de puro lucro resultante da exploração em regime de monopólio de um medicamento cujos custos de invenção e produção se encontram há muito amortizados; 44. Assim, do que se trata, nesta sede de aferição da verificação do requisito da alínea c) do artigo 120º do CPTA, é de pôr na balança de um lado, a tutela da manutenção dos conhecidos e notórios elevadíssimos lucros da Requerente e, do outro lado, o interesse público na introdução de medicamentos que irão, de forma significativa, permitir a poupança de também elevadíssimas quantias patrimoniais, quer ao Estado, quer aos cidadãos individualmente considerados. Tudo ponderando devidamente as actuais circunstâncias relativas à conjuntura económica de real e efectiva depressão; 45. Está, pois, em causa, nesta ponderação de interesses, o próprio direito à saúde previsto no artigo 645 da C.R.P. que garante o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação e socialização dos custos dos cuidados médicos e medicamentosos; 46. Sendo manifesta a supremacia dos interesses públicos envolvidos sobre o direito de exclusivo do titular da patente, precisamente porque o direito fundamental de acesso à saúde e aos medicamentos do artigo 64º da CRP, bem como o direito dos consumidores à protecção do Estado estatuído na alínea e) do art. 999 da CRP se sobrepõem ao alegado direito fundamental decorrente da patente, sem assento constitucional específico (Nesse sentido vejam-se as considerações absolutamente acertadas do Ministério Público, no Parecer de 29.04.2009, emitido em vista no Recurso nó 05009/09 do 23 juízo do TCA Sul); 47. Pelo que, ao contrário do alegado pela Recorrente, não se verifica o requisito vertido no n~ 2 do artigo 1202 do CPTA, por ser manifesta a superioridade do interesse público na comercialização dos medicamentos em causa nos autos relativamente aos interesses particulares da Requerente, interesses de natureza meramente patrimonial de manutenção de determinada quota de mercado e de manutenção dos lucros até aqui auferidos com a comercialização dos medicamentos de referência. 48. Entender de forma diferente significaria violar o direito à saúde constitucionalmente consagrado no artigo 643 da CRP e o direito dos consumidores à protecção do Estado estatuído na alínea e) do artigo 99º da CRP, o direito da Recorrente constitucionalmente protegido no artigo 613 da CRP e o artigo 168º do Tratado da União Europeia. 49. Por último, veja-se ainda o recente Acórdão do TCA do Sul datado de 30.06.2011, no processo 07053/11, que relativamente a esta questão refere que "de um lado um interesse privado, de conteúdo patrimonial decorrente da titularidade da patente, e do outro lado, o interesse público em garantir a acessibilidade de todos os portugueses aos cuidados de saúde. Ora, está bem de ver que o retardamento da entrada no mercado de medicamentos genéricos, de menor custo, causa efectiva lesão do interesse público, com custos relevantes para o consumidor e, em última analise, para o Estado, através do regime de comparticipação do Serviço Nacional de Saúde (cfr. o Relatório Preliminar sobre o Inquérito ao sector farmacêutico publicado pela Comissão Europeia em 28.12.2008, relativo às práticas concorrências seguidas pelas empresas titulares das patentes para travarem os genéricos, com custos para os contribuintes e para os pacientes). Perante o exposto, impunha-se assim indeferir, por estas razões, o pedido de suspensão de eficácia requerido pela recorrente". NESTES TERMOS a) Deve o pedido de ampliação do objecto do recurso nos termos do artigo 684º-A do CPC, aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA ser admitido e julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida na parte referente à questão da incompetência matéria, dos tribunais administrativos para conhecimento da acção principal; b) Deve o presente recurso ser julgado não provado e improcedente, mantendo-se a sentença recorrida; c) Deve em qualquer caso, e assim não se entendendo, ser indeferida a providência por não se verificar o requisito do nº 2 do 120º do CPTA. * A Contra-Interessada D... B.V. contra-alegou, concluindo como segue: 1. O medicamento genérico da ora Recorrente, nas suas várias dosagens, foi objecte de autorização de introdução no mercado ao abrigo do procedimento centralizado, previsto no art. 54º do Estatuto do Medicamento, sendo tal procedimento centralizado de obtenção de autorização regido pelo Regulamento (CE) n.s 726/2004. 2. A entidade que procedeu à emissão da autorização de introdução no mercado do medicamento genérico da Recorrida, foi a Comissão Europeia. 3. A Requerente da providência, ora Recorrente, apresentou o presente pedido cautelar, identificando-o como "Providência cautelar conservatória tendente à suspensão de eficácia de Actos Administrativos". 4. No entanto, em parte alguma do seu Requerimento Inicial, a Requerente identificou os actos em causa, limitando-se a alegar que se trata das AIM's concedidas aos medicamentos genéricos em causa nos autos os quais constatou existirem através de consulta ao sito do Infarmed (v. artigo 15º do Requerimento Inicial). 5. No Requerimento inicial, a Requerente, ora Recorrente, identifica a empresa, a sua actividade, os seus direitos de propriedade industrial, o Requeridos e as Contra-lnteressadas, mas em parte alguma identifica os actos administrativos objecto do pedido suspensão de eficácia, através da indicação da sua data e do seu autor. 6. Ao longo de todo o articulado vai-se referindo sempre às AIM's, sem especificar contudo o autor das mesmas, apesar de ter identificado como Requerido o Infarmed. 7. Ora, como bem resulta do Requerimento Inicial, o pedido de suspensão refere-se a várias AIM’s concedidas a várias Contra-lnteressadas. Acontece que, se relativamente, às demais ou a algumas delas, os respectivos medicamentos foram objecto de AIM concedida pelo Infarmed, tal não é o caso da ora Recorrida. 8. A AIM concedida ao medicamento genérico da Recorrida não foi emitida pelo Infarmed. 9. A Requerente não identifica qualquer outro acto que possa ser imputado em termos de autoria ao Infarmed e que diga respeito ao medicamento da ora Recorrida. 10. Tal significa que não havendo qualquer acto de AIM identificado no Requerimento Inicial, que esteja identificado, com data e como sendo da autoria do Infarmed, o pedido cautelar carece em absoluto de objecto quanto ao que se refere ao medicamento da ora recorrida, pois, em rigor, não há qualquer acto identificado que possa suspender-se. 11. A falta de identificação de qualquer acto imputável ao Infarmed e a inexistência para todos os efeitos de qualquer acto praticado pelo Infarmed no que se refere ao medicamento da ora Recorrida, gera a nulidade por ineptidão do requerimento inicial, pelo menos na parte que diz respeito ao pedido em que a ora Recorrida é Contra-interessada. 12. O artigo 114º nº 3, al. h) exige a prova do acto cuja suspensão se requerer e, por maioria de razão e à semelhança do que se estipula relativamente à acção principal (cfr. artigo 78º, nº 2, al, d) do CPTA), exige a identificação do acto suspendendo. 13. Por outro lado, o pedido cautelar, sendo de suspensão de eficácia, tem que estar devidamente reportado a um acto administrativo devidamente individualizado, sob pena de se suspender qualquer coisa que não se sabe bem o que é e que pode não existir na ordem jurídica. 14. É esse o caso dos autos, o acto administrativo suspendendo, tal como está identificado no requerimento inicial não existe na ordem jurídica. 15. O que leva a concluir que o pedido deveria ter sido liminarmente rejeitado por ser manifesta a ilegalidade da pretensão formulada, neste caso por impossibilidade jurídica - cfr. artigo 1166, nº 2, d) do CPTA 16. O pedido cautelar é nessa perspectiva inepto nos termos previstos no artigo 193º, nº 2, ai) do CPC aplicável ex vi do artigo lº do CPTA, verificando-se, portanto uma nulidade, que gera a nulidade de todo o processado, que é de conhecimento oficioso nos termos do artigo 202º do mesmo CPC. 17. Em conclusão, sem prejuízo do que fica exposto infra sobre a procedência do recurso e da verificação dos requisitos da concessão da providência, verifica-se uma nulidade insanável do requerimento inicial que, por ser de conhecimento ofícios, deverá levar este tribunal a julgar manifestamente ilegal o pedido cautelar formulado relativamente ao Infarmed e à ora Recorrida quanto ao medicamento Ácido Ibandrónico Tevo 18. Sem prejuízo da pronúncia sobre os fundamentos do recurso interposto pela Requerente da providência, não pode a Contra-lnteressada, ora Recorrida, deixar de ampliar o objecto do presente recurso a duas questões, as quais, vindo a ser julgados procedentes os argumentos da Recorrente, devem ser conhecidas por este TCA porque inviabilizam, em qualquer caso, o decretamento da providência cautelar. 19. A primeira questão é a de saber se, um tribunal português pode suspender em sede de providência cautelar (e anular em sede de acção principal) os efeitos de um acto administrativo (uma AIM) emitida pela Comissão Europeia, mesmo que seja eventualmente através da suspensão de eficácia de um mero acto de atribuição de um número de registo que se destina a conferir eficácia ao acto europeu na nossa ordem jurídica interna. 20. Uma tal decisão implica a suspensão (ainda que parcial), por um Estado-Membro, através de uma decisão jurisdicional, dos efeitos de uma decisão da Comissão Furopeia, para o que é exclusivamente competente o Tribunal de Justiça da União Europeia e em violação das disposições comunitárias que regulam a concessão, revogação, suspensão e anulação das AlM's concedidas pela Comissão Europeia em sede de procedimento centralizado. 21. Compete igualmente à Comissão, e apenas a esta, proceder à alteração, suspensão ou à revogação de AIMs de medicamentos para uso humano que tenham sido obtidas através do procedimento centralizado, conforme expressa o Regulamento, quando refere que uma AIM de um medicamento obtida através daquele procedimento "só pode ser concedida, recusada, suspensa, retirada ou revogado em conformidade com os procedimentos e pelas razões previstas" nesse mesmo Regulamento (cfr. respectivo artigo 81º,nº 2). 22. Não poderá o INFARMED, nem qualquer outra entidade dos Estados-Membros pôr em causa a legalidade, a validade ou os efeitos, sequer de forma parcial, de uma AIM emitida pela Comissão Europeia. 23. Como decorre do artigo 4º Tratado sobre o Funcionamento da União europeia, os Estados-Membros devem tomar todas as medidas gerais ou específicas adequadas para garantir a execução das obrigações decorrentes dos Tratados ou resultantes dos actos das instituições da União, seja pela via positiva da acção seja pela via negativa, abstendo-se de praticar actos que ponham em causa tais obrigações dos Tratados ou i:ais decisões das instituições comunitárias. Os Estados-Membros devem, pelo contrário, facilitar è União o cumprimento da sua missão e abster-se de qualquer medida susceptível de pôr em perigo a realização dos objectivos da União. 24. Assim, não pode deixar de concluir-se que uma eventual decisão judicia; de suspensão dos efeitos da AIM emitida pela Comissão Europeia, mesmo que fosse através da suspensão do acto que procede ao seu registo no Estado-Membro, viola as competências exclusivas do Tribuna! de Justiça da União Europeia e, consequentemente, as disposições conjugadas dos artigos 2Q, 263e e ss, 279^ 2889 do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia e dos artigos 4?, 5S e 179 do Tratado da União Europeia e violará, também, e como consequência, o artigo 8º, nº 4 da Constituição. 25. Dos artigos 5º e 21º da Directiva do Conselho 65/65/CEE, de 26/01/1965 bem como os actualmente em vigor artigos 8.e e 10. e da Directiva 2001/83/EC decorrer que uma AIM em sede de processo centralizado, só em caso absolutamente excepcionais, exclusivamente relacionados com motivos urgentes de saúde pública, pode um Estado-Membro pôr em causa, suspendendo, retirando ou revogando as AIMs concedidas pela Comissão Europeia nos termos do Regulamento citado e pelas razões nele previstas. 26. As normas do Regulamento citado, têm, como referido supra, carácter geral e são obrigatórias em todos os seus elementos e directamente aplicável em iodos os Estados- Membros, conforme resulta claramente do disposto no artigo 2885 do Tratado de Funcionamento da União Europeia. 27. Pelo que, uma eventual decisão judicial que, por via da suspensão do acto de registo, proceda à suspensão parcial dos efeitos da AIM emitida em procedimento centralizado pela Comissão Europeia, sem invocar qualquer dos fundamentos previstos para o efeito, violará igualmente as disposições conjugadas dos artigos 12º, 20º, nº 4 e 81º do Regulamento (CE) nº 726/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004 e do ns l do artigo 2882 do Tratado de Funcionamento da União Europeia, bem como as disposições constantes dos artigos 8º e l0º da Directiva 2001/83/EC 28. A sentença recorrida tratou autonomamente - como se de excepção se tratasse, julgando improcedente, a questão da incompetência material dos tribunais administrativos suscitadas nas oposições do Requerido e da Contra-lnteressada. 29. Salvo o devido respeito, a questão em causa não constitui, no âmbito das providências cautelares, excepções que obstem ao conhecimento do pedido cautelar, mas sim questões que, obstando ao conhecimento do mérito da acção principal, levam s concluir pela não verificação do requisito do fumus non malus da ai. b) do n° l do artigo 120º do CPTA (parte final), 30. É manifesto que os argumentos de ilegalidade invocados peta Recorrente se referem todos à automação de introdução no mercado e poderiam, ou deveriam, ter sido utilizados em sede de impugnação da autorização concedida pela Comissão Europeia. 31. A Recorrente admite que o objecto da acção principal não é saber se as AIM's são ilegais por entender que o Infarmed não pode emitir AIMs na pendência da vigência de patentes do medicamento de referência, mas é ilegal. 32. Ora, decorre com mediana clareza que, saber se o objecto da AIM constitui um comportamento ilegal é o mesmo que analisar se a comercialização do medicamento genérico viola a patente do medicamento de referência. 33. O que a Recorrente pretende obter não é a anulação dos actos administrativos com fundamento na sua ilegalidade, mas sim impedir as Contra-lnteressadas do comercializar os medicamentos genéricos em causa nos autos. 34. A causa de pedir invocada é, pois, em rigor, e em última instância, a ilegalidade de uma conduta privada, a saber a comercialização do medicamento Ácido Ibandrónico Teva, para a qual é manifesta a incompetência absoluta dos tribunais administrativos, em razão da matéria. Sendo certo que tal questão está, em exclusivo, cometida pela lei e pela Constituição da República Portuguesa (doravante "CRP") aos tribunais judiciais e, mais concretamente, aos tribunais de comércio, nos termos do disposto no artigo 89º da Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais ( "LOFTJ"). 35. As normas que regulam a competência dos tribunais são normas de ordem pública e não podem ser utilizadas para atingir fins contrários à lei, do tipo "fórum shopping", isto é, perante a inoperância ou lentidão de uns tribunais - neste caso, os tribunais de comércio -, escolher outros mais céleres. 36. O entendimento diverso defendido na sentença ora sob recurso viola inexoravelmente, por errada interpretação e aplicação, os artigos 1º e 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (adiante "ETAF") e 89º da LOFTJ e, por conseguinte, também os artigos 494º, alínea a) e l0lº do Código de Processo Civil (adiante "CPC"), aplicáveis ex vi do disposto no artigo 1º do CPTA e do art. 7º do ETAF, 37. E mais do que isso, padecerá de irremediável inconstitucionalidade por violação dos artigos 211º e 212º da CRP. 38. O que, mesmo na hipótese de vir a ser procedente o recurso interposto pela Requerente da providência, deverá levar este Venerando TCA do Sul a concluir pela não verificação do requisito da al. b) do nº l do artigo 120º do CPTA, e, consequentemente, pelo indeferimento da providência. 39. Relativamente à matéria do recurso interposto pela Requerente da providência, ao contrário do referido pela Recorrente, é manifesto que nos presentes autos não se verificam, em concreto, os requisitos de que o artigo 120º do CPTA faz depender a concessão da providência. 40. Desde logo porque os vícios invocados pela Recorrente, a existirem, reportar-se-iam todos ao acto de concessão de AIM pela Comissão Europeia e não a qualquer acto do Infarmed, nem sequer a um eventual acto de registo não identificado, como se disse, nos autos. 41. Acresce que, é manifesta a inexistência de vícios imputáveis aos actos suspendendos, uma vez que dos artigos lOl.s e alínea c) do artigo 102.S do CP! de 2003) decorre, com toda a clareza, que a patente e o direito de exclusivo dela decorrente apenas conferem ao seu titular o direito subjectivo de impedir actos relativos à utilização comercial oti industrial da invenção antes de expirar a patente, mas não de impedir os interessados de praticar os actos necessários à obtenção das aprovações pelas entidades oficiais. 42. Os actos cuja suspensão requer nestes autos, são meros actos preparatórios da comercialização para efeitos das citadas normas do CPI. 43. No caso dos autos, a Recorrida não iniciou a comercialização nem praticou qualquer acto que indicie que irá comercializar o medicamento antes de expirar a patente, o que, salienta-se mais uma vez, é pressuposto da ilegalidade da comercialização, pelo que não pode uma AIM ser considerada ilegal com fundamento numa suposta, não verificada, e não comprovada, utilização ilegal de tal autorização por parte da ora Recorrida. 44. Em segundo lugar, o Infarmed não violou quaisquer normas legais ou regulamentares ao emitir as AIMs em causa nos autos, sendo este o entendimento da União europeia que tem, sistematicamente, vindo a interpretar e aplicar as disposições das Directivas Comunitárias citadas no sentido da não vigência, no espaço europeu, de um sistema de "patent linkage", no que concerne aos medicamentos genéricos. 45. O Estatuto do Medicamento não pode deixar de ser interpretado em conformidade com as disposições e considerandos da Directiva comunitária que visou transpor para a ordem jurídica interna, sendo certo que, de acordo com as referidas disposições, para um medicamento ser considerado genérico, não é necessário que tenham caducado os direitos de propriedade industrial relativos às respectivas substâncias activas ou processo de fabrico, pelo que o INFARMED, não pode recusar uma aim com tal fundamento. 46. A violação de tais normas comunitárias gera, igualmente, inconstitucionalidade, por violação do artigo 89º, nº4 da Constituição. 47. Em qualquer caso, e ainda que se entendesse que, in casu, se verificava o requisito do fumus bonus iuris, sempre teria que concluir-se, como se concluiu na sentença recorrida, pela não verificação do requisito do periculum in mora. 48. Não existe uma situação de facto consumado pois a mesma a ocorrer só poderia consumar-se com a comercialização dos medicamentos identificados nos autos (e não com a emissão dos actos de atribuição de um número de registo); 49. A alegação da Recorrente dos factos consubstanciadores de prejuízos é deficitária, limitando-se a mesma a invocar que os actos suspendendos e a aprovação dos PVP dos medicamentos da Contra-lnteressada determinarão a eliminação do exclusivo e a baixa significativa do volume de vendas do produto; 50. Não existe nexo causal entre o alegado dano imaterial e o acto cuja suspensão se requer ou a conduta cuja abstenção se pede, pois o facto de a Requerente vir eventualmente a perder o seu alegado direito de exclusivo, a consumar-se, não resulta da actuação do INFARMED e, muito menos, da actuação da DGAE no exercício das suas competências de aprovação dos preços, mas sim, directamente, do eventual acto de comercialização do medicamento genérico (por essa razão é esse acto que a Requerente deve atacar, quando o mesmo ocorrer, junto dos tribunais de comércio). 51. Não existe qualquer prejuízo irreparável ou de difícil reparação, pois o eventual dano no direito de exclusivo alegado pela Requerente, não só tem conteúdo material, patrimonial e económico, como a sua violação é, de acordo com a própria lei que regula e protege os direitos de exclusivo alegados {artigo 338º-J do Código da Propriedade Industrial), integralmente reparável pela via da indemnização através dos critérios definidos pelo próprio legislador. 52. De qualquer modo, e sem conceder no que respeita a tudo o alegado supra, a presente providência não pode ser concedida, ao ponderarem-se devidamente os interesses em presença (artº 120º, nº 2 do CPTA). 53. A ponderação dos interesses das empresas comercializadoras de medicamentos de referência e das empresas comercializadoras de genéricos foi já amplamente discutida nos fóruns próprios, tendo levado à solução legislativa de compromisso em vigor que se encontra plasmada, por imposição comunitária, no nosso estatuto do medicamento. Se tal ponderação é justa ou não tal não cabe aqui discutir pois aos tribunais apenas cumpre aplicar e fazer aplicar a lei, em especial, as normas do ordenamento comunitário supra citado. 54. Constituindo o medicamento um elemento fundamental da política de saúde do SNS português mas também da política de saúde da União europeia. 55. Trata-se, em rigor de interesses públicos comunitários, especialmente no caso das AIM's concedidas em processo centralizado, bem patentes nos nas considerações levadas a cabo pela Comissão Europeia, nos resultados do inquérito levado a cabo por aquela entidade, cujas principais conclusões constam da "Comunicação da Comissão, Síntese do relatório sobre o inquérito ao sector farmacêutico", dos quais resulta de forma inequívoca a importância social ao nível europeu das questões relativas à entrada no "mercado dos medicamentos genéricos. 56. A concessão da Presente providência irá atrasar a introdução dos novos medicamentos genéricos no mercado pelo menos durante o período de cinco anos, período este que é o invocado pela Requerente, como aquele que poderá durar a apreciação, em sede de acção principal, dos seus alegados direitos. 57. Tal atraso na implementação da política europeia de genéricos é inadmissível e insustentável em face das posições que a este propósito têm vindo a ser tomadas pela Comissão Europeia e constitui claramente uma violação da supra citadas disposição do artigo 168e do Tratado de Funcionamento da União Europeia. 58. Por outro lado, a conjuntura económica do Estado Português, e a consequente premência da redução de despesa em todos os sectores, não pode deixar de ser atendida em sede de ponderação de interesses. 59. Para além do mais, nesta "balança" da ponderação de interesses prevista no nº 2 do artigo 120º do CPTA está o próprio direito è saúde previsto no artigo 64º da C.R.P, - igualmente tutelado pelo ordenamento comunitário - que garante o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação e socialização dos custos dos cuidados médicos e medicamentosos. 60. Também a Contra-Interessada, ora Recorrida é titular de um direito constitucional de que a AIM apenas é condição de exercício. E tal direito, tal como o direito alegado pela Requerente só pode ser condicionado ou restringido nos termos expressamente previstos na lei e de forma necessária e proporcional - cfr. artigo 18º, nº 2 da CRP. 61. Faz-se, aliás, notar que, na lógica dos actos restritivos adoptada pelo Tribunal a quo, o único acto restritivo em casa nos autos é o acto de concessão da patente que, por efeito de previsão legal, restringe o livre exercício da mesma actividade a terceiros. Ou seja, in casu, o direito que foi comprimido ou restringido foi o direito constitucional de ora Recorrida à iniciativa privada, consagrado no artigo 61º da CRP. 62. Sobre as questões relativas aos requisitos da providência, e em especial, sobre as questões específicas relativas as actos de registo de AIM's concedidas em processo centralizado, vide o recente Acórdão deste TCA do Sul, datado de 30.06.2011, no processo 07053/11, que julgou improcedente o recurso interposto de sentença que havia indeferido a providência cautelar e que adiante se junta. Nestes termos e nos mais de direito, a) Deve a nulidade do requerimento inicial ser julgada procedente, indeferindo-se o pedido cautelar por ser manifesta a ilegalidade do pedido cautelar formulado; b) Deve o presente recurso jurisdicional ser julgado improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida; b) Caso assim não entenda deve admitir-se a ampliação do objecto do recurso, julgando-se procedentes as questões nessa sede suscitadas pela ora Recorrida e indeferindo-se a providência cautelar por ser manifesta a não verificação de qualquer dos requisitos de que o artigo 1209 do CPTA faz depender a sua concessão. * Com dispensa legal de vistos substituídos pelas competentes cópias entregues aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência – artºs. 36º nºs. 1 e 2 CPTA e 707º nº 2 CPC, ex vi artº 140º CPTA. * Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade: A. A Requerente é titular da patente europeia nº 1506041 que respeita à utilização do Ácido Ibandrónico, a qual tem por epígrafe "Ácido Ibandrónico para o tratamento e prevenção da osteoporose", tendo sido pedida em 02.05.2003 (cfr. doe. 2, junto com a p.i., o qual se dá por integralmente reproduzido). B. Foi publicada no Boletim da Patente Europeia nº 2005/07 de 16.02.2005, e menção de concessão publicada em 24.10.2007 no mesmo Boletim, com menção de início em 2.05.2003 e limite de vigência em 02.05.2023 (idem). C. Em 29.11.2010 o INFARMED concedeu à empresa RATIOPHARM- comércio e indústria de produtos farmacêuticos, lda, autorização para introdução no mercado de l medicamento, contendo como princípio activo o Acido Ibandrónico, o qual apresenta a seguinte designação: Acido Ibandrónico B...150 mg (cfr. doe. n° 3 junto com o requerimento inicial cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). D. Em 24.11.2010 o INFARMED concedeu à empresa C...- indústria farmacêitica, SÁ, autorização para introdução no mercado de l medicamento, contendo como princípio activo o Acido Ibandrónico, o qual apresenta a seguinte designação: Baxogar, 150 mg (cfr. doe. n° 4 junto com o requerimento inicial cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). E. Em 17.09.2010 o INFARMED concedeu à empresa D..., SA, autorização para introdução no mercado de l medicamento, contendo como princípio activo o Acido Ibandrónico, o qual apresenta a seguinte designação: Acido Ibandrónico TEVA, 150 mg (cfr. doe. n° 5 junto com o requerimento inicial cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). F. Os genéricos Rivagstigmina apresentam as mesmas indicações terapêuticas que a invenção patenteada - indicações para o tratamento da osteoporose (por acordo). G. As Contra-Interessadas não solicitaram nem obtiveram o consentimento da Requerente previamente à obtenção das AIM em causa (por acordo). H. Dou por integralmente reproduzido o teor do Relatório Final da Comissão Europeia sobre o Inquérito ao Sector Farmacêutico publicado a 8.07.2009, disponível in (documento na versão portuguesa): I. Do mesmo consta: 3. principais conclusões 3.1. Produtos e Patentes O sector farmacêutico é um dos principais utilizadores do sistema de patentes. O número de pedidos de patente relacionados com produtos farmacêuticos apresentado ao IEP praticamente duplicou entre 2000 e 2007, As patentes relativas a substâncias activas são igualmente denominadas "patentes primárias" pelo sector, uma vez que constituem as primeiras patentes para os seus medicamentos. Novas patentes relativas a aspectos tais como diferentes formas de dosagem, o processo de produção ou fórmulas farmacêuticas específicas são denominadas pelo sector ''patentes secundárias". Em geral, as carteiras de patentes associadas a medicamentos «bíackbtisferrt revelam um aumento constante no número de pedidos de patentes ao longo do ciclo de desenvolvimento de um produto e igualmente após o lançamento no mercado. Pontualmente, evidenciam um aumento ainda mais acentuado no termo do período de protecção conferido pela primeira patente. Nos litígios em matéria de patentes, as empresas de medicamentos originais baseiani-se muitas vezes em patentes cujo pedido não havia ainda sido registado aquando do lançamento do produto em questão. 3.2. Concorrência entre empresas de medicamentos originais e genéricos – aspectos problemáticos. As conclusões indicam que as empresas de medicamentos originais recorrem a uma série de instrumentos para prolongar a vida comercial dos seus medicamentos. Os resultados do inquérito sectorial sugerem que o comportamento das empresas contribui para atrasos a nível da entrada dos genéricos.3,2.1. Estratégias de registo de patentes As conclusões do inquérito sugerem que nos últimos anos as empresas de medicamentos originais têm vindo a modificar as suas estratégias no domínio das patentes. Em especial, os documentos estratégicos destas empresas confirmam o facto de algumas terem visado o desenvolvimento de estratégias destinadas a alargar o âmbito e a duração da protecção conferida pelas suas patentes.A apresentação de múltiplos pedidos de patentes para o mesmo medicamento (formando os denominados "aglomerados de patentes" - patent clusters – ou "emaranhados de patentes" - parent thickets) é prática corrente. Os documentos recolhidos durante o inquérito confirmam que um objectivo importante desta abordagem é adiai1 ou bloquear a entrada no mercado dos medicamentos genéricos'5. Neste contexto, o inquérito conclui que. no limite, os medicamentos individuais podem ser protegidos por quase 100 famílias das patentes específicas ao produto, as quais podem conduzir a 1300 patentes e ou pedidos de patente pendentes em todos os Estados-Membros26, Não obstante o número mais reduzido de famílias de patentes subjacentes na base dos pedidos apresentados ao IEP sob uma óptica comercial, um novo operador pode. na ausência de uma patente comunitária, ter de analisar e eventualmente, aferir a totalidade das patentes existentes e pedidos de patentes pendentes nos Estados-Membros em que a empresa de genéricos pretende entrar"'. Quando o número de patentes e nomeadamente, de pedidos de patentes pendentes é elevado (aglomerados de patentes), tal pode ser fonte de incerteza para os concorrentes produtores de genéricos e afectar a sua capacidade para entrar no mercado" , As afirmações contidas em documentos internos recolhidos no quadro do inquérito sectorial apontam para o facto de os titulares de patentes estarem conscientes de que algumas das suas patentes podem não ser sólidas. Pôde ser identificado um segundo instrumento utilizado pelas empresas de medicamentos originais, a saber, a apresentação voluntária de pedidos de registo de "patentes fraccionadas", sobretudo perante o IEP, organismo junto do qual é apresentada a maioria dos pedidos de patentes no sector farmacêutico. Estes pedidos, que são previstos no direito de patentes como uma forma legítima de dividir um pedido de base (inicial), não podem extravasar o conteúdo do pedido inicial, nem o período de protecção. Podem, contudo, alargar o período de exame por parte do instituto de patentes, unia vez que a análise dos pedidos de patentes fraccionadas prossegue mesmo em caso de retirada ou revogação do pedido de base o que em determinadas condições, pode aumentar a insegurança jurídica para as empresas de genéricos. Em 25 de Março de 2009, o IEP tomou medidas que limitam as possibilidades e os prazos para a apresentação voluntária de pedidos de registo de patentes fraccionadas"'. Contactos e litígios em matéria de patentes Fazer valer direitos de patente em tribunal é legitimo e constitui um direito fundamental garantido pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos: trata-se de um meio eficaz de assegurar o respeito das patentes. Tal como sucede noutros sectores, as conclusões do inquérito demonstram, contudo, que os litígios podem igualmente constituir um meio eficaz para criar obstáculos para as empresas de genéricos, nomeadamente, as empresas mais pequenas. Em alguns casos, as empresas de medicamentos originais podem optar por processos judiciais não tanto pelos seus méritos, mas como um sinal dissuasório destinado a desincentivar a entrada 110 mercado dos seus concorrentes em genéricos. Tendo em couta as 219 moléculas contidas na amostra, as empresas de medicamentos originais e as empresas de medicamentos genéricos estiveram implicadas, a nível extrajudicial, em pelo menos l 300 contactos e litígios relacionados com patentes e respeitantes ao lançamento de produtos genéricos no período 2000-2007. A imensa maioria destes litígios foi desencadeada pelas empresas de medicamentos originais, que invocavam quase sempre as suas patentes primárias, por exemplo, através do envio de cartas de advertência. O número de litígios entre as empresas de medicamentos originais e de genéricos quadruplicou entre 2000 e 2007. No total, registaram-se 698 casos de litígios relacionados com patentes entre empresas de medicamentos originais e empresas de medicamentos genéricos, no que diz respeito aos medicamentos objecto do inquérito. Destes. 223 casos foram objecto de acordos e os tribunais proferiram uma sentença definitiva ao âmbito de 349 processos. Os restantes 326 casos encontram-se pendentes ou foram retirados. Muito embora tenham sido as empresas de medicamentos originais que desencadearam a maioria destes casos, as empresas de genéricos ganharam 62% destes 149 processos. A duração média dos processos judiciais foi de 2.8 anos mas variou consideravelmente consoante os Estados-Membros, tendo oscilado entre um período ligeiramente superior a seis meses e mais de seis anos em outros casos. Contrariamente às patentes primárias invocadas na fase de litígio pré-judicial as empresas de medicamentos originais invocaram essencialmente patentes secundárias durante a fase de processo judicial. Em 30% dos casos, foram intentadas acções judiciais entre as mesmas partes em mais de um Estado-Membro relativamente ao mesmo medicamento. Em 11% das sentenças finais proferidas, dois ou mais tribunais em diferentes Estados-Membros da UE proferiram sentenças finais divergentes no que respeita â mesma questão de validade ou infracção de patentes. As empresas de medicamentos originais solicitaram a adopção de medidas cautelares em 255 processos, o que lhes foi concedido em 112 ocasiões. A duração média das medidas cautelares concedidas foi de 18 meses. Em 46% dos processos no âmbito dos quais foram outorgadas medidas cautelares a acção judicial subsequente saldou-se quer por uma sentença final a favor da empresa de genéricos, quer por acordos aparentemente favoráveis a esta última, uma vez que autorizavam a entrada antecipada por parte da empresa de genéticos e ou previam a transferência de um montante a favor da mesma. Além disso, verificaram-se inúmeros outros acordos no domínio das patentes, em relação aos quais não é possível fazer um jxiízo (ou seja, concluir se foram favoráveis à empresa de genéricos ou à de medicamentos originais). Estima-se que o custo total na UE dos processos judiciais relacionados com patentes de que se tem conhecimento durante o período 2000 - 2007 no que diz respeito aos 68 medicamentos em causa, excedeu 420 milhões de euros. Uma proporção significativa destes custos poderia ter sido evitada na ausência da duplicação de acções transfronteiras, resultantes da ausência de uma patente comunitária e de um sistema especializado na resolução de litígios no domínio das patentes. J. Foram concedidos pela DGAE os PVP respectivos dos medicamentos genéricos das Contra-Interessadas e aqui em causa (acordo). K. Os medicamentos genéricos em causa não se encontram em comercialização (acordo). L. A patente n.° 1506041 foi objecto de oposição junto do Instituto Europeu de Patentes, tendo as 8 reivindicações da referida patente sido já alteradas, com sucessivas eliminações de reivindicações, passando a ser constituída por 4 (cfr. doe. de fls. 626 e s.). M. Como constante do sítio da internet https://register.epoline.org/espacenet/application?number :=EPO37 22591&tab=doclist&lng=en, a decisão de divisão de oposição em questão foi objecto de recurso. N. Dou por integralmente reproduzido o teor do doe. de fls. 573 e ss: Decisão da Comissão de 17.09.2010 "que concede a autorização de introdução no mercado, ao abrigo do Regulamento (CE) n.° 726/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, do medicamento para uso humano “Ibandronic Acid Teva - Ácido Ibandrónico”, à empresa D... BV. DO DIREITO No conjunto, são quatro as questões suscitadas nas respectivas conclusões, pelas quais vem assacada a sentença de incorrer em erro de julgamento nas seguintes matérias: 1. violação primária de lei adjectiva: a. competência material do Tribunal ……….… contra-alegações da Ratiopharm, D...; 2. violação primária de lei substantiva: a) natureza do acto de registo de AIM em proc. comunitário centralizado …. contra-alegações da D...; b) erros de subsunção e estatuição em matéria de fumus boni iuris e periculum in mora (artº 120º/1/b) CPTA) ……………………………….. itens 1 a 23 das conclusões; c) erro na estatuição em matéria de ponderação de interesses em presença (artº 120º/2 CPTA) ………………………………………….. item 24 das conclusões; * 1. providências antecipatórias de conteúdo assegurador; Fixada a ordem de conhecimento das questões para efeitos do artº 112º nº 1 CPTA, no tocante aos pedidos de suspensão de eficácia dos actos de AIM datados de 29.11.2010, 24.11.2010 e 17.09.2010 concedidas pelo Infarmed - Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, IP, ora Recorrido às Contra-Interessadas e dos despachos de PVP do Director Geral das Actividades Económicas tendo por destinatários as ora Contra-Interessadas, respectivamente: B...– Comércio e Indústria de Produtos Farmacêuticos, Lda., C...– Indústria Farmacêutica, SA e D..., B.V., no tocante aos medicamentos genéricos denominados, respectivamente, § Ácido Ibandrónico Ratiopharm, 150 mg, § Baxogar, 150 mg, § Ácido Ibandrónico Teva, 150 mg, cujo princípio activo denominado Ácido Ibandrónico se mostra protegido pela patente europeia nº 1506041 vigente até 02.05.2023 de que a ora Recorrente A...– A...AG é titular – vd. pontos A a E e J do probatório e documentos citados - cumpre saber se tal pedido se configura como providência de carácter conservatório do status quo ou antecipatório dos efeitos pretendidos pelas Requerentes Cautelares, ora Recorridas e Autoras da causa principal, de que a providência requerida é mero instrumento preliminar ou incidental, cfr. artº 113º nº 1 CPTA. * Relativamente ao requisito de periculum in mora - porque não obstante o trânsito da sentença favorável nos autos principais a decisão é infrutífera para o Requerente cautelar porque já nada existe susceptível de execução, ou porque a demora na decisão (normal ou anormalmente previsível) origina em termos de danos que o prefigurado perigo ou continuação de danos venha, na prática da vida, a transformar-se em lesões efectivas ou num agravamento apreciável e dificilmente reparável - do ponto de vista funcional adere-se à Doutrina que distingue três tipos de providências consoante o objecto (causa de pedir e pedido) vise assegurar a protecção do status quo alegado pelo Requerente, ou, diferentemente, vise antecipar interina e provisóriamente o direito que o Requerente pretende seja declarado nos autos principais, a saber: § conservatórias, “de asseguramento de um direito ou facto” § de regulação provisória de situações “mediante uma resolução inovadora que se destina a durar até que se obtenha uma decisão definitiva” § antecipatórias “dos efeitos da resolução definitiva” Do ponto de vista estrutural atento o requisito do periculum in mora e a relação de instrumentalidade com a causa principal, na perspectiva do conteúdo das medidas a decretar pelo Tribunal, adere-se à doutrina que identifica quatro subespécies, quais sejam: a) relativa à prova b) preparatória e de garantia c) antecipatória de conteúdo assegurador d) antecipatória de conteúdo inovador De notar que as providências referidas supra em a) e b) “(..) não tocam nunca no mérito da relação substancial controvertida (..)” ao passo que as c) e d), “(..) traduzem uma decisão que já se intromete no objecto da causa” principal e “a providência cautelar interina (com efeito ampliador ou inovador) opera à satisfação antecipada do direito controvertido, ainda que seja provisóriamente. Esta providência cautelar d) apenas tem de distinto com a c) o facto de antecipar diferentes tipos de efeitos da sentença principal. E, mais uma vez seguindo o raciocínio de Calamandrei, ambas actuam como “as forças de protecção destinadas a manter as posições até à chegada da parte mais forte do exército, a fim de evitar a este perdas de posições que lhe custariam a reconquista” (..) a instrumentalidade das providências cautelares exige que o juiz cautelar proceda a um juízo de “viabilidade” e a um cálculo de probabilidade sobre qual poderá ser o conteúdo da futura sentença final, já que tem de existir uma exacta correspondência entre os conteúdos e efeitos das duas decisões, a principal e a acessória, pelo menos interinamente (..) pese embora o amplo poder de “polícia judiciária” do juiz cautelar, este tem o seu poder discricionário rigorosamente limitado por dois princípios. Um primeiro (..) O juiz cautelar tem o dever de, durante a antecipação, limitar “a sua fantasia” ao adiantar os efeitos correspondentes ao conteúdo hipotético da futura sentença de mérito (..) O segundo princípio (..) decorre da proibição ao juiz cautelar de decidir a causa antecipadamente ao juiz da causa principal, (..) no sentido de definitivamente anular o objecto da causa principal (..). De acordo com o entendimento da doutrina actual, em suma, a antecipação só é legítima se a incidência ou intromissão do juiz cautelar “no âmbito da relação substancial, produzir efeitos jurídicos provisórios, (..) o que pressupõe que tais efeitos podem ser reversíveis e anuláveis pelo juiz da causa principal. (..)” (1). Pese embora se trate de processos autónomos, “(..) as medidas cautelares não são um fim em si mesmas, pois elas nascem, por assim dizer, ao serviço de um processo definitivo, o que exige uma avaliação perfunctória quanto à probabilidade de êxito do recurso principal. Assim, em princípio, só deve ser concedida a providência à parte que no processo goze da aparência do bom direito, isto para que a demora do processo não beneficie a parte que não tem razão (..)” (2). É o que expressamente se consigna no artº 383º nº 4 CPC, aplicável nesta sede adjectiva por remissão genérica do artº 1º CPTA, excepcionada pela não despicienda novidade de “(..) convolação do processo cautelar em tutela final urgente (..)” do artº 121º CPTA, observadas as condicionantes substantivas e adjectivas nele estatuídas (3) . * Aplicando o referido supra ao objecto do processo cautelar, em sentido amplo, tendo em conta o pedido e causa de pedir no caso concreto e levando em conta o requisito do periculum in mora nas duas vertentes funcional e estrutural, conclui-se que a natureza do processo se subsume no conceito de providência antecipatória de conteúdo assegurador. Efectivamente, a Requerente ora Recorrida Sanofi-Aventis pretende a regulação provisória da concreta situação pretensiva de suspensão de eficácia dos actos de AIM datados de 29.11.2010, 24.11.2010 e 17.09.2010 concedidas pelo Infarmed - Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, IP, ora Recorrido às Contra-Interessadas e dos despachos de PVP do Director Geral das Actividades Económicas tendo por destinatários as ora Contra-Interessadas, respectivamente: B...– Comércio e Indústria de Produtos Farmacêuticos, Lda., C...– Indústria Farmacêutica, SA e D..., SA, no tocante aos medicamentos genéricos denominados, respectivamente, § Ácido Ibandrónico Ratiopharm, 150 mg, § Baxogar, 150 mg, § Ácido Ibandrónico Teva, 150 mg, cujo princípio activo denominado Ácido Ibandrónico se mostra protegido pela patente europeia nº 1506041 vigente até 02.05.2023 de que a ora Recorrente A...– A...AG é titular – vd. pontos A a E e J do probatório e documentos citados - o que, tendo em conta a relação material que substancia a causa de pedir no processo principal, se traduz na necessidade de na acção cautelar configurar por antecipação verosímel, o hipotético conteúdo decisório da sentença definitiva. Dito de outro modo, traduz-se na antecipação do juízo sobre a causa principal no tocante à relevância de efeitos dos actos de concessão de AIM e dos despachos de PVP dos medicamentos genéricos no domínio dos direitos exclusivos de utilização fundados na patente de invenção da citada substância. Consequentemente, da relevância dos interesses fundados na patente do produto/medicamento Co-Aprovel no concreto procedimento de AIM seguido do referente ao PVP, tudo matérias a decidir em juízo de certeza nos autos principais. Pelo que vem de ser dito, não se acompanha, por formulação distinta, o enquadramento jurídico sustentado pelo Tribunal a quo de a pretensão requerida consistir na adopção de uma providência conservatória. 2. artº 120º nº 1 c) in fine, CPTA – fumus boni iuris qualificado; Nas providências antecipatórias, como é doutrina unânime - salvo em caso de divergência sobre a possibilidade, propriamente dita, de antecipação cautelar - requer-se “(..) um fumus boni iuris mais qualificado, na medida em que, existindo riscos de antecipação definitiva, o juiz cautelar deve antecipar a apreciação do mérito da causa de forma a evitar decisões antecipadas erradas (..)” (4). Sem esquecer que o âmbito e limites do conceito de providência antecipatória “(..) não é de modo algum pacíficamente entendido. Bem pelo contrário, esta é uma vexata quaestio da tutela cautelar. As divergências dogmáticas sobre a natureza jurídica da tutela cautelar e as suas discussões em torno do conteúdo da tutela cautelar e da natureza dos seus efeitos têm subjacente a diferente compreensão do seu modus operandi, a antecipação (..)” (5), a verdade é que a opção dogmática no domínio do caso concreto tem de partir do direito objectivo, conforme dispõe o artº 9º nºs. 1 e 2 Código Civil, sabido que ao legislador não cabe teorizar nem fazer opções doutrinárias mas determinar a hipótese abstracta e respectiva estatuição. Donde, ainda que não se perfilhasse o entendimento de que “(..) numa perspectiva estrutural, ou seja, no “modo como realiza o direito” o juiz da causa cautelar, perante o juiz da causa principal, actua também de diferente forma para combater os dois tipos de periculum in mora [perigo de infrutuosidade e retardamento da sentença principal] (..) [sendo que] quando o juiz cautelar condena por antecipação (..) o objecto da antecipação é o hipotético regulamento para essa controvérsia principal (..) [e por isso] é sómente na perspectiva estrutural que se dá a conhecer a medida cautelar antecipatória, já que, aparentemente, numa perspectiva funcional, muitas das medidas que parecem (erradamente) antecipatórias, na verdade não o são. E outras são antecipatórias sem o parecerem (..)”. (6) Ainda assim, as providências que se destinam a regular provisóriamente a situação substantiva versada na causa principal “(..) não podem deixar de ser aí incluídas (..)”, face à dicotomia de natureza cautelar administrativa estatuída no artº 112º nº 1 CPTA, no domínio das providências antecipatórias. (7) * No caso dos autos a aparência do bom direito alegada pela Requerente, ora Recorrente, tem assento na patente europeia nº 1506041 válida até 02.05.2023, relativo ao Ácido Ibandrónico, princípio activo dos medicamentos genéricos Ácido Ibandrónico Ratiopharm, 150 mg, Ácido Ibandrónico Teva, 150 mg e Baxogar, 150 mg – vd. pontos A a E do probatório - com prazo de protecção de 20 anos (artº 94º CPI/1995 ex vi artº 1º nº 1 DL 141/96, 23.08, actual artº 99º CPI/2003) Considerando o prazo de protecção dos direitos de patente até 02.05.2023, cumpre saber, em juízo perfunctório, se tal implica que se tenha por suficientemente configurada a probabilidade de procedência da pretensão formulada no processo principal – artº 120º nº 1 c), in fine, CPTA – de modo a preencher o requisito do fumus boni iuris, no sentido de, em summaria cognitio e não na sequência de apreciação exaustiva das provas e exame completo da questão de fundo, ou seja, por apreciação perfunctória da razoabilidade e consistência dos fundamentos apresentados na veste de substanciação das medidas cautelares peticionadas pela Requerente ora Recorrida, decidir se a pretensão formulada nos autos principais – e, consequentemente, o direito invocado -, apresenta um considerável grau de probabilidade e verosimilhança de vir a ser considerada jurídicamente relevante, na formulação qualificada própria das providências antecipatórias. 3. âmbito de protecção da patente; prova pericial; incompetência absoluta dos Tribunais administrativos; Importa, assim, deixar claro e, simultaneamente, demarcar a extensão do presente objecto cautelar, no sentido de que, no âmbito das providências requeridas, não cumpre atender aos distintos enquadramentos normativos que envolvem a matéria à luz das soluções plausíveis da questão de direito, soluções essas emergentes das diversas correntes a seu propósito formadas em sede de doutrina. Tal esforço de certeza de prova e de juízo subsuntivo à luz do quadro normativo aplicável ao caso, compete, exclusivamente, ao julgamento no processo principal; no processo cautelar apenas cumpre saber se, em juízo de plausibilidade jurídica em caso de vigência dos direitos de patente, e eventual CCP, sobre o medicamento de referência, tais direitos têm a virtualidade de legitimar os titulares que aleguem o não consentimento de comercialização da versão genérica do mesmo, a pedir a intervenção jurisdicional no quadro de competência da entidade administrativa decisora do procedimento administrativo de AIM para o medicamento genérico, em ordem a obstar aos efeitos jurídicos autorizativos antes da caducidade da protecção fundada na patente/CCP sobre a substância activa. * E importa ainda delimitar, no tocante ao objecto cautelar, o que configura matéria administrativa do que já se reporta a questões de natureza do âmbito tecnológico das patentes, o que necessariamente se prende com o conteúdo das reivindicações. De acordo com os termos do artº 62º nº 1 a) e nº 3 do Código da Propriedade Industrial de 2003 (CPI/2003) correspondente ao artº 58º do CPI/95 as reivindicações traduzem “(..) os elementos de natureza técnica (considerações, meios e efeitos técnicos) que caracterizam o invento, de tal maneira que esses elementos ou características devem ser os necessários para definir o produto revindicado (..) ou executar o método reivindicado. As reivindicações desempenham uma função essencial: delimitam o âmbito da ideia inventiva industrial para a qual a protecção tenha sido pedida (e, posteriormente, concedida). E, assim, também contribuem para delimitar a esfera reservada de actuação do titular da patente, face aos comportamentos de terceiros que, na perspectiva desse titular, possam estar a efectuar uma utilização merceológica da solução técnica reivindicada, ainda quando esta seja materializada em objectos ou processos “diferentes”. (..) permitem não só aferir a susceptibilidade de protecção de uma invenção, mas também determinar o âmbito (tecnológico) de protecção do direito de patente adrede concedido, demarcando a linha divisória para aquém da qual o titular pode impedir que terceiros desenvolvam certas actividades com finalidades merceológicas (v.g., venda, importação, transporte, fabrico, posse, etc., artº 101º do CPC de 2003). As reivindicações são proposições linguísticas, as quais caracterizam, clara e sucintamente, os elementos de natureza técnica constitutivos da própria solução (técnica) em que se exprime o invento que o titular do direito à patente pretende proteger. (..)” (8) Na medida em que o âmbito tecnológico de protecção conferido pela patente é definido pelos resultados interpretativos do conteúdo ou teor das reivindicações - “servindo a descrição e os desenhos para as interpretar”, cfr. disposto no artº 97º nº 1 in fine do CPI/2003 correspondente ao artº 93º do CPI/95 -, tal significa que eventuais questões suscitadas à propósito de infracções à patente reclamam um juízo de análise da concreta redacção dada às reivindicações, tornando-se “(..) claro que o julgador pode (e deve) servir-se da prova pericial e de eventual assistência técnica para a compreensão de questões de facto para as quais não tenha a necessária preparação, nos termos e nas modalidades previstas no artº 649º/1 do CPC, para intuir o sentido e alcance das reivindicações. (..)” (9) Isto porque de acordo com o disposto no artº 62º nº 4 CPI/2003, a descrição do objecto de invenção configura um documento de natureza simultaneamente jurídica e técnica: jurídica porque “(..) apta ao apuramento dos requisitos de patenteabilidade e delimitação do objecto da invenção (..)” e técnica porque “(..) deve ainda comportar, no mínimo, um modo de realização ou exemplo de concretização que possibilite a qualquer pessoa competente na matéria a execução da invenção (..)”, isto é, possibilite ao perito na especialidade executar a invenção ali descrita. (10) Respigando um exemplo da Doutrina, “(..) Se, por exemplo, o objecto da invenção é uma substância química susceptível de reduzir os níveis de hipertensão, a descrição deve conter informação científico-tecnológica suficiente, que o mesmo é dizer que há-de permitir que qualquer perito na especialidade possa fabricá-la industrialmente e a sua aplicação contribua, efectivamente, para reduzir a hipertensão. (..)”. (11) * Todas estas questões directamente respeitantes ao âmbito de protecção tecnológica da patente têm a ver com situações e posições jurídicas próprias do instituto da propriedade industrial, obtidas e reguladas segundo os parâmetros normativos do Código da Propriedade Industrial, complexo normativo de direito privado em que a função da propriedade industrial, de acordo com o artº 1º, CPI/2003 “(..) é a de garantir a lealdade da concorrência [na sociedade em que se insere], a qual se concretiza por duas vias: (i) a da atribuição de direitos privativos no âmbito do CPI, (ii) a da repressão da concorrência desleal. (..)” (12) Todavia, em ordem à garantia e estabilidade dos direitos privados de patente plasmado nas reivindicações e, consequentemente, da extensão de protecção de exclusivo temporário de comercialização de que o titular da mesma beneficia em razão directa do respectivo conteúdo substancial, estamos perante um dos casos especiais em que “(..) pela importância social ou económica dos bens envolvidos, pela frequência dos negócios que lhes respeitam e (ou) pela concorrência e conflitualidade da sua apropriação – para que lhe seja assegurada (ou assegurada em termos mais favoráveis) a respectiva garantia jurídica, as leis exigem que eles sejam constituídos, publicitados ou compilados publicamente, por autoridades administrativas ou por entidades publicamente investidas para o efeito. Do que se trata agora é de assegurar a certeza e autenticidade da criação, titularidade e conteúdo dessa propriedade, mediante a intervenção de oficiais públicos, alheios à situação ou acto jurídico em causa. (..)” (13) Nesta ordem de ideias impõe-se proceder à distinção jurídica entre (i) o que é a controvérsia processual directamente centrada na actividade desenvolvida no uso da competência administrativa de autenticação de um título de propriedade, como é o caso da concessão de patente tendo por objecto mediato determinadas reivindicações e descrição, (ii) daquilo que na controvérsia processual é configurado por questões de natureza substantiva privada envolvendo factos que extravasam o procedimento administrativo da certificação pública por se dirigirem já ao próprio objecto certificado, no caso, à matéria configurada na solução técnica alcançada pelo inventor e reivindicada pelo sujeito que reclama o direito à patente ou o respeito pelos direitos de patente já concedida. A primeira compete à jurisdição administrativa, a segunda à jurisdição comum, na medida em que pelo artº 89º nº 1 als. f) e h) e nº 2 a) da Lei 3/99 de 13.01, Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ) compete aos tribunais de comércio julgar (i) as acções de declaração em que a causa de pedir verse sobre propriedade industrial em qualquer das modalidades previstas no CPI (declaração de rectificação nº 7/99, in DR nº 39, de 01.02.99, pág. 804) (ii) as acções de nulidade e de anulação nas modalidades previstas no CPI, (iii) os recursos de decisões que, nos termos previstos no CPI, concedam, recusem ou tenham por efeito a extinção de qualquer dos direitos privativos nele previsto (idem quanto à citada declaração de rectificação). O que significa que os litígios em matéria substantiva regulada no Código da Propriedade Industrial – como é o caso dos litígios envolvendo o âmbito do conteúdo técnico das reivindicações patenteadas – hão-de ser dirimidos pelos Tribunais de Comércio, que são tribunais de 1ª instância em matéria especializada conforme disposto no artº 64º nº 1 LOFTJ, concretamente o Tribunal de Comércio de Lisboa (excluindo desta matéria da propriedade industrial o Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia), sendo que, já na sequência da Lei nº 52/2008 de 26.08, que aprovou a nova LOFTJ, nos termos do artº 122º nº 1 b) e c), as acções cuja causa de pedir verse sobre a propriedade industrial e as acções de nulidade e de anulação previstas no CPI competem aos juízos da propriedade intelectual da jurisdição comum, tendo a citada Lei 52/2008 procedido, ainda, pelo artº 167º à 4ª alteração do CPI no tocante ao respectivo artº 40º nº 1 que atribui a competência ao “juízo de propriedade intelectual do tribunal da comarca de Lisboa, salvo quando exista, na comarca respectiva, juízo de propriedade intelectual”. Em ordem ao sentido aqui sustentado, tomamos apoio no entendimento expresso pela Doutrina de que “(..) as vicissitudes da situação jurídica constituída pelo acto de registo do INPI (v.g., falta de novidade, nível inventivo, insuficiência da descrição do invento) projectam-se no plano do direito privado, sendo compreensível e aceitável a atribuição de competência jurisdicional ao Tribunal de Comércio de Lisboa (tribunal judicial) (..) Nota (6) – (..) Objectos possíveis de uma acção deduzida junto dos tribunais judiciais são todas as causas que podem conduzir à invalidade da patente, independentemente da circunstância de já terem sido previamente examinadas em sede de procedimento administrativo de concessão (..) Deve, de facto, entender-se que os tribunais judiciais desfrutam de competência para apreciar e julgar estas matérias e que inexiste qualquer interferência, conflito ou incompatibilidade de jurisdição entre o INPI e os tribunais judiciais, visto que se estes gozam de competência material para declarar a invalidade de uma patente já concedida (ou de outro direito industrial), a fortiori desfrutam de competência para apreciar e julgar a subsistência dos requisitos de patenteabilidade (hoc sensu, de quaisquer requisitos de protecção) respeitantes a um pedido de patente. (..)” (14) * Na circunstância do presente processo cautelar o litígio reporta exclusivamente à matéria administrativa e não ao âmbito de protecção tecnológico das reivindicações patenteadas, pelo que não tem sustentação a formulação do objecto da causa principal com reflexos na competência do Tribunal em razão da matéria, sustentada nas contra-alegações ao abrigo do artº 684º -A nº 1 CPC, pelas Contra Interessadas B...– Comércio e Indústria de Produtos Farmacêuticos, Lda. e D... B.V. 4. registo de AIM concedida em procedimento comunitário centralizado - acto administrativo - artº 54º nº 2 EM e regulamento respectivo; O que nos leva à questão suscitada em sede de contra-alegações pela Contra-Interessada D... B.V., de saber qual a natureza jurídica do acto de registo de AIM’s concedidas em sede de procedimento comunitário centralizado, ex vi artº 54º nº 2 DL 176/06 e respectivo regulamento, na circunstância de a causa principal abranger os próprios actos de registo atribuídos pelo Infarmed a AIM’s da Comissão Europeia sobre medicamentos genéricos com o princípio activo do Ácido Ibandrónico às contra-interessadas e oras Recorridas B...– Comércio e Indústria de Produtos Farmacêuticos, Lda e D... BV. Ou seja, é a relação registral de direito administrativo levada a cabo pelo Infarmed nos termos do citado regulamento emanado ao abrigo do artº 54º nº 2 DL 176/06 (EM) e não as AIM’s concedidas a nível comunitário aos medicamentos genéricos a que os actos de registo se reportam. Em princípio, um acto de registo de direito de propriedade industrial decorrente de um procedimento próprio tem a natureza de acto administrativo na medida em que se configura como actuação voluntária e unilateral de uma entidade administrativa emanada no exercício de um poder público e destinada a produzir efeitos jurídicos imediatos numa relação concreta em que ela é parte; é o que sucede, por exemplo, no domínio do registo da concessão de patentes, cfr. artº 83º nº 1 CPI/2003, sendo o acto de concessão cometido ao Conselho Directivo do INPI cfr. artº 5º nº 2 a) DL 132/07 de 27.4, mas, por disposição legal expressa, susceptível de recurso junto, não dos tribunais administrativos mas, do Tribunal de Comércio de Lisboa na medida em que se trata de recusa ou concessão de registo em matéria de propriedade industrial, artº 40º nº 1 CPI/2003. * Diversamente se afiguram as circunstâncias no caso do acto de registo de AIM’s concedidas em sede de procedimento comunitário centralizado, ex vi artº 54º nº 2 DL 176/06 e respectivo regulamento. Neste caso, além da competência registral estar cometida ao Infarmed conforme artº 54º nº 2 DL 176/06 (EM), o que significa que o acto é emanado ao abrigo de normas de direito público, cfr. artº 120º CPA, acresce, como marca de administratividade, o factor garantístico público conferido pelo registo aos direitos privados em causa. Efectivamente, o interesse pretensivo a que a AIM comunitária dá satisfação ao investir o titular no poder de comercializar o medicamento a que essa AIM respeita, só por aqui não fica preenchido para efeitos de comercialização no nosso País na medida em que essa possibilidade só a adquire por atribuição de número de registo. É exactamente por esta circunstância, de o acto de registo produzir por si efeitos jurídicos próprios e distintos dos efeitos da AIM comunitária, que o acto de registo previsto no regulamento emanado pelo Infarmed ao abrigo do artº 54º nº 2 DL 176/06 (EM) não é subsumível ao conceito de acto de execução. É que um acto de execução destina-se a tornar efectivo o comando contido no acto executado, sendo este que define a situação jurídica do particular. Todavia, o acto de registo a que alude a Deliberação do Infarmed, ou seja, o regulamento emanado ao abrigo do artº 54º nº 2 do DL 176/06 (EM) não tem por único e exclusivo escopo permitir a operatividade concreta dos efeitos já definidos pela AIM comunitária, caso em que o registo em causa assumiria a natureza jurídica de mero requisito de eficácia objectiva da dita AIM. E não tem porque a intervenção da autoridade pública investida para o efeito, no caso, o Infarmed, configura algo mais, na medida em que por seu intermédio e nos exactos termos do acto de registo que pratica é garantida a autenticidade e idoneidade das AIM emanadas de órgão da Comunidade Europeia e dos direitos em que o beneficiário foi investido, garantia e idoneidade necessárias ao trato jurídico do medicamento no nosso País. A questão equaciona-se, assim, em termos muito distintos do patamar em que operam os meros actos de execução, na medida em que o “(..) são funcionamento do mercado ou concorrência deixou de ser uma mera questão inter privus, passando a ser do próprio interesse da colectividade. (..) O registo público de actos e direitos de interesse individual destina-se, portanto, a satisfazer o superior interesse da colectividade de que certos direitos, estados e situações dos indivíduos sejam dotados de fé e garantia (reserva) públicas. Destina-se, digamos assim, a fornecer o título de legitimidade (ou legitimação) jurídica de certa situação das pessoas e dos seus bens, face a outros. Por isso se diz estarmos aqui no âmbito das funções tituladoras da Administração Pública – quando não se dá o caso, como se viu acontecer, por exemplo, com alguns actos de registo da propriedade industrial, de eles terem mesmo uma função jurídica conformadora ou constitutiva. E havendo, no ordenamento jurídico das relações tituladoras (ou conformadoras) de registo, interesses públicos de específicos que não correspondem à mera soma dos interesses individuais aí presentes, eles pedem ao Direito uma protecção ou tutela também específica, diferente daquela que se dispensa à realização desses interesses individuais. Mas não é só no fim que prosseguem ou no interesse que protegem, que as normas registais apelam à respectiva qualificação como públicas ou administrativas. É também porque essas funções constituem uma manifestação da autoridade do Estado, no exercício legalmente obrigatório de actividades ou funções tituladoras que são vedadas a particulares, em vista da prossecução de interesses de natureza e responsabilidade públicas, assumidos em sede político-legislativa como sendo da própria colectividade, utilizando-se para o efeito (serviços) meios e instrumentos jurídicos exorbitantes, que colocam os agentes públicos numa posição juridicamente supra-ordenada nas relações com os interessados, obrigando-os a ir a tribunal para retirar da ordem jurídica um acto já preticado, um efeito jurídico já produzido (..) não se admitindo aos sujeitos da relação a registar que accionem primariamente os tribunais para que eles determinem a esses órgãos públicos que actos devem praticar, em que sentido devem aplicar aquelas normas. Estão presentes aí, portanto, todos os elementos jurídicos que permitem caracterizar materialmente uma determinada função ou actividade do Estado como sendo administrativa, isto é, como sendo Administração Pública em sentido objectivo. (..)” (15) Pelo que vem de ser dito e com fundamento na Doutrina transcrita, improcedem as questões suscitadas nesta matéria pela Contra-Interessada D... B.V. em via de ampliação do objecto do recurso. 5. AIM europeia; estatuição excepção Roche/Bolar - artº 19º nº 8 EM; O artº 19º nº 1 do DL 176/06 em transposição do artº 10º da Directiva 2001/83/CE na redacção dada pela Directiva 2004/27/CE, dispõe que “sem prejuízo dos direitos da propriedade industrial” o requerente de AIM de medicamentos genéricos é dispensado de apresentar ensaios clínicos e pré-clínicos caso demonstre que o medicamento é um genérico de medicamento de referência autorizado por Estado-membro ou pela Comunidade há pelo menos 8 (oito) anos, só podendo, nestas circunstâncias, ser iniciada a comercialização do genérico 10 (dez) anos após a autorização inicial, a nível nacional ou comunitário, do medicamento de referência, conforme artº 19º nº 3 a) DL 176/06. O que significa, para o caso presente, duas coisas, (i) que durante 8 anos as empresas de genéricos não podem usar os dados clínicos e pré-clínicos inerentes às empresas titulares de AIM dos medicamentos de referência, designando-se este período de 8 anos estatuído no artº 10º da citada Directiva e artº 19º nº 1 DL 176/06 por período de protecção de dados; (ii) que não é juridicamente admissível a comercialização do medicamente genérico, ainda que objecto de AIM, em violação dos direitos da propriedade industrial, isto é, do alcance pleno do exclusivo de exploração comercial fundado em direitos de patente/CCP do medicamento de referência, ou seja, antes da cessão de feitos dos direitos de patente/CCP, nomeadamente, por caducidade do período de eficácia. Vejamos agora, apenas no que importa à matéria cautelar, alguns tópicos procedimentais da emissão de AIM em sede comunitária. Dentre as quatro formas procedimentais de obtenção de autorização de comercialização de medicamentos para uso humano no quadro da União Europeia, assentes no Regulamento (CE) nº 726/2004 de 31.03 e na sequência da transposição da mencionada Directiva nº 2004/27/CE, o procedimento centralizado junto da Agência Europeia do medicamento “(..) pode ser usado para a emissão de AIM de medicamentos genéricos, sempre que as AIM respeitantes aos medicamentos de referência tenham sido emitidas através deste procedimento através deste procedimento centralizado, que não nas eventualidades em que essas autorizações tenham sido emitidas no quadro de procedimentos nacionais ou de procedimentos de reconhecimento mútuo. (..) (..) Na União Europeia, sem dúvida já no domínio da Directiva nº 87/21/CEE, a concessão de AIM para quaisquer medicamentos (genéricos ou outros) é independente da titularidade e do exercício de direitos de patente ou de certificados complementares de protecção. Desde o advento dessa Directiva pode conceder-se AIM a qualquer interessado que cumpra os requisitos técnicos pertinentes. (..) O início do procedimento administrativo destinado a obter uma AIM para o medicamento genérico após o decurso do período de protecção dos dados e os testes e ensaios que se faz mister efectuar independentemente do consentimento do titular da patente respeitante ao medicamento de referência – na exacta medida em que poderiam bulir, se nada fosse previsto legislativamente, com os direitos exclusivos de propriedade industrial respeitantes ao medicamento de referência – denomina-se estatuição excepção Roche/Bolar (..) esta estatuição excepção Roche/Bolar aos direitos de propriedade industrial, prevista desde 1984 na legislação estadunidense, foi expressamente consagrada no artº 10º/6 da Directiva 2001/83/CE na redacção dada pela Directiva 2004/27/CE, disposição que foi precípuamente transposta para o nº 8 do artº 19º do actual Estatuto do Medicamento (Decreto-Lei nº 176/2006, de 30 de Agosto). (..) (..) o efeito prático desta estatuição excepção Roche/Bolar nos ordenamentos jurídicos dos Estados-membros da União Europeia consiste no seguinte: é um expediente que autoriza a comercialização de um medicamento genérico no dia seguinte ao da extinção do direito de patente/certificado complementar de protecção respeitante ao medicamento de referência para que fora emitida uma anterior AIM. (..) permite reduzir extraordinariamente a entrada efectiva dos medicamentos genéricos no mercado, relativamente à data da extinção dos direitos de patente respeitantes ao medicamento de referência: de 250 semanas para 0 ou 4 semanas, a contar da extinção daqueles direitos de propriedade industrial.(..)” (16) De modo que, considerando a Doutrina que vem sendo citada, com ressalva do devido respeito por divergência no tocante à extensão interpretativa dada ao segmento normativo do artº 19º nº 8 DL 176/06 traduzido na expressão “as exigências práticas daí decorrentes” nele incluindo “o pedido de AIM, o pedido de fixação do preço de venda, a emissão da própria AIM e a autorização do preço proposto” do medicamento genérico, existe unanimidade de entendimento quanto a configurar a comercialização efectiva ou actividades merceológicas preparatórias, “v.g., fabrico, acondicionamento, armazenagem, promoção do produto, transporte ou uso do produto para aquela finalidade” como condutas violadores do direito de propriedade industrial respeitante ao medicamento de referência. Incluso no que respeita mecanismo da estatuição excepção Roche/Bolar que, repetindo, tem por escopo permitir comercialização do medicamento genérico a partir do dia seguinte ao da caducidade dos direitos de exclusivo de comercialização do medicamento de referência assentes em direito de patente/CCP e não antes da sua extinção 6. AIM, condição jurídica do procedimento de PVP – cfr. artº 77º nºs. 1 e 3, DL 176/06, 30.08; No nosso País a iniciativa económica privada da comercialização de medicamentos de uso humano não sendo uma actividade proibida é uma actividade fortemente regulada desde logo por imposição constitucional - cfr. artº 64º nº 3 e) CRP - em vista dos interesses públicos da saúde da população e do acesso aos medicamentos via tabelação de preços máximos e comparticipação, regulação expressa na intervenção permissiva do Estado objectivada em dois actos administrativos, cujo procedimento se inicia a requerimento do interessado. O primeiro, de autorização de introdução no mercado (AIM) da competência do INFARMED, cfr. artºs. 14º nº 1, 15º nº 1 e 23º nº 1, DL 176/06 de 30.8, que tem por finalidade remover o limite de exercício do direito pré-existente da iniciativa económica privada, constitucionalmente configurado no artº 61º CRP. O segundo, de fixação do preço máximo de venda ao público (PVP) da competência da DGAE, excepto no que se refere à fixação das comparticipações nos preços de medicamentos pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS) cometido ao INFARMED, cfr. artºs 1º nº 1 e 4º nºs. 1 e 3, DL 65/07 de 14.03, com as alterações decorrentes do DL 48-A/2010 de 13.05 devendo os titulares da AIM formular a sua proposta de preços, beneficiária de autorização tácita decorridos que sejam, no tocante aos genéricos, 45 dias sobre a entrada do pedido na DGAE, sem prejuízo de eventuais suspensões em caso de solicitação de elementos ao requerente, cfr. artºs. 1º nº 1, 2º e 4º da Portaria 312-A/2010 de 11.06. Só munido da AIM pode o interessado entrar com o pedido de fixação dos preços máximos de mercado, ademais de, por referência a este acto, a lei atribuir efeitos preclusivos à não observância de um prazo mínimo de 3 anos consecutivos de comercialização do medicamento genérico, sob cominação legal de caducidade da AIM, cfr. artº 77º nºs. 1 e 3, DL 176/06 e, em consonância, o artº 1º nº 1 da citada Portaria 312-A/2010 - o que significa que a lei atribui ao acto administrativo de AIM praticado pelo INFARMED a natureza jurídico-adjectiva de condição do procedimento a desencadear pelo interessado junto da DGAE para fixação dos máximos de PVP. De modo que, saber se a actividade administrativa regulatória de introdução de medicamentos genéricos no mercado e fixação de preços máximos de venda e comparticipações do SNS pode abstrair, para todo e qualquer efeito juridicamente relevante, da existência de exclusivos de exploração comercial fundados em direitos de patente/CCP sobre os correspectivos medicamentos de referência, implica que se parta da análise do acto administrativo final no âmbito do procedimento de AIM. Efectivamente, por intermédio do acto administrativo de AIM, ou seja, no exercício de poderes de autoridade, a Administração define um complexo de relações jurídicas concretas de direito público e, através deste acto autorizativo, investe o requerente de AIM num título capaz de, pela força jurídica que lhe é inerente, produzir efeitos jurídicos concretos e específicos, v.g., o poder de o sujeito titulado comercializar o medicamento a que a AIM respeita, cumprindo analisar tais funções definitória e tituladora no contexto multipolar ou poligonal das relações jurídicas que a respeito de tal acto se estabelecem, atentos os interesses pluri-subjectivos afectados ou lesados pela decisão administrativa autorizativa de introdução de medicamentos genéricos no mercado. Neste sentido, a “(..) intervenção administrativa na concessão de AIM (..) configura a decisão central no procedimento administrativo de comercialização de medicamentos e, por isso, será este o momento adequado para considerar a eventual existência de exclusivos que ponham em causa essa comercialização relativamente a um determinado produto (..)” (17) 7. AIM - relação jurídica poligonal ou multipolar; ponderação de interesses; direitos fundamentais em colisão; Como já assinalado, o conhecimento da fórmula positiva do fumus boni iuris próprio da decisão cautelar estrutura-se como juízo de verosimilhança ou probabilidade de indícios sobre a existência do direito ou interesse que o requerente pretende acautelar, longe, pois, do juízo de certeza próprio do julgamento principal, fundado numa avaliação efectiva e aprofundada seja dos meios de prova carreados para o processo seja das questões de direito. Assim sendo, compete ao processo principal e não aos presentes autos cautelares saber que natureza assume a referência de comercialização por 3 anos consecutivos uma vez obtida a AIM, feita no artº 77º nº 3, DL 176/06, AIM cujo primeiro período de validade é de 5 anos, cfr. artº 27º nº 1 DL 176/06, sob cominação expressa de o titular de AIM perder o estatuto por caducidade do acto de autorização, ou seja, saber se tal constitui o titular de AIM no dever jurídico de comercialização nos 3 anos seguintes à concessão de AIM ou apenas lhe atribui um ónus de comercialização. (18) Para que o acto final de AIM seja válido não se suscita a mínima dúvida que o procedimento administrativo há-de reflectir o cumprimento do direito substantivo, de que o procedimento é instrumental, e evidenciar pelos actos praticados a observância das exigências de tramitação e formalidades legais prescritas, tanto na parte do DL 176/06 de 30.08 dedicada à autorização de introdução no mercado, como na legislação conexa remissiva, nomeadamente no CPA. Nesta sede a questão que se coloca é a de saber se o procedimento administrativo de AIM, desencadeado pelos particulares e tramitado pela entidade administrativa em vista da comercialização no nosso País de medicamentos genéricos, admite que se considerem e incorporem na respectiva tramitação de forma juridicamente válida e relevante actos jurídicos que extravasam a específica relação jurídica substantiva estabelecida entre o sujeito titular do interesse pretensivo de concessão da AIM do medicamento genérico e a entidade administrativa competente para a prática do acto autorizativo, sendo que o fundamento dessa incorporação se substancia no interesse de terceiros na protecção efectiva do direito de patente/CCP. No caso dos autos, do direito da Requerente, ora Recorrente relativamente aos efeitos jurídicos decorrentes dos actos de AIM datados de 29.11.2010, 24.11.2010 e 17.09.2010 concedidas pelo Infarmed - Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, IP, ora Recorrido às Contra-Interessadas e dos despachos de PVP do Director Geral das Actividades Económicas tendo por destinatários as ora Contra-Interessadas, respectivamente: B...– Comércio e Indústria de Produtos Farmacêuticos, Lda., C...– Indústria Farmacêutica, SA e D..., B.V., no tocante aos medicamentos genéricos denominados, respectivamente, § Ácido Ibandrónico Ratiopharm, 150 mg, § Baxogar, 150 mg, § Ácido Ibandrónico Teva, 150 mg, cujo princípio activo denominado Ácido Ibandrónico se mostra protegido pela patente europeia nº 1506041 vigente até 02.05.2023 de que a ora Recorrente A...– A...AG é titular – vd. pontos A a E e J do probatório e documentos citado. Dada a natureza poligonal ou multipolar da situação jurídica administrativa em que se insere o acto de concessão de AIM, à luz do nosso direito positivo tem cabimento a legitimidade de intervenção desses terceiros ao abrigo do estatuto jurídico de contra-interessados, cfr. artºs. 52º e 53º CPA, legitimidade de intervenção no procedimento e de controlo participado no “(..) iter de formação da decisão (sobretudo a instrução, em que são recolhidos os elementos essenciais nos quais a decisão se vai basear) (..)” (19) De facto, “(..) Como o próprio nome indica, nas relações jurídicas poligonais ou multipolares não existe um esquema referencial binário – de um lado os poderes públicos administrativos e do outro lado um cidadão (particular) ou vários cidadãos com interesses idênticos – antes se perfila, do lado dos particulares, um complexo multipolar de interesses diferentes ou até contrapostos (..)”, salientando a doutrina como “(..) traços estruturais destas relações jurídico-administrativas poligonais ou multipolares (..) 1. programação legal relativamente ténue; 2. complexidade de situações e tarefa de avaliação de riscos apelativos de conhecimentos técnico-científicos; 3. pluralização e interpenetração de interesses públicos e privados; 4. legitimidade de intervenção dos interessados no acto procedimental praticado pela administração (..)” (20) No regime jurídico dos medicamentos para uso humano constante do DL 176/06, 30/08, é absolutamente evidente a estreita relação entre a larga panóplia de exigências técnico-científicas e o acto autorizativo, como não podia deixar de ser dado que a intenção do legislador é de garantir “o controlo da qualidade, segurança e eficácia, introdução no mercado e comercialização dos medicamentos”. A título de mero exemplo citam-se os artºs. 15º nº 2, 3 e 5 (elementos técnico-documentais que devem acompanhar o requerimento, sob pena de invalidade do pedido), 16º nº 6 (solicitação de elementos ao requerente), 17º (controlos periciais), 18º nº 1 (resumo de especificidades técnicas), 19º (requisitos de dispensa de ensaios pré-clínicos e clínicos) no tocante ao procedimento de AIM e que o diploma incorpora também na previsão das alterações de conteúdo das AIM já concedidas e bem como no tocante às autorizações de fabrico, importação e exportação de medicamentos. No tocante à ponderação dos diversos interesses que se perfilam diz-nos Gomes Canotilho, na Obra referida em (11) que vimos seguindo, que “(..) Tomar em conta os direitos de terceiros em relações jurídicas poligonais significa que as autoridades decisórias devem desenvolver um esquema metódico de ponderação de interesses cujos passos se podem resumir da seguinte forma: 1. proibição de “falta” de ponderação: a administração deve determinar o quadro normativo em que se deve mover a sua tarefa de confrontação e ponderação de interesses; 2. proibição de deficit de ponderação: todos os interesses relevantes devem ser incluídos no procedimento de ponderação; 3. proibição de juízo de ponderação insuficiente: a administração deve expressamente reconhecer o relevo dos bens públicos e privados de forma a alicerçar a decisão concreta; 4. proibição de ponderação desproporcionada: na balança de interesses e na harmonização de direitos a administração não deve proceder a uma ponderação de interesses objectivamente desproporcionada (..)” Estas proibições no que tange ao modo de formação do acto jurídico-público praticado por uma entidade administrativa e no uso de funções administrativas, como é o caso da AIM, vêm reforçar a consideração de “(..) que os interessados no procedimento não são apenas os interventores principais, mas ainda aqueles que possam ser afectados directamente nos seus direitos pelas decisões que aí venham ou possam vir a ser tomadas, ainda que não tenham obrigatoriamente de ser chamados ao procedimento – aqui se manifesta a distinção cada vez mais importante, embora por vezes ignorada, entre a legitimidade para iniciar o procedimento e a legitimidade de terceiros para intervir no procedimento, designadamente com intuitos defensivos (..)” (21) E reforçam a defesa da legitimidade de intervenção dos terceiros titulares de direitos exclusivos assentes em patente/CCP, dando expressão concreta ao princípio da participação, cfr. artº 52º CPA, na medida em que a decisão procedimental no domínio de situações jurídicas poligonais, derivado à expressão concreta dos efeitos jurídicos declarados no âmbito da pluralização e interpenetração de interesses diferentes ou mesmo contrapostos, pode com toda a probabilidade configurar a lesão efectiva de direitos ou posições jurídicas de terceiros. * Por outro lado a própria lei acolhe a necessidade da ponderação dos diversos interesses diferentes e/ou contrapostos fazendo referência expressa ao dever de obstar a contradições normativas, prevenindo, do nosso ponto de vista, a exigência de composição dos diversos interesses em presença no procedimento que o acto de AIM pode afectar ou mesmo lesar, integrando normativamente o sentido jurídico da consideração global das situações jurídicas pré-existentes, nomeadamente assentes em direitos fundamentais que não podem ser postos de lado no âmbito do procedimento de AIM. Do que vem dito são exemplo, a propósito do procedimento de AIM, os trechos legais e normativos do DL 176/06 que se enunciam: § “Sem prejuízo dos direitos da propriedade industrial …”, cfr. artºs 19º nº 1 e 20º nº 1; § “Sem prejuízo do disposto no artº 102º do CPI, aprovado pelo DL nº 36/2003, de 5.3 …”, cfr. artº 19º nº 8; § “Sem prejuízo do disposto na lei relativamente à comercialização efectiva do medicamento …”, cfr. artº 27º nº 1; § “A concessão de de uma autorização não prejudica a responsabilidade, civil ou criminal, do titular da AIM ou do fabricante”, cfr. artº 14º nº 4; § “Além de outras obrigações impostas por lei, o titular da AIM (..) responde civil, contra-ordenacional e criminalmente pela exactidão de documentos e dados apresentados e pela violação das normas aplicáveis”, cfr. artº 29º nº 1 n); Tais referências indicam que no domínio do acto administrativo autorizativo o legislador procurou expressamente evitar que derivado aos efeitos jurídicos normais a todo o acto administrativo - vg. o efeito de caso decidido e de vinculatividade de entidades administrativas terceiras - o acto administrativo de concessão de AIM produzisse efeitos perversos porque prejudiciais da esfera jurídica de terceiros em razão dos “efeitos irradiantes” dos actos de autorização. * Não é este o momento para trazer à colação a problemática do chamado “efeito legalizador” ou “efeito justificativo” derivado do acto de concessão de AIM no domínio de relações jurídicas poligonais, questão a enfrentar, se for o caso, no processo principal, na hipótese do lançamento no mercado do medicamento genérico se processar em violação de exclusivos de patente/CCP do medicamento de referência. (22) Todavia, sempre se dirá que releva decisivamente a circunstância de a lei ter expressamente afastado o efeito preclusivo da “norma de justificação” no sentido de o titular da AIM não se poder prevalecer de nenhum efeito justificativo ao abrigo da concessão da autorização contra eventuais pretensões de terceiros titulares de patente/CCP lesados pela comercialização de genéricos na vigência da protecção do exclusivo. Desde logo, e em primeiro lugar, os referidos artºs. 14º nº 4 e 29º nº 1 n) do DL 176/06 estatuem exactamente no sentido da prevalência normativa da ilicitude nos domínios jurídico-civil e jurídico-criminal (penal e contra-ordenacional). Em segundo lugar, não existe previsão legal expressa que reconheça efeitos preclusivos dos direitos de terceiros lesados pela eventual concessão de AIM a medicamento genérico na vigência dos direitos de patente/CCP do medicamento de referência [seguida de fixação de máximos de PVP e efectiva comercialização do medicamento genérico], sendo que a lei dispõe expressamente no sentido inverso, prevenindo a colisão de direitos fundamentais conflituantes - o direito de patente integrado nos direitos de propriedade industrial e, como tal, parte integrante do conteúdo de protecção do direito fundamental de propriedade privada, cfr. artº 62º CRP, e o direito de iniciativa económica privada, cfr. artº 61º CRP, e resolvendo a questão da confrontação de direitos em benefício do primeiro através dos artºs. 19º nº 1 e 20º nº 1, 27º nº 1 e 19º nº 8, todos do DL 176/06. De facto, os citados artigos ressalvam expressamente os direitos da propriedade industrial o que significa que remetem para o regime do CPI, v.g. para o disposto no artº 101º nº 2 que confere ao titular de patente o direito de impedir a comercialização de produto patenteado sem o seu consentimento e, por remissão expressa do artº 18º nº 8 EM, para o artº 102º CPI, cuja alínea c) determina o alcance restritivo do direito de patente no tocante, entre outros, a “actos realizados exclusivamente (..) para preparação dos processo administrativos necessários à aprovação de produtos” restrição retirada no segmento final da norma, ao ressalvar “(..) não podendo, contudo, iniciar-se a exploração comercial ou industrial desses produtos antes de se verificar a caducidade da patente que os protege (..)”, consignando o alcance pleno do exclusivo do direito de patente/CCP sobre a direito de iniciativa económica privada nas vertentes de exploração comercial ou industrial. * Pese embora o procedimento de AIM do DL 176/06 não preveja o dever do INFARMED, ex officio ou por informação imposta ao requerente, de se certificar da situação jurídica de vigência ou não do exclusivo de comercialização do medicamento de referência, embora o conhecimento da sua existência seja incontornável desde logo atento o conteúdo do conceito de medicamento genérico, vd. artº 3º nº 1 n), bem como o disposto nos artºs. 19º e 20 do DL 176/06, sufragamos o entendimento sustentado por Vieira de Andrade em Parecer Jurídico publicado in RLJ nº 3953, Ano 138, Nov/Dez/2008 – A protecção do direito fundado em patente no âmbito do procedimento de autorização da comercialização de medicamentos, junto ao rec. 4614/08 deste TCA, no sentido de que a omissão de previsão normativa expressa nesse sentido “(..) não significa, como não podia deixar de ser, que o Estatuto do Medicamento ignore a existência de direitos de propriedade industrial, nem as consequências decorrentes dos exclusivos para comercialização dos produtos (..) (..) a neutralidade administrativa não pode ser invocada nas decisões administrativas susceptíveis de afectarem ou porem em perigo direitos de terceiros, muito menos quando esses direitos sejam direitos fundamentais, análogos aos direitos, liberdades e garantias. O princípio da imparcialidade da Administração, na sua dimensão objectiva, obriga à ponderação pelo agente de todas as circunstâncias relevantes para a decisão, (..) (..) quando a intervenção do titular do direito exclusivo traga ao procedimento a alegação comprovada da existência de um obstáculo jurídico à eficácia do acto de autorização o INFARMED não pode ignorar a intervenção e a prova fornecida (..) sabendo que, face à existência de uma patente sobre aquele produto, está a contribuir para a viabilização ou, pelo menos, aumenta decisivamente o perigo de viabilização de uma actividade ilícita e criminosa, ofensiva do direito subjectivo de terceiro que impõe, no mínimo, um dever de consideração e o consequente dever de ponderação do direito subjectivo em perigo. (..) (..) [a] norma do artº 25º do EM será inconstitucional, por falta de protecção mínima adequada de um direito fundamental, se for interpretada como fixação taxativa dos fundamentos de indeferimento, obrigando o INFARMED a deferir o requerimento e proibindo-o de tomar conhecimento da existência de violação de patente procedimentalmente comprovada – tal como seria inconstitucional a produção de efeitos contrários à patente (..) (..) a protecção efectiva do direito de patente industrial, constitucionalmente imposta, implica, como mínimo imprescindível, a sua relevância no procedimento e na validade de uma AIM de medicamentos cuja comercialização ofenda o exclusivo patenteado – e que essa relevância do conteúdo essencial do direito se impõe ao legislador, à Administração e ao juiz (..) (..) entre nós – ao contrário do que possa acontecer noutros países, e diferentemente do que se passa no direito comunitário – a patente corresponde a um título conferido por um órgão da Administração, através de um verdadeiro acto administrativo no âmbito de um procedimento contraditório [o reconhecimento do direito de patente (..) é feito por acto administrativo do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) – artºs. 65º e ss do CPI, aprovado pelo DL 36/2003], um título que tem uma função certificativa de um acto constitutivo de certeza jurídica com força probatória privilegiada [documento autêntico nos termos do artº 369º do Código Civil, dotado de força probatória plena, artº 371º] e que tem uma função estabilizadora própria de “caso decidido”, implicando para os particulares um ónus de impugnação e assegurando, pelo menos em princípio, a autovinculação da Administração (..) (..) Nos casos em que a patente seja contestada, o INFARMED não tem de resolver a questão da eventual validade desta – para ele, o acto administrativo que foi praticado pelo INPI vala como “caso decidido material” , enquanto o requerente não conseguir junto dos Tribunais a respectiva declaração de nulidade, salvo se for evidente a nulidade ou a caducidade da patente [em caso de nulidade evidente, qualquer órgão da Administração pode conhecer - embora, em rigor, não possa declarar -, a nulidade de um acto administrativo, com base no disposto o artº 134º nº 2 do CPA). (..) (..) a circunstância de a lei determinar, como princípio, para este tipo de autorizações, um ónus de comercialização e de lhe fixar ainda que de forma indirecta um prazo de 3 anos [e] se a cessação da comercialização de um medicamento durante um período de 3 anos implica, por força no nº 3 do artº 77º do EM, a caducidade da autorização, e se, nos termos do artº 27º do EM, a validade da primeira autorização (de cinco anos) não dispensa o cumprimento da obrigação de comercialização efectiva, tem de concluir-se que o legislador entende que o requerente está obrigado a iniciar a comercialização dentro desse prazo. A ser assim, esse prazo pode e deve entender-se como prazo adequado para servir de fronteira temporal para a conduta administrativa relativamente à concessão de autorização de comercialização de um medicamento protegido por uma patente (..)” (23) * Pelo que vem de ser dito conclui-se pela verificação do requisito cautelar do fumus boni iuris em sede de providência antecipatória de conteúdo assegurador na formulação positiva do artº 120º nº 1 c) CPTA, no tocante à medida requerida de suspensão de eficácia dos actos de AIM datados de 29.11.2010, 24.11.2010 e 17.09.2010 concedidas pelo Infarmed - Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, IP, ora Recorrido às Contra-Interessadas e dos despachos de PVP do Director Geral das Actividades Económicas tendo por destinatários as ora Contra-Interessadas, respectivamente: B...– Comércio e Indústria de Produtos Farmacêuticos, Lda., C...– Indústria Farmacêutica, SA e D..., B.V., no tocante aos medicamentos genéricos denominados, respectivamente, § Ácido Ibandrónico Ratiopharm, 150 mg, § Baxogar, 150 mg, § Ácido Ibandrónico Teva, 150 mg, cujo princípio activo denominado Ácido Ibandrónico se mostra protegido pela patente europeia nº 1506041 vigente até 02.05.2023 de que a ora Recorrente A...– A...AG é titular – vd. pontos A a E e J do probatório e documentos citados. 8. periculum in mora – artº 120º nº 1/ b) e c) CPTA; formulação unitária; Decorre do texto normativo a definição unitária do periculum in mora, requisito cautelar reportado à verificação do “(..) fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação (..)” – cfr. artº 120º nº 1/ b) e c) CPTA. Nas providências antecipatórias os eventos que se pretende acautelar são as consequências prejudiciais da demora na obtenção de decisão final transitada e, em certa medida, garantir por antecipação os efeitos de eventual sentença favorável a proferir no processo principal – é o chamado “periculum in mora de retardamento” ou “prejuízo de retardamento”, no qual se leva em consideração “(..) o tipo de efeitos negativos que são resultantes do estado de insatisfação do direito, durante o tempo em que se aguarda o desfecho do processo (..)”. (24) No domínio do conceito de “prejuízos de difícil reparação” consagrado no artº 76º nº 1 a) LPTA, não curando aqui do item da gravidade do prejuízo que não passou para o regime actual, a doutrina põe de manifesto que “(..) Entre nós, a jurisprudência do STA, desde cedo, levou em linha de conta as dificuldades de avaliação de danos, mesmo patrimoniais, inclinando-se a favor da suspensão naquelas situações em que a avaliação dos danos e a sua reparação, não sendo de todo em todo impossíveis, podiam tornar-se muito difíceis. É assim que de forma uniforme e reiterada, aquele Tribunal considerava irreparáveis ou de difícil reparação os prejuízos decorrentes de actos que importassem inibição ou restrição do exercício de indústria, comércio ou cessação de actividades profissionais livres. Trata-se de situações que originam normalmente lucros cessantes de montante indeterminável com rigor, e arrastam outras consequências de difícil quantificação, como a perda de clientela, além da impossibilidade de satisfação de compromissos já assumidos, etc. (..) São também de considerar de difícil reparação os prejuízos cuja avaliação pecuniária é de determinação imprecisa, imperfeita ou duvidosa (..) (..) prejuízos de difícil reparação verificar-se-iam “também se o acto reduz ou limita a actividade exercida pelo recorrente”, concluindo que para tal não se tornava necessário que a concessão da reserva inviabilizasse a exploração agrícola”. “Bastará – referiu o STA – “que esta exploração fique afectada em termos de o prejuízo, além de significativo, ser de difícil reparação pela respectiva natureza variável.” (25) * No tocante à dimensão económica da controvérsia suscitada nos autos entre o alegado exclusivo temporário de primeira comercialização fundada em direito de patente sobre a substância activa do medicamento de referência em contraposição à pretendida comercialização de medicamento genérico na pendência do alcance temporal daquela patente, cabe ter em conta que, para efeitos cautelares, a prejudicialidade económica assume a configuração jurídica de probabilidade fáctica notória, no sentido adjectivo configurado no artº 514º nº 1 CPC, que não carece de prova, fundamento jurídico também presente em decisões ao abrigo do regime da LPTA. (26) . Efectivamente, exercendo a Recorrente uma actividade comercial normal que tem por escopo o lucro empresarial, a concessão de AIM’s datadas de 29.11.2010, 24.11.2010 e 17.09.2010 aos medicamentos genéricos na pendência da vigência de patente europeia nº 1506041 vigente até 02.05.2023 relativa ao Ácido Ibandrónico patenteado na titularidade da ora Recorrente e constante dos medicamentos genéricos Ácido Ibandrónico Ratiopharm, 150 mg, Ácido Ibandrónico Teva, 150 mg e Baxogar 150mg e obtido o PVP pelas Contra-Interessadas ora Recorridas, constituem causa provável, em juízo de normalidade, de decréscimo do volume de negócios na vertente das vendas e consequentemente de descida de réditos, não sendo necessário trazer à acção cautelar as demonstrações financeiras dos dois ou três últimos anos para, a partir delas, extrapolar projecções contabilísticas de perdas operacionais e decréscimo de proveitos e ganhos de exercício. Não se trata de prejuízos por força da concorrência de mercado – a concorrência, no sistema económico em que o País se insere, é inerente à estrutura do sistema, não uma patologia produtora de prejuízos – trata-se da retracção do volume de vendas e consequentes prejuízos em via de consequência normal, plausível e adequada pela introdução no mercado de produtos em violação de direitos exclusivos de comercialização temporários, na pendência da protecção fundada em patente/ CCP, o que extravasa, no caso concreto, os riscos próprios da concorrência no mercado dos medicamentos. * Pelo exposto, considera-se preenchido o requisito do periculum in mora de retardamento, na veste da produção de prejuízos de difícil reparação, cfr. artº 120º nº 1 c) CPTA, para a suspensão de eficácia dos actos de AIM datados de 29.11.2010, 24.11.2010 e 17.09.2010 concedidas pelo Infarmed - Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, IP, ora Recorrido às Contra-Interessadas e dos despachos de PVP do Director Geral das Actividades Económicas tendo por destinatários as ora Contra-Interessadas, respectivamente: B...– Comércio e Indústria de Produtos Farmacêuticos, Lda., C...– Indústria Farmacêutica, SA e D..., B.V., no tocante aos medicamentos genéricos denominados, respectivamente, § Ácido Ibandrónico Ratiopharm, 150 mg, § Baxogar, 150 mg, § Ácido Ibandrónico Teva, 150 mg, cujo princípio activo denominado Ácido Ibandrónico se mostra protegido pela patente europeia nº 1506041 vigente até 02.05.2023 de que a ora Recorrente A...– A...AG é titular – vd. pontos A a E e J do probatório e documentos citados. 9. ponderação de interesses – artº 120º nº 2 CPTA Dada a natureza poligonal ou multipolar da situação jurídica administrativa em que se insere o acto de concessão de AIM, cumpre seguindo a formulação de Gomes Canotilho, já supra mencionada, como esquema metódico de ponderação dos diferentes interesses em presença, públicos e privados, organizado por quatro patamares de proibições - (1) proibição de “falta” de ponderação, (2) proibição de deficit de ponderação, (3) proibição de juízo de ponderação insuficiente, (4) proibição de ponderação desproporcionada -, em ordem a saber se, uma vez que os pressupostos cautelares do fumus boni iuris e periculum in mora permitam a decretação da medida cautelar nada obsta no tocante ao requisito de cariz negativo estatuído na segunda parte do artº 120º nº 2 CPTA, isto é, saber se a concessão da providência acaba por produzir, em juízo de proporcionalidade, danos superiores na esfera jurídica do Requerido e terceiros Contra-interessados, àqueles que o Requerente visa prevenir com a decretação da medida cautelar e não seja possível atenuá-los ou, mesmo evitá-los através de adopção de “outras providências”. Atenta a natureza impeditiva destas circunstâncias impende sobre os Requeridos o ónus de alegação e demonstração do perigo de produção de prejuízos específicos, quer no domínio dos interesses privados conflituantes com o interesse privado do Requerente no que tange aos concretos interesses públicos e privados que singularmente se perfilem. A ocorrência de prejuízos caracterizados como de difícil reparação na esfera jurídica da ora Recorrida decorrentes do perigo de retardamento no caso de efectiva eficácia dos actos administrativos de AIM sobre os medicamentos genéricos, conforme razões supra, implica que “(..) só se pode falar em prejuízo do interesse público se a sua satisfação, em caso de improcedência da pretensão formulada no meio principal, se revelar difícil ou totalmente inútil. Não se exige a priori, uma grave lesão do interesse público ou dos interesses dos contra-interessados, mas é imprescindível que a lesão de quaisquer interesses assuma contornos tais, que, no caso concreto, se afigure desproporcionado o decretamento da providência requerida. (..)”. (27) Na circunstância dos autos e em juízo perfunctório de proporcionalidade estrita (proibição do excesso) não emergem dos autos indícios concretos de prejudicialidade quer do concreto interesse público quer dos interesses privados que imponha a recusa da suspensão de eficácia dos actos autorizativos, pelo que não cabe rejeitar o pedido de tutela requerida. * Por tudo quanto vem dito supra conclui-se pela procedência do alegado no tocante aos pressupostos cautelares do fumus boni iuris, periculum in mora e ponderação de interesses, itens 1 a 23 e 24 das conclusões do recurso interposto pela sociedade A...– A...AG. *** Termos em que acordam em conferência os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em: A. na procedência do recurso, revogar a sentença proferida e, em via de substituição, decretar a suspensão de eficácia dos actos de AIM datados de 29.11.2010, 24.11.2010 e 17.09.2010 concedidas pelo Infarmed - Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, IP, ora Recorrido, e dos despachos de PVP do Director Geral das Actividades Económicas tendo por destinatários as Contra-Interessadas, ora Recorridas, respectivamente, B...– Comércio e Indústria de Produtos Farmacêuticos, Lda., C...– Indústria Farmacêutica, SA e D..., B.V., no tocante aos medicamentos genéricos denominados, respectivamente, · Ácido Ibandrónico Ratiopharm, 150 mg, · Baxogar, 150 mg, · Ácido Ibandrónico Teva, 150 mg, cujo princípio activo denominado Ácido Ibandrónico se mostra protegido pela patente europeia nº 1506041 vigente até 02.05.2023 de que a ora Recorrente A...– A...AG é titular – vd. pontos A a E e J do probatório e documentos citados; B. julgar improcedente a formulação do objecto da causa principal com reflexos na competência do Tribunal em razão da matéria, sustentada nas contra-alegações ao abrigo do artº 684º -A nº 1 CPC, pelas Contra Interessadas B...– Comércio e Indústria de Produtos Farmacêuticos, Lda. e D... B.V., confirmando-se nesta parte a sentença proferida Custas a cargo dos Recorridos. Lisboa, 29. SET.2011 (Cristina dos Santos) (António Vasconcelos) (Paulo Gouveia) 1- Isabel Fonseca, Introdução ao estudo sistemático da tutela cautelar no processo administrativo, Almedina, 2002, págs 122/123, nota 383,130/134; no mesmo sentido, Vieira de Andrade, A justiça administrativa, Almedina, 5ª edição, 2004, págs. 306/309, 318/319. 2- Fernanda Maçãs, Reforma do contencioso administrativo – O debate universitário, Vol. I, Coimbra Editora 2003, págs. 459/460. 3- Mário Aroso de Almeida, O novo regime do processo nos tribunais administrativos, Almedina, 2003, págs. 263/266 4- Isabel Celeste Fonseca, Introdução ao estudo… , pág.120; no mesmo sentido, Fernanda Maçãs, Reforma do contencioso …, pág. 462 e notas (23) e (24); Mário Aroso de Almeida, O novo regime …, pág. 262. 5- Isabel Celeste Fonseca, Introdução ao estudo…, pág.128. 6- Isabel Celeste Fonseca, Introdução ao estudo …, págs.125/126. 7- Vieira de Andrade, A justiça administrativa …, pág. 306, nota 649. 8- Remédio Marques, O conteúdo dos pedidos de patente: a descrição do invento e a importância das reivindicações – algumas notas, O Direito, ano 139º, IV, 2007, págs. 796/797. 9- Remédio Marques, O conteúdo… O Direito, ano 139º, IV, 2007, págs. 827/828. 10- Teresa Garcia, A inventividade, Direito Industrial – Vol. V, Almedina/2008, págs. 291/292. 11- Remédio Marques, O conteúdo… O Direito, ano 139º, IV, 2007, pág. 788. 12- Mota Maia, Propriedade industrial – CPI - Anotado, Vol. II, Almedina/2005, pág.54. 13- Mário Esteves de Oliveira, A publicidade, o notariado e o registo público de direitos privados, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, Studia Iurídica nº 61, Coimbra Editora, págs. 477 e 483. 14- Remédio Marques, O conteúdo… O Direito, ano 139º, IV, 2007, pág. 771. 15- Mário Esteves de Oliveira, A publicidade, o notariado e o registo público de direitos privados, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, Studia Iuridica, 61, Coimbra Editora/2001, págs. 48/482. 16- Remédio Marques, Medicamentos versus patentes – estudos de propriedade industrial, Coimbra Editora/ 2008, págs. 22/23, nota (12), 144/146, 169 e 170/172. 17- Vieira de Andrade, Parecer, ponto 3.2, nota (44) pág. 28 e não publicado, junto ao rec. nº 4614/08 deste TCA, publicado in RLJ nº 3953, Ano 138, Nov/Dez/2008 – A protecção do direito fundado em patente no âmbito do procedimento de autorização da comercialização de medicamentos. 18- Vieira de Andrade, referido Parecer, ponto 5.2, págs. 45/46; Remédio Marques, Medicamentos versus patentes – estudos de propriedade industrial, Coimbra Editora/2008, pág. 156. 19- José E. Figueiredo Dias, Instrumentos jurídico-administrativos da tutela do ambiente, Cadernos CEDOUA, Outubro/2007, 2ª ed., Almedina, págs. 55 a 59. 20- Gomes Canotilho, Relações jurídicas poligonais, ponderação ecológica de bens e controlo judicial preventivo, Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, nº 1, Junho/1994, págs. 57 a 61 21- Vieira de Andrade, referido Parecer, ponto 3.4.1, págs. 35;Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves, Pacheco Amorim, CPA – Anotado, 2ª edição, Almedina, pág. 271. 22- Gomes Canotilho, Actos autorizativos jurídico-públicos e responsabilidade por danos ambientais, Bol. da Faculdade de Direito – Coimbra, Vol. LXIX, págs. 17 a 42. 23- Vieira de Andrade, Parecer, pontos 3.1, 3.2, 3.4.2, 4.2 e 5.1, págs. 24, 25,36, 41,42, 44 a 46, in RLJ nº 3953, Ano 138, Nov/Dez/2008 – A protecção do direito fundado em patente no âmbito do procedimento de autorização da comercialização de medicamentos. 24- Isabel Celeste Fonseca, Introdução ao estudo…, págs.116/117. 25- Fernanda Maçãs, A suspensão judicial da eficácia dos actos administrativos e a garantia constitucional da tutela judicial efectiva, Studia iuridica, 22, Coimbra Editora, págs. 166 a 168. 26- Fernanda Maçãs, A suspensão judicial …, pág.193. 27- Ana Gouveia Martins, A tutela cautelar no contencioso administrativo, Coimbra Editora, 2005, pág. 517.

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