I - O STJ tem considerado ser inadmissível o recurso de decisão da Relação que, na sequência de recurso interposto pelo Ministério Público, tenha decretado pena de prisão efectiva, revogando a pena de substituição da suspensão da sua execução aplicada na 1.ª instância ou que, inovatoriamente, tenha condenado o arguido, absolvido na 1.ª instância, em pena de prisão não superior a cinco anos. II - Este entendimento não ofende o direito do arguido ao recurso, consagrado no art. 32.º, n.º 1, da CRP, já que, como tem sido salientado, a Lei Fundamental não impõe ao legislador a obrigação de consagrar o direito de recorrer de todo e qualquer acto do juiz, admitindo-se, em processo penal, o direito a um duplo grau de jurisdição como decorrência da exigência constitucional do princípio da defesa, mas já não o direito a um triplo grau de jurisdição. III - Tendo sido aplicada ao recorrente pelo Tribunal da Relação a pena de dois anos e dois meses de prisão como autor de um crime de branqueamento p. e p. pelo art. 368.º- A, n.ºs 1 e 2 do CP, pena que, cumulada com outras penas parcelares, veio a ser suspensa na sua execução, o recurso interposto é inadmissível, nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, pelo que deve ser rejeitado.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – RELATÓRIO 1. AA foi julgado, em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, no Tribunal da Comarca de Castelo Branco, Instância Central, Secção Criminal. Por acórdão proferido em 13 de Fevereiro de 2015, foi deliberado: - absolver este arguido, bem como a co-arguida BB, da prática de um crime de auxílio à imigração ilegal p. e p. e p. pelo artigo 183.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, actualmente com a redacção da Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto, pelo qual vinha acusado; - absolver o arguido, bem como a co-arguida CC, da prática de um crime de branqueamento p. e p. pelo artigo 368º- A, n.os 1 e 2, do Código Penal, pelo qual vinha acusados. - Condenar o arguido e a co-arguida BB pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de 4 (quatro) crimes de lenocínio p. e p. pelo artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, para cada um dos crimes. Em cúmulo jurídico das penas aplicadas, foram estes arguidos condenados na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova. 2. Inconformados, o Ministério Público e os arguidos AA e BB interpuseram recurso deste acórdão para o Tribunal da Relação de Coimbra, questionando a matéria de facto e de direito assentes pelo tribunal recorrido. 2.1. Foram as seguintes as conclusões do recurso interposto pelo Ministério Público: «1. O Acórdão recorrido apresenta uma contradição entre a fundamentação e a decisão, uma vez que 2. Condenou os arguidos AA e BB pela prática, em co-autoria material, e na forma consumada, de quatro crimes de lenocínio quando os deveria ter condenado pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de 14 crimes de lenocínio, p. e p. nos termos dos artigos 30° n°s 1 e 3 e 169° n° 1, ambos do CPenal. 3. Já que deu como provado a forma como os cartões encontrados no estabelecimento eram utilizados e o fim a que se destinavam. 4. O Acórdão recorrido fez errada apreciação da prova uma vez que; 5. Absolveu os arguidos AA e BB da prática, em co-autoria de um crime de auxílio à emigração ilegal, 6. Quando, os mesmos, face aos depoimentos das testemunhas inquiridas para memória futura a que acresce a prova indirecta produzida em julgamento, não valorada, deveriam ter sido condenados pela prática, em co-autoria, de um crime de auxílio à emigração ilegal, p. e p. nos termos do artigo 183° n° 2 da Lei n° 23/2007 de 04.07, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n° 29/2012 de 09.08. 7. Já que sabiam que que tinham como funcionárias cidadãs ilegais. 8. O Acórdão recorrido fez errada apreciação da prova, uma vez que 9. Absolveu o arguido AA e BB da prática de um crime de branqueamento de capitais p. e p. nos termos do artigo 368° A do CPenal, 10. Uma vez que os absolveu da prática de um crime de auxílio à emigração ilegal; 11. Quando o mesmo deveria ter sido condenado por tais factos face à prova produzida (directa e indirecta) 12. Uma vez que colocou em circulação dinheiro da actividade de lenocínio 13. O acórdão recorrido fez errada apreciação da prova, uma vez que 14. Absolveu a arguida CC de prática de um crime de branqueamento, 15. Quando a mesma deveria ter sido condenada face à prova produzida em julgamento e face à directa e indirecta, nos termos do artigo 368° A, n°s 1 e 2 do CPenal 16. O Acórdão recorrido violou os artigos, 30° n° 1 e 3, 169° n° 1, 368° A, n°s 1 e 2, ambos do CPenal, artigo 182° n° 2 da Lei n° 23/2007 de 04.07, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n° 29/2012 de 09.08, artigos 410° n°s 1 e 2 alíneas b) e c) do CPPenal. Termos em que o Acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que: - condene o arguido AA pela prática em co-autoria, de 14 crimes de lenocínio p. e p. nos termos dos artigos 30° n°s 1 e 3 e 169° n° 1 do CPenal, e de um crime de auxílio à imigração ilegal p. e p. nos termos do artigo 183° n° 2 da Lei n° 23/2007 de 04.07 com a nova redacção que lhe foi dada pela Lei n° 29/2012 de 09.08, e em autoria material, pela prática de um crime de branqueamento p. e p. nos termos do artigo 368° n° 1 do Cpenal; - condene a arguida BB, pela prática em co-autoria, de 14 crimes de lenocínio p. e p. nos termos dos artigos 30° n°s 1 e 3 e 169° n° 1 do CPenal, e de um crime de auxílio à imigração ilegal p. e p. nos termos do artigo 183° n° 2 da Lei n° 23/2007 de 04.07 com a nova redacção que lhe foi dada pela Lei n° 29/2012 de 09.08; - condene a arguida CC, em autoria material, pela prática de um crime de branqueamento p. e p. nos termos do artigo 368°- A, n°s 1 e 2 do CPenal.» 2.2. Os arguidos pugnam pela sua absolvição «da prática de quatro crimes de lenocínio, condenando-os num crime de lenocínio simples (art.169º nº 1 do CP), com uma pena máxima de prisão de um ano e seis meses, suspensa na sua execução; e ainda ordenar-se a restituição das quantias apreendidas aos recorrentes». Foram as seguintes as conclusões do recurso interposto pelos arguidos AA e BB: “1ª O lenocínio visa proteger bens jurídicos transpersonalistas de étimo moralista por via do direito penal, isto equivale a dizer tutelar o interesse geral da sociedade na preservação da moralidade sexual e do ganho honesto. 2ª O crime de lenocínio previsto no art. 169º nº 1 do CP é um crime de actividade que se concretiza, apenas, mediante uma única resolução: o crime é, com intenção de obter lucro, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício de prostituição por outra ou outras pessoas. 3º É irrelevante o número de mulheres que exerceram a prostituição no bar dos recorrentes para determinar o número de crimes de lenocínio simples, devendo os recorrentes ser punidos, apenas, por um crime de lenocínio simples. 4º Os recorrentes consideram que só poderiam ter sido condenados nos autos por um crime de lenocínio simples, punido com uma pena de prisão de um ano e seis meses, suspensa na sua execução atentos os motivos invocados na douta sentença recorrida em sede de fundamentação da suspensão da pena para os quais se remete e se dão por reproduzidos. 5ª Os meritíssimos juízes “a quo” declararam perdidas as favor do estado as quantias apreendidas no quarto junto à entrada ascendendo ao montante de 34900€. Resulta claro que mais de metade do dinheiro apreendido provinha da actividade do alterne. A declarar-se a perda de todo o dinheiro é injusto e ofende o preceituado no art.109º nº 1 do CP. 6ª A perda de instrumentos e produtos do crime regulada no artigo 109.º, n.º 1, do Código Penal, não é uma pena, mesmo acessória, tendo uma finalidade meramente preventiva. 7ª O dinheiro não é um objecto que se mostre especialmente vocacionado para a prática de lenocínio, não existindo nos autos elementos que permitam considerar existente um perigo de utilização para a prática de outros crimes por parte dos recorrentes. Portanto, considera-se que não poderá subsistir a declaração de perda das quantias apreendidas aos recorrentes. Caso tal não seja entendido, pelo menos, metade das quantias apreendidas deverão ser devolvidas aos recorrentes, uma vez que a actividade de alterne que gerou, pelo menos, metade dos lucros, não é actividade criminosa. Nestes termos, requer a V.Exªs se dignem considerar procedente e provado o presente recurso, e em consequência absolver-se os recorrentes da prática de quatro crimes de lenocínio, condenando-os num crime de lenocínio simples (art.169º nº 1 do CP), com uma pena máxima de prisão de um ano e seis meses, suspensa na sua execução; e ainda ordenar-se a restituição das quantias apreendidas aos recorrentes.» 3. Respostas aos recursos: 3.1. Em resposta ao recurso dos arguidos AA e BB, apresentou o Ministério Público as seguintes conclusões: «1. O crime de Lenocínio é um crime eminentemente pessoal; 2. pelo que os recorrentes não podem ser punidos pela prática do mesmo, na sua forma continuada, 3. uma vez que as vítimas são plúrimas. 4. Provado que está que as quantias apreendidas aos recorrentes são fruto das actividades desenvolvidas no estabelecimento comercial propriedade e que aqueles exploravam; 5. e que se encontram indissociáveis/interligadas e que no seu conjunto vão fomentar as mesmas actividades “comerciais” 6. teriam, forçosamente, que ser declaradas perdidas a favor do Estado. 7. O acórdão recorrido ao condenar os ora recorrentes na prática de actos integradores de um crime de lenocínio, em concurso, e em declarar perdidos a favor do Estado as quantias aos mesmos apreendidas, não violou o disposto nos artigos 169° n° 1, 109° e 111o, todos do CPenal. Termos em que deve ser negado provimento ao recurso e, nesta parte, manter-se o acórdão recorrido.» 3.2. Os arguidos CC, AA e BB remataram a resposta ao recurso do Ministério Público com as conclusões que se transcrevem: «1ª O crime de lenocínio previsto no art. 169º nº 1 do CP é um crime de actividade que se concretiza apenas mediante uma única resolução: o crime é, com intenção de obter lucro, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício de prostituição por outra ou outras pessoas. Pelo que, há um só crime independentemente do número de prostitutas cuja actividade era fomentada. O crime de lenocínio simples visa proteger o interesse geral da sociedade na preservação da moralidade sexual e do ganho honesto. 2ª Deve ser considerado provado que na linha diversos era apontado o acto sexual da funcionária e que nesta expressão estava contido: shows de dança; table dance, strip-tease; zona privada. Chegando-se a tal conclusão ouvindo os excertos dos depoimentos acima referidos de Dr. DD, EE, e FF 3ª A interpretação que o MP pretende dar ao art. 169º nº 1 do CP quanto ao bem jurídico protegido é inconstitucional, considera o recorrente que bem jurídico protegido pela norma ser a dignidade da pessoa no modo de explicitação comunitária da sua liberdade e autodeterminação sexual. Os recorridos consideram pelo contrário que o bem jurídico protegido é o interesse geral da sociedade na preservação da moralidade sexual e do ganho honesto, sendo esta a tese que tem permitido ao Tribunal Constitucional suportar a constitucionalidade do crime de lenocínio. (cfr. ac 144/2004 do TC) A não ser assim, isto é o bem protegido ser a liberdade e autodeterminação sexual estaria necessariamente o art.169º nº 1 do CP ferido de inconstitucionalidade por violação dos arts.41º (liberdade de consciência) e 47º (liberdade de profissão), ambos da CRP, conjugados cm o art.18º nº 2 da CRP, conflituando e restringindo o direito à liberdade de consciência, bem como o direito de livre escolha de profissão, quer das prostitutas quer dos comerciantes. 4ª Dispõe o art. 412º nº 3 e 4 do CPP que quando se impugne a matéria de facto se indicam-se os pontos de facto incorrectamente julgados, as concretas razões de discordância, especificando as provas que imponham decisão diversa da recorrida. Não tendo sido especificadamente impugnados os factos não deve ser admitido e apreciado o recurso no tocante a esta questão. O que ocorreu quando da impugnação efectuada pelo MP quanto ao crime de auxílio é emigração ilegal e ao crime de branqueamento de capitais. 5ª A intenção dos arguidos ao explorar aquele género de estabelecimento sempre seria o lucro e para alcançar tal objectivo não necessitava de saber se as mulheres estavam ou não em situação irregular, já que o importante era ter mulheres que atraíssem os clientes, não importando a nacionalidade daquelas, pois poderiam ser Portuguesas, Francesas, Brasileiras, israelitas, etc. Na verdade, as condições dadas a todas as mulheres eram iguais para todas não relevando o facto de estarem ou não sem situação regular. Sublinhe-se que os arguidos não angariavam as mulheres eram elas quem se lhes apresentavam, sendo estas livres de ir embora tal como chegaram, não existindo qualquer dependência económica da qual se pode concluir que com o serviço aí prestado tal contribuiria para a sua permanência em território nacional. Na verdade, as ditas mulheres durante o dia tinham outras profissões, tais como a EE e FF. Em suma, deve manter-se a absolvição dos arguidos quanto ao crime de auxílio à emigração ilegal, pela não verificação do elemento subjectivo do tipo de crime. 6ª Não se pode considerar decisivo o facto de a arguida GG cozinhar e as refeições por ela confeccionadas serem, também, consumidas pelas mulheres brasileiras. Não podendo decorrer daí a conclusão que esta sabia o que elas faziam no Bar pela noite dentro, designadamente que aí se prostituíam e /ou alternavam. 7ª “O branqueamento de capitais é todo prestidigitação um truque de magia para a criação de riqueza. É, possivelmente, o mais próximo que alguém já chegou da alquimia” (Jeffrey Robinson – os branqueadores de dinheiro). Não seria com tais pequenas quantias que os arguidos estariam a fazer “alquimia”. O simples depósito de dinheiro numa conta bancária não integra a previsão do crime de branqueamento, por não se provar um plano finalisticamente dirigido (teoria realização plano, Klaus Roxin) a ocultar ou dissimular a origem dos bens e dinheiro, sendo facilmente reconstituíveis os movimentos financeiros. A arguida GG desconhecia o que se passava no interior do Bar dos filhos, e os que as mulheres aí faziam, pois nunca lá entrou, se elas se prostituíam ou se só alternavam, tal nem sequer por si foi concebido. O crime de branqueamento de capitais carece de um plano entre os arguidos dirigido à ocultação da origem ilícita do dinheiro, porém tal não está comprovado nos autos, tal como no tango são necessários dois para que o mesmo seja dançado. Assim, deve manter-se a absolvição da arguida conforme decidido na 1ª instância. Nestes termos, requer a V.Exªs se dignem considerar improcedente e não provado o presente recurso, e em consequência manter-se o douto acórdão proferido em primeira instância, sem prejuízo do recurso interposto pelos arguidos AA e BB.” 4. Os recursos interpostos foram admitidos para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto nesse Tribunal, emitiu o seguinte parecer: «(…) 4. Quanto ao recurso do Ministério Público, dir-se-á que se nos afigura ter razão nas diversas questões suscitadas quanto à apreciação da matéria de facto efectuada pelo tribunal recorrido, bem assim quanto à apreciação da matéria de direito. 4.1 - Quanto à primeira questão, seguindo o entendimento do douto acórdão recorrido quanto ao bem jurídico protegido pelo art.° 169°,n.° 1 do C. P. que o Ministério Público também aceita, haverá que ter em conta a motivação do Ministério Público neste aspecto quando pede a condenação por 14 crimes de lenocínio. Mas, antes de mais, reafirmar-se-á o nosso apoio à tese perfilhada, sem ignorar a divisão da jurisprudência sobre a matéria no que respeita à definição do bem jurídico em causa que tem como efeito a opção pela subsunção à prática de um só crime de lenocínio, independentemente do número de mulheres que sejam exploradas em termos económicos no exercício da prostituição pelos arguidos, ou pela prática de tantos crimes quantas as mulheres que sejam exploradas pelos arguidos. Existe controvérsia jurisprudencial e doutrinal, embora arrisquemos afirmar que a opção jurisprudencial pela condenação pela prática de um só crime surgiu posteriormente, alterando orientação anterior. E, curiosamente tem-se mantido quando foi introduzido o n.° 3 no art.° 30 do C. P. para tentar acabar com a controvérsia sobre a matéria pois que já havia quem defendesse mesmo face à anterior redacção do art.° 30° (sem o actual n.° 3), que quando estavam em causa bens de natureza eminentemente pessoal, deveria ser excluída a possibilidade de unificação sob a forma de crime continuado e que, por isso, não era defensável que se punisse com um só crime. “Resulta da própria natureza das coisas, indiscutível e formulada pela doutrina (neste sentido Maia Gonçalves, CPP anotado edição de 1999, pág. 155 em anotação ao art.° 30°) Ora, estaremos todos de acordo que, quando se trata de bens iminentemente pessoais, em termos doutrinais e de alguma jurisprudência anteriormente e agora face ao preceituado no art.° 30°, n.° 3 do C. P. que não estaremos perante um só crime ou perante a figura do crime continuado, quer quando a vítima é a mesma, quer quando se trata de várias vítimas do mesmo crime da mesma ocasião. Porém, a questão colocada nos autos deriva de outro aspecto que tem a ver com a definição do bem jurídico protegido pela norma penal do crime de lenocínio. A jurisprudência que entende tratar-se de um só crime, conforme bem explicita - em ambas as teses - o acórdão da Relação do Porto de 13-2-2008, relatado pela Dr.a Élia São Pedro, in www.dgsi.pt, concluindo este pela tese que não defendemos, situa a questão no facto de considerar que no crime de lenocínio não se protege a dignidade da pessoa humana, que não tem a ver com a liberdade de determinação sexual e, por isso, não se trata da protecção de bens eminentemente pessoais. Mais, faz a distinção no mesmo tipo legal de crime, uma distinção entre o n.° 1 - Lenocínio simples - e o n.° 2 - Lenocínio agravado, para afirmar que nos mesmos números do mesmo artigo estão em causa bens jurídicos diferentes, reafirmando que no primeiro não se protege a livre determinação sexual e no segundo protege-se essa liberdade. Ora, devemos dizer que a apontada alteração jurisprudencial se deu com a mesma redacção do tipo legal de crime, no que é essencial para a presente discussão. Neste sentido e contrariamente ao que vem sendo afirmado e decidido, importa anotar as consequências da integração do elemento sistemático do Código Penal, como elemento da interpretação da lei. Assim, o art.° 169° do C. P. (anterior 170°) faz parte do capítulo V que tem por título “Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual” e da Secção I que tem por título “Dos crimes contra a liberdade sexual. ” A ser deste modo, como aliás, se vem mantendo ao longo de várias e sucessivas alterações legislativas ao código penal, permaneceu intocada a referida sistematização do Código e fica contrariado o argumento jurisprudencial de que o crime de lenocínio, mesmo na modalidade do n.° 1 - lenocínio simples - nada teria a ver com a liberdade de determinação sexual da vítima. Tem a ver com a liberdade de determinação, porque o próprio legislador o afirma. Com efeito, os crimes designados contra a autodeterminação sexual constituem a secção II do mesmo capítulo V e a partir do art.° 171° do C. P. protegem as normas os bens jurídicos de que são vítimas menores e crianças. Para ir concluindo nesta parte, por dizer que nos parece dever defender-se o entendimento doutrinal e jurisprudencial de que no crime lenocínio nas suas várias modalidades se protegem bens iminentemente pessoais, que têm a ver com a dignidade humana e com a liberdade sexual, no caminho que o próprio código penal aponta. E, nesta medida, comete tantos crimes de lenocínio quantas as mulheres vítimas da exploração sexual por parte de um arguido. 4.1.1 - Nesta linha de argumentação e em concordância com a motivação do Ministério Público, designadamente, quanto à contradição insanável entre a motivação e decisão de facto, foram mais as situações concretas de mulheres encontradas, através da prova, como estando a ser exploradas pelos arguidos. Assim sendo, de acordo com a motivação do Ministério Público e mantendo a orientação do douto acórdão recorrido deverá considerar-se provado que foram vítimas da prática do crime também as indicadas, concretamente no ponto 34, al. b) da matéria provada, com as consequências supra referidas. 4.2 - Quanto ao pedido de condenação dos arguidos AA e BB pela prática do crime de auxílio à emigração ilegal, acompanhamos de igual modo a posição do Ministério Público. Atenta a matéria já dada como provada e tendo como referência a prova indicada pelo Ministério Público na sua motivação de recurso revela-se um conjunto de elementos de prova produzidos em audiência que não foram objecto de apreciação crítica da prova, quer no sentido de a admitir quer no sentido de a excluir de forma motivada. Deste modo e dada a pertinência da prova indicada e da sua relevância, nos parece que deveria ter sido dado como provado que os arguidos sabiam perfeitamente que estavam a explorar a actividade sexual de mulheres estrangeiras de nacionalidade brasileira que se encontravam no país em situação ilegal. E, em consequência serem dados como provados os factos indicados como não provados nos pontos n°s 6 e 7, bem assim os pontos n.°s 10 e 11 da matéria não provada. Donde se extrai como consequência, com base na matéria já provada (cfr. designadamente, os pontos 26,27,28, e 30) e nos apontados factos a provar, a condenação dos arguido pela prática do apontado crime, usando como jurisprudência neste sentido o acórdão da Relação do Porto de 11-09-2013, citado pelos próprios arguidos no seu recurso, a fls. 2733, na medida em que considera que comete o crime de auxílio à emigração ilegal, o arguido que “permite” no seu estabelecimento cidadãs estrangeiras a “trabalhar” na actividade de alterne e prostituição, auferindo rendimentos para o seu sustento ao mesmo tempo que lhes facilita a permanência em Portugal. 4.3 - Quanto ao crime de branqueamento de capitais distingue a recorrente duas situações. A do arguido AA em que defende que, em face da matéria provada, deveria o mesmo ser condenado pela prática deste crime. Apenas se acrescentando que, em face da factualidade já dada como provada, deveria por consequência à luz das regras da experiência comum ser dado como provado o elemento subjectivo da infracção indicado no ponto n.° 13 da matéria não provada. Assim se concordando com a alegação e pedido de condenação do arguido pela prática do referido crime. De igual modo se acompanha a solicitada alteração da matéria de facto com referência à arguida CC em face das provas indicadas, na medida em que a decisão recorrida considera que a mesma não conhecia bem as actividades delituosas do filho, como, aliás, até se prova a sua colaboração com trabalho seu no referido estabelecimento. Tudo para concluir que, em concordância com o recurso do Ministério Público, este nos parece dever ser julgado procedente. 5. Quanto ao recurso conjunto dos arguidos AA e BB: 5.1 - Dir-se-á que em relação ao pedido de condenação pela prática de um só crime de lenocínio em lugar da condenação pela prática de 4 crimes de lenocínio, acompanhando a resposta do Ministério Público, em tese apenas se referirá que se dá por reproduzida a nossa posição supra indicada no ponto n.° 4.1 a propósito desta mesma questão, nada mais se afigurando necessário acrescentar. 5.2 - Quanto à declaração de perdimento a favor do Estado das quantias apreendidas também nos parece que não merece censura a declaração de perdimento em face da matéria provada, mostrando-se justificado o perdimento porque consideradas as quantias relacionadas com as actividades delituosas dos arguidos AA e BB e como resultado dessas mesmas actividades, atento o que dispõe o art.° 111.º do C. P. Deverá, assim, ser julgado improcedente o recurso dos arguidos. * Nestes termos, acompanhando o Ministério Público na Ia instância, somos de parecer que o recurso deverá proceder e, quanto ao recurso dos arguidos deverá ser julgado improcedente». 5. Notificados, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, responderam os arguidos CC, AA e BB: «Quanto ao parecer dado relativamente ao recurso dos arguidos Nuno e Sónia Sem prejuízo do já alegado no recurso pelo arguido, dir-se-á, O art. 169º nº 1 do Código Penal protege um bem jurídico, de natureza constitucional, que é a dignidade da pessoa humana, constitutiva de um dos princípios fundamentais da República Portuguesa, conforme artigo 1.º da Constituição da República, assumindo-se como uma dimensão de tutela jurídico-penal da garantia da dignidade humana, constitucionalmente consagrada e, protegida constitucionalmente pelo artigo 26.º/2 da Constituição, aqui na vertente da dignidade, ínsita à auto-expressividade sexual co-determinando tal inciso, axiológico-normativamente, a expressividade comunitária do modo de exercício do direito à liberdade e autodeterminação sexual, ou dito de outro modo, vinculando esse exercício de autodeterminação sexual, com projecção e relevância ético-sociais, à dignidade da pessoa, de forma a que esta não constitua mera mercadoria, mero instrumento de prestação sexual, ainda que com o consentimento da vítima, explorada profissionalmente ou com intenção lucrativa por outrem. A propósito dos interesses jurídicos tutelados pela norma, tem-se entendido: O STJ no Acórdão de 7 de Novembro de 1990, in BMJ 401.º/205, que, “através do crime de lenocínio não é a prostituta que a lei quer proteger mas o interesse geral da sociedade na preservação da moralidade sexual e do ganho honesto”; No mesmo sentido já havia decidido este Tribunal da Relação de Coimbra, no seu Acórdão de 12 de Junho de 1985. O Tribunal da Relação do Porto, em aresto de 18 de Junho de 1991, que, “o interesse jurídico protegido pelos artigos 215.º e 216.º C Penal de 1982, versão original, não é de natureza eminentemente pessoal, mas social, no sentido da protecção dos valores ético-sociais da sexualidade, na comunidade”; O Acórdão do STJ de 26 de Fevereiro de 1986, que, “o bem jurídico é o da liberdade individual, no aspecto sexual”. O Acórdão do mesmo Tribunal de 19 de Março de 1991, no processo 41.428-3.ª, que “no crime de lenocínio se visa a punição dos actos que põem em causa, de forma relevante, os valores da comunidade e de concepções ético-sociais dominantes, devendo abranger sobretudo os actos que visam facilitar, explorar ou comercializar a entrega de mulheres.” Dilucidando a verdadeira natureza do ilícito em causa, ainda referimos o recente Acórdão do STJ, de 21 de Outubro de 2009. Face ao exposto, consideram os recorrentes que a sua condenação no crime de Lenocínio só pode ser por um único crime e não pelos que foram condenados pelo tribunal “a quo”, uma vez que através do crime de lenocínio não é a prostituta que a lei quer proteger mas o interesse geral da sociedade na preservação da moralidade sexual e do ganho honesto (neste sentido tb. Ac. Rc de 12-04-2011 in www.dgsi.pt). Quanto ao parecer dado relativamente ao recurso do MºPº O supra exposto aplica-se necessariamente à tese defendida pela acusação no seu recurso quanto ao lenocínio, pelo que se reitera o seu teor. Quanto às demais matérias objecto de recurso, dir-se-á sem prejuízo do já alegado em sede de contra-alegações: O tribunal, teve sempre presente os princípios e regras legais sobre os meios de prova admissíveis, modos de obtenção e força probatória legalmente conferida, formou a sua convicção de forma livre e à luz das regras da experiência – artº. 127º, do CPP -, tendo em conta que tais regras não comportam apreciação arbitrária nem meras impressões subjectivas incontroláveis, antes, se reconduziu, fundadamente, nas provas produzidas, sem esquecer, no entanto, que os critérios da experiência comum e a lógica do homem médio supostos pela ordem jurídica se bastam com a descoberta da verdade material e não exigem a busca da verdade ontológica, transcendental, porventura inalcançável, nem uma livre e ilimitada especulação projectada para hipótese segundo o gosto e capacidade de cada ser pensante, jurista ou não. Assim, os recorridos afirmam que o recurso e o parecer do MºPº se firma em impressões subjectivas, intuições e convicções pessoais sem qualquer base fáctica segura que as suporte o que não admissível e desaconselhável. Assim, deve o douto acórdão manter-se inalterado na parte em que absolveu os arguidos.» 6. Por acórdão de 11 de Novembro de 2015, da 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, foi concedido parcial provimento aos recursos, deliberando-se: «A) Eliminar dos factos não provados os pontos n°s 6 e 7, 10 e 11 da matéria de facto, que transitam para a matéria de facto provada, nos termos assinalados em 2.2.1; B) Alterar a redacção do ponto 26 dos factos provados nos termos registados no ponto 2.2.3; C) Condenar o arguido AA como co-autor de um crime de lenocínio p. p. art 169, nº 1, do CP na pena de um ano e seis meses de prisão; D) Condenar o arguido AA como co-autor de um crime de auxílio à imigração ilegal p. e p. e p. pelo art. 183º, nº 2 da Lei nº 23/2007, de 4-7, na pena de um ano e quatro meses de prisão; E) Condenar o arguido AA como autor de um crime de branqueamento p. e p. pelo art. 368º- A, nºs 1 e 2 do Código Penal na pena de dois anos e dois meses de prisão; F) Em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas, condenar o arguido AA na pena única de três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova. G) Condenar a arguida BB como co-autora de um crime de lenocínio p.p. art 169º, nº 1, do CP na pena de um ano e quatro meses de prisão; H) Condenar a arguida BB como co-autora de um crime de auxílio à imigração ilegal p. e p. e p. pelo art. 183º, nº 2 da Lei nº 23/2007, de 4-7, na pena de um ano de prisão; I) Em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas, condenar a arguida BB na pena única de um ano e oito meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova. J) Confirmar, quanto ao mais, a sentença recorrida.» 7. Deste acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra vem agora o arguido AA interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: «CONCLUSÕES: 1ª Consideraram os juízes "a quo" que o arguido AA utilizou o TPA n° ... e conta bancária da CGD n° ... com o objectivo manifesto de dissimular a natureza e origem do dinheiro. Aliás, a simples conduta de depositar na sua conta quantias monetárias provenientes do crime pode integrar o crime de branqueamento. Concluindo os meritíssimos desembargadores que o arguido cometeu um crime de branqueamento p.p. pelo art.368° n°01 e 02 do CP, pelo que o tribunal de ia instância violou por erro de interpretação o dito normativo do CP ao ter absolvido o arguido. 2ª Se analisarmos os factos provados constantes dos arts.8 a 15° dos factos provados do douto acórdão recorrido, verifica-se que a actividade que realmente gerava lucro "à casa" era o alterne. Tomando em consideração que o alterne não é uma actividade criminosa não se pode considerar que estamos face a um crime de branqueamento de capitais por inexistir um crime precedente. 3ª O pagamento com multibanco é um pagamento electrónico de um serviço encomendado que é pago automaticamente sendo o processamento e a confirmação do pagamento prontamente enviada às entidades comerciais, minorando os riscos, isto equivale a dizer o pagamento é efectuado directamente da conta bancária do utilizador e o vendedor recebe notificações dos pagamentos, em tempo real. Ora todo este processamento não se pode considerar como um depósito em numerário ao balcão. 4ª Tomando em consideração o exposto no Ac. STJ de 11/06/2014 in www.dgsi.pt: "A designação mais comum para significar as fases, etapas, ou possíveis operações de branqueamento de capitais, é a adoptada pelo GAFI, que distingue três etapas, designadas na terminologia inglesa habitualmente usada por placemen, layering eintegration (fases de colocação, circulação e de integração), tendo inspirado a Convenção de Viena e em consequência o legislador português, que seguiu aquela muito de perto. A primeira fase – placement – consiste na colocação dos capitais no sistema financeiro, seja em instituições financeiras tradicionais ou noutras. A segunda fase — layering consiste na realização de várias transacções, com vista a criar várias «camadas» (layers) entre a origem real e a que se pretende visível, para assim dissimular a origem dos fundos. O objectivo é o de interromper o chamadopaper trail, ou seja, o conjunto de elementos documentais que permitem a reconstrução dos movimentos financeiros efectuados. A terceira fase — integration — é o investimento (ou, na terminologia dos autores italianos, o «emprego» dos fundos), já «lavados», nas mais variadas operações económicas (p. ex., a compra de imóveis ou metais preciosos), numa perspectiva designadamente de longo prazo." Assim, tem de se concluir que nos autos nenhuma destas fases ocorreu. Pois, o pagamento com multibanco é um pagamento electrónico idêntico ao pagamento em dinheiro não configurando fase de colocação. O problema do branqueamento surge com o depósito de dinheiro em contas bancárias, pois o dinheiro "não fala" facilitando a dissimulação da origem dos fundos não deixando rasto. No caso em concreto o TPA estava ligado à casa de alterne explorada pelo arguido, o pagamento electrónico era efectuado na sua conta bancária, onde constava como titular, pelo que não se concebe como é que o arguido dissimulava a verdadeira origem dos fundos. 5ª Por outro lado, após analise dos autos, não constam dos mesmos factos provados que permitam retirar a conclusão de que o arguido utilizava aquela conta bancária com o objectivo manifesto de dissimular a origem do dinheiro, pelo que violaram os juízes "a quo" por erro de interpretação o art.368° n°01 e 02 do C.P. ao condenar o arguido. 6ª "O branqueamento de capitais é todo prestidigitação um truque de magia para a criação de riqueza. E, possivelmente, o mais próximo que alguém já chegou da alquimia" (Jeffrey Robinson — os branqueadores de dinheiro). Não seria com depósito de pequenas quantias que o arguido estaria a cometer um crime. Na verdade, o simples depósito de dinheiro numa conta bancária não integra a previsão do crime de branqueamento, por não se provar um plano finalisticamente dirigido (teoria realização plano, Klaus Roxin) a ocultar ou dissimular a origem dos bens e dinheiro, sendo facilmente reconstituíveis os movimentos financeiros. 7ª Em suma, o crime de branqueamento de capitais carece de um plano dirigido à ocultação da origem ilícita do dinheiro, porém tal não está comprovado nos autos, na verdade mais exposta a origem do dinheiro não poderia estar com os pagamento por meios electrónicos oriundos da casa nocturna. Nestes termos, requer a V.Exas se dignem considerar procedente e provado o presente recurso, e em consequência absolver-se o recorrente da prática do crime de branqueamento de capitais.» 8. O Ministério Público no Tribunal da Relação de Coimbra respondeu ao recurso, concluindo: «CONCLUSÕES: 1. O acórdão proferido neste Tribunal da Relação, atenta a medida concreta da pena aplicada, bem assim a resultante do cúmulo jurídico, ambas inferiores a 5 anos de prisão, não deverá, a nosso ver, de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 414°, n.º 2 e 3, 417º, n.º 1 e 6 aI. a) e b), 420º, n.º 1, na sua articulação com os arts. 432°, n.º 1 aI. b) e c) e 400°, n.º 1 aI. e) e f) todos do CPP, ser admitido o recurso do assistente. 2. Mesmo tratando-se de condenação subsequente a absolvição da 1ª instância, ficou já assegurado ao arguido um duplo grau de recurso. 3. Não se atendendo a esta questão prévia, se o mesmo for aceite para ser julgado, não nos merece censura a subsunção legal feito no acórdão recorrido. 4. O recorrente não toma em devida conta toda a matéria de facto provada relativa ao crime em questão, nem a matéria de facto provada aditada no Tribunal da Relação.» 9. Neste Supremo Tribunal, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu proficiente parecer de que se transcreve o trecho seguinte: «[…]. 3.1 – O arguido recorrente impugna tão só a condenação pelo crime de branqueamento, pedindo a sua absolvição, porquanto da factualidade fixada não resultam preenchidos os elementos típicos daquele ilícito criminal, invocando, a propósito, o Ac. do STJ, de 11/6/2014, do qual transcreve trechos relativos às fases, etapas ou possíveis operações de branqueamento de capitais (concls. 2ª a 7ª, inclusive). 3.2 – Em oposição, defende o MºPº a bondade da decisão recorrida, que deverá manter-se, colocando, porém, previamente, a questão da admissibilidade do recurso, considerando o disposto nos arts. 432.º, n.º 1, al. b) e 400.º, n.º 1, al. e), ambos do CPP, e convocando, em defesa da sua tese, os Acórdãos do STJ, de 29/4/2009, de 27/4/2011, e do Tribunal Constitucional, Ac. n.º 385/2011, de 27/7/2011, em D.R., I, série, de 3/10/2011, no qual se procedeu a recensão da jurisprudência em conformidade, daquele Tribunal. 4 – Questão prévia – Irrecorribilidade do Acórdão ora sub judice - A jurisprudência citada pelo MºPº no Tribunal a quo, quer do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), quer do Tribunal Constitucional (TC) é, porém, toda ela datada de antes da prolação do Acórdão do T.C. n.º 412/2015, de 29/9/2015, que julgou inconstitucional a norma do art. 400.º, n.º 1, al. e) do CPP, ao estabelecer a irrecorribilidade do acórdão da relação que, inovatoriamente, face à absolvição em 1ª instância, condenou os arguidos em pena de prisão efectiva não superior a 5 anos. Porém, certo é que o mesmo Tribunal Constitucional proferiu, em caso com contornos semelhantes, o Acórdão n.º 163/2015, em 4/3/2015, que considerou constitucional a norma contida no art. 400.º, n.º 1, al. e) do CPP. Neste mesmo sentido, o Supremo Tribunal de Justiça, por Ac. de 16/12/2015, pº 59/14.3PQPRT.P1.S1 – 3ª Secção, julgou irrecorrível, nos termos dos arts. 432.º, n.º 1, al. b), e 400.º, n.º 1, al. e), ambos do CPP, o acórdão da Relação que, julgando procedente o recurso interposto pelo MºPº da sentença que havia absolvido o recorrente, o condenou em 2 anos de prisão efectiva. É certo que no caso acabado de citar, o julgamento foi realizado por tribunal singular, em processo abreviado, mas, “mutatis mutandis”, vale aqui a fundamentação daquela decisão, o facto de o arguido tendo a possibilidade plena de, no recurso interposto para o tribunal da relação, fazer valer, perante a instância de recurso, as razões da sua defesa, assim ficando asseguradas as garantias de defesa que constitucionalmente lhe são conferidas. Permanecendo válida a fundamentação da jurisprudência citada pelo MºPº na sua resposta e considerando a decisão tirada pelo STJ no processo acabado de citar, deve rejeitar-se o recurso interposto pelo arguido, por inadmissível, nos termos dos arts. 400.º, n.º 1, al. e) e 432.º, n.º 1, al. b), ambos do CPP.» Quanto ao «fundo da questão – Do crime de branqueamento», considera que, «se, por mera hipótese de raciocínio [a questão prévia suscitada não proceder], o recurso não merece provimento». Concluindo no sentido: «- da rejeição liminar do recurso interposto pelo arguido, por irrecorrível a decisão, nos termos e para os efeitos dos arts. 400.º, n.º 1, al. e), 432.º, n.º 1, al. b), 417.º, n.º 6, al. a) e 420.º, n.º 1, al. a), todos do CPP. A não ser assim doutamente entendido, não provimento do recurso.» 10. O recorrente, na sequência da notificação efectuada ao abrigo do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, doravante CPP, apresentou resposta, pugnando «pela recorribilidade do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, uma vez que a sua decisão foi inovatória, condenando-o por dois crimes dos quais fora absolvido em 1.ª instância». Relativamente ao crime de branqueamento de capitais em que foi condenado, sustenta que não se comprovaram elementos susceptíveis de o integrar. 11. Não tendo sido requerida a realização de audiência (artigo 411.º, n.º 3, do CPP), o recurso será julgado em conferência, nos termos do disposto no artigo 419.º, n.º 1, alínea c), do CPP. 12. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir. II - FUNDAMENTAÇÃO 1. Suscita o Ministério Público neste Supremo Tribunal a questão prévia da irrecorribilidade do acórdão ora sub judice, devendo rejeitar-se o recurso interposto pelo arguido, por inadmissível, nos termos dos artigos 400.º, n.º 1, alínea e), e 432.º, n.º 1, alínea b), ambos do CPP. Recorde-se que o arguido recorrente impugna tão só a condenação pelo crime de branqueamento de capitais proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra na sequência do recurso que o Ministério Público interpusera do acórdão do Tribunal Colectivo da Comarca de Castelo Branco que o absolvera desse ilícito criminal. Perante a questão prévia suscitada pelo Ministério Público, há que decidir sobre a admissibilidade do recurso, interessando salientar que, apesar de o recurso ter sido admitido, sem quaisquer restrições pelo Tribunal a quo (despacho de fls. 2876), esta decisão não vincula este Supremo Tribunal, conforme disposto no artigo 414.º, n.º 3, do CPP. 2. A recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões penais está prevista, específica e autonomamente, no artigo 432.º do CPP. De uma forma directa, nas alíneas a), c) e d) do n.º 1; e de um modo indirecto na alínea b), decorrente da não irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelas relações, nos termos do artigo 400.º, nº 1 e respectivas alíneas, do mesmo Código. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 432.º do CPP: «1. Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: a) De decisões das relações proferidas em 1ª instância; b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas elações, em recurso, nos termos do artigo 400.º; c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito; e) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.» E, nos termos do n.º 1 do artigo 400.º do CPP: «1. Não é admissível recurso: a) De despachos de mero expediente; b) De decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal; c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objecto do processo; d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, excepto no caso de decisão condenatória em 1ª instância em pena de prisão superior a 5 anos; e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos; f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos; g) Nos demais casos previstos na lei.» A referência essencial para a leitura integrada deste regime de recorribilidade acolhido nas disposições transcritas, «porque constitui a norma que define directamente as condições de admissibilidade do recurso para o STJ não pode deixar de ser, como é dito no acórdão deste Supremo Tribunal, de 18-02-2009 (Proc. n.º 09P0102 – 3.ª Secção)[1], a alínea c) do nº 1 o artigo 432º do CPP, que fixa, em termos materiais, uma condição e um limiar material mínimo de recorribilidade – acórdãos finais, proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo, que apliquem pena de prisão superior a cinco anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito». 3. No caso vertente estamos perante acórdão do Tribunal da Relação proferido em recurso que, alterando decisão do tribunal de 1ª instância, que absolvera o arguido, agora recorrente, do crime de branqueamento de capitais, o condenou por tal crime na pena de dois anos e dois meses de prisão, pena que foi cumulada juridicamente com outras penas em que foi condenado, resultando a condenação na pena única de três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova. Ora, tendo sido aplicada ao arguido-recorrente pena de prisão não superior a cinco anos, o acórdão do Tribunal da Relação impugnado é irrecorrível em conformidade com o disposto no citado artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP. A irrecorribilidade da decisão resultaria também se se entender que a suspensão da execução da pena decretada no acórdão recorrido configura uma «pena não privativa de liberdade» e, portanto, abrangida também pela citada norma. Neste sentido, considerou-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de 01-06-2011 (Proc. n.º 234/00.8JAAVR.C2.S1 – 3.ª Secção), que a pena suspensa constitui uma «pena autónoma» e «na sua autonomia, uma pena que não implica a privação de liberdade». Daí que, justamente, resultando do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, não ser admissível recurso dos acórdãos proferidos em recurso pelas Relações que apliquem pena não privativa da liberdade, se tenha aí decidido pela inadmissibilidade do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão proferida pelo Tribunal da Relação que aplicou ao arguido a pena de 2 anos e 10 meses de prisão cuja execução ficou suspensa na sua execução pelo período de 5 anos. Refira-se, a propósito, que também no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/2016, de 18-02-2016, proferido no processo n.º 1786/10.0PBGMR-A.G1-A.S1 (5.ª Secção)[2], se perfilha igualmente o entendimento de que a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão não constitui pena privativa da liberdade. De referir ainda que o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 353/10, não julgou inconstitucional a norma constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, na interpretação segundo a qual a pena suspensa não é uma pena privativa de liberdade. Assumindo-se o entendimento que a pena suspensa aplicada pelo Tribunal da Relação não é uma pena privativa de liberdade, entende-se que o recurso interposto não é admissível face ao disposto no citado artigo 400.º n.º 1 alínea e), do CPP. 4. O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado inadmissível o recurso de decisão da Relação que, na sequência de recurso interposto pelo Ministério Público, tenha decretado pena de prisão efectiva, revogando a pena de substituição da suspensão da sua execução aplicada na 1.ª instância ou que, inovatoriamente, tenha condenado o arguido, absolvido na 1.ª instância, em pena de prisão não superior a cinco anos. Podem indicar-se, neste sentido, os acórdãos de 18-02-2009 (Proc. n.º 09P0102 – 3.ª Secção), de 23-11-2011 (Proc. n.º 56/06.2SRLSB.L1.S1 – 3.ª Secção), de 05-12-2012 (Proc. n.º 11453/10.9TDLSB.L1.S1 – 3.ª Secção), de 06-02-2014 (Proc. n.º 315/11.2JACBR.C1.S1 – 3.ª Secção), de 14-05-2014 (Proc. n.º 19/11.6IDSTB.L1.S1 – 3.ª Secção), de 17-09-2014 (proc. n.º 1/11.3GHLSB.L1.S1 – 3.ª Secção), de 01-10-2014 (Proc. n.º 130/12.6PEALM.L1.S1 - 3.ª Secção), de 12-11-2014 (Proc. n.º 1287/08.6JDLSB.L1.S1 – 3.ª Secção), de 16-12-2015 (Proc. n.º 59/14.3PQPRT.P1.S1 – 3ª Secção), citado pela Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal, podendo ainda mencionar-se as decisões sumárias de 03-12-2015 (Proc. n.º 198/11.2GAPTB.G1.S1 – 5.ª Secção), de 16-12-2015 (Proc. n.º 59/14.3PDPRT.P1.S1 – 3.ª Secção), e de 14-01-2016 (Proc. n.º 90/10.8PANZR.C1.S1 – 5.ª Secção). 5. Este entendimento não ofende o direito do arguido ao recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República já que, como tem sido salientado, a Lei Fundamental não impõe ao legislador a obrigação de consagrar o direito de recorrer de todo e qualquer acto do juiz, admitindo-se, em processo penal, o direito a um duplo grau de jurisdição como decorrência da exigência constitucional do princípio da defesa, mas já não o direito a um triplo grau de jurisdição. O Tribunal Constitucional tem afirmado que o direito ao recurso como garantia de defesa do arguido não impõe um duplo grau de recurso, sendo que a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas. Como se lê no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 49/2003: «4. A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem tido oportunidade para salientar, por diversas vezes, que o direito ao recurso constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal. Este direito assenta em diferentes ordens de fundamentos. Desde logo, a ideia de redução do risco de erro judiciário. Com efeito, mesmo que se observem todas as regras legais e prudenciais, a hipótese de um erro de julgamento – tanto em matéria de facto como em matéria de direito – é dificilmente eliminável. E o reexame do caso por um novo tribunal vem sem dúvida proporcionar a detecção de tais erros, através de um novo olhar sobre o processo. Mais do que isso, o direito ao recurso permite que seja um tribunal superior a proceder à apreciação da decisão proferida, o que, naturalmente, tem a virtualidade de oferecer uma garantia de melhor qualidade potencial da decisão obtida nesta nova sede. Por último, está ainda em causa a faculdade de expor perante um tribunal superior os motivos – de facto ou de direito – que sustentam a posição jurídico-processual da defesa. Neste plano, a tónica é posta na possibilidade de o arguido apresentar de novo, e agora perante um tribunal superior, a sua visão sobre os factos ou sobre o direito aplicável, por forma a que a nova decisão possa ter em consideração a argumentação da defesa. Resulta do exposto que os fundamentos do direito ao recurso entroncam verdadeiramente na garantia do duplo grau de jurisdição. A ligação entre o direito ao recurso e o duplo grau de jurisdição é, pois, evidente, sendo reconhecida pela recorrente nas alegações apresentadas neste Tribunal (…). 5. A norma impugnada pela recorrente – contida na alínea e) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal – exclui, nos casos nela previstos, a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos proferidos em recurso pela relação. Importa ter presente, todavia, que tais acórdãos resultam justamente da reapreciação por um tribunal superior (o tribunal da relação), perante o qual o arguido tem a possibilidade de expor a sua defesa. Por outras palavras, o acórdão da relação, proferido em 2ª instância, consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição, indo ao encontro precisamente dos fundamentos do direito ao recurso. Dir-se-á – como faz a recorrente – que, tendo havido uma decisão absolutória na primeira instância, o direito ao recurso implicaria a possibilidade de recorrer da primeira decisão condenatória: precisamente o acórdão da relação. Tal entendimento, não só encara o direito ao recurso desligado dos seus fundamentos substanciais (como resulta do que já se disse), mas levaria também, em bom rigor, a resultados inaceitáveis, como se passa a demonstrar. Se o direito ao recurso em processo penal não for entendido em conjugação com o duplo grau de jurisdição, sendo antes perspectivado como uma faculdade de recorrer – sempre e em qualquer caso – da primeira decisão condenatória, ainda que proferida em recurso, deveria haver recurso do acórdão condenatório do Supremo Tribunal de Justiça, na sequência de recurso interposto de decisão da Relação que confirmasse a absolvição da 1ª instância. O que ninguém aceitará. A verdade é que, estando cumprido o duplo grau de jurisdição, há fundamentos razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, mediante a atribuição de um direito de recorrer de decisões condenatórias. Tais fundamentos são a intenção de limitar em termos razoáveis o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, evitando a sua eventual paralisação, e a circunstância de os crimes em causa terem uma gravidade não acentuada. Esta segunda justificação, aliás, explica a diferença entre as alíneas e) e f) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal; com efeito, se ao crime em causa for aplicável pena de prisão "não superior a oito anos" (alínea f)) – não sendo hipótese abrangida pela alínea e), naturalmente –, só não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão condenatório proferido pela Relação se este confirmar "decisão de 1ª instância". Não se pode, assim, considerar infringido o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição pela norma que constitui o objecto do presente recurso, já que a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas. 6. A concluir, refira-se o artigo 2º do protocolo nº 7 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (aprovado, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 22/90, 27 de Setembro, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 51/90, da mesma data), cujo texto é o seguinte: “Artigo 2º 1 – Qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal por um tribunal tem o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade ou a condenação. O exercício deste direito, bem como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido, são regulados por lei. 2 – Este direito pode ser objecto de excepções em relação a infracções menores, definidas nos termos da lei, ou quando o interessado tenha sido julgado em primeira instância pela mais alta jurisdição ou declarado culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição.” Como se vê, a parte final do nº 2 ressalva, precisamente, a hipótese que está em apreciação no presente recurso.» Neste sentido se pronunciaram também os acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 255/2005, 487/2006, 682/2006, 424/2009, 163/2015, 245/2015 e 398/2015[3]. 6. Não se ignora que o Tribunal Constitucional, revendo a posição enunciada quanto à conformidade com a Constituição do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, no sentido da irrecorribilidade da decisão condenatória de Tribunal da Relação que aplique pena de prisão efectiva não superior a cinco anos a arguido que fora absolvido na 1.ª instância, considerou, por maioria, no acórdão n.º 412/2015, inconstitucional aquela norma, por violação do direito ao recurso enquanto garantia de defesa em processo criminal (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição). Este entendimento veio a ser reafirmado, também por maioria, no recente acórdão n.º 429/2016, de 13 de Julho de 2016, ainda não publicado, proferido em Plenário, em que se decidiu: «Julgar inconstitucional a norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efectiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, por violação do direito ao recurso enquanto garantia de defesa em processo criminal, consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição.» Este acórdão, proferido ao abrigo do n.º 5 do art. 79.º-D da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), não tem, no entanto, força obrigatória geral, mas apenas eficácia no processo em que foi proferido, nos termos do art. 80.º, n.º 1, da mesma Lei, sendo que merece a nossa concordância o entendimento que não obteve vencimento. 7. Em face do exposto, entendemos que o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de que se recorre consubstanciou a garantia do duplo grau de recurso. Tendo sido aplicada ao recorrente pelo Tribunal da Relação a pena de dois anos e dois meses de prisão como autor de um crime de branqueamento p. e p. pelo art. 368.º- A, n.os 1 e 2 do Código Penal, pena que, cumulada com outras penas parcelares, veio a ser suspensa na sua execução, o recurso interposto é inadmissível, nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, pelo que deve ser rejeitado. III – DECISÃO Pelo exposto, nos termos dos artigos 420.º, n.º 1, alínea b) e 414.º, n.º 2, do CPP, acordam em conferência os juízes que compõem a 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso interposto pelo arguido AA por irrecorribilidade da decisão impugnada - artigo 400.º, n.º 1, alínea e) do CPP. Custas pelo recorrente, fixando-se em 5 UC a taxa de justiça, a que acresce o pagamento de 3 UC – n.º 3 do artigo 420.º do CPP. Supremo Tribunal de Justiça, 21 de Setembro de 2016 (Texto elaborado e revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP) ---------- [1] Os acórdãos citados encontram-se acessíveis nas Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ. [2] Publicado no Diário da República, I Série, de 21.03.2016. [3] Todos os acórdãos do Tribunal Constitucional citados estão disponíveis, em texto integral, em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.