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Acórdão STJ de 1996-04-18

088264

TribunalSupremo Tribunal de Justiça
Processo088264
Nº ConvencionalJSTJ00029505
RelatorMetello de Napoles
DescritoresAssento, Investigação de Paternidade, Respostas aos Quesitos, Matéria de Facto, Recurso, Alegações, Conclusões, Questão Nova, Valor, Uniformização de Jurisprudência
Nº do DocumentoSJ199604180882642
Data do Acordão1996-04-18
VotaçãoUnanimidade
Referência de PublicaçãoBMJ N456 ANO1996 PAG334
Privacidade1
Meio ProcessualREVISTA.
DecisãoNegada a Revista.
Área TemáticaDir Proc Civ. Dir Civ - Dir Fam

Sumário

I - Os assentos do Supremo Tribunal de Justiça, embora deixassem de ter força obrigatória geral face ao que se prescreve no artigo 17, n. 2, do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, mantêm contudo o valor de assegurar a uniformização da jurisprudência. II - A norma do Assento de 21 de Junho de 1983 que, em acções de investigação de paternidade, impõe ao autor o ónus de demonstrar a exclusividade das relações sexuais da mãe do investigante com o investigado durante o respectivo período legal da concepção, sob pena de improcedência do pedido, deve restringir-se aos casos em que não é possível fazer a prova directa do vínculo biológico, por meios laboratoriais. III - Tendo-se perguntado , em quesito que recebeu resposta afirmativa, se a mãe do investigante engravidou e o deu à luz em consequência das relações sexuais que manteve com o investigado, a resposta é de manter na medida em que exprime um mero juízo de valor sobre matéria de facto, que não de direito. IV - Não tendo o recorrente incluído, nas conclusões da sua alegação de recurso, a matéria relacionada com a sua condenação por litigância de má fé, dela não pode conhecer-se.


Texto Integral

PROCESSO N. 88264 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: No Tribunal Judicial de Coimbra foi proposta pelo Ministério Público, em 27 de Junho de 1991, uma acção de processo ordinário para investigação de paternidade, contra A.., pedindo que o menor B.. fosse declarado filho do réu. Este contestou, negando designadamente qualquer relacionamento sexual com a mãe do menor. A acção seguiu seus trâmites, tendo sido realizados exames hematológicos. Na audiência de julgamento determinou-se a formulação de um quesito adicional, sob o n. 5-A, assim redigido: "Em consequência dessas relações sexuais veio a C.. a engravidar e a dar à luz o menor no termo normal da gestação?" Oportunamente, e após o julgamento da matéria de facto, foi proferida sentença que julgou procedente a acção e condenou ainda o réu em multa por litigância de má fé. Essa sentença foi depois integralmente confirmada pela Relação de Coimbra. Do respectivo acórdão pediu o réu revista, preconizando a sua revogação e a improcedência da acção. As conclusões que servem de fecho à alegação podem sintetizar-se deste modo: - Trata-se de uma acção de investigação de paternidade que não se alicerça em nenhuma das presunções legais de paternidade; - O Assento de 21 de Junho de 1983 incide precisamente, e tem como causa, esse tipo de acção, pelo que tem aqui plena aplicação; - O Supremo aplica definitivamente o regime jurídico que julgar adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (artigo 729 - n. 1 do Código de Processo Civil); - Sendo o quesito 5-A matéria conclusiva e faltando a prova da exclusividade das relações sexuais, não pode a acção proceder, sob pena de se violar o estipulado naquele Assento; - Não existe base factual para aplicação de qualquer multa ao réu por litigância de má fé; - Violou-se o referido Assento, por remissão (e aplicação) do artigo 2 do Código Civil, e violou-se também, no tocante ao quesito 5-A, o disposto no artigo 511 - ns. 1 e 2 do Código de Processo Civil. Contra-alegou o Ministério Público em sentido concordante com o acórdão recorrido, preconizando, ainda, a retirada do benefício de apoio judiciário, por força do disposto no artigo 37 - ns. 1, alínea d), 3 e 4 do Decreto-Lei n. 387-B/87. Face às conclusões supra, que delimitam o âmbito do recurso, duas são as questões que cumpre resolver: a de saber se o autor teria de provar obrigatoriamente a exclusividade das relações sexuais da mãe no período legal de concepção; e a de saber se merece censura a quesitação directa da relação de causalidade entre a ligação sexual e o nascimento. É o seguinte o elenco dos factos que a Relação julgou provados: - Em 13 de Setembro de 1989, na freguesia da Sé Nova, Coimbra, nasceu o menor B, que foi registado apenas como filho da mãe C; - Entre esta e o réu não existem relações de parentesco ou afinidade que obstem à instauração da presente acção; - O réu é filho de José Pereira Lopes e de Palmira do Rosário Torcato; - A Lúcia e o réu conheceram-se em Junho/Julho de 1987, na oficina de relojoaria deste, na Praça Velha em Coimbra; - Estabeleceram entre eles laços de amizade e confiança e a partir daí começaram a encontrar-se na dita oficina; - Na sequência da intimidade que criaram vieram a manter relações de cópula completa; - Na sequência dessas relações veio a Lúcia a engravidar e a dar à luz o menor B no termo normal da gestação; - A lúcia trabalha numa loja de ourivesaria e relojoaria no "Mayflower Shopping Center", em Coimbra; - Era dessa loja que ela levava material de ourivesaria e relojoaria para o réu consertar na sua loja, a qual está constantemente aberta ao público, situa-se numa zona bastante movimentada da baixa coimbrã, e é explorada pelo réu e um sócio. Obteve resposta de "não provado" o quesito em que se perguntava se a mãe do menor apenas com o réu manteve relações sexuais nos primeiros 120 dias dos 300 que que precederam o seu nascimento. As respostas alusivas às relações de sexo mantidas entre o réu e a Lúcia e à gravidez e parto que se lhes seguiram (quesitos 4 e 5-A) fundou-as o tribunal colectivo em exames hematológicos realizados em 21 de Setembro de 1993 nas pessoas do menor, da Lúcia e do réu, em que o Instituto de Medicina Legal concluiu que a probabilidade da paternidade deste último era de 99,773 porcento, correspondente, segundo a escala de Hummel, a uma paternidade praticamente provada. O reconhecimento judicial da paternidade obtém-se através da acção especialmente intentada para o efeito, como se estabelece nos artigos 1865 - n. 5 e 1869 do Código Civil Há casos - os previstos no artigo 1871 n. 1 do Código Civil - em que a paternidade se presume. O Assento n. 4/83 deste Supremo, de 21 de Junho de 1983, fixou jurisprudência no sentido de que, na falta de presunção legal de paternidade, cabe ao autor, em acção de investigação, fazer a prova de que a mãe, no período legal da concepção, só com o investigado manteve relações sexuais. Este Assento, não sendo dotado de força obrigatória geral, mantém contudo o valor de "assegurar a uniformidade da jurisprudência", conforme se prescreve no artigo 17 - n. 2 do Decreto-Lei n. 329-A/95, de 12 de Dezembro. Discute-se aqui o seu âmbito de aplicação, o seu alcance interpretativo. Ora a questão decidida por esse Assento, e relativamente à qual se verificara oposição de acórdãos, consistia em saber se o ónus da prova que impendia sobre o autor da acção de investigação compreendia algo mais do que a simples coabitação ou relação sexual do réu com a mãe do menor. O que o Assento pretendeu sublinhar foi que, para a procedência da acção de investigação, se teria de provar mais alguma coisa, para além do mero relacionamento sexual, em ordem ao apuramento da paternidade biológica. Isso transparece claramente de vários passos do acórdão de que emergiu o assento. Aí se diz, designadamente, que na falta de uma presunção legal da paternidade, "... cabe ao autor provar aquele vínculo, através, inclusivamente, de exames de sangue e de quaisquer outros métodos cientificamente comprovados...", logo se acrescentando que "Lá fora, são já correntes certos meios científicos que permitem apurar a paternidade biológica com um muito alto grau de probabilidade"; e mais incisivamente ainda, se possível, consignou-se depois o seguinte: "... a paternidade real ou se determina por meios técnicos, ou só pode ter-se por demonstrada quando a mãe, durante o período legal da concepção, não manteve relações sexuais senão com o investigado". Tem-se pois como seguro e fora de qualquer dúvida que o pensamento subjacente ao assento formulado não foi, de todo em todo, o de afastar os exames hematológicos e "outros métodos cientificamente comprovados" para apurar a verdade no que toca à identificação do pai biológico, o que de resto colidiria com o preceituado no artigo 1801 do Código Civil (na redacção introduzida em 1977). Quis-se apenas, isso sim, repudiar uma certa corrente jurisprudencial segundo a qual o autor só estava onerado com a prova de uma relação de cópula carnal, pois que, segundo o entendimento que logrou vencimento no Tribunal Pleno, era ainda indispensável um suplemento de prova de modo que uma mera possibilidade de o réu ser o pai se volvesse numa forte probabilidade (sendo todavia indiferente, na filosofia do assento que ressalta dos seus fundamentos, que essa transformação ocorresse por via da demonstração da exclusividade das relações sexuais ou antes através de exames laboratoriais). Impõe-se pois uma interpretação restritiva do Assento de 1983, por razões de lógica, de coerência e de razoabilidade; não se quis rejeitar a prova por métodos científicos da paternidade, tal como é amplamente admitida pelo citado artigo 1801, na medida em que ela pudesse dar garantias da identidade do autor da cópula fecundante. Uma tal interpretação restritiva do Assento - no sentido de que a prova da exclusividade das relações sexuais não é necessária se for possível fazer a demonstração por meios científicos do vínculo biológico - tem sido abertamente sufragada por este Supremo, como se pode ver dos seus acórdãos de 26 de Junho de 1991 (B.M.J. n. 408, página 503), 19 de Janeiro de 1993 (Col. Jur. - Acórdãos do S.T.J., I, tomo 1, página 67) e 25 de Fevereiro de 1993 (B.M.J. n. 424, página 696). Na doutrina é esta também a posição frontalmente assumida por Guilherme Falcão de Oliveira, ao defender, em anotação ao acórdão deste Supremo de 10 de Maio de 1994, que "a norma do Assento, que impõe ao autor o ónus da demonstração da exclusividade, sob pena de improcedência do pedido, deve restringir-se aos casos em que não é possível fazer a prova directa do vínculo biológico, por meios laboratoriais (R.L.J., 128, página 185). E diferente não parece ser também o entendimento de Antunes Varela, ao escrever, a propósito do dito Assento, que, fora dos casos contemplados no artigo 1871, se torna indispensável que o autor prove ainda, para além das relações carnais, o outro facto essencial à demonstração da paternidade, ou seja, a exclusividade de tais relações ou, pelo menos a causalidade delas (R.L.J., 117, página 56, nota 2 da 1. col.). Acrescenta o autor que, não obstante a prova da "exceptio plurium", se houver indicações seguras de que essa coabitação concorrente não podia ter sido causadora da concepção da criança (da fecundação do óvulo), nada obstará a que o tribunal, a despeito de ter fracassado a prova da exclusividade das relações, reconheça a paternidade do investigado (loc. cit., página 56). À luz da interpretação assim acolhida, não ocorre pois a alegada violação da doutrina do Assento de 21 de Junho de 1983. Mas será que deve ser rejeitado o quesito (5-A) formulado na audiência final, e bem assim a respectiva resposta? No entender do recorrente aquilo que foi vazado nesse quesito - a relação de causa e efeito entre as relações sexuais do réu com a Lúcia e a posterior gravidez desta e subsequente nascimento da criança - é matéria de cariz conclusivo, não constituindo facto sujeito a prova. Que a averiguação da filiação biológica integra matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias, é questão que foi resolvida pelo Assento de 25 de Julho de 1978 e é hoje pacífica. Ora se, sem ter havido ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, as instâncias apuraram em sede de facto uma certa procriação e paternidade, o tribunal de revista nunca poderia modificar esse veredicto, face às disposições conjugadas dos artigos 712, 721 e 729 do Código de Processo Civil, como foi salientado no citado acórdão de 26 de Junho de 1991 (ver no mesmo sentido o acórdão de 25 de Fevereiro de 1993, também citado supra). Ainda que se entendesse que a pergunta contida no quesito em apreço envolve um juízo de facto, ou seja um verdadeiro juízo de valor sobre matéria de facto (estando em causa uma apreciação da situação fáctica), que como tal não devesse em princípio figurar no questionário (peça essencialmente destinada à inserção de factos materiais simples), o certo é que se um juízo valorativo de facto for incluído no questionário a resposta do colectivo a esse quesito não deve ser tida por não escrita, por aplicação do disposto no n. 4 do artigo 646 do Código de Processo Civil, visto que não se está perante uma questão de direito, mas de inegável índole factual (cfr., nesta orientação, o ensinamento de Antunes Varela, in R.L.J., 122, páginas 219 a 222, e o acórdão deste Supremo de 19 de Janeiro de 1993, atrás citado). Mas não deixará ainda de se registar que a formulação de um quesito deste teor visa dar sentido útil aos exames de sangue que foram realizados, num caso, como o dos autos, em que o autor não logrou provar a exclusividade das relações sexuais da mãe no período legal da concepção mas em que a paternidade está praticamente provada por métodos científicos, mediante um grau de probabilidade computado em 99,773 porcento. Cabe citar anda a propósito Guilherme Falcão de Oliveira quando, com indiscutível razão, opina do seguinte modo: Pode continuar a dizer-se que a afirmação da paternidade ainda se funda numa probabilidade, e não numa certeza; mas trata-se de uma probabilidade muito mais alta do que aquela que os tribunais usam, quotidianamente, para fundamentar todas as suas convicções as suas sentenças (R.L.J., 128, página 186). Haverá então que concluir que releva, em sede factual, a resposta positiva que foi dada ao quesito 5-A, atinente ao nexo causal entre as relações sexuais e a subsequente gravidez da Lúcia que culminou no nascimento do menor. Alude ainda o recorrente, numa das conclusões que formulou; à sua indevida condenação por litigância de má fé. Não indicou, contudo, norma jurídica que, nesse domínio, tenha sido violada pela Relação, não obstante o convite que lhe foi feito através do despacho do relator de folha 190. Ora o fundamento da revista é a violação de lei (artigos 721 - n. 2, 722 - n. 1 e 729 - n. 1 do Código de Processo Civil). E a consequência da não especificação da norma violada é não se conhecer do recurso (artigo 690 - n. 3 do mesmo Código). Decide-se por isso não conhecer da questão suscitada pelo recorrente respeitante à sua condenação por litigância de má fé, decretada pelas instâncias. Nestes termos decide-se negar a revista. Custas a cargo do recorrente. Quanto a uma eventual retirada, com fundamento no disposto no artigo 37-n. 1, alínea d), do Decreto-Lei n. 387-B/87, de 29 de Dezembro, do apoio judiciário concedido ao réu, visto que este Supremo não conheceu da questão referente à litigância de má fé, e dada a exigência legal de audição prévia do interessado, deverá a 1. instância tomar a posição que julgar adequada, após a baixa do processo. Lisboa, 18 de Abril de 1996 Metello de Nápoles, Nascimento da Costa, Pereira da Graça. Decisões impugnadas: I - Sentença de 14 de Julho de 1994 do T.C. Coimbra; II - Acórdão de 20 de Junho de 1995 da Relação de Coimbra.

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