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Acórdão TR Porto de 2005-04-28

0531227

TribunalTribunal da Relação do Porto
Processo0531227
Nº ConvencionalJTRP00037990
RelatorJosé Ferraz
DescritoresCasamento, Cônjuge, Meação, Bens Próprios
Nº do DocumentoRP200504280531227
Data do Acordão2005-04-28
VotaçãoUnanimidade
Privacidade1
Meio ProcessualAGRAVO.
DecisãoProvido.
Área Temática.

Sumário

No domínio das relações entre cônjuges, à demonstração da qualidade de bem próprio de um dos cônjuges, não se impõe que do documento de aquisição conste mencionada a proveniência do dinheiro para esse efeito.


Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Nos autos de Inventário para partilha dos bens do casal (Proc. .....-../1991), subsequente ao divórcio, em que é requerente e cabeça de casal B.................., foi apresentada a relação de bens, com certidão a fls. 23/26 destes autos de recurso. Nela relaciona-se uma quota de € 2.493,99 no capital social da sociedade “C........... - .........., LDA” (Verba Nº 2). Notificada da relação de bens, veio a interessada D.................... apresentar reclamação, certificada a fls. 47/50. No que respeita às quotas no capital dessa sociedade, diz que não existia no capital da sociedade uma quota de € 2 493,99 mas antes duas quotas no valor unitário de € 1 246,99; uma em nome do requerente e outra em nome da requerida (reclamante), mas que a quota titulada pelo requerente/cabeça de casal foi vendida judicialmente. Daí apenas dever ser relacionada uma quota no valor de € 1.246,99, titulada pela recorrente. A reclamação foi decidida conforme despacho certificado a fls. 97/99, que, no que respeita às quotas no capital da referida sociedade, considerando-se inexistir uma quota de € 2 493,99 mas duas de € 1 246,99 cada e que, nos termos da reclamação, uma delas foi vendida, mas também que em nome da requerida se encontram registadas duas quotas, o Sr. Juiz ordenou o seu relacionamento, sendo uma de € 1.246,99 e outra de € 7.481,97. Alegando erro material quando nesse despacho se ordena o relacionamento da quota de € 7.481,97, por ser um bem próprio que lhe pertence, conforme documento que juntou, a requerida pediu a sua rectificação no sentido de não se ordenar a relacionação dessa quota. Despachou-se no sentido de inexistir erro material, indeferindo-se o requerimento de rectificação. II. Face ao que do despacho que ordenou a relacionação daquela quota de € 7.481,97, agravou a requerida D.............. . Encerra as suas alegações concluindo: 1. A quota no valor nominal de € 7.481,95 no capital social da firma “C......... - .............., LDA, titulada em nome da Requerida, ora agravante, é um bem próprio, como tal registada, por ter sido adquirida por forças de dinheiro próprio da mesma, como foi declarado na escritura que foi outorgada, também, pelo requerente, ora Agravado. 2. Decretado divórcio, nos termos do art. 1404º do CPC, pode qualquer dos ex-cônjuges requerer inventário para partilha dos bens, inventário esse que, nos termos do nº 3 do art. 1326º, do CPC, se destinará à partilha consequente à extinção da comunhão de bens entre os cônjuges. 3. Estão assim, nesta partilha, em causa, unicamente, os bens comuns do casal, só esses podendo ser objecto de partilha, pelo que só esses bens comuns devendo ser relacionados. 4. Face á qualidade de bem próprio da Agravante, da identificada quota da firma “C........ - ..............., LDA, no valor nominal de € 7.481,97 demonstrada documentalmente nos autos, não pode aquela quota ser objecto de partilha entre os ex-cônjuges. 5. Não devendo, por isso, integra a relação de bens. 6. Mas, mesmo que se entenda que no inventário dos bens do dissolvido casal por divórcio devem ser relacionados todos os bens do casal - comuns ou próprios de qualquer dos cônjuges - visto o inventário se destinar, também, à efectiva liquidação das responsabilidades entre os cônjuges e destes para com terceiros, sempre se imporá que na relação de bens devam os mesmos ser identificados como bens próprios de um dos ex-cônjuges e nessa qualidade serem considerados na conferência de interessados. 7. Violou o douto despacho e na parte objecto do presente recurso, os arts. 1326º, nº 3 e 1404 do CPC e art. 1723º, al. c) do CC. Termos em que deve ser revogado o douto despacho recorrido, na parte aqui em causa, e substituído por outro que exclua a identificada quota social da relação de bens ou, se assim se não entender, identifique a qualidade de bem próprio da Agravante, com o que se fará inteira e sã JUSTIÇA.” Não foram apresentadas contra-alegações. O Exmo Juiz sustentou o despacho recorrido. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. III. Perante as alegações de recurso, cabe apenas decidir se não deve ser relacionada a identificada quota social titulada pela recorrente ou, a assim se não entender, se deve ser mencionada a qualidade de bem próprio da recorrente. IV. Os factos a considerar são os que constam do relatório, em I), a que se acrescentam, em consideração dos documentos juntos: a) Por escritura pública de 24/08/1989, os únicos sócios da sociedade “C.................” - recorrente e recorrido - procederam a aumento do capital dessa sociedade de 500 000$00 para 2 000 000$00, mediante o reforço de 1 500 000$00 “realizado em dinheiro por parte da sócia D...................” que passou a constituir uma nova quota de igual valor. b) Consta dessa escritura pública que “o dinheiro realizado no aumento pela segunda outorgante D.................., é dinheiro próprio dela pelo que a referida nova quota é seu bem próprio”. c) O reforço de capital e a nova quota foram registados, constando do registo comercial que o aumento de capital foi feito mediante o reforço de 1 500 000$00, em dinheiro, subscrito totalmente por D................, seu bem próprio. d) Recorrente e recorrido foram casados em regime de comunhão de bens adquiridos. IV. Pelos elementos que o processo nos fornece, a quota social em causa, no valor de € 7 481,97 não foi relacionada pelo cabeça de casal como, nessa parte, não houve reclamação à relação de bens por omissão dessa quota, isto é, não foi acusada a falta desse bem na relação de bens por aquele apresentada. Nem o cabeça-de-casal relacionou a quota de € 7.481,97 como bem comum do casal, nem a recorrente acusou a sua falta na relação, como claro resulta da reclamação. Pelos elementos que nos fornece este processo, revela-se ordenada a sua inclusão na relação de bens, sem que qualquer dos interessados o requeresse. Decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio (…), qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para partilha dos bens, salvo se o regime de bens do casamento for o de separação (artigo 1404º, nº 1, do CPC) O inventário subsequente ao divórcio tem como finalidade da partilha dos bens comuns do dissolvido casal, destina-se a pôr termo à comunhão de bens entre os cônjuges Normalmente, trata-se de um processo de partilha de bens (cfr. art. 1326º, nº 3, do CPC), o que pressupõe a existência de bens comuns, daí que sendo o regime de bens do casamento o de separação, não há lugar a inventário, como a ele não haverá se não houver quaisquer bens comuns. A sua finalidade última é a concretização da partilha, a determinação dos bens concretos que hão-de caber a cada um dos ex. cônjuges, desaparecendo o conjunto patrimonial unitário que constituía o património comum na constância da sociedade conjugal; pela partilha em inventário põe-se termo à comunhão de bens do casal. O inventário divisório tem como objectivo a partilha duma massa de bens pelos respectivos titulares (A. dos Reis, Processos Especiais, II/356). É um processo que exerce uma função divisória, visa substituir a massa de bens comuns pelas quotas concretizadas que irão caber a cada um dos interessados. Recorrente e recorrido foram casados um com o outro no regime de comunhão de bens adquiridos. Neste regime de bens do casal, em inventário subsequente à dissolução conjugal, não têm de ser relacionados os bens próprios de um dos cônjuges mas apenas os bens que constituíam a comunhão ou a massa patrimonial comum do casal (cfr. neste sentido, Ac. STJ, de 14.12.95, em dgsi/net, proc. 087322). Se os bens não são comuns, nada há a partilhar Neste regime, são bens próprios os mencionados no artigo 1722º do C. C.. A comunhão patrimonial neste regime de bens é constituída apenas pelo conjunto de bens que vieram a entrar na esfera patrimonial já na vigência do casamento, como produto do esforço conjunto ou apenas de um deles no desenvolvimento de um projecto comum, que assenta na real cooperação dos cônjuges, na comunhão de esforços e de sacrifícios para a obtenção dos bens (citado aresto do STJ). Além dos bens referidos naquela norma, conservam a qualidade de bens próprios os bens adquiridos na constância do matrimónio com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges desde que a sua proveniência seja mencionada no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges (artigo 1723º, al. c), do Código Civil). Nesta situação, atento o teor literal da norma, o bem é próprio de um dos cônjuges se for mencionada no documento de aquisição, ou outro equivalente, a proveniência do dinheiro com que o bem foi adquirido, desde que nele tenham intervindo ambos os cônjuges. Na falta dessa menção e intervenção de ambos os cônjuges, o bem deverá ser qualificado como comum (cfr., neste sentido, P.Lima/A.Varela, CCAnotado, IV, 2ª Ed/425/427; A. Varela, Direito da Família, 1982, 378; Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Civil, 1998, VI, 176, e AC, STJ, de 25/05/2000, CJ/STJ/2000/II/76). Noutra posição, afirma-se que essa exigência só ocorre quando estiverem em causa os interesses de terceiros e, por isso, nas relações entre os cônjuges e terceiros e não já nas relações entre estes (cfr. Pereira Coelho/Guilherme Oliveira, Curso de Direito da Família, 2003, 563/564; Acs. STJ, 14/12/95, CJ/STJ/1995/III/168, de 24/09/1996, no BMJ 459/535, de 15/05/2001, proc. 01ª1389, dgsi/net). Nas relações entre os cônjuges, as formalidades exigidas na referida alínea c) são dispensáveis, podendo o cônjuge que se acha com direito ao bem utilizar quaisquer meios de prova para demonstrar que se trata de um bem próprio que lhe pertence. Não estando em causa a protecção de terceiros, que actuaram nas relações com o casal garantidos pelo seu património, nenhuma razão de ordem pública ocorre a impor as ditas formalidades, em caso de sub-rogação real a que se reporta a al. c) do artº 1723º. Nesse âmbito, os cônjuges bem sabem os bens com que cada um deles entra para a comunhão e quais os que pertencem exclusivamente a um deles, nenhuma situação de protecção concorre a justificar a extensão da comunhão a bens que, de facto, só pertencem a um dos cônjuges. Pelo contrário, nas relações com os credores, não têm estes de saber se os bens pertencem a ambos ou apenas a um dos cônjuges e, normalmente, contratam e concedem-lhes crédito na base de confiança que lhes dá a massa patrimonial aparentemente comum. Por outro lado, assentando a comunhão de bens, no regime de comunhão de adquiridos, no esforço conjugado dos cônjuges e na efectiva cooperação de ambos para a aquisição dos bens, nenhuma razão existe para estender a comunhão a um bem adquirido com meios apenas de um dos cônjuges, sem participação do esforço de ambos ou da real cooperação entre eles para a sua angariação, podendo, mesmo, dar lugar a um enriquecimento injustificado da comunhão á custa do património de um dos cônjuges. Daí se entender que, no domínio das relações entre os cônjuges, à demonstração da qualidade de bem próprio de um dos cônjuges, não se impõe que do documento de aquisição conste mencionada a proveniência do dinheiro para esse efeito. Sucede que, no caso, nem se coloca essa dificuldade pois que na escritura de reforço do capital social que deu lugar à quota em causa - de € 7.481,97 no capital social de “C...... - ......., LDA - intervieram ambos os cônjuges, recorrente e recorrido, que asseveraram a titularidade do dinheiro com que foi reforçado o capital da sociedade. Nessa escritura declaram que o dinheiro do reforço do capital a que se refere a quota era dinheiro próprio da recorrente pelo que a nova “quota é seu bem próprio”. Acresce que é levado ao registo a titularidade da quota como bem próprio da recorrente, garantindo-se a publicidade da propriedade da quota, não podendo terceiros invocar o desconhecimento desse facto e contar com esse activo como património comum do casal. Verifica-se dos despachos certificados a fls. 78/79 e 97/99 que nenhuma outra prova foi produzida à questão da propriedade da quota, afirmando-se naquele que essa questão estava ultrapassada pelos documentos juntos (o que é novamente se expressa no despacho recorrido). Donde se conclui que, no que respeita à aludida quota, a decisão só pode assentar nos documentos juntos e esses constam certificados a fls. 65/67 e 73/77 destes autos (registo da sociedade e escritura de reforço do capital da sociedade). Ora, dado o teor da relação de bens apresentada pelo recorrido que não inclui a aludida quota nessa relação, a reclamação da recorrente que não acusa a falta da questionada quota na relação de bens, e considerando-se os documentos de fls. 73/77 (escritura), em que se faz a menção da propriedade do dinheiro com que foi feito o reforço de capital que deu origem á quota, e fls.65/67 (certidão de registo) é de concluir que o quota em causa é um bem próprio da recorrente, pelo que a mesma não tem de ser relacionada. O recurso merece provimento. VI. Pelo que, acorda-se nesta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao agravo e revogar a decisão recorrida, na parte em que ordena a relacionação da mencionada quota social de € 7.481,97. Sem custas. Porto, 28/04/05 José Manuel Carvalho Ferraz Nuno Ângelo Raínho Ataíde das Neves António do Amaral Ferreira

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