I - A pluralidade de fundamentos autónomos de uma decisão equivale a uma pluralidade de proposições decisórias convergentes para o mesmo resultado. II - Em princípio, qualquer recurso só poderá ter êxito se atacar, com êxito, todos os fundamentos jurídicos que imediata e autonomamente sustentem a decisão criticada, constituindo um seu antecedente lógico necessário.
Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I Relatório A……… E B………, LDA, com melhor identificação nos autos, interpõem para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do art. 150° do CPTA, recurso de revista do acórdão do TCA Sul, de 15.3.12, que negou provimento ao recurso jurisdicional interposto da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, de 13.12.11 que, no âmbito do processo cautelar por si movido contra o MINISTÉRIO DA ECONOMIA E DO EMPREGO e a Contra-interessada, C……… SA, indeferiu as providências cautelares requeridas, de suspensão de eficácia de aprovação dos actos de fixação dos Preços de Venda ao Público (PVPs) e de intimação da DGAE a abster-se de aprovar os PVP, para os medicamentos em causa, contendo a substância activa Sildenafil, absolvendo as entidades requeridas do pedido. Para tanto alegaram, vindo a concluir como segue: 1ª No aresto recorrido, o Tribunal a quo considerou que é manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada na acção principal sem, porém, cuidar de apreciar as questões de inconstitucionalidade suscitadas. Este entendimento levou-o a considerar, na avaliação do fumas boni iuris, uma lei cuja inconstitucionalidade (e consequente desaplicação) foi suscitada pelas Recorrentes no presente processo cautelar e na respectiva acção principal. 2ª Em consequência, a questão de direito que ora se submete à apreciação deste Supremo Tribunal consiste em saber se um juiz cautelar pode julgar que não se verifica o fumus boni iuris com fundamento em que não cabe conhecer, sequer perfunctoriamente, de questões de constitucionalidade, questões estas que são fundamento essencial de procedência da acção principal. Esta questão incide sobre as próprias regras processuais das providências cautelares, não estando, com efeito, sujeita a um mero conhecimento sumário pelo tribunal. A questão refere-se a normas que são efectivamente aplicadas pelo juiz cautelar e não se coloca, naturalmente, no processo principal. 3ª Esta questão preenche ambos os requisitos alternativos de admissibilidade previstos no artigo 150°, n.° 1, do CPTA, uma vez que reveste importância fundamental, em virtude da sua relevância jurídica, e justifica a intervenção deste Tribunal de revista atenta a necessidade de uma melhor aplicação do direito. 4ª No que respeita a sua relevância jurídica, a questão suscitada revela uma acentuada “capacidade de expansão”, atento a elevada frequência com que os administrados recorrem aos meios contenciosos de tutela cautelar. A questão colocar-se-á sempre que o autor de uma pretensão, cuja procedência dependa do conhecimento de uma questão de constitucionalidade, requeira uma providência cautelar para garantir o efeito útil da decisão judicial. 5ª Mas a admissão da revista mostra-se também necessária para uma melhor aplicação do direito, uma vez que o aresto recorrido comete, salvo o devido respeito, um erro manifesto e grosseiro. Com efeito, consistindo o fumas boni iuris numa avaliação da viabilidade da pretensão formulada no processo principal, é evidente que, quando essa procedência dependa de uma questão de constitucionalidade, essa questão tem necessariamente de ser considerada. De outra forma, não é logicamente possível avaliar o sucesso ou insucesso dessa acção. 6ª O carácter evidente, grosseiro e grave do erro, alcança-se também considerando que essa interpretação dos poderes e deveres cognitivos do juiz cautelar conduz à negação da tutela cautelar a todos aqueles que deduzam uma pretensão cuja procedência dependa da desaplicação de uma norma inconstitucional. 7ª A referida caracterização do erro cometido é confirmada pela circunstância de esta interpretação dos poderes e deveres cognitivos do juiz cautelar ser inconstitucional. 8ª As acrescidas exigências para a admissão de recursos de revista em processos cautelares, não são aplicáveis na admissão do presente recurso, uma vez que a questão suscitada é própria do processo cautelar (não se colocando naturalmente na acção principal) e está sujeita a um juízo definitivo pelo juiz cautelar. 9ª O erro na interpretação e aplicação do critério de decretamento do fumus boni iuris é independente da versão concreta deste critério que esteja a ser utilizada (ou seja, das alíneas a), b) e c) do n.° 1 do artigo 120.° do CPTA). O critério em causa consiste sempre numa avaliação perfunctória da viabilidade da pretensão deduzida no processo principal. 10ª Dependendo a procedência da acção principal de uma questão de constitucionalidade, é evidente que uma avaliação perfunctória sobre essa procedência tem necessariamente de considerar (ainda que perfunctoriamente) essa mesma questão de constitucionalidade. Trata-se mesmo de uma imposição lógica. 11ª Ao não conhecer das questões de constitucionalidade, incluindo a sua apreciação perfunctória para concluir pela probabilidade de sucesso da acção principal, o Tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação do critério do fumus boni iuris previsto no artigo 120.°, n.° 1, do CPTA. 12ª É claro e inequívoco que a norma do artigo 120°, n.° 1 do CPTA, interpretada no sentido em que não cabe nos processos cautelares a apreciação de questões de constitucionalidade (interpretação esta perfilhada no aresto recorrido), viola o disposto no artigo 268°, n.° 4, da CRP, na sua vertente do acesso à justiça cautelar, o que a fere de inconstitucionalidade material que aqui se argúi expressamente para todos os efeitos. 13ª Para o caso de este Tribunal de revista se substituir ao Tribunal recorrido na aplicação do critério de decretamento aqui em causa, cumpre salientar que as Recorrentes requereram no presente processo uma providência cautelar de natureza conservatória. Com efeito, ainda que se considerasse in casu inaplicável o artigo 120.°, n.° 1, alínea a) do CPTA, impunha-se a aplicação da alínea b) do citado artigo que a este respeito apenas exige que “não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular na acção principal”. 14ª A desaplicação da Lei n.° 62/2011 ao caso dos autos, defendida pelas Recorrentes, assenta em fundamentos (isto é, inconstitucionalidades) sérios, sólidos e sustentados com recurso à mais autorizada doutrina e jurisprudência. Não se vislumbra, na verdade, qualquer incorrecção manifesta que autorize o juiz cautelar concluir pela manifesta improcedência da referida desaplicação. 15ª Os direitos de propriedade industrial, nestes se incluindo os direitos relativos a patentes de medicamentos, são uma modalidade especial do direito de propriedade e, nessa medida, encontram-se sujeitos ao mesmo regime, conforme já decido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.° 257/92, de 13 de Julho de 1992. 16ª Ao contrário da qualificação como interpretativa, feita no n.° 1 do artigo 9.º da Lei n.° 62/2011, das alterações introduzidas pela mesma lei à redacção dos artigos 19.°, 25.° e 179.° do Estatuto do Medicamento, e da nova disposição relativa a aspectos do regime da autorização de preços do medicamento constante do artigo 8.° da Lei n. ° 62/2011, tais normas são efectivamente inovadoras. 17ª Em consequência é clara e inequívoca a violação do princípio da legítima confiança por parte da norma do artigo 9.o, n.° 1, 2 e n.° 3, da Lei n.° 62/2011, o que a fere de inconstitucionalidade material que aqui se argúi expressamente para todos os efeitos. 18ª E também em consequência, por todos estes motivos, e por cada um deles, deve ser recusada a aplicação do disposto no artigo 9.° da Lei n.° 62/2011, aplicando-se ao caso dos autos o regime legal em vigor á data da prática dos actos em crise, no sentido acima recapitulado e definido por jurisprudência uniforme do Tribunal Central Administrativo Sul. 19ª Subsidiariamente: o regime constante dos n.°s 1, 2 e 3 do artigo 9.° da Lei n° 62/2011 determina um vazio de tutela jurisdicional, porque nega a possibilidade de atacar as autorizações de introdução no mercado e os actos de fixação de PVP junto dos tribunais administrativos (por força do novo regime substantivo criado), e impede a prática de tais actos através do prévio recurso á arbitragem necessária prevista na nova lei como o meio adequado de resolver as questões de direitos de propriedade industrial suscitadas em relação com aqueles procedimentos administrativos (o que se alega sem prejuízo de se considerar que o mecanismo de “composição de litígios” criado pela nova lei é, ele próprio, também inconstitucional). 20ª Em consequência, o regime constante dos n.°s 1, 2 e 3 do artigo 9.° da Lei n° 62/2011 viola, também por esta via, o princípio da protecção da confiança e o princípio da tutela jurisdicional efectiva dos direitos lesados por aqueles actos administrativos (AIMs e actos de fixação de PVP), padecendo de inconstitucionalidade material. 21ª Subsidiariamente: a norma do artigo 25°, n.° 2, do Estatuto do Medicamento, na redacção conferida pelo artigo 4.° da Lei n.° 62/2011, na medida em expressamente determina que o pedido de AIM não pode ser indeferido com fundamento na violação dos direitos de propriedade industrial, é inconstitucional por violação do direito fundamental de propriedade privada (artigo 62.° da CRP). É o que se pode extrair da jurisprudência uniforme do Tribunal Central Administrativo Sul. 22ª Subsidiariamente: a norma do artigo 179.°, n.° 2, do Estatuto do Medicamento, na redacção conferida pelo artigo 4.° da Lei n.° 62/2011, na medida em expressamente determina que uma AIM não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na violação dos direitos de propriedade industrial, é inconstitucional por violação do direito fundamental de propriedade privada (artigo 62.° da CRP). É o que se pode também extrair da jurisprudência uniforme do Tribunal Central Administrativo Sul. 23ª Subsidiariamente: a norma do artigo 8.° da Lei nº 62/2011, nos termos da qual «A decisão de autorização do PVP do medicamento, bem como o procedimento que àquela conduz, não têm por objecto a apreciação de eventuais direitos de propriedade industrial», é inconstitucional por violação do direito fundamental de propriedade privada (artigo 62.° da CRP). É o que se pode ainda extrair da jurisprudência uniforme do Tribunal Central Administrativo. 24ª A desaplicação das citadas normas da Lei n° 62/2011 implica que o presente caso deva ser julgado tendo por base a configuração da relação jurídica que resulta do requerimento inicial, ou seja de acordo com a redacção do Estatuto do Medicamento e do regime da autorização de preços do medicamento anteriores aquela nova lei. NESTES TERMOS Deve, com o douto suprimento de V. Exas., ser admitido o presente recurso e, a final, ser ao mesmo concedido provimento, com as legais consequências. O Recorrido Ministério da Economia e do Emprego contra-alegou tendo formulado as seguintes conclusões: A- É sabido que a lei reserva o recurso de revista exclusivamente para os casos mais relevantes do ponto de vista jurídico e social, instituindo um sistema de filtro na sua admissão, orientado pelos pressupostos enunciados no art.° 150º do CPTA, estabelecendo o n° 2 do artigo 150° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que 54 revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual. B- Ora, o Recurso de Revista tem, pois, natureza excepcional, e o seu âmbito de intervenção deve restringir-se àquelas matérias de maior importância, e em função da sua relevância jurídica ou social, o que não se verifica in casu. C- Na verdade, não existe no caso em apreço qualquer violação de lei ou sequer erro na decisão comida no Acórdão recorrido! D- Pelo que bem andou o Tribunal Central Administrativo Sul ao decidir como decidiu. E- Consideramos pois, não existir qualquer erro manifesto ou grosseiro na decisão contida no Acórdão recorrido, não se verificando ofensa de qualquer disposição legal. F- De facto, nos termos do artigo 14.° n.°1 do Estatuto do medicamento, uma vez obtida a autorização do órgão máximo do Infarmed, e com base na mesma, a empresa farmacêutica deverá dirigir-se à Direcção Geral das Actividades Económicas (DGAE), a quem compete fixar os PVP’s dos medicamentos abrangidos por tal regime. G- Na verdade, compete à DGAE a fixação dos PVPs e não a análise dos direitos de propriedade industrial das R. resultantes da Patente e do CCP. H- Neste sentido vai a Lei a° 62/2011 de 12 de Dezembro a qual veio alterar o Decreto-Lei n°176/2006 de 30 de Agosto, bem como o regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.°48-A/2010 de 1 de Outubro. I- De referir, desde logo que, nos termos do artigo 9° do supra mencionado diploma legal, se determina, com efeitos “ope legis”, que as normas ora em apreço têm natureza interpretativa, integrando-se, por isso, na lei interpretada (cfr. artigo 13°, n° 1 do Código Civil) pelo que, consequentemente, o novo regime descrito é aplicável ao caso em apreço, ainda que o processo tenha sido instaurado antes da entrada em vigor desta lei. J- Ora, estipula o artigo 8° desta Lei, com a epígrafe “Autorização de preços do medicamento” que: “1 - A decisão de autorização do PVP do medicamento, bem como o procedimento que àquela conduz, não têm por objecto a apreciação da existência de eventuais direitos de propriedade industrial 2 - A autorização dos PVP´s dos medicamentos não é contrária aos direitos relativos a patentes ou a certificados complementares de protecção de medicamentos. 3 - O pedido que visa a obtenção da autorização prevista nos números anteriores não pode ser indeferido com fundamento na existência de eventuais direitos de propriedade industrial 4 - A autorização do PVP do medicamento não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na existência de eventuais direitos de propriedade industrial” (negrito e sublinhados da nossa autoria). K- Resulta, assim, desde logo, manifestamente claro, que a existência de direitos de propriedade industrial não pode ser considerada ou ponderada nos procedimentos e decisões de aprovação de PVP´s. L- Ora, a autorização do PVP dos medicamentos não é contrária aos direitos relativos a patentes ou a certificados complementares de protecção de medicamentos, não podendo ser indeferido com fundamento na existência de eventuais direitos de propriedade industrial. M- De facto, no âmbito do procedimento administrativo de fixação de PVP, está legalmente vedado à DGAE a consideração ou ponderação quanto à existência de eventuais direitos de propriedade industrial; N- Aliás, já antes da entrada em vigor da supracitada lei esse Colendo Supremo Tribunal Administrativo se havia pronunciado no mesmo sentido da legislação agora em vigor. Veja-se pois, a titulo de exemplo, o Acórdão de 08-09-2011, Processo n° 0508/11, o qual refere que: “(…) É, pois, claríssimo que os actos do Infarmed, e/da eficácia o TCA -Sul suspendeu, não podem enfermar dos vícios que a requerente da providência lhes atribui e em que disse fundar a acção principal, vícios esses radicados num seu direito de propriedade industrial (..) E, como sucede com todas as evidências, também esta não se esfuma pelo facto de haver quem se obstine em nega-la. Como dissemos, o próprio tipo legal dos actos que o Infarmed praticou - (…) é revelador, num primeiro olhar; que tais actos não podem ser eficazmente atacados a pretexto de que a correspondente AIM ofendeu um direito de propriedade industrial da aqui recorrida. E, como toda a argumentação que esta esgrime contra a legalidade dos actos do Infarmed se baseia nesse seu direito, logo se vê que a acção principal deve ser considerada, desde já, manifestamente inviável — o que, á luz do artigo 120º, n° 1, al. b), do CPTA e dada a índole cumulativa dos requisitos da providência, constitui razão suficiente do indeferimento do pedido de que se suspenda a eficácia daqueles actos. (...) Por outro lado, a obtida certeza de que é manifesta a falta de fundamento da acção principal, implicando, como referimos, o imediato indeferimento do pedido de suspensão de eficácia, prejudica qualquer análise da outra questão posta pela recorrente, ligada á ponderação de interesses. Resta dizer que o indeferimento do pedido de suspensão obriga a que se deva também indeferir o pedido de intimação da DGAE (através da demanda do Ministério da Economia e da Inovação) - pois, e como o acórdão recorrido bem assinalou, este segundo pedido depende absolutamente do êxito do primeiro não podendo vingar na sua ausência (...)” - negrito e sublinhado nossos. O- Em suma, por todo o exposto e tendo por bem decidida a questão pelo Tribunal Central Administrativo Sul, não deve o presente Recurso de Revista, ser admitido, por não se verificarem os pressupostos do artigo 150° do CPTA. P- Caso assim não se considere, sempre se dirá que Acórdão recorrido não merece qualquer censura porque não viola, nem faz errada interpretação das normas legais aplicáveis, assim como, não faz errada subsunção da matéria de facto ao direito, não existindo, pois, erros de apreciação ou de julgamento; Nestes termos e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se o Acórdão recorrido, como é de JUSTIÇA!” A Contra-interessada C………, S.A., contra-alegou formulando as conclusões que seguem: 1º À luz do disposto no art. l50° do CPTA o recurso de revista no processo administrativo tem carácter excepcional só sendo admissível “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito 2º No caso de providências cautelares, a jurisprudência tem oscilado entre considerar que o rigor exigido para apreciar os critérios de que depende o recurso de revista é acrescido ou em negar a revista por entender que a decisão apenas dirime o litígio de forma provisória sendo, portanto, ausente a relevância jurídica ou social que Pie atribua importância fundamental que assegure a admissão da revista. 3º No caso em apreço não se verificam os pressupostos da lei para o recurso de revista já que não estamos perante questões de especial relevo jurídico ou social. 4º Além disso, não podemos esquecer que nos encontramos perante uma decisão proferida no âmbito de um processo cautelar pelo que o seu âmbito se circunscreve ao mesmo não afectando a decisão que venha a ser tomada no processo principal, sede própria para a justa composição final dos interesses em litígio. 5º Assim, também não se verifica, no caso concreto, o pressuposto estabelecido no nº 1 do art. l50.° do CPTA de que a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. 6º Acresce que o Acórdão recorrido não viola qualquer lei substantiva ou processual pelo que resta concluir pela inadmissibilidade do recurso (cfr. art. 150.° CPTA). 7º A Lei n.° 62/2011, de 12 de Dezembro, veio, por um lado, criar “um regime de composição de litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos”, e 8° por outro lado, rever o Decreto-Lei n.° 176/2006, de 30 de Agosto e sucessivas alterações (“Estatuto do Medicamento” ou “EM”), bem como os diplomas reguladores do preço dos medicamentos (PVP) - anexo ao Decreto-Lei n.° 48- A/20l0, de 13 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei n.° 106-A/2010, de 1 de Outubro. 9° No tocante às alterações introduzidas aos diplomas acima mencionados, a referida Lei veio finalmente dissipar as dúvidas que ainda pudessem subsistir em tomo das atribuições e da missão do INFARMED e do MEE (DGAE), e que nos últimos anos vinham alimentando uma acesa controvérsia acerca de um pretenso dever de aferição prévia da existência de eventuais direitos de patente válidos por parte dessas entidades. 10° Tomando-se “posição pela solução de direito aplicável, no sentido de que a solução legal é aquela que já vinha, desde há muito, a ser assumida pela jurisprudência minoritária” (cfr. pág. 10 do douto Acórdão recorrido). 11° No que respeita à aplicação, clara e inequívoca da Lei n.° 62/2011 aos casos actualmente em litígio, importa esclarecer que de acordo com o disposto no seu artigo 9° nº 1 “a redacção dada (...) aos artigos 19º, 25° e 179º do Decreto - Lei nº 176/2006 de 30 de Agosto bem como o aditamento introduzido ao regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos e o disposto no artigo anterior, têm natureza interpretativa” (negrito e sublinhado nossos). 12° Ou seja, a lei interpretativa integra-se na lei interpretada, retroagindo os seus efeitos ao início da vigência desta, i.e. “retroage os seus efeitos até à data da entrada em vigor da lei antiga, tudo ocorrendo como se tivesse sido publicada na data em que o foi a lei interpretada” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2ª Edição, art. 13°). 13° “Uma lei interpretativa (...) só existe se a solução do direito anterior for controvertida ou pelo menos incerta e a solução da lei nova se situar dentro dos quadros da controvérsia existente de modo que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normais de interpretação e aplicação da lei” (cfr. pág. 10 do Acórdão em crise). 14.° Em sentido idêntico o Acórdão do STJ de 24.04.2011 (in www.dgsi.pt), o Assento n.° 2/82 do STJ (processo n.° 69102 in www.dgsi.pt) e o Acordão do STJ de 27.05.99 (também disponível em www.dgsi.pt) que, a este propósito, esclarecem o seguinte: “a razão justificativa da retroactividade das Leis propriamente interpretativas, que nos é dada por BAPTISTA MACHADO ao dizer: Fundamentalmente a retroacção destas Leis justifica-se, além do mais, “por não envolver uma violação de quaisquer expectativas seguras e legítimas dos interessados”. Estes podiam contar com a solução fixada pela LN interpretativa, visto ela corresponder a um dos vários sentidos atribuídos já pela doutrina e pela jurisprudência à LA. Esta justificação, porém, só colhe na hipótese de a Lei interpretativa consagrar, se não a corrente dominante, pelo menos uma corrente forte de interpretação relativa ao direito anterior - SOBRE a APLICAÇÃO no TEMPO do NOVO CÓDIGO CIVIL, págs.285. O artigo 13º do Código Civil diz que a Lei interpretativa se integra na Lei interpretada, o que significa “que, em princípio, não há que aplicar em relação a certas leis o princípio da não-retroactividade consignado no artigo 12º mas antes, se procederão como se a Lei interpretativa, no momento da verificação dos factos passados, tivesse já o alcance que lhe fixa a disposição interpretativa da LN” - BAPTISTA MACHADO, obra citada, págs. 285. “ (negrito e sublinhado nossos). 15° Vejam-se igualmente a este propósito os recentes Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul que pugnaram a sua decisão pela aplicação directa da Lei n.° 62/2011 aos processos em curso, atendendo ao carácter interpretativo da mesma, e decidiram no sentido de negar provimento a recursos confirmando a sentença recorrida, nomeadamente o Acórdão de 16 de Fevereiro de 2012, o Acórdão de 01 de Março de 2012, o Acórdão de 12 de Janeiro de 2012 e os Acórdãos do mesmo tribunal, referentes aos processos 08258/11, 08312/11 e 08277/11, todos disponíveis em www.dgsi.pt. 16° Relativamente à tese da Recorrente de que os direitos de propriedade industrial são direitos fundamentais com assento constitucional, resulta que a mesma não colhe e que estão em jogo direitos de propriedade especiais que fogem, no tocante ao objecto, aos princípios gerais que dominam este direito (cfr. art. 1302.° Código Civil) e que por esta razão foram afastados do regime da propriedade contido no Código Civil, o qual lhes é aplicável apenas subsidiariamente (vide Profs. Antunes Varela, Pires de Lima e Henrique Mesquita, in “Código Civil Anotado”, Vol. III, 1987, 2ª edição, pp. 86 e ss). 17° Do exposto resulta clara e inequivocamente que os processos de concessão da AIM e de PVPs são alheios à protecção de direitos de propriedade industrial não existindo qualquer dever de aferição prévia da existência de direitos de patente válidos por parte destas entidades pelo que bem decidiu o Tribunal ad quo ao considerar que “temos de aqui aplicar o teor da lei nova, sendo que desta decorre que a Administração — seja Infarmed, seja MEE - devem desconsiderar a invocada patente, aquando da prática dos actos de AIM e de aprovação de PVP” (cfr. pág. 10 do Acórdão recorrido, negrito e sublinhado nossos). 18° Com a aplicação da Lei n.° 62/2011 ao caso em apreço não se deve considerar verificado o requisito do “fumus boni iuris” quer para os efeitos da alínea a) quer para os efeitos da alínea b) do art. 120.° do CPTA por estar em causa uma pretensão cautelar improcedente, infundada e inviável, o que determina a ilegalidade da pretensão formulada nos termos do disposto no artº. 116.° n.° 2 alínea e) do CPTA. 19° Quanto à alegada inconstitucionalidade das normas do art. 120.°, 11.0 1 do CPTA na interpretação e aplicação que a Recorrente entende que lhe foi dada pelo Tribunal a quo, a mesma não se verifica tendo o douto Acórdão recorrido procedido à análise do âmbito de aplicação da Lei 11.0 62/2011, concluindo pela sua natureza interpretativa e pela sua aplicação imediata aos autos. 20° Dada a natureza interpretativa da Lei n.° 62/2011 a mesma não padece de inconstitucionalidade porque não inova, limitando-se a consagrar um dos sentidos possíveis de interpretação que, já mesmo antes da sua entrada em vigor, se retirava do Estatuto do Medicamento. 21° Também não se pode falar aqui da violação do princípio da protecção da confiança. 22° A função de uma lei interpretativa é a de “deduzir uma questão de direito, cuja solução é controvertida ou incerta 23° Ora, até à entrada em vigor da Lei n.° 62/2011 a jurisprudência e a doutrina dividiam-se quanto à natureza dos direitos de propriedade industrial (“DPI”) referentes a patentes farmacêuticas: uma das teses pugnava que estes direitos teriam natureza análoga aos direitos fundamentais, de onde decorria uma protecção constitucional reforçada; para a outra tese, ainda que se admitisse a natureza análoga a mesma cedia perante outros direitos fundamentais que se impunham aos DIP. 24° Acontece que o art. 9.° da Lei n.° 62/2011 atribuiu natureza interpretativa à lei, tomando assim o legislador claramente partido por uma das teses em confronto: a tese de que uma eventual violação dos DIP só terá lugar com a comercialização do medicamento genérico. 25° É também de rejeitar a tese da inconstitucionalidade por vazio de tutela jurisdicional, pois uma eventual violação dos direitos de propriedade industrial da patente do medicamento de referência não se verifica com a atribuição das AIMs ou fixação dos PVPs mas apenas com a comercialização efectiva do medicamento genérico tendo o titular dos DIP da patente mecanismos de reacção para defesa do seu direito. 26° Quanto à alegada inconstitucionalidade do Estatuto do Medicamento (“EM”), na redacção da Lei n.° 62/2011, importa referir que esta deixou claro que os processos de concessão da AIM e de PVPs são totalmente alheios à protecção de DIP, não existindo qualquer dever de aferição prévia da existência de direitos de patente válidos por parte das entidades responsáveis pela sua concessão. 27° O actual n.° 2 do art. 25.° do EM estabelece que “o pedido de autorização de introdução no mercado não pode ser indeferido com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial, sem prejuízo do disposto no n.° 4 do art. 18º” 28.° Este número, que no findo nada tem de inovador, limitou-se a expor - de forma clara e inequívoca - o que já resultava da conjugação dos arts. 3º, 14°, 15º, 19º, 20°, 25° (na sua anterior redacção), 29°, e 77° do EM: o acto de concessão da AIM destina-se apenas a garantir a qualidade, segurança e eficácia dos medicamentos. 29° O EM não condicionava (na sua redacção anterior à Lei n.° 62/2011), nem condiciona, nesta data, a atribuição de uma AIM à extinção de quaisquer direitos de propriedade industrial. 30.° O problema de uma eventual violação de direitos de propriedade industrial só se coloca num momento posterior ao da concessão do AIM, i.e., no momento em que o medicamento é comercializado. 31.° A reforçar este entendimento veja-se o disposto no art. 29.°, n° 1 a) do EM, que responsabiliza o titular da AIM pela “introdução do medicamento no mercado sendo de realçar que a concessão de uma AIM não isenta o seu titular de responsabilidade civil ou criminal (cfr. art. 15°, n°4 do citado Estatuto), ou 32.° a chamada “sunset clause” (cfr. artº 77.°, n° 3 do EM), na medida em que, por um lado, estabelece a distinção entre a concessão de uma AIM e a comercialização do medicamento e, por outro, responsabiliza titular da AIM pela decisão de comercializar o medicamento para o qual obteve a AIM, 33.° bem como a vasta jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul (inter alia, Acórdãos de 28.02.2008, do TCA Sul, proferidos nos Recursos n.° 03222/07 e n.° 03247/07, o Acórdão de 19.06.2008, do TCA Sul, no Recurso n.° 03881/08 e o voto de vencido constante do Acórdão do TCA Sul de 06.05.2010 (Proc. n.° 06154/l0), bem como o Acórdão do TCA Sul de 18-12-2009, Proc. n.° 4534/08) e 34.° também a doutrina (Maria José Costeira e Maria Teresa Garcia de Freitas in obra citada e Prof. J.P. Remédio Marques, in obra citada). 35.° Portanto, pelo exposto, é forçoso concluir que o art. 25.° do EM não padece de inconstitucionalidade. 36.° Relativamente à pretensa inconstitucionalidade da nova redacção do n.° 2 do art. 179.° do EM, esta nada tem de inconstitucional limitando-se a acompanhar a solução consagrada no n.° 2 do art. 25.° do EM no sentido de que o processo de concessão da AIM é totalmente alheio à protecção de direitos de propriedade industrial. 37.° Atento o exposto, as alegações de inconstitucionalidade sustentadas nela Recorrente carecem de qualquer fundamentação legal. Pelo exposto e com o mui douto suprimento dos Venerandos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo, que desde já se invoca, não deve ser admitido o presente recurso ou, se assim não se entender, deve o mesmo ser julgado improcedente, mantendo-se o douto Acórdão recorrido.” O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o seguinte parecer: 1. A questão que se coloca nesta revista (vide Ac. da admissão da mesma fls. 1639/43) é a de saber “ se o juiz cautelar pode decidir que não se verifica o fumus boni juris com fundamento na entrada em vigor de uma nova lei (Lei n° 16/2011, de 12 de Dezembro), cujas disposições teve em conta, e sem conhecer da invocada inconstitucionalidade dessas normas) (Muito recentemente foram admitidos vários recursos de revista em que as questões são basicamente as mesmas, sendo o primeiro em 28.3.2012 - Processo nº 225/12 e, por isso, seguimos o parecer que ali emitimos.) 2. No fundo o Ac. recorrido decidiu de acordo com a jurisprudência deste STA - Ac. de 8.9.2011, Proc. 0508/2011(que num caso um pouco diferente, por se tratar de um processo de reconhecimento mútuo, tratava de questões idênticas) e em cujo sumário se pode ler - “I - Como decorre do seu tipo legal, os actos por que o Infarmed atribui números de registo a AIM’s emitidas a nível comunitário não consentem nem envolvem um qualquer juízo sobre a legalidade delas - «ex ante» válidas «em toda a Comunidade», «ex vi» do art. 13°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 726/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31/3. II - Assim, é impossível que esses actos atributivos de números de registo sofram das ilegalidades advindas da AIM ofender direitos de propriedade industrial - isto de acordo com a ideia de que só pode haver um erro se houver um juízo onde ele se tenha insinuado. III - A impossibilidade dita em II é manifesta ou flagrante, pois flui imediatamente do cotejo entre o tipo legal daqueles actos e os vícios que, segundo a requerente do meio cautelar, a acção principal lhes imputará e que se fundam no desrespeito de uma patente. IV - A manifesta falta de fundamento da pretensão principal, impugnatória dos actos atributivos dos números de registo, segue-se o imediato indeferimento do pedido de que se suspenda a eficácia de tais actos, ficando prejudicado o conhecimento dos demais requisitos da providência. V - O indeferimento desse pedido de suspensão de eficácia acarreta igual destino para o pedido de que se intime a Direcção-Geral das Actividades Económicas a não fixar os preços de venda ao público dos medicamentos a quem os números de registo foram atribuídos, pois este segundo pedido depende absolutamente do êxito do primeiro, não podendo vingar sem ele”. 2.1. A Lei 16/2011 apenas veio dizer que esta jurisprudência era a mais correcta, pondo fim à controvérsia que existia, tanto na doutrina como na jurisprudência (nomeadamente, no TCA-Sul). Na verdade, “discutia-se se à luz do Estatuto do Medicamento aprovado pelo D.L. n° 176/2006, de 30 de Agosto, os actos de Autorização de Introdução no Mercado (AIM) de medicamentos genéricos, bem como os actos que fixam os respectivos preços de venda ao público (PVP) se devem debruçar, ou não, sobre as questões de direito de propriedade industrial (DPI), rectius, sobre o direito à patente do medicamento original ou medicamento de referência”. Este diploma legal veio aditar o art. 23°-A ao EM (D.L. n° 176/2006). E através deste aditamento veio esclarecer todas as dúvidas quando dispõe que - “A concessão pelo Infarmed de uma autorização, ou registo, de introdução no mercado de um medicamento de uso humano, bem como o procedimento administrativo que àquela conduz, têm exclusivamente por objecto a apreciação da qualidade, segurança e eficácia do medicamento” (n° 1). Sendo que no n°2 se acrescenta que - “O procedimento administrativo referido no número anterior não tem por objecto a apreciação da existência de eventuais direitos de propriedade industrial”. E no art. 9°, n° 1 a referida lei consignou que o que ficou disposto naquele aditamento ao EM tem natureza interpretativa. 3. O processo cautelar, como é por demais sabido “destina-se a assegurar a utilidade da lide, isto é, de um processo que normalmente é mais ou menos longo, porque implica uma cognição plena. No fundo destina-se a assegurar que a sentença que vier a ser proferida no processo principal tenha efeito útil”. (Vieira de Andrade - A Justiça Administrativa,335 e Carlos Cadilha, Dicionário do Contencioso Administrativo, 543.) Aliás, o art. 112°, n° 1 do CPTA dispõe - “ quem possua legitimidade para intentar um processo junto das tribunais administrativos pode solicitar a adopção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo” Contudo, como se trata de um processo cuja decisão é sempre provisória e urgente exige-se ao Juiz um juízo de prognose devendo o mesmo colocar-se “na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstem à reintegração específica da sua esfera jurídica”. (Vieira de Andrade, obra citada.) A decisão de um processo cautelar é, pois, muito delicada já que é tomada necessariamente, com base em informação insuficiente para uma decisão de fiando do processo principal, as mais das vezes sob grande pressão do factor tempo e, por isso, não admira que o legislador tenha procurado regular minuciosamente os critérios de tomada da decisão judicial. ( João Caupers, introdução ao D. Administrativo.) Daí que o julgador tenha que ter em muito devida atenção ao disposto principalmente, no art. 120º . n°s. 1 e 2 do CPTA. Nos termos do art° 120º, n°1 - b) do CPTA e sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adoptadas «Quando, estando em causa a adopção de uma providência conservatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito». 3.1. Exige-se, pois, ao Juiz que através dos elementos de facto que lhe são apresentados e também através daqueles que entenda necessário ainda recolher possa decidir sumária e rapidamente (este tipo de processo é urgente) sobre o deferimento ou não da providência cautelar verificados que estejam ou não aqueles requisitos. Não se exige uma prova total para a decisão como é e deve ser exigida para a decisão da acção principal que como é óbvio, exige uma avaliação e uma indagação muito mais cuidadas. Assim, não é aqui o momento para apreciação de fundo quanto a todas as implicações da alteração legislativa subsequente à entrada em vigor da Lei n° 16/2011 (nomeadamente, o de saber se a mesma é inconstitucional ou não).( Sendo certo, porém, que pelas razões expendidas nas contra-alegações da recorrida – C………, SA - a que aderimos sem reservas, não se vê como possa ser defendida a inconstitucionalidade de tal Lei (cfr. fls. 1533 e segs.).) Apenas interessa considerar, para decidir da presente providência cautelar, que a entrada em vigor desta Lei afasta desde logo o” fumus boni iuris” ou , pela negativa, implica a verificação do “fumus malus iuris”. ( 6 Ou seja, não é evidente que a acção principal tenha ganho de causa imediato. Sendo até mais evidente que a acção principal improcederá.) Por isso, a providência jamais poderia ser decretada mesmo sem a avaliação da existência ou não dos outros requisitos (o periculum in mora e a ponderação de interesses) já que como é sabido todos são de verificação cumulativa. 4. Aliás, nos recentes Acs. de 24.5.2012 - Proc. n 225/12-11, de 12.6.2012-Proc. nº 332/12-11, de 28.6.2012, Proc. n° 438/12-11, de 11.7.2012, Proc. n° 466/12-11 e de 11.7.2012, Proc. n° 393/12-11 foram negadas as revistas em casos idênticos. Como assim, somos de parecer que o presente recurso de revista não merece provimento, devendo manter-se o douto acórdão recorrido.” Sem vistos, mas com distribuição prévia do projecto de acórdão, cumpre decidir II Factos O Acórdão recorrido deu por assente a seguinte factualidade: A) A……… é uma sociedade comercial de direito inglês. Cfr. documento de folhas 791 a 794 dos autos. B) A patente de invenção nacional referente à substância activa Sildenafil (VIAGRA) pertence à sociedade ………. (Patente de invenção Nacional n° 98011, com data de caducidade em/válida até 16.01.2012, com Certificado Complementar de protecção n° 38, com data de caducidade em/válido até 24.01.2014). Cfr. documentos de folhas 178 a 191 e de folhas 405 a 408 dos autos. C) A B………, Lda é titular de licença de exploração não exclusiva daquela patente. Cfr. documentos de folhas 178. D) Pelo Infarmed foi em 28 de abril de 2011 autorizada a introdução no mercado à C………, SA dos seguintes medicamentos: Sildenafil ……… 25 mg comprimidos revestidos por película Sildenafil ……… 100 mg comprimidos revestidos por película Sildenafil ……… 50 mg comprimidos revestidos por película. Cfr. documentos de folhas 173 a 175 dos autos. E) Na sequência do pedido de aprovação de preços apresentado ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n° 65/2007, de 14 de Março, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n° 48-A/2010, de 13 de Maio e Portaria n° 312-A/2010, de 11 de Junho, por despacho de 20 de Maio de 2011 do Director-geral das Actividades Económicas foram autorizados para a C………, SA os seguintes preços máximos de venda ao público (PVP) para o medicamento genérico SILDENAFIL ………: 5384011 - 4 comprimidos revestidos por película x 25 mg €21,21 5384060 - 4 comprimidos revestidos por película x 50 mg € 25,04 5384136 - 4 comprimidos revestidos por película x 100 mg € 30,10. Cfr. documento junto ao processo administrativo”. III Direito 1. Por acórdão proferido pela formação da Secção de Contencioso Administrativo prevista no n.º 5 do art. 150º do CPTA, de 12.6.12, foi admitido o recurso de revista intentado por A……… E B………, LDA, do acórdão do TCA Sul, de 15.3.12, que negara provimento ao recurso jurisdicional deduzido da sentença do TAF de Lisboa que indeferira as providências cautelares deduzidas contra os requeridos. 2. Os fundamentos de admissão do presente recurso, onde se definem as questões a que urge responder, encontram-se naquele acórdão explanados nos seguintes termos: A decisão da 1ª instância, no que ora releva, julgou totalmente improcedentes os pedidos cautelares, fundamentando tal juízo exclusivamente na invocação da Lei n° 62/2011, de 12 de Dezembro e nas alterações por esta introduzidas, designadamente nos arts. 25° e 179° do DL n° 176/2006, de 30 de Agosto (Estatuto do Medicamento). O TCA confirmou esta decisão e, abonando-se em diversos arestos daquele Tribunal, sobre casos similares, e na interpretação da citada Lei pelos mesmos sufragada, decidiu ser manifesta a improcedência das providência cautelares requeridas, afirmando, em síntese: “O legislador da Lei n° 62/2011, de 12/12, veio tomar posição pela solução de direito aplicável, no sentido de que a solução legal é aquela que já vinha, desde há muito, a ser assumida pela jurisprudência minoritária. E esta que temos de aplicar aqui, porque, como decorre da natureza jurídica deste tipo de tutela, não cabe discutir num processo cautelar as questões novas e complexas suscitadas pelas recorrentes no presente recurso, isto é, se a Lei n° 62/2011, ao invés de interpretativa em relação a certos preceitos, é ou não inovatória e se viola ou não a Constituição.”. E, mais adiante, conclui: “As recorrentes discordam da decisão proferida, com fundamento em que os actos suspendendo são manifestamente ilegais, por serem actos que viabilizam juridicamente a actividade de comercialização de medicamentos genéricos, que irão violar uma patente válida e em vigor, os direitos de exclusivo emergentes da titularidade de uma patente e a violação de normas constitucionais, nomeadamente, os arts. 62° e 266°, que visam a protecção de um direito fundamental - os direitos de propriedade industrial emergentes da patente. Contudo, não só essa alegação é de afastar no quadro legislativo em momento anterior à Lei n° 62/2011, de 12/12, como, de forma inequívoca, após a sua entrada em vigor, ao ser afastado o fumus boni iuris no sentido invocado pelas recorrentes. (...) Portanto, interpretando e aplicando o bloco da legalidade aplicável neste processo cautelar como manda a nova Lei n° 62/2011, não há fumus boni iuris, pelo que carece de sentido a presente lide cautelar”. É esta decisão que a recorrente impugna, pretendendo ver reapreciada em sede de revista a questão supra suscitada, de saber se o juiz cautelar pode decidir que não se verifica o fumus boni juris sem conhecer de uma questão de inconstitucionalidade de normas (da Lei n° 62/2011, de 12 de Dezembro) que teve em conta para decidir pela inverificação daquele requisito de concessão da providência cautelar requerida. Ora, esta formação admitiu recentemente vários recursos de revista incidentes sobre esta mesma matéria, e em que as questões colocadas são essencialmente as mesmas. Neles se considerou: “(...)Sucede, porém, que, designadamente, a questão atinente com os efeitos que o Acórdão recorrido considerou ser de retirar de entrada em vigor da dita Lei 62/2011, em termos do êxito da pretensão cautelar ligando-a ao pressuposto atinente com o fumus boni iuris, se apresenta como configurando uma questão particularmente complexa, demandando a sua resolução a realização de operações lógico-jurídicas com um certo grau de dificuldade, ao mesmo tempo que se trata de matéria susceptível de se colocar em muitos outros processos cautelares, a instaurar ou ainda pendentes, o que tudo reclama a intervenção deste STA, no quadro do recurso de revista, atenta a especial relevância de tal questão jurídica. Estão, assim, preenchidos os pressupostos de admissão do recurso de revista...” 3. A presente revista insere-se num conjunto de outras que correm neste tribunal sendo que os pontos em discussão não são em todas elas idênticos. No recurso 225/12 (com acórdão de 24.5) estavam em causa a AIM e o PVP, no recurso 332/12 (com acórdão de 12.6.12) só a AIM e no presente só o PVP (portanto, tudo quanto diga respeito a AIMs não pode ser apreciado no âmbito desta revista, como não pode ser ponderado tudo quanto o acórdão recorrido considerou prejudicado). Há, todavia, um ponto que é comum a todos eles: as decisões de 1.ª Instância foram de indeferimento das providências e foram proferidas antes da entrada em vigor da Lei n.º 62/2011, de 12.12; os arestos do TCA que as apreciaram e confirmaram, embora com fundamentos não inteiramente coincidentes (aqui deu como inverificado somente o fumus boni iuris), foram emitidos após a sua entrada em vigor mas ponderaram igualmente o quadro jurídico anterior adoptando a referida lei como simples elemento de conforto, de reforço. É justamente o que sucede no presente caso. O acto de fixação do PVP dos medicamentos em causa nos autos foi fixado por despacho de 20.5.11, sendo certo que o acto de AIM para os mesmos produtos – não abrangido pela presente providência - foi fixado por despacho de 20.4.11. A Lei n.º 62/2011, que se encontra no cerne da discussão, foi publicada a 12.12 e entrou em vigor, nos termos gerais (Lei n.º 74/98, de 11.11), no 5.º dia posterior à publicação, a 17.12.11. A sentença do TAF que decidiu as providência cautelar é de 13.12.11 resultando daí que aquela Lei, por ainda não vigorar, não podia ser aplicada. Foi isso mesmo que os requerentes da providência cautelar alegaram na conclusão 3.ª no recurso que interpuseram para o TCA quando referiram que “A sentença Recorrida foi proferida antes da entrada em vigor da nova Lei n.° 62/2011, não obstante, a sentença recorrida fundamentou o indeferimento da providência requerida no disposto nessa nova lei, assim tendo violado o disposto na Lei n° 74/98 de 11 de Novembro”. Só que o aresto recorrido constatando que a sentença “indeferiu as providências requeridas com fundamento na não verificação dos pressupostos a que se referem as alíneas a) e b), do n° 1 do art° 120º do CPTA, julgando prejudicada a apreciação e decisão quanto aos demais requisitos legais, decisão que as recorrentes não aceitam” rejeitou a argumentação das recorrentes sustentando que a sua alegação “é de afastar no quadro legislativo em momento anterior à Lei n° 62/2011, de 12/12, como, de forma inequívoca, após a sua entrada em vigor, ao ser afastado o fumus boni iuris no sentido invocado pelas recorrentes”. O pedido de adopção de providências cautelares visou, como se disse, a suspensão de eficácia do acto de fixação do PVP para os medicamentos identificados, e a intimação da entidade recorrida para se abster de fixar outros a medicamentos constituídos pelo produto que indicou. Apesar disso, a alegação da recorrente, e as respectivas conclusões (uma das recorrentes é a mesma), são a reprodução textual de idêntica peça apresentada no R. 332/12. Em matéria de fixação de preços de medicamentos releva, essencialmente, a Lei n.º 65/2007, de 14.3, alterada pelo DL 48-A/2010, de 13.5, alterado pelo DL 106-A/2010, de 1.10, tudo complementado pela Portaria 312-A/210, de 19.3. Sobre preços a Lei n.º 62/11 contém, apenas, os art.s 7º e 8º sendo que o art. 9º, n.º 1, se refere a este como tendo “natureza interpretativa”. A propósito da fixação de preços apenas se vê nas 24 conclusões da alegação da recorrente a 23ª onde se diz que “Subsidiariamente: a norma do artigo 8.º da Lei n.° 62/2011, nos termos da qual «A decisão de autorização do PVP do medicamento, bem como o procedimento que àquela conduz, não têm por objecto a apreciação de eventuais direitos de propriedade industrial», é inconstitucional por violação do direito fundamental de propriedade privada (artigo 62.° da CRP). É o que se pode ainda extrair da jurisprudência uniforme do Tribunal Central Administrativo”. Só que esse ponto teve resposta expressa no acórdão como se viu acima. Assim, no caso em apreço, nem sequer foi necessário apelar ao carácter interpretativo (e muito menos inovador) da Lei n.º 62/2011 como primeira linha de sustentação do decidido, pois a inverificação do requisito (que era de verificação indispensável) foi apreciada, também, ao abrigo do quadro jurídico anterior (sem a ponderação da Lei). Ao não impugnar o acórdão recorrido nessa vertente, que avaliou o requisito na perspectiva de que a fixação do PVP jamais poderia violar os direitos que a titularidade da patente visa salvaguardar, a recorrente permitiu que o indeferimento das providências se tivesse consolidado tornando inútil a apreciação do recurso quanto à questão da inconstitucionalidade. Ainda que a revista procedesse nessa parte, dela não retiraria a interessada qualquer utilidade uma vez que o pedido das providências subsistiria indeferido (numa situação semelhante, acórdãos deste Pleno, de 27.11.03 proferido no recurso 1772/03 e de 18.10.07 no recurso 715/07). Com efeito, o recurso de revista, como recurso ordinário que é, visa, tão somente, substituir a decisão recorrida por uma outra o que só seria possível se se impugnassem validamente todos os fundamentos em que se alicerçou e se todos procedessem. IV Decisão Nos termos e com os fundamentos expostos acordam em negar a revista. Custas pelas recorrentes. Lisboa, 26 de Setembro de 2012. – Rui Manuel Pires Ferreira Botelho (relator) – Luís Pais Borges – Jorge Artur Madeira dos Santos.